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         EDUCAÇÃO E RESPONSABILIDADE PELO MUNDO: REFLEXÕES
              EM TORNO DO PENSAMENTO ARENDTIANO
                                       Ricardo George de Araújo Silva1
1. Introdução
       Quando optamos por tratar da educação na esteira do pensamento de Hannah
Arendt, o fizemos por entender que as questões que assolam esta, se encontram fora
dela, por serem de ordem política. Constatação que nos intriga, conduzindo-nos a essa
problemática. Cabe ainda esclarecer, que embora concordemos com Arendt a respeito
da educação ser um espaço pré-político (Cf, ARENDT, 2001, p. 128), entendemos que
esta guarda forte diálogo com a política, na medida em que os agentes da intenção
pedagógica, isto é, os mestres, ocupam o espaço educacional a partir de uma
compreensão de mundo, de sociedade e de homem, seja esta compreensão consciente ou
não.
       O mestre educa com uma intenção. Este telos não é significativo para o aluno,
que o acolhe como a verdade repassada pelo mestre, mas é politicamente constituído de
sentido ideológico, pelo mestre que o repassa. Assim, não há como dissociar Educação
e Política. Todavia, devamos estabelecer suas fronteiras. Como esclarece Freire (2003,
p.99) “É ingênua ou astuta a dicotomia entre educação para a libertação e educação para
a responsabilidade”. Arendt chama a atenção para a responsabilidade que temos diante
do mundo. Se responsabilizar pelo mundo, enquanto lócus da ação humana e das teias
de relações ai travadas é, em nosso entendimento, uma atitude política, de primeira
ordem. Ainda que Arendt esclareça que a autoridade se configure no mundo pré-político
e, até esse, já esteja em crise (Arendt, 2001, p. 40) não podemos negar sua importância
no que se refere à política e o cuidado com o mundo e nisso entendemos existir um
pedra de toque na relação Educação e Política, haja vista que:
                         A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
                         bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto,
                         salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse à renovação e a vinda
                         dos novos e os jovens. A educação é, também, onde decidimos se
                         amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso
                         mundo, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de
                         empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as
                         em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo
                         comum. (ARENDT, 2001, p. 247)


1
  Mestre em Filosofia (UFC). Professor da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA.
Membro do Grupo de Pesquisa do Laboratório de estudos do Trabalho e qualificação profissional –
Labor/UFC, e do Grupo de Estudos em Filosofia Política da UFC, ambos cadastrados no CNPQ.
Coordenador do Grupo de Estudos em Política, Educação e Ética – GEPEDE.
2



       Com estas questões esclarecemos qual nosso foco: ao analisar a educação e a a
responsabilidade pelo mundo. Entendemos assim, que a crise da educação não é dela,
mas política. Para tanto nos ocuparemos em nossa análise das categorias: crise,
Responsabilidade, mundo, política e educação, como norteadoras de nossa
argumentação. Privilegiamos como texto central o ensaio intitulado “A crise na
Educação” publicado na obra “Entre o passado e o futuro”.


2. Educação e Crise

       A crise posta é uma crise política, que atinge a educação. Assim, a crise na
educação não é genuinamente sua, mas um fenômeno exógeno que a atinge. Esta crise
se configura em duas frentes de entendimento, a nosso ver. Primeiro encontrar respostas
novas aos problemas postos. Segundo Arendt (2001, p. 223) uma crise só se torna um
desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com pré-
conceitos”. Esta precisa ser tratada com novas abordagens, sob pena de agudizar seus
efeitos e, sobretudo, deixar passar o momento da reflexão. Segundo, viabilizar ação para
superação da crise a partir das respostas novas e das ações que enfrentam a realidade
objetiva constituída. Assim:
                       A realidade social, objetiva, não existe por acaso, mas como produto
                       da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os
                       homens são produtores desta realidade e se esta, na “inversão da
                       práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade
                       opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (FREIRE. 2005, p,
                       41)


