A revista Canavieiros publicou, na edição de outubro, artigo sobre a cultura da cana-de-açúcar e sustentabilidade. O pesquisador aposentado do IAC, Jair Rosas da Silva, foi o autor.
Nematoides são responsaveis por perdas de até 30% dos canaviais
A cultura da cana-de-açúcar pode ser sustentável?
1. Revista Canavieiros - Outubro de 2016
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A cultura da cana-de-açúcar pode ser
sustentável?
Jair Rosas da Silva*
A
cultura da cana-de-açúcar tem
marcadamente uma conotação
de atividade industrial, uma vez
que seus principais produtos se desti-
nam às atividades fabris de produção de
açúcar, etanol, energia elétrica, além de
uma enorme gama de subprodutos, des-
tinados a diversos setores da economia.
O agronegócio cana-de-açúcar, no
Brasil e no mundo, apresenta caracte-
rísticas próprias e predominantemente
marcantes de monocultura, fato que o
distancia sobremaneira da moderna fi-
losofia da agricultura sintrópica.
Senão vejamos:
a) suas lavouras são implantadas
principalmente em grandes áreas con-
tínuas que, tanto mais extensas, mais
favorecem a mecanização;
b) o fato da cultura prescindir sobre-
modo de operações mecanizadas dificul-
ta e/ou realmente impede a consorciação
com outras culturas agrícolas, o que re-
presenta um dos principais fatores deter-
minantes de sistemas sintrópicos;
c) por outro lado, o advento da meca-
nização confere alterações na estrutura
do solo, em maior ou menor grau, que
resultam principalmente em adensamen-
to de seus horizontes mais superficiais;
d) alterações na estrutura do solo nor-
malmente resultam em modificações,
por exemplo, nas taxas de absorção de
água, na temperatura e na compactação
do solo, dentre outros, interferência que
não ocorre em sistemas sintrópicos;
e) também o emprego acentuado e
generalizado de insumos não-orgâni-
cos, de um modo geral, tais como agro-
tóxicos, produtos químicos associados
à aplicação de agroquímicos, tais como
espalhantes, adjuvantes, umectantes,
fertilizantes químicos, etc, tem caracte-
rizado atividades de manejo de plantio
e condução de lavouras de cana.
Por esse respeitável conjunto de ar-
gumentos, fácil é concluir que a cultura
da cana, tal como é cultivada em vários
continentes, está longe de constituir
uma atividade sustentável, a médio/lon-
go prazo.
Registros históricos nos ensinam que
atividades na área da agricultura efetu-
adas visando à economia e ao aumento
de divisas de um país, sem atentar para
as técnicas de sustentabilidade mere-
cem atenção. Veja o caso, por exemplo,
da cultura cafeeira no período impe-
rial no Brasil: introduzido no Estado
do Pará em 1727, migrou para as ser-
ras do Estado do Rio de Janeiro, onde
prosperou por décadas em que o Brasil
ostentava o título de maior exportador
mundial, por volta de 1831. Uma dessas
áreas esteve localizada em um maciço
da cidade do Rio de Janeiro que, após
uso intensivo sofreu degradação. Por
determinação do Imperador D. Pedro II,
o Major Gomes Archer promoveu o seu
reflorestamento, dando origem então à
atual Floresta Nacional da Tijuca.
Após exaurir os solos fluminenses,
Ponto de Vista V
Alternativas paliativas ou mistas devem ser objetos de novas pesquisas
a cultura cafeeira adentrou pela região
serrana do Estado de São Paulo, de
onde, após anos a fio, também foi des-
locada, permanecendo hoje na forma
de áreas restritas a alguns municípios,
encontrando-se hoje em maior escala
em regiões serranas do Estado de Minas
Gerais e no oeste do Estado da Bahia,
evidenciando assim o seu nítido caráter
migratório.
Por outro lado, cremos não ser o caso
de “demonizar” a cultura da cana tal
como hoje é gerenciada. No caso, po-
dem ser tentadas alternativas paliativas
ou mistas como, por exemplo, introduzir
consorciação com outras culturas econô-
micas, intercaladas a cada duas a quatro
linhas de cana, locais em que devem-se
restringir as operações mecanizadas e,
no restante da área, aplicar-se todas as
técnicas da agricultura sintrópica, rea-
lizando-se podas frequentes com incor-
poração ao solo de resíduos das culturas
consorciadas e emprego de insumos
orgânicos ou não-agressivos ao meio
ambiente. Tudo isso são alternativas que
devem ser objeto de novas pesquisas.
*pesquisador aposentado do IAC
(Instituto Agronômico de Campinas) e
especial em máquinas agrícolas. RC