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O Jardim e a Praça
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Vice-reitor
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DiretorEditorial
Editor-assLçtente
Comissão Editorial
Roberto Leal Lobo c Silva FiU1o
Ruy Laurcnti
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE s.o PAULO
Joao Alcxanuru Barbosa
PJinjo Martins Filho
Manuel da Costa Pinto
João Alexandre Barbosa (Presi<knte)
Celso Lafer
José E. Mindlin
Oswaldo Paulo forattini
Dj;,hna Mirabclli Redonrlo
O Jardim e a Praça
O Privado e o Público
na Vida oocial e liislórica
Nelson 8aldanha
• ,I
e son SaldanhaCopyrighl © 1993 by N I
Dados lmernadooaisde Catai(Câmara Brasil . dogação na Publicação (CIP)
eU'8 o Lavro,SP, Brasil)
Saldanha,Nelson, 1933_
O lanlim e a Praça. 0 Pri
NclsooSaldanha. _Sôo j,.~ ~~e oPúblico"'' Vida Social eHisl . .
• t o:L.u~loradaUujvc:n;·dade - OC!Q.j
ISBN: 85·314-QI6J·l
1
de S•uPaulo, 1993.
I. Antropolo•· 1-1 .P 'bl" c" .,osofica I Tilulo.
u •co""Vida Social e Histórica . 11. Titulo: O Privado e o
93-1454 .
---~----------~COD-128
Índic:espara til .I An ca ogo SJ•tcmatico·
· tropologia filosefica 128 ·
~N ~Q)jg_1Q5103
Universidade Federal de PernambuCO
BlBUOTECA CENTRAL I CIDADE UNIVERSITÁRIA
CEP 50.67()..901 - Recife - Pernambuco - Srasi
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Titulo: O JARDIM EA PRAÇA
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....~ .
Para
João Alexandre Ba ·Ili /d 1 JOSa
ua o Coutinho
':;aldemar Lopes
Zdenlfh Knurún
-~- Brasil
'11 a4o
-r 06
SUMÁRIO
Nota do autor . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1. Abordagem e proposição geral do tema 13
2. Sobre os espaços na história 17
3. Ainda sobre os espaços na história . 21
4. A casa como tema histórico . 27
5. Vida pública e vida privada . 31
6. Dos jardins à ordem pública 35
7. Privatismo e publicismo 47
8. Platão e o intelectual moderno 51
9. Outra vez privatismo e publicismo . 57
10. Algumas digressões históricas 63
11. Outras digressões, com alusão ao direito e ao contra-
.:: tualismo 71
12. Sobre as utopias 83
13. A burguesia, o liberalismo e o problema do equilíbrio ' 89
14. Alusão à experiência brasileira 103
15. O ho.inem: Constantes e dualidades 109
16. Fundo, planta e pedra . 115
NOTA DO AUTOR
No número 11 (janeiro/junho de 1983) da revista Ciência &
'Trópico, da Fundação Joaquim Nabuco, publiquei um breve
artigo contendo reflexões que, devidamente acrescentadas, re-
sultaram em um opúsculo editado em 1986, com o título de O
Jardim e a Praça, por Sérgio Fabris, em Porto Alegre. Posterior-
mente, à base de notas tomadas em ocasiões diferentes, inclusive
por conta de temas e de fontes referentes a outros trabalhos,
repensei e reescrevi inteiramente o texto, ampliando-o bastante,
sobretudo em algumas partes.
Tratando ele um assunto cuja análise em detalhe seria
interminável, o presente livro, que é uma espécie de longa
anotação, se cinge conscientemente a certos tópicos, mais próxi-
mos elo nücleo ele idéias que norteou o esquema inicial. Alguns
amigos viram no texto uma introdução ao urbanismo; outros
uma revisão elos "ismos" contemporâneos. Entretanto o autor o
considera, apesar de seu feitio um tanto assimétrico e aparente-
mente descontínuo, um esboço ele antropologia filosófica. Ou, se
se prefere, de uma teoria não dogmática do homem e da história.
_...
.. 1. ABORDAGEM E PROPOSIÇÃO GERAL DO TEMA
A estrutura de nossa e."Ístência aparece em
um primeira aspecto coma wna snma de cnntm.í-
dos que se entrecruzam, c se umoldum uns ciOS
outros; em um segundo aspecto, aparece como
uma soma de mundos, todos os quais abarcam
o mesmo conteúdo uíla./, mas cada um com sua
forma espedj"ica. Assim a religião, a arte, a
nwral, o conhecimento.