       Ao tratarmos de crise cabe destacar a crise da autoridade ou pelo menos sua
confusão conceitual que também reside fora dela, esta se encontra no engodo político
fundamental, qual seja, não responsabilizar-se pelo mundo. Ao agir assim,
negligenciando o mundo, a política ganha relevância secundária e aparece como serva
de outros saberes, como exemplo podemos citar a sociedade de produção e consumo
regulada pela economia, que ganha primazia em relação à política. Esta visa à
transformação da natureza e das relações humanas em produto. Neste contexto, tudo se
inscreve na lógica do consumo, na perspectiva do homem laborans. A política se for
possível nessa perspectiva, é pra dar sustentação à lógica da produção e do consumo. De
modo, que a organização social entendida nessa lógica conduz a política a uma crise de
identidade, seu papel fica reduzido e confuso. Tal situação se estende as veias da
3


sociedade chegando à educação, que já não ver com clareza qual seu papel. Emerge aqui
a crise do senso comum, Isto é, valores e sentidos antes compartilhados se esfacelam e
já não são reconhecidos no corpo social, de modo que não partilhando sentido e valores
estabelecidos pela família e pela escola, estes perdem relevância, entre eles a
autoridade. Assim, compreendemos que o desaparecimento do sendo comum [enquanto
sentido compartilhado] nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. Grifo nosso
(ARENDT, 2001, p, 227)
       Todavia voltando a questão da redução da política a atividades da produção
Arendt (2002b, p.15) elabora uma distinção entre as necessidades humanas básicas.
Apresenta as que estão presas ao ciclo vital e se encontram em predominância, a
liberdade – o trabalho – e àquelas que se voltam para o mundo e seu cuidado – a
fabricação, a ação e o pensamento. Essa distinção elaborada por Arendt nos esclarece o
fenômeno vivido pela modernidade que tomou a dimensão de cuidado com a vida,
enquanto sobrevivência orgânica e, lançou esta perspectiva sobre todas as outras esferas
do existir. Conforme Almeida (2009 p. 18) “no mundo moderno, os processos vitais
ameaçam reduzir-nos a meros consumidores e limitar-nos a nosso aspecto de animal
laborans, de modo que sobram cada vez menos espaços para outros princípios e
atividades,” Explicando de outra maneira, asseveramos que a produção e o consumo, na
sua origem, restritas aos processos biológicos, ganharam na modernidade uma lupa de
aumento e, não só passaram a ser vista como necessidade, como se tornaram uma
prática. Assim, o hábito da produção e consumo de tudo o quanto fosse possível,
desencadeou um sentimento de insatisfação compulsivo, que em nosso entender chegou
a atingir os valores. Assim:


                        Esse ciclo de produção e consumo, originalmente ligado aos processos
                        biológicos, na modernidade extrapola cada vez mais satisfação das
                        necessidades biológicas e se estende a outras dimensões. Não
                        consumimos apenas alimentos, mas estilos de vida, produtos
                        “culturais”, emoções, imagens. Contudo, embora o processo de
                        produção e consumo seja cada vez mais exacerbado, a exigência
                        imperiosa que lhe é inerente continua sendo a mesma: o suprimento
                        das carências vitais sejam elas biológicas ou não. O ser humano
                        enquanto ser vivo submetido às necessidades sempre prementes e
                        obrigado a trabalhar para atendê-las é chamado por Arendt de animal
                        laborans. (ALMEIDA, 2009,p.16)
4


       O animal laborans, não se ocupa de responder a nenhuma indagação que se
inscreva fora da relação de consumo. De modo que o cuidado com o mundo não lhe
interessa, por sua constituição não ser política, ainda que o contexto seja de crise.
       A política está em crise. Assim, também, o papel da educação se encontra em
crise, por que está em crise, a tríade fundamental, a saber: a fundação, a tradição e a
autoridade estas, quando no bojo da crise, não são por si destrutivas. Contudo,
potencializam o hiato entre passado e as realidades presentes dificultando o
encaminhamento ao futuro. Rompendo essa continuidade o passado fica fragmentado,
exigindo do presente novas formas de entendimento e, novo método de enfrentamento
da realidade hodierna. Assim:
                        Nossa experiência com a tradição vive, segundo Arendt, uma situação
                        lacunar entre estas duas ordens de tempo (passado e futuro) onde,
                        retomando Tocquivelle, o passado não iluminando mais o presente,
                        somos obrigados a avançar no escuro. (BRAYNER, 2008, P. 21)


