O documento discute o assédio processual, comparando-o com o assédio moral e analisando precedentes históricos. Também aborda a legislação brasileira sobre o tema e a necessidade de regulamentação expressa do assédio processual para coibir condutas abusivas e garantir a efetividade da justiça.
Coletânea de exercícios teoria geral do processo (1)
Assédio processual: Entendendo as correlações com o assédio moral e a necessidade de mudanças na legislação
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ASSÉDIO PROCESSUAL: UMA LEITURA DE OUTRAS LEITURAS
Nelson Viegas Soares1
Lucirino Fernandes Santos2
Resumo: O presente trabalho buscará informa a respeito dos estudos e dissertações
ligadas ao tema assédio processual. Nesse viés, buscar-se-á distinguir a diferença
entre dano e assédio moral, bem como entre litigância de má-fé e assédio processual.
Haverá a Citação de alguns autores que forneceram dados esclarecedores. Partindo
da premissa de que, não há choque com os princípios constitucionais do contraditório
e da ampla defesa. Concluindo, por último, uma proposição de mudanças na
legislação para que o assédio processual seja regulamentado em norma expressa,
por reconhecer que permanecem dúvidas e resistências à sua efetivação.
Palavras-chave: Assédio processual, assédio moral , mudanças na legislação.
1 - INTRODUÇÃO
A princípio, cabe enfatizar que, o assédio processual pode assumir diversas
formas, como a apresentação de documentos falsos, o adiamento sistemático de
audiências, a formulação de acusações infundadas ou a apresentação de recursos
repetitivos e sem fundamento. Essas práticas não apenas prejudicam a outra parte
envolvida no processo, mas também podem afetar negativamente a eficácia do
sistema judicial como um todo, levando a atrasos e a um desperdício de recursos.
Dessa forma, o direito à prestação da atividade jurisdicional do Estado para
com o litigante deve ser pautado na garantia da efetividade da justiça. Vale destacar
que, o artigo 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional estabelece que
“cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima
pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo
razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória a boa-fé
processual”.
1
Aluno do curso de Direito. Responsável pela pesquisa.
2
Orientador. Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (UFPB). Especialista em Direito
Penal e Processo Penal. Graduado em Direito. Servidor público na Agência Nacional de Telecomunicações.
Professor de Direito.
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Nesse certame, Comparato leciona que o Poder Judiciário é fundamental para
garantir o exercício da soberania popular, meio pelo qual são assegurados os direitos
fundamentais da pessoa humana. Consequentemente, qualquer violação desse
imperativo absoluto tornar-se-á um ataque à isonomia jurídica:
“Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm sua eficácia
condicionada pelos fatos da vida, não se assegura possível que a interpretação
faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes,
correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A
interpretação adequada é aquela que consegue concretizar de forma
excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições
reais dominantes numa determinada situação”.
Assim, é fulcral que as decisões judiciais de certa matéria cumpram sua a
função de determinar a intelecção autêntica do direito, conferindo o alcance exato e a
significação precisa das normas constitucionais, ajustando-as às novas realidades e
às alterações sociais, livre de quaisquer manipulações ou interferências.
2 - ASSÉDIO PROCESSUAL: PRECEDENTES HISTÓRICOS
As relações históricas são de extrema importância para o estudo deste campo
do Direito Civil. À face disso, embora o termo "assédio processual" seja relativamente
novo, a prática em si não é recente, e há vários exemplos históricos de
comportamentos semelhantes.
Um exemplo de assédio processual na história é o caso de Sócrates, filósofo
grego que foi acusado de corromper a juventude e negar os deuses tradicionais.
Durante o processo, Sócrates se recusou a fazer uma defesa formal e, em vez disso,
adotou uma abordagem provocativa, questionando a moralidade e a competência dos
acusadores. Isso prolongou o processo e aumentou a tensão entre as partes
envolvidas.
Para mais, outra referência histórica é o chamado "processo dos 40", que
ocorreu em Portugal durante o século XVII. O processo envolveu a acusação de um
grupo de judeus conversos de praticar o judaísmo em segredo. O julgamento durou
mais de dez anos e foi marcado por inúmeras irregularidades e ações abusivas por
parte dos acusadores, incluindo a detenção ilegal dos réus e a utilização de tortura
para obter confissões.