GEOilG SI~I~!EL
Começo aludindo a imagens mais ou menos consagradas. O
jardim se concebe, geralmente, como um trecho de espaço anexo
à casa, quase sempre à frente dela, mas em certos casos - como
nos chamados jardins ele inverno- dentro dela. O jardim é uma
parte do esp aço que circunda a casa (a casa ou outro tipo ele
edificação), uma parte específica pela posição e pelas caracterís-
ticas. A praça é pensada como um espaço amplo, que se abre, na
estrutura interna das cidades, como uma confluência de ruas, ou
de qualquer sorte uma interr upção nos blocos edificados. Um
espaço onde em geral se encontram árvores, bancos, eventual-
mente monumentos, em alguns casos pequenos lagos artificiais.
11 O ,J,IRDIM E A PRAÇA
Tenho de partir dessas alusões, por certo prosaicas edema-
siado genéricas, sem desatender ao fato de que há jardins de
diversos tipos, e praças de diferentes formas, inclusive variáveis
pela origem e pela função. Mas as duas imagens são aqui toma-
das como símbolos (evitarei dizer"meros" símbolos), de modo que
as diferenças dadas nos casos reais não deverão dificultar a
exposição.
De certa forma vale dizer que o jardim é, e ao mesmo tempo
não é, uma parte da casa. Não se inclui no âmbito edificado da
residência, mas integra seu espírito, inclui-se no conjunto (pe-
queno ou grande) que ela domina. O jardim faz parte daquilo que
Gaston Bachelard, naquele livro admirável que é a Poética do
Espaço, chama o "universo da casa", ao qual inclusive atribui
uma ordem própria. Por sua vez a praça integra organicamente
o conjunto formado pela cidade, mas ao mesmo tempo "está" nele
como um espaço - quase uma clareira- surgido pelo distancia-
mento entre determinadas porções construídas. A praça "nega"
a continuidade das edificações, mas ao mesmo tempo ela é, em
certo sentido, a essência da cidade.
Como disse, as alusões iniciais se referem a imagens. Refe-
rem-se a estampas, às quais se prendem tradicionalmente nossa
imaginação e nossas associações de idéias. As artes plásticas e
a literatura se encarregaram, através ele séculos, aliás de milê-
nios, de consolidar as respectivas figuras. A noção de jardim
carrega consigo exemplificações que provêm de alu sões literárias
antiquíssimas, e de citações pictóricas igualmente remotas: ele
é fechado, não muito extenso, arborizado, ocupado com plantas
ornamentais. O jardim é o lugar das flores, e pertence a casas
particulares ou de qualquer maneira a construções específicas:
palácios, hospitais, conventos, universidades. Têm sido excepcio-
nais os casos de jardins públicos, nos quais se podem enquadrar
alguns suntuosos jardins da história antiga, bem como exemplos
modernos como o das Tuilleries. O problema, nestes casos, é em
certa medida uma questão de linguagem. Às vezes chamam-se
ou chamavam-se jardins a certos logradouros públicos, que em
verdade são "parques" ou coisa parecida. Isto aconteceu inclusi-
ve nos séculos XVII e XVIII: Francis Bacon escreveu um .r:nsaio
altamente lírico sobre jardins (Of Gardens), considerando-os
mais acolhedores do que as praças e falando das sebes encurva-
Emcontrap
público, com es
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:-:: ,-ezes chamam-se
·--~~- públicos, que em
ABORDAGEM E PROPOSTÇ;O GER1!L DO TEiH 15
das que devem demarcá-los. No mesmo sentido valeria aludir ao
jardim do Luxemburgo, em Paris, celebrado inclusive em sentido
erótico pelos franceses elo século passado.
Em contrapartida a idéia de praça vai indicar aqui o espaço
público, com específico desligamento em relação à moradia pri-
vada. As praças, nas cidades construídas em todos os quadrantes
c em todos os âmbitos culturais, se ligam a finalidades mais
"genéricas": ligam-se ao espaço comum - no sentido "comunitá-
rio" do termo -, ao âmbito político, à finalidade econômica, à
dimensão religiosa ou militar da vida social. Poderia lembrar as
praças sagr adas dos aztecas ou os terraços votivos dos incas; a
ágora grega, arqui-exemplar, e sua continuação o forum romano
-ambos mistura de mercado e local de encontros, inclusive para
meetings políticos. A óbvia extensão espacial da praça não é
apenas extensão espacial: ela corresponde a um significado so-
cial, correlato do próprio espírito da cidade onde se insere.
Podemos deste modo dizer que a distinção entre as duas
dimensões pode dflr-se no sentido quantitativo e no qualitativo.