       Uma das conclusões que Arendt chega é que a Crise na educação frente às
atrocidades histórico-sociais, sempre parecer ser menor. (Arendt, 2001, p. 222) A nosso
ver, essa constatação permanece até os dias atuais, observamos isso tanto na crise da
educação, como na reduzida importância do problema da educação em relação a outros
problemas. O que ocorre no interior da educação sempre é legado a um segundo plano,
como se esta pudesse sempre esperar o melhor momento de resolver, o que nunca
chega. Se a crise desponta como oportunidade de mudança e de reflexão, a educação
nunca se apropria dessa possibilidade na medida em que não lhes são abertas
oportunidades. Assim, a impressão que vigora é que sempre tem problemas e crises
mais urgentes e relevantes em outras áreas. Consoante Arendt (2001, p.222) “é de fato
tentador considerá-la [a educação] como um fenômeno local e sem conexão com as
questões principais do século.Grifo nosso”
       O que não se percebe, ou passa a vista sem um exame mais acurado, é que a
crise na educação não é dela, como anteriormente destacamos, e sim política e
generalizada. Por isso, o título tratar da crise na educação e, não da educação. O
entendimento desse ponto torna-se relevante na medida em que a pretensão de Arendt,
anunciada logo no inicio do texto (Cf. Arendt, 2001, p, 221), visa um problema maior.
Arendt chama atenção para a política, enquanto ocupação do espaço público, que foi
perdido pela tradição ao negar autoridade. Há, portanto um fio condutor perdido pela
tradição que precisa ser resgatado. Nesse sentido, precisamos resgatar a educação
5


naquilo que a movimenta e significa. Segundo Arendt (2001, p, 223) “A essência da
educação é a natalidade, o fato de que seres humanos nascem para o mundo”. Nascer
para o mundo tem significados fundamentais, sejam eles: Integrar a comunidade de
falantes e agentes; Perpetuar a vida e o mundo público; Garantir a renovação das
instituições, entre outras. De modo que
                       Essa crise está relacionada às características básicas da sociedade
                       moderna. (...) Os pressupostos do mundo moderno têm seus efeitos
                       também na pedagogia e nas práticas educacionais, de modo que a crise
                       mais ampla ganha uma expressão específica nesse âmbito. As
                       questões e os problemas assim provocados, porém, não dizem respeito
                       apenas aos pais e educadores, mas, em princípio, são da preocupação
                       de todos, devido ao lugar fundamental que a educação ocupa no
                       mundo. É por meio da educação que cada comunidade introduz as
                       novas gerações em seu modo específico de existência.(ALMEIDA,
                       2009, p.14)

       Dito isto nos parece pertinente a constatação de que a educação tem como tarefa
primordial, introduzir a crianças no mundo, contudo, cabe destacar a peculiaridade
desse ato, haja vista que esse mundo antecede as crianças e continuará depois deles. De
modo que viver implica se inserir em um espaço-tempo determinado e constituído em
que as histórias de cada um se desenrola. Segundo, Almeida( 2009, p. 15) Essa
existência “se insere numa história mais abrangente, na qual as muitas histórias
singulares se entrelaçam, devido ao aparecimento constante de novos atores, num tecido
em contínua transformação”.Assim, nada nos autoriza no contexto de uma crise ou fora
dele pensar a educação apenas como preparação para um mundo novo, isto pode até
funcionar como uma dimensão da educação mas, não como seu fim absoluto, sob pena
de estarmos ferindo a perspectiva desta enquanto fenômeno filiado a natalidade e, a
constituição do novo. Pois,
                       Pertence à própria natureza, da condição humana o fato de que cada
                       geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar
                       uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de
                       arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face
                       ao novo. (Arendt, 2001, p. 226)

       Consoante Almeida (2009, p, 15) A natalidade, portanto, diz respeito à
dinâmica entre o mundo historicamente constituído e a chegada dos novos, que podem
intervir nele.” Contudo, ainda que identifiquemos um diálogo sólido entre educação e
política, faz-se necessário estabelecer sua fronteira. O estabelecimento desse limite é
importante para evitar um equívoco corriqueiro que é tratar a educação como
genuinamente política. Ao agir assim, demonstramos nossa incompreensão do
6