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Posto dessa maneira, no Brasil também há precedentes históricos de assédio
processual. Um exemplo é o caso da "Chacina da Candelária", ocorrida em 1993,
quando oito jovens foram mortos por policiais militares no Rio de Janeiro. Durante o
processo, a defesa dos policiais adotou uma estratégia de prolongar o julgamento,
movendo recursos e questionando a competência dos juízes. O processo durou mais
de dez anos e, ao final, apenas dois dos policiais foram condenados.
Em linhas gerais, fica claro como o assédio processual -litigância de má-fé pode
ser uma prática prejudicial e antiética, que pode prolongar desnecessariamente o
sofrimento das partes envolvidas e impedir a justiça de ser feita de maneira adequada.
Em sua tese, Carlos Roberto Barbosa Moreira destaca, "A litigância de má-fé não é
um direito processual, mas sim um ato de desvio de conduta, que deve ser coibido
com rigor pelos órgãos jurisdicionais”.
3 - ASSÉDIO PROCESSUAL E ASSÉDIO MORAL: CORRELAÇÕES
Muito embora a jurisprudência destaque que há diferença entre as duas
proposições, é cabido dissertar que, há algumas correlações entre o assédio
processual e o assédio moral, especialmente no que diz respeito à utilização abusiva
do poder ou do processo para prejudicar ou humilhar os postulantes de uma causa
em juízo .
Na mesma ótica, Reginald Felker (2006, p. 25) esclarece que não se trata de
meros desentendimentos ou conflitos que ocorrem cotidianamente, mas de uma
conduta deliberada e intencional, em que o agressor visa a destruir a autoestima da
vítima, por meio de ataques muitas vezes indiretos, de forma sutil, os quais nem
sempre são percebidos de pronto por quem está sendo agredido, tampouco por
aqueles que presenciam os ataques.
Isso posto, uma vez que, o assédio processual ocorre quando uma das partes
utiliza o processo judicial de forma maliciosa, com o objetivo de prejudicar ou
constranger a outra parte (prática que pode ser considerada ilegal e resultar em
sanções como multa, perda de honorários advocatícios e até mesmo prisão); o
assédio moral, por sua vez, é caracterizado pela exposição do trabalhador a situações
humilhantes e constrangedoras, com o objetivo de desestabilizá-lo emocionalmente e
comprometer sua saúde física e psicológica. Tal comportamento é considerado uma
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violação dos direitos humanos e pode gerar sequelas à saúde de uma das partes,
bem como indenizações por danos morais.
Sendo assim, embora sejam formas diferentes de violência, é possível que
ocorra uma correlação entre o assédio processual e o assédio moral, especialmente
em casos em que o assédio processual é utilizado como forma de intimidação ou
constrangimento da outra parte. Além disso, em alguns casos de assédio moral no
ambiente de trabalho, por exemplo, pode haver também uma tentativa de coagir o
trabalhador a desistir de ações judiciais ou a aceitar acordos desfavoráveis, o que
configura uma forma de assédio processual.
4 – ASSÉDIO PROCESSUAL: MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO
Numa primeira análise, cabe salientar que, O ajuizamento de ações sucessivas
e sem fundamento para atingir objetivos maliciosos é “assédio processual”. Foi como
a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu, em 2019, a prática de abusar dos
direitos fundamentais de acesso à Justiça e ampla defesa “por mero capricho, por
espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem
pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo”.
Em conformidade com a tradição brasileira, deve-se considerar abuso processual o
que está definido como litigância de má-fé nos artigos 79, 80 e 81 do CPC. Os
dispositivos dizem quais são as obrigações das partes no processo e quais são as
atitudes que podem levar o juiz a condenar alguém por assédio processual.
Posto dessa forma, o fato é, não há uma mudança específica na legislação
jurídica brasileira referente ao "assédio processual". Na verdade, esse termo não é
comumente utilizado no contexto jurídico brasileiro, mas pode ser uma expressão
utilizada em outros países.