Sob ·o primeiro aspecto temos um problema de extensão espacial:
no caso da casa (e do jardim) um espaço menor, com coisas
ajuntadas, âmbito elo viver e sobretudo do viver noturno das
pessoas; no da praça, um espaço maior, que revela a cidade e
tende a confundir-se com ela. Sob o segundo aspecto, ocorre um
problema de caracterização e de conteúdo. E então temos o
espaço privado com um sentido de reduto, portanto algo "irredu-
tivelmente" preso ao existir mais íntimo do ser humano; ou
temos o espaço público como obra do viver social e do estender-se
dns relações que perfazem este viver, e qu e se desdobram em
termos de produção econômica, ordem política, criação cultural.
Este segundo é o espaço mais amplo e mais problemático do
humano, no qual se acha o pensar em geral, com heranças
históricas e "ismos" modernos, um espaço dentro de cujas ocor-
rências se inventaram a geografia e a história.
Aliás Aristóteles, expondo as idéias de Hipódamo de Mileto,
relatara que o famoso arquiteto projetara uma cidade com três
partes distintas: uma sagrada, ligada aos cultos; outra pública,
ligada aos militares; e outra privada, ligada sobretucl0 aos agri-
cultores. Obviamente alguns conteúdos da utopia de Platão
provieram deste esquema, mas isto é outra história.
2. SOBRE OS ESPAÇOS NA HISTÓRIA
Evidente que o tema da contraposição e das relações entre
a vida pública, simbolizada aqui pela praça, e a vida privada,
simbolizada pelo jardim, nos levaria a divagações c derivações as
mais diversas. É um tema fascinante, e um modo de disciplinar a
reflexão sobre ele consistirá em dar-lhe um tratamento histórico.
Ele é necessariamente histórico. Seria inclusive válido, sem em-
bargo de parecer uma idéia "fácil", tentar entender a história como
história dos espaços, história das relações entre culturas e espaços,
c do modo como os homens vêm utilizando o espaço.
Poderia inclusive mencionar alguns estudos que abordam o
assunto. Entre eles o de Paul Claval, relativamente recente,
Espaço e Poder1
, no qual se colocam alguns temas centrais,
inclusive o das conexões entre o poder e a administração dos
espaços, mas sem situar devidamente- a nosso ver, ao menos-
certas questões prévias, dentre as quais o próprio fato da distin-
ção vital entre os planos em que se "desdobra" o espaço social.
Ou ainda o livro muito importante de Jürgen Habcrmas sobre o
chamado "espaço público"2, um pesado e complexo ensaio de
1. E spaço e Pocl.er, lrad. W. Dulr~, l1io de Janeiro, Zahar, 1!)70.
2. Strukl.urwnndcl der Offcnt.lichkcil, lrad. francesa L'l!:.~pnce public- Archéologie rlR.lapublicité
18 O J ARDIM E A PRAÇA
análise das relações entre a esfera pública c as características
da sociedade moderna.
Parece desde logo evidente que o "organizar-se", desde as
primeiras experiências grupais do ser humano, foi sempre, em
parte ao menos, um problema de distinguir lugares, valorizando
uns e abandonando ou evitando outros, e de construir espaços,
demarcando porções do território e amontoando pedras com fim
simbólico ou utilitário. Os horizontes sempre foram espaços, os
céus também, e o próximo se insere em algum ponto do espaço.
Amor e ódio se situam como formas de estar diante do próximo,
e as armas sempre se classificaram conforme seu alcance em
termos de espaço. Os laços de pArentesco, tão caros a certos
antropólogos como estruturas reveladoras, se compreendem
como linhas que interligam pessoas e grupos, aproximando/afas-
tando, como que em termos de espaço.
Demarcar.o tempo e demarcar o espaço foram certamente
necessidades primordiais para todos os grupos humanos desde
os inícios. O tempo teve (como ainda tem) ele ser tomado como
um outro espaço, e de ser assim cortado em pedaços: até certo
ponto serviram para isso as repetitividades fornecidas pela prÓ·
pria natureza, nas estações do ano e em outros tipos de ciclos
biológicos. Os maias, em uma imagem bastante curiosa, imagi·
naram a figura mítica dos "carregadores" do tempo, incumbidos
de levá-lo e transportá-lo em seu interminável percurso.