fenômeno político, que tem seu sentido na liberdade, (Cf. Arendt, 2002a, p, 38). A
educação,por sua vez, se inscreve entre os desiguais.
       Outro ponto importante a ser reconhecido é o modo como a modernidade tratou
a educação, tomando esta como ferramenta política, não só ela, mas todas as utopias que
se ocuparam do Estado, de alguma forma, buscaram na educação subsídio para legitimar
a estrutura política. Sendo assim, a educação foi igualada a política, e passou ao longo
da tradição a vigorar como mecanismo fundamental nessa estrutura. Podemos observar
isso na República de Platão, no Emilio de Rousseau entre outros. Isto se torna deveras
grave na medida em que os novos passam a ser tratados como “ovelhas”, quem sem a
oportunidade de decidir a onde ir são conduzidos. Ou ainda, lhes são tiradas as
possibilidades de decidir sobre o novo a construir, na medida em que os novos recebem
pronto o estabelecido (velho) com feições de novo.         A educação deve fornecer o
convívio entre seus iguais e a possibilidade de acerto e fracasso entre eles. Contudo, o
que se tem percebido, é a imposição do mundo adulto sobre o mundo infantil. Essa
ditadura do mundo adulto, já consolidado coloca os novos - oi neói – a mercê de um
paradigma já estabelecido, “passando a ideia de que o novo já existia” (ARENDT, 2001,
p, 225).
       Assim, temos que a “educação não pode desempenhar papel nenhum na política,
pois, na política lidamos com aqueles que já estão educados”. (ARENDT, 2001, p, 225).
Isto implica dizer que embora seja possível, e entendemos que o é, um diálogo, entre
política e educação, a primeira não tem na sua estrutura, nada da segunda e vice-versa.
Portando, tomá-las como iguais é adentrar o movediço terreno da confusão conceitual e
da prática estabelecida pelas tiranias que tomou a educação com o fim de responder seus
interesses. Mas por que isso?
                       Por que quem deseja educar adultos na realidade pretende agir como
                       guardião e impedi-los de atividade política. Como não se pode educar
                       adultos, a palavra “educação” soa mal em política; o que há é um
                       simulacro de educação, enquanto o objetivo real é a coerção sem o uso
                       da força. (ARENDT, 2001, p, 225)


       Outro fortuito engano é achar que é possível tratar da crise na educação como
um problema de ordem metodológica ou de técnica de ensino, quando na verdade esses
são frutos da questão maior,que é política, e ao atingir a educação, atinge suas
peculiaridades como a metodologia. Neste contexto, a crise na educação não é uma crise
da nação circunscrita a fronteiras, em que pese apenas aos diretamente afetados. Ao
7


contrário, diz respeito a uma esfera de alcance maior no que concerne a organização e
deliberação dos homens e mulheres enquanto teia de relações estabelecidas.


Considerações finais
       Ao propormos essa reflexão em torno da Educação e da responsabilidade pelo
mundo objetivamos trazer à tona o entendimento dessas categorias e seus limites no
intuito de esclarecer possíveis equívocos. Contudo, nos posicionamos contrários àquelas
posturas que em nome da fronteira existente entre educação e política afirmam a
impossibilidade de um diálogo entre estas esferas.
       A responsabilidade pelo mundo é uma tarefa que exige de todos ação. Sabemos
que a ação é uma categoria política por excelência no constructo teórico de Hannah
Arendt. Sendo Assim, entendemos que a superação e enfrentamento da crise deva se dar
no campo da política. O que não significa que a educação não seja capaz de
responsabilizar-se pelo mundo. Entendemos que a educação guarda consigo parcela
dessa tarefa na medida em que acolhe em bojo os novos, os recém chegados, sendo
assim, guarida da natalidade.
       Por fim, tornamos claro que não pretendemos esgotar a questão em torno da
responsabilidade pelo mundo e sua relação com a educação, ao contrário pretendemos
apenas ser mais uma provocação ao debate no sentido de construir e possibilidade a
circulação das ideias que possam de alguma maneira iluminar ou em um retorno ser
iluminada.


Referência Bibliográfica
ARENDT. Hannah. Entre o passado e o futuro. Trad. De Mauro W. Barbosa de
Almeida. Ed. Perspectiva. São Paulo. 2001

________________. O que é a Política. Trad. De Ursula. Ed. Bertrand Brasil. 2002a

________________. A Condição Humana. Trad.           Ed. Forense Universitária. 2002b

ALMEIDA. Vanessa Sierves. Amor Mundi e Educação:reflexões sobre o pensamento
de Hannah Arendt.Orientação de José Sergio Fonseca de Carvalho. Tese de doutorado-
Programa de Pós-Gradução em Educação. USP. Área de concentração em Filosofia da
Educação. São Paulo. 2009.