No entanto, existem leis e normas que regem o comportamento das partes e
seus advogados durante um processo judicial, visando evitar comportamentos
inadequados ou abusivos que possam prejudicar a outra parte ou o andamento do
processo.
Por exemplo, o Código de Processo Civil brasileiro (CPC) prevê sanções para
quem agir com má-fé no processo, como multas e indenizações por danos causados
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à parte contrária, a saber:
Multa: a parte que agir com má-fé no processo pode ser condenada ao pagamento
de multa, que varia de acordo com o valor da causa e a gravidade da conduta.
Indenização por danos causados: a parte que agir com má-fé no processo pode
ser condenada a pagar indenização por danos causados à outra parte, como forma
de compensar prejuízos materiais ou morais decorrentes da conduta ilegal.
Perda do direito à prova: a parte que agir com má-fé pode ser impedida de produzir
provas ou de se valer de provas já produzidas, como forma de punição pela
conduta desleal.
Declaração de litigância de má-fé: a parte que agir com má-fé no processo pode
ter sua conduta declarada como litigância de má-fé, o que pode gerar
consequências negativas em outros processos ou situações jurídicas.
Outras sanções: além das sanções previstas em lei, o juiz pode aplicar outras
medidas para coibir a má-fé no processo, como a exclusão de peças processuais
ou a cassação de mandato de advogado.
Em resumo, a legislação brasileira prevê sanções para aqueles que agem com
má-fé no processo judicial, com o objetivo de garantir a efetividade e a justiça do
julgamento.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à justiça é considerado uma garantia primária e básica na sociedade
contemporânea. Sua efetividade depende da igualdade processual (paridade de
armas) e do respeito ao devido processo legal, a garantir a isonomia jurídica das
partes envolvidas.
No entanto, uma das causas para a obstrução do descesso à justiça é o assédio
processual, caracterizado pela procrastinação dos instrumentos processuais de forma
reiterada, por uma das partes, com intuito de prejudicar a outra, impedindo que receba
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o bem da vida almejado. Consequentemente, tal comportamento reverso à ordem
legitima uma conduta abusiva, além de desembocar em sanções processuais por
litigância de má-fé e/ou ato atentatório à dignidade da justiça, condutas antiéticas
devem ser coibidas, já que a negação do acesso à justiça é interpelada como uma
não concretização dos direitos, acentuando a desigualdade social e a desesperança
no sistema judicial.
Conclui-se, por tanto, que a dignidade da justiça é um princípio fundamental do
Estado Democrático de Direito que se refere à importância da justiça e da integridade
do sistema jurídico para a garantia dos direitos e das liberdades individuais e coletivas.
Em outras palavras, a dignidade da justiça está relacionada à ideia de que a justiça
deve ser imparcial, eficiente e acessível, garantindo a igualdade de todos perante a
lei. Ou seja, quando a justiça é efetiva, imparcial e acessível, os indivíduos têm
confiança no sistema jurídico e na capacidade do Estado de garantir a proteção dos
direitos fundamentais. Por outro lado, quando a justiça é ineficiente, injusta ou
inacessível, pode haver a perpetuação de desigualdades e injustiças, gerando
conflitos e instabilidade social.
REFERÊNCIAS
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São
Paulo: Saraiva. . Acesso em: 09 abr. 2023. , 2001
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Código de Ética da Magistratura
Nacional, de 26 de agosto de 2008. Diário da Justiça [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, p. 1-2, 18 set. 2008.
Felker, Reginald Delmar. O dano moral, o assédio moral e o assédio sexual nas
relações de trabalho: doutrina, jurisprudência e legislação / Hintz Imprenta: São
Paulo, LTr, 2007.
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REVISTA DE PROCESSO: VOL. 44, N. 287 (JAN. 2019). INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PROCESSUAL (IBDP) | JAN. 2019.
REVISTA DE PROCESSO. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 44, n. 287, jan.
2019. 618 p.
SÓ FILOSOFIA, “O julgamento de Sócrates - Histórias filosóficas". Virtuous
Tecnologia da Informação, 2008-2023. Disponível na Internet em
http://www.filosofia.com.br/vi_historia.php?id=78.