Deste modo espaço e tempo, considerados na crítica kantia·
na da razão como categorias a priori do entendimento, funciona-
ram desde as primeiras sociedades como pontos de referência do
viver concreto. Ou, por outra, como dimensões objetivas do mun-
do circundante e também ela existimcia social. Dimensões no
sentido de planos, onde se intercalam níveis, o que significa a
possibilidade do desdobramento e das hierarquias. O espaço e o
tempo foram ocupados, desde os começos, com interdições e
obrigações, com o fazer e o não fazer, dias fastos e dias nefastos
entre os romanos, interdições e tabus entre diversos povos. O
convívio social, unitário e genérico sob certo prisma, sob outro se
apresenta diferenciado, recortado por dentro pelas diferenças de
ocupação, pelas castas ou pelas classes, por concentrações demo-
conw re dimension conslilutiuede la sociélé bow gcoise- Paris, Payol, 1D78.
morfológicas, po!'
lembrar a distinç.ã
variações do "tiptJ
Incsn1o pelas estr"
ficação, o dos pa
econômica, da j.lri
Ao falar em
que esta última
que foi iematizad=.
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mos empregar .,..,..,_
aos dados histv!":.
E ao alucb'
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h~ano, foi sempre, em
~ :ugares, valorizando
_.., e de construir espaços,
- :oando pedras com fim
SODRE OS ESPAÇOS Ni EIISTÓ/1/i 19
morfológicas, por estruturas e relações específicas. Compete
lembrar a distinção famosa, devida a Toennies, entre as comu·
nidades, com relações sociais diretas e espontâneas, e associe·
daeles, com relações complexas e indiretas. Lembrar também que ···-;
todo o século XIX se ocupou um pouco com estes temas: o elas
varinções do "tipo social", criadas pela divisão do trabalho (ou
mesmo pelas estradas no entender de Demoulins), o da estrati-
ficação, o dos padrões c formas da vida religiosa, bem como da
econômica, da jurídica, ela familiar.
Ao falar em planos da vida e do "espaço social", vale anotar
que esta última expressão não vai empregada, aqui, na acepção
que foi tematizada por uma certa sociologia, respeitável mas
demasiado fisicalisla, durante determinada época. Aqui tenta-
mos empregar umn configuração mais existencial e mais ligada
aos dados histórico-culturais.
E ao aludir aos planos do viver, também indicamos com isto
uma alternativa elementar, aquela que se dá entre o viver
"geral", isto é o viver de todos (ou com todos, na medida em que
t::~l in1Rgem pode caracterizar-se), e o viver consigo mesmo: o
viver pessoal, que é o privado e que consiste no plano da convi-
vência mais íntima, mais direta, correlata do existir individual.
Neste plano se situa a posição da família, apesar de uma ce:~a
ambigüidnde do fenômeno. Refiro-me ao fato de que a fam1ha
sempre se entendeu como concentração do existir privado, dire·
tamente ligado aos afetos mais pessoais e aos componentes
domésticos (de domus, casa); e de que entretanto as constelações
familiares parecem ter gerado em certos povos as comunidades
maiores, passando-se do clã ao Estado ou das fratrias à polis. O
tema nos levaria a mencionar o dilema de Platão ao pretender
para o homem público a ausência da família, fonte de egoísmos;
mas também a lembrar que hoje alguns juristas acham que o
"direito de família" não é bem uma parte do direito privado,
ficando em un1a região entre este e o público, ou antes- segun do
há quem pense - demonstrando a inoperância desta clássica
divisão das partes elo Direito. Ou ao menos sua crise.
Ao fAlar na "vida com a família" será interessante pisar um
pouco no terreno da crise do conceito de família, atingida pelo
lado privado e pelo lado público de sua estrutura; alcançada na
parte em que se ligava às tradições religiosas pelo processo
20 OJARVIM EA PRAÇA
histórico chamado de dessacralização da cultura. A crise da
família tem tido o que ver com uma série de coisas, que correm
por conta do racionalismo e das modernizações; com coisas posi-
tivas c coisas questionáveis. Com a queda do princípio "virgin-
dade" c com a imagem monolítica e "indissolúvel" do casamento,
mas também com a diluição das estabilidades que davam ao
existirprivado uma demarcação e uma dignidade muito valiosas.
As liberações e o relalivismo, peças importantes na experiência
histórica do homem moderno, têm tido como preço a perda dos
pontos de referência que balisavam a vida privada, em si m esma
e em suas conexões com a dimensão püblica, desde séculos, senão
milênios. Digo que também nessas conexões, porquanto as dilu-
ições, a que me refiro e que fragmentam a ordem tradicionr-tl, têm
o que ver com a reformulação das relações genéricas entre a
dimensão pública e o plano privado do viver. E ao mencionar as
coisas que se perdem, ao mencionar a ordem familiar que se
desmonta, faço alusão ao gradativo desaparecimento da casa
(voltarei ao assunto mais adiante): a "casa de moradia" e o
modelo tradicional de família não poderiam sobreviver um sem
o outro.