BRAYNER, Flávio. Educação e Republicanismo – Experimentos Arendtianos para
uma educação melhor. Ed. Liber –livro. Brailia.2008.

FREIRE. Paulo. Política e Educação. Col. questões de nosso época. Ed. Cortez. São
8


Paulo 2003.

FREIRE. Paulo. Política e Educação. Col. questões de nosso época. Ed. Cortez. São
Paulo 2005.

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Educação, responsabilidade e crise política no pensamento de Hannah Arendt

  • 1. 1 EDUCAÇÃO E RESPONSABILIDADE PELO MUNDO: REFLEXÕES EM TORNO DO PENSAMENTO ARENDTIANO Ricardo George de Araújo Silva1 1. Introdução Quando optamos por tratar da educação na esteira do pensamento de Hannah Arendt, o fizemos por entender que as questões que assolam esta, se encontram fora dela, por serem de ordem política. Constatação que nos intriga, conduzindo-nos a essa problemática. Cabe ainda esclarecer, que embora concordemos com Arendt a respeito da educação ser um espaço pré-político (Cf, ARENDT, 2001, p. 128), entendemos que esta guarda forte diálogo com a política, na medida em que os agentes da intenção pedagógica, isto é, os mestres, ocupam o espaço educacional a partir de uma compreensão de mundo, de sociedade e de homem, seja esta compreensão consciente ou não. O mestre educa com uma intenção. Este telos não é significativo para o aluno, que o acolhe como a verdade repassada pelo mestre, mas é politicamente constituído de sentido ideológico, pelo mestre que o repassa. Assim, não há como dissociar Educação e Política. Todavia, devamos estabelecer suas fronteiras. Como esclarece Freire (2003, p.99) “É ingênua ou astuta a dicotomia entre educação para a libertação e educação para a responsabilidade”. Arendt chama a atenção para a responsabilidade que temos diante do mundo. Se responsabilizar pelo mundo, enquanto lócus da ação humana e das teias de relações ai travadas é, em nosso entendimento, uma atitude política, de primeira ordem. Ainda que Arendt esclareça que a autoridade se configure no mundo pré-político e, até esse, já esteja em crise (Arendt, 2001, p. 40) não podemos negar sua importância no que se refere à política e o cuidado com o mundo e nisso entendemos existir um pedra de toque na relação Educação e Política, haja vista que: A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse à renovação e a vinda dos novos e os jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDT, 2001, p. 247) 1 Mestre em Filosofia (UFC). Professor da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA. Membro do Grupo de Pesquisa do Laboratório de estudos do Trabalho e qualificação profissional – Labor/UFC, e do Grupo de Estudos em Filosofia Política da UFC, ambos cadastrados no CNPQ. Coordenador do Grupo de Estudos em Política, Educação e Ética – GEPEDE.
  • 2. 2 Com estas questões esclarecemos qual nosso foco: ao analisar a educação e a a responsabilidade pelo mundo. Entendemos assim, que a crise da educação não é dela, mas política. Para tanto nos ocuparemos em nossa análise das categorias: crise, Responsabilidade, mundo, política e educação, como norteadoras de nossa argumentação. Privilegiamos como texto central o ensaio intitulado “A crise na Educação” publicado na obra “Entre o passado e o futuro”. 2. Educação e Crise A crise posta é uma crise política, que atinge a educação. Assim, a crise na educação não é genuinamente sua, mas um fenômeno exógeno que a atinge. Esta crise se configura em duas frentes de entendimento, a nosso ver. Primeiro encontrar respostas novas aos problemas postos. Segundo Arendt (2001, p. 223) uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com pré- conceitos”. Esta precisa ser tratada com novas abordagens, sob pena de agudizar seus efeitos e, sobretudo, deixar passar o momento da reflexão. Segundo, viabilizar ação para superação da crise a partir das respostas novas e das ações que enfrentam a realidade objetiva constituída. Assim: A realidade social, objetiva, não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (FREIRE. 2005, p, 41) Ao tratarmos de crise cabe destacar a crise da autoridade ou pelo menos sua confusão conceitual que também reside fora dela, esta se encontra no engodo político fundamental, qual seja, não responsabilizar-se pelo mundo. Ao agir assim, negligenciando o mundo, a política ganha relevância secundária e aparece como serva de outros saberes, como exemplo podemos citar a sociedade de produção e consumo regulada pela economia, que ganha primazia em relação à política. Esta visa à transformação da natureza e das relações humanas em produto. Neste contexto, tudo se inscreve na lógica do consumo, na perspectiva do homem laborans. A política se for possível nessa perspectiva, é pra dar sustentação à lógica da produção e do consumo. De modo, que a organização social entendida nessa lógica conduz a política a uma crise de identidade, seu papel fica reduzido e confuso. Tal situação se estende as veias da