Quero dtar aqui, ele passagem, um texto altamente suges-
tivo c inqui0tante de Leszek Kolakowski, que se refere à impla-
cável dest:.:·uição, nas décadas mais recentes, das formas
tradicionais do viver. Destruição que inclui o fim do "espaço
humano", envolvendo o apagamento das noções ele casa de famí-
lia e ela própria origem natal, bem como a antiga c fundamental
noção de infância3
•
3. "'A ildcia Tnalcallçávcl", e111 1ncontroslnlcmaciorwis da UnB, Tirnsilin, 1080.
3. AL
organ1zaçoes ;;n.:-
culturas "cláss!~ ~
série de temas u=
torno de dados~.:.
plo a dualidade ~ê
langes em sua~
religião, com se...s
dário; a famHia ·
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lo, contradição _
família (e não era
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plementaridade.
gentes, ficou cc::::.._
possuímos da-~
sentido geral de
cr1se da
~ações; com coisas posi-
::::Eda do princípio "virgin-
- ·-::solúvel" do casamento,
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d::gnidade muito valiosas.
~da p:rivada, em si mesma
_ _!.:a, desde séculos, senão
-:e:r:ões. porquanto as dilu-
~ a crdem tradicional, têm
ões genéricas entre a
casa de moradia" c o
·am sobreviver um sem
, recentes, das formas
mdui o fim do "espaço
- "noções de casa de famí-
a antiga e fundamental
- l:'z:D, BrJ.Silia, J!JSO.
3. AINDA SOBRE OS ESPAÇOS NA HISTÓRIA
Aludimos acima ao desdobramento desses dois planos, dir--
sc-ia dois momentos, do viver (o público e o privado) dentro das
organizações grupais mais recuadas. Agora nos referiremos às
culturas "clássicas", especialmente à greco-romana. Há uma
série de temas um tanto conjecturais a considerar, inclusive em
torno de dados já registrados pelos estudos históricos: por exem-
plo a dualidade de cultos, que ocorreu tanto na Grécia quanto na
Roma antigas, o culto público e o culto privado. O tema foi, desde
1867, tratado com erudição e persuasividade por Fustel de Cou-
langes em sua sempre notável CitéAntique. A cidade tinha a sua
religião, com seus ritos e seus símbolos, suas festas, seu calen-
dário; a família tinha seu culto, com sua alusão aos mortos, seu
fogo sagrado, seus altares. Não havia, e é interessante assinalá-
lo, contradição entre os dois planos: o indivíduo integrava a
família (e não era imaginável sem isso), e ao mesmo tempo fazia
parte da cidade, cuja razão de ser eram os cidadãos . Esta com-
plementaridade, característica dos próprios conceitos então vi-
gentes, ficou como elemento essencial dentro da imagem que
possuímos da "antigüidade", constituindo um elos traços daquele
sentido geral de equilíbrio que atribuímos ao mundo clássico.
"!..:
22 O JARDIM E A PRAÇA
Há algumas questões que parecem permanentes, e que
ressurgem quando nos debruçamos sobre o panorama das cultu-
ras ditas antigas, em sua respectiva fase "antiga", isto é, em seu
período de formação, no qual se estruturam formas sociais,
formas lingüísticas, valores e imagens fundantes. Caberia por
exemplo pensar na relação entre a dualidade jardim praça e as
formas de estratificação social. Evidentemente a vivência das
praças por parte das classes altas terá sido sempre diversa da
vivência por parte das classes baixas: a construção mesma dos
"logradouros" foi sempre obra da classe dominante. Só que em
alguns contextos, determinadas praças serviram às aristocra-
cias como local de presença festiva ou cerimonial, e em outros
elas foram como que evitadas pela aristocracia e deixadas à plebe
para fesLas ou para a simples ocupação cotidiana.
Por outro lado seria o jardim, ao menos em sua expressão
mais requintada, uma criação elas classes altas ("classes" no
sentido mais amplo e flexível do termo); um prolongamento elas
intenções espaciais contidas na casa, algo como um lugar espe-
cífico de "meditação" ou de refúgio pessoal. A criação de jardins,
espaços privados, deve ter sido mais um símbolo das diferenças
sociais, e por outro lado mais um elemento de distinção entre
área pública e área privada: grades e muros, a circundarem o
jardim e simultaneamente a prendê-lo à casa, terão sido bastan-
te distintos da abertura das praças, lugares "de fora" (fora das
casas, como o explícito forum latino), e terão delineado com
nitidez as reservas de privacidade instaladas para si pelos pa-
triciaclos.
Com a referência a estes problemas, entretanto, vale inter-
calar aqui uma alusão a um fato de caráter muito genérico, um
desses acontecimentos centrais cujos contornos são certamente
conjecturais, mas cujo significado para a evolução histórica é
básico. Trata-se do advento da vida urbana, profunda alteração
ocorrida em momentos distintos dentro daquela evolução - a
variar conforme os contextos -, a partir da prévia transição do
nomadismo para a "revolução agrícola", e em correlação com o
surgimento elas primeiras instalações fortificadas. Em correla-
ção portanto com a fixação da divisão das ocupações, com a
formação das línguas, com dezenas de definições iniciais, rela-
cionadas inclusi.;·e
costume ele se da.~
espécie de crise, ou
vida, assim tambéz.
so que modernam.:
série de crises, deE
sobretudo) como
interrogações novas...
O que se tem
elas estruturas e .! ..
através ele) longvs c
predomínio da d i....-
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partir elo parale:!..-
macht frei, dizia-se
que, com a dinãm:
cidades, desencad
vivência, os confJ.i· -
conjunto de rev;:;..
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consolidar-se, den
com espaços para
coisas deste tipo. As
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rugo como um lugar espe-
-o;;na:. A criação de jardins,
- "G:::::l símbolo das diferenças
- e muros, a circundarem o
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.:agares "de fora" (fora das
_ . e terão delineado com
.=..::,-taladas para si pelos pa-
~.;;.o das ocupações, com a
é:e definições iniciais, rela-
IITNDA SOBRE OS ESPAÇOS Ni IITST6RJi 23
cionadas inclusive com os começos do intrigante e fascinante
costume de se darem nomes aos lugares e às coisas.
E da mesma forma que tudo isso deve ter constituindo uma
espécie de crise, ou de ruptura, em face dos modos anteriores de
vida, assim também veio a ser o ponto-início de um largo proces-
so que modernamente veio desaguar em outra crise, ou em uma
série de crises, desatadas dentro do mundo dito ocidental (dele
sobretudo) como uma constante e como um referencial para
interrogações novas.
O que se tem hoje como crise é de certo modo a saturação
das estruturas e dos resultados da própria vida urbana, após (e
através de) longos e complicados percursos. Se por um lado foi o
predomínio da dimensão urbana que ensejou por parte de muitos
a compreensão da própria história como história da liberdade, a
partir do paralelismo entre vida urbana e vida livre (Stadtluft
macht frei, dizia-se na Idade Média), foi por outro lado verdade
que, com a dinâmica das alterações históricas, centradas nas
cidades, desencadearam-se as dificuldades e os dilemas da con-
vivência, os conflitos maiores, inclusive- acentue-se-no tocante
às relações entre vida pública e vida privada.
No ocidente intitulado moderno, que se m1c1ou com um
conjunto de r evoluções culturais e sociais (que em geral se
denomina por conta de uma delas, o "Renascimento"), veio a
consolidar-se, dentro do acervo de imagens que chegaria até
nosso século, a figura elas grandes casas senhoriais. O modelo,
em si, seria oriundo da Idade Média: tais casas sempre foram
uma espécie de miniaturas de castelos. Havia nelas, entretanto,
sobretudo a partir do Barroco, uma pretensão de imitar palácios,
com espaços para quadros e vitrais, escadarias ornamentais e
coisas deste tipo. As grandes casas, de cujo modelo alguma coisa
foi transportada para as residências rurais das Américas duran-
te a colonização, foram de algum modo também continuadoras
das sólidas abadias e dos "fortes" feudais. Foram por sua vez
substituídas pelos chalés oitocentistas, e depois, em nosso sécu-
lo, pelos ambíguos "palacetes" e pelos duvidosos "bangalôs".
A grande casa, proveniente do absolutismo e depois corres-
pondente à perduração da nobreza, revela o inegável sentido de
espaço e de projeção espacial, peculiar ao ancien régime. Casas
l
""...
24 O JARDIM E i PRJÇi
com terraços e páLios, porões, desvãos, andares superiores, pin-
turas n as paredes, colunatas e cavalariças (o pátio, la cour, afim
ao dos conventos, fazendo pendant com o jardim). Trata-se da
casa cuja figura, por vezes pouco definida e também pouco
esbelta, mas expressiva, aparece caracteristicamente na pintura
dos séculos XVII a XIX, tanto nos ambientes rurais - aquele
ambiente inconfundível dos desenhos franceses, bem como do
Moulin de Pontoise de Corot - quanto nos urbanos. No ambiente
urbRno há variáveis que vão das empertigadas fachadas de
Canaletto às casas ditas normandas. De qualquer m aneira a
presença dessas casas nos perímetros urbanos denota, durante
ccrLa fase sobretudo, a residência de senhores de terra que
possuem propriedades no campo mas mantêm um imóvel à sua
disposição na cidade.