  • 3. 3 sociedade chegando à educação, que já não ver com clareza qual seu papel. Emerge aqui a crise do senso comum, Isto é, valores e sentidos antes compartilhados se esfacelam e já não são reconhecidos no corpo social, de modo que não partilhando sentido e valores estabelecidos pela família e pela escola, estes perdem relevância, entre eles a autoridade. Assim, compreendemos que o desaparecimento do sendo comum [enquanto sentido compartilhado] nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. Grifo nosso (ARENDT, 2001, p, 227) Todavia voltando a questão da redução da política a atividades da produção Arendt (2002b, p.15) elabora uma distinção entre as necessidades humanas básicas. Apresenta as que estão presas ao ciclo vital e se encontram em predominância, a liberdade – o trabalho – e àquelas que se voltam para o mundo e seu cuidado – a fabricação, a ação e o pensamento. Essa distinção elaborada por Arendt nos esclarece o fenômeno vivido pela modernidade que tomou a dimensão de cuidado com a vida, enquanto sobrevivência orgânica e, lançou esta perspectiva sobre todas as outras esferas do existir. Conforme Almeida (2009 p. 18) “no mundo moderno, os processos vitais ameaçam reduzir-nos a meros consumidores e limitar-nos a nosso aspecto de animal laborans, de modo que sobram cada vez menos espaços para outros princípios e atividades,” Explicando de outra maneira, asseveramos que a produção e o consumo, na sua origem, restritas aos processos biológicos, ganharam na modernidade uma lupa de aumento e, não só passaram a ser vista como necessidade, como se tornaram uma prática. Assim, o hábito da produção e consumo de tudo o quanto fosse possível, desencadeou um sentimento de insatisfação compulsivo, que em nosso entender chegou a atingir os valores. Assim: Esse ciclo de produção e consumo, originalmente ligado aos processos biológicos, na modernidade extrapola cada vez mais satisfação das necessidades biológicas e se estende a outras dimensões. Não consumimos apenas alimentos, mas estilos de vida, produtos “culturais”, emoções, imagens. Contudo, embora o processo de produção e consumo seja cada vez mais exacerbado, a exigência imperiosa que lhe é inerente continua sendo a mesma: o suprimento das carências vitais sejam elas biológicas ou não. O ser humano enquanto ser vivo submetido às necessidades sempre prementes e obrigado a trabalhar para atendê-las é chamado por Arendt de animal laborans. (ALMEIDA, 2009,p.16)
  • 4. 4 O animal laborans, não se ocupa de responder a nenhuma indagação que se inscreva fora da relação de consumo. De modo que o cuidado com o mundo não lhe interessa, por sua constituição não ser política, ainda que o contexto seja de crise. A política está em crise. Assim, também, o papel da educação se encontra em crise, por que está em crise, a tríade fundamental, a saber: a fundação, a tradição e a autoridade estas, quando no bojo da crise, não são por si destrutivas. Contudo, potencializam o hiato entre passado e as realidades presentes dificultando o encaminhamento ao futuro. Rompendo essa continuidade o passado fica fragmentado, exigindo do presente novas formas de entendimento e, novo método de enfrentamento da realidade hodierna. Assim: Nossa experiência com a tradição vive, segundo Arendt, uma situação lacunar entre estas duas ordens de tempo (passado e futuro) onde, retomando Tocquivelle, o passado não iluminando mais o presente, somos obrigados a avançar no escuro. (BRAYNER, 2008, P. 21) Uma das conclusões que Arendt chega é que a Crise na educação frente às atrocidades histórico-sociais, sempre parecer ser menor. (Arendt, 2001, p. 222) A nosso ver, essa constatação permanece até os dias atuais, observamos isso tanto na crise da educação, como na reduzida importância do