Este tipo de edificação se acha magnificamente descrito no
Gattopardo de G. Tomasi di Lampedusa, justamente o palácio
da família Salina em Donnafugata, que possuía "sete janelas
sobre a praça" e que por dentro apresentava uma enormida de ele
quarlos, escadarias, salões e tudo o mais. Aliás o livro começa
com a descrição ele um jardim muito característico, e por sua vez
a praça de Donnafugata, mencionada no capítulo li ("vasta,
sombreada por plátanos poeirentos"), aparece como algo melan-
colicamente provinciano, algo ancorado no tempo como um espa-
ço romanesco perdido sem remissão.
Ainda a propósito das grandes residências das famílias da
nobreza, seria interessante observar que o absolutismo europeu
condicionou um emprego correlato do termo casa, na acepção de
dinastia (casa elos Áustria, casa de York, casa dos Bourbon), uma
acepção evidentemente muito antiga, herdeira de todas as lin-
guagens palacianas da história. O termo foi u sado também para
aludir às Casas do Parlamento inglês, a dos Comuns e a dos
Lordes. E com isso se teve um curioso entrelaçamento da dimen-
são pública (política) com o plano privado: o reinado de tal ou
qual casa, na pessoa de tal ou qual governante, era um dado
institucional e entretanto consagrava a eficiência do matrimônio
monárquico.
Por outro lado, àquele tipo de casa (correspondente às
m ansões da nobreza urbanizada), a ela e ao seu jardim se
contrapôs, no mundo barroco, a praça principal das cidades
(inclusive a plaza .,...
Latina), entendida
Quanto aos :a::
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AIND, SOBRE OS ESPAÇOS NA H!S1'6RIA 25
(inclusive aplaza mayor trazida pelos espanhóis para a América
Latina), entendida como centro do recinto urbano.
Quanto aos jardins dessas vastas casas, eles chegam- com
elas - ao século XX, copiados ou conservados. E em certos filmes
europeus (refiro-me inclusive ao Jardim dos Finzi Contini e à
Comilança), certos ângulos de velhos jardins de casas do fim do
século passado, ou do começo do nosso, sublinham as nostalgias
c as ironias dos diretores.
Vai aqui outra anotação. A importância de uma "vivência
ele jardim" foi sublinhada por Carl Schorske em seu belo livro
Viena Fin-de-Siecle1
, no capítulo "A Tansformação do Jardim".
Ao mencionar o romance Der Nachsommer, de Adalbert Stifter,
o historiador se detém sobre alguns elementos ela narrativa,
destacando o confronto entre a educação burguesa, ali retratada,
e a que se apresenta em Flaubert. Alude então ao encontro do
personagem principal com a herdade chamada Rosenhaus, onde
havia um jardim bastante significativo, oferecendo a impressão
ele tranqüilo domínio da natureza, ordenada segundo um plano
estético racional e pedagógico.
1. Trnd. Denise l.luLLmunn, Campinas, Siio Paulo, ~d. Unicrunp - Compnnhia das Lclrus,1988.
4. ACASA COMO TEMA HISTÓRICO
O tema da casa, ligado óbvia e indissoluvelmente à proble-
mática da privacidade e da "intimidade", demandaria por certo
uma série de digressões. Não seria desperdício verbal aventar a
idéia de uma evolução da casa como testemunho (ou correlato)
ela evolução das formas sociais e também das formas da autoi-
magem do homem: tanto se tomarmos globalmente as diferenças
sociais, incluindo nelas a divisão de posições e funções, quanto
se levarmos em conta os estágios da experiência religiosa e da
própria "arte", com seus padrões e seus estilos. O que se edificl'l
para a privacidade é evidentemente uma parte muito especial
da instalação do ser humano no mundo, uma parte que exprime
em termos concretos e particulares (contraprova do abstrato e
do genérico) o próprio ser do homem, com suas fraquezas e seus
prolongamentos. O viver social consiste e subsiste em várias
dimensões, e uma delas ocorre nas casas: as sociedades ao
emergir para certo nível histórico são cidades, e as cidades
constam de casas, colocadas em ruas. E como as ruas - como as
praças- são já outra dimensão, ::t pública, eis que o plano público
e o privado se tocam, se completam, se complementam. Aliás o
caráter de determinados atos nem sempre se prende ao fato de
o agente se encontrar em sua casa ou em logradouro público.