problema da educação em relação a outros problemas. O que ocorre no interior da educação sempre é legado a um segundo plano, como se esta pudesse sempre esperar o melhor momento de resolver, o que nunca chega. Se a crise desponta como oportunidade de mudança e de reflexão, a educação nunca se apropria dessa possibilidade na medida em que não lhes são abertas oportunidades. Assim, a impressão que vigora é que sempre tem problemas e crises mais urgentes e relevantes em outras áreas. Consoante Arendt (2001, p.222) “é de fato tentador considerá-la [a educação] como um fenômeno local e sem conexão com as questões principais do século.Grifo nosso” O que não se percebe, ou passa a vista sem um exame mais acurado, é que a crise na educação não é dela, como anteriormente destacamos, e sim política e generalizada. Por isso, o título tratar da crise na educação e, não da educação. O entendimento desse ponto torna-se relevante na medida em que a pretensão de Arendt, anunciada logo no inicio do texto (Cf. Arendt, 2001, p, 221), visa um problema maior. Arendt chama atenção para a política, enquanto ocupação do espaço público, que foi perdido pela tradição ao negar autoridade. Há, portanto um fio condutor perdido pela tradição que precisa ser resgatado. Nesse sentido, precisamos resgatar a educação
  • 5. 5 naquilo que a movimenta e significa. Segundo Arendt (2001, p, 223) “A essência da educação é a natalidade, o fato de que seres humanos nascem para o mundo”. Nascer para o mundo tem significados fundamentais, sejam eles: Integrar a comunidade de falantes e agentes; Perpetuar a vida e o mundo público; Garantir a renovação das instituições, entre outras. De modo que Essa crise está relacionada às características básicas da sociedade moderna. (...) Os pressupostos do mundo moderno têm seus efeitos também na pedagogia e nas práticas educacionais, de modo que a crise mais ampla ganha uma expressão específica nesse âmbito. As questões e os problemas assim provocados, porém, não dizem respeito apenas aos pais e educadores, mas, em princípio, são da preocupação de todos, devido ao lugar fundamental que a educação ocupa no mundo. É por meio da educação que cada comunidade introduz as novas gerações em seu modo específico de existência.(ALMEIDA, 2009, p.14) Dito isto nos parece pertinente a constatação de que a educação tem como tarefa primordial, introduzir a crianças no mundo, contudo, cabe destacar a peculiaridade desse ato, haja vista que esse mundo antecede as crianças e continuará depois deles. De modo que viver implica se inserir em um espaço-tempo determinado e constituído em que as histórias de cada um se desenrola. Segundo, Almeida( 2009, p. 15) Essa existência “se insere numa história mais abrangente, na qual as muitas histórias singulares se entrelaçam, devido ao aparecimento constante de novos atores, num tecido em contínua transformação”.Assim, nada nos autoriza no contexto de uma crise ou fora dele pensar a educação apenas como preparação para um mundo novo, isto pode até funcionar como uma dimensão da educação mas, não como seu fim absoluto, sob pena de estarmos ferindo a perspectiva desta enquanto fenômeno filiado a natalidade e, a constituição do novo. Pois, Pertence à própria natureza, da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo. (Arendt, 2001, p. 226) Consoante Almeida (2009, p, 15) A natalidade, portanto, diz respeito à dinâmica entre o mundo historicamente constituído e a chegada dos novos, que podem intervir nele.” Contudo, ainda que identifiquemos um diálogo sólido entre educação e política, faz-se necessário estabelecer sua fronteira. O estabelecimento desse limite é importante para evitar um equívoco corriqueiro que é tratar a educação como genuinamente política. Ao agir assim, demonstramos nossa incompreensão do
  • 6. 6 fenômeno político, que tem seu sentido na liberdade, (Cf. Arendt, 2002a, p, 38). A educação,por sua vez, se inscreve entre os desiguais. Outro ponto importante a ser reconhecido é o modo como a modernidade tratou a educação, tomando esta como ferramenta política, não só ela, mas todas as utopias que se ocuparam do Estado, de alguma forma, buscaram na educação subsídio para legitimar a estrutura política. Sendo assim, a educação foi igualada a política, e passou ao longo da tradição a vigorar como mecanismo fundamental nessa estrutura. Podemos observar isso na República de Platão, no Emilio de Rousseau entre outros. Isto se torna deveras grave na medida em que os novos passam a ser tratados como “ovelhas”, quem sem a oportunidade de decidir a onde ir são conduzidos. Ou ainda, lhes são tiradas as possibilidades de decidir sobre o novo a construir, na medida em que os novos recebem pronto o estabelecido (velho) com feições de novo. A educação deve fornecer o convívio entre seus iguais e a possibilidade de acerto e fracasso entre eles. Contudo, o que se tem percebido, é a imposição do mundo adulto sobre o mundo infantil. Essa ditadura do mundo adulto, já consolidado coloca os novos - oi neói – a mercê de um paradigma já estabelecido, “passando a ideia de que o novo já existia” (ARENDT, 2001, p, 225). Assim, temos que a “educação não pode desempenhar papel nenhum na política, pois, na política lidamos com aqueles que já estão educados”. (ARENDT, 2001, p, 225). Isto implica dizer que embora seja possível, e entendemos que o é, um diálogo, entre política e educação, a primeira não tem na sua estrutura, nada da segunda e vice-versa. Portando, tomá-las como iguais é adentrar o movediço terreno da confusão conceitual e da prática estabelecida pelas tiranias que tomou a educação com o fim de responder seus interesses. Mas por que isso? Por que quem deseja educar adultos na realidade pretende agir como guardião e impedi-los de atividade política. Como não se pode educar adultos, a palavra “educação” soa mal em política; o que há é um simulacro de educação, enquanto o objetivo real é a coerção sem o uso da força. (ARENDT, 2001, p, 225) Outro fortuito engano é achar que é possível tratar da crise na educação como um problema de ordem metodológica ou de técnica de ensino, quando na verdade esses são frutos da questão maior,que é política, e ao atingir a educação, atinge suas peculiaridades como a metodologia. Neste contexto, a crise na educação não é uma crise da nação circunscrita a fronteiras, em que pese apenas aos diretamente afetados. Ao
  • 7. 7 contrário, diz respeito a uma esfera de alcance maior no que concerne a organização e deliberação dos homens e mulheres enquanto teia de relações estabelecidas. Considerações finais Ao propormos essa reflexão em torno da Educação e da responsabilidade pelo mundo objetivamos trazer à tona o entendimento dessas categorias e seus limites no intuito de esclarecer possíveis equívocos. Contudo, nos posicionamos contrários àquelas posturas que em nome da fronteira existente entre educação e política afirmam a impossibilidade de um diálogo entre estas esferas. A responsabilidade pelo mundo é uma tarefa que exige de todos ação. Sabemos que a ação é uma categoria política por excelência no constructo teórico de Hannah Arendt. Sendo Assim, entendemos que a superação e enfrentamento da crise deva se dar no campo da política. O que não significa que a educação não seja capaz de responsabilizar-se pelo mundo. Entendemos que a educação guarda consigo parcela dessa tarefa na medida em que acolhe em bojo os novos, os recém chegados, sendo assim, guarida da natalidade. Por fim, tornamos claro que não pretendemos esgotar a questão em torno da responsabilidade pelo mundo e sua relação com a educação, ao contrário pretendemos apenas ser mais uma provocação ao debate no sentido de construir e possibilidade a circulação das ideias que possam de alguma maneira iluminar ou em um retorno ser iluminada. Referência Bibliográfica ARENDT. Hannah. Entre o passado e o futuro. Trad. De Mauro W. Barbosa de Almeida. Ed. Perspectiva. São Paulo. 2001 ________________. O que é a Política. Trad. De Ursula. Ed. Bertrand Brasil. 2002a ________________. A Condição Humana. Trad. Ed. Forense Universitária. 2002b ALMEIDA. Vanessa Sierves. Amor Mundi e Educação:reflexões sobre o pensamento de Hannah Arendt.Orientação de José Sergio Fonseca de Carvalho. Tese de doutorado- Programa de Pós-Gradução em Educação. USP. Área de concentração em Filosofia da Educação. São Paulo. 2009. BRAYNER, Flávio. Educação e Republicanismo – Experimentos Arendtianos para uma educação melhor. Ed. Liber –livro. Brailia.2008. FREIRE. Paulo. Política e Educação. Col. questões de nosso época. Ed. Cortez. São
  • 8. 8 Paulo 2003. FREIRE. Paulo. Política e Educação. Col. questões de nosso época. Ed. Cortez. São Paulo 2005.