-·#'
28 OJIIJWJM E A PRAÇ:A
Pode-se, estando em casa, desempenhar uma tarefa com sentido
público, como se pode defender interesses privados atuando em
recinto público.
Deixamos de lado o problema grave e nebuloso de saber se
a vida pública surgiu "depois" da vida privada, ou se ambas
resultam de um desdobrar-se de formas; se primeiro foi o todo,
o conjunto, e depois o espaço pessoal.
Sobre a temática da casa anotou Gastou Bachelard, em seu
livro J1 Poética do Espaço!, a analogia entre a casa e o cosmos,
não apenas quanto à estrutura, portanto ao aspecto espacial,
mas também quanto ao problema temporal: inclusive porque a
carga de tempo que passa por uma casa se integra na própria
imagem que dela possuem seus habitantes.
Este é de fato um tema rico de sugestões. Os arquétipos e
as exemplaridades legados pelas diversas civilizações, sobretudo
pelas épocas aristocráticas cle cada uma delas (admitindo que
em cada grande ciclo cultural tenha havido uma época, geral-
mente inicial, dominada pela nobreza), ficaram como marcas por
assim dizer definitivas. Sabe-se que Édipo foi castigado inclusive
por haver violado a ordem das coisas, o equilíbrio elo mundo, e o
que certos autores enxergam no conflito entre Creonte e Antígo-
na é que a legislação daquele desrespeitava a "natural" correla-
ção entre as leis do cosmos e as normas ela coneluda humana.
Entretanto, a idéia de casa não configura apenas o lugar físico
do morar, idéia fixada a parLir da morada das grandes famílias
iniciais, mas também os conceitos específicos de "berço" e de
"teto". São conceitos vinculados aos valores feudais, ou seja,
vinculados à imagem do sangue e também à noção de "origem":
ter teto e berço, ou por outra ter eira e ter beira, foram sempre
marcas de nobreza dentro dos contextos feudais ou para-feudais.
Marcas qualificadoras, fora das quais, como algo excluído, fica-
vam os plebeus, os não-patrícios. Observemos outra coisa: como
a casa é o pouso, e ter casa sempre significou possuir um espaço
definido, as épocas aristocráticas sempre desconfiam do homem
errante. Ele é um marginal, a não ser que seja um santo.
Compreende-se então que a "burguesia", que em seus inícios
revelava certas forn1as erradias de viver, ou ao menos de vender
I. 'I'rud. brus., llio de Jnnciro, Livrariu Eldorado 'l'ijuca, s.d.
(um tanto em contlõ
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ser que seja um santo.
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... er, ou ao menos de vender
il CIISJ COMO TEMA JIJSTÓRJCO 29
(um tanto em contradição com o fundamental sentido de demar-
cação espacial ou "urbana" que lhe correspondia), fosse mal vista
pela nobreza dominante.
Sobre o problema das "primeiras formas urbanas", qu e
necessariamente acode quando se coloca o tema das origens das
instituições, nas primeiras culturas, vale registrar aqui dois
livros de orientação distinta mas ambos interessantíssimos: o de
Regis Debray, O Escriba - Gênese do Político, e o de Edgard
Morin, O Paradigma Perdido2
• O primeiro, baseado sobre certas
influências marxistas, coloca questões muito provocativas, alu-
dindo inclusive à possível disposição espacial das estruturas
iniciais, onde provavelmente o senhor habitava o Centro, com
sua grande casa, em redor da qual se achavam, como em círculos
crescentemente alargados, as famílias nobres, os homens livres,
os escravos. No segundo temos a antropologia (física e cultural)
a serviço da indagação sobre origens: para Morin diversos tipos
ele sociedades se sucederam como camadas formativas desde os
começos, mas a história propriamente dita surgiu com os Esta-
dos, que eram. organizações específicas.
Certo que não é fácil, em termos antropológicos ou arqueo-
lógicos, fundamentar ele modo positivo estas alusões; mas elas
se encaixam, com sentido bastante inteligível, em uma série de
t estemunh.os. Deve ter havido, com efeito, a presença ela casa no
m eio elas formas iniciais: a casa maior c as casas menores. E eleve
ter havido, nas monarquias primordiais, que se prolongaram nas
grandes realezas posteriores, um conteúdo de significações que
fundou muitas coisas, desde então permanentes. O que equivale
ao seguinte: temos ele reconhecer que a m aioria elas categorias
clássicas elo pensamento c da organização provém do t empo em
que os grupos humanos possuíam reis c rainhas.
2. () I~Rcriba- Gênesedo l'olitico. Tn"l. M. de Cnslro, n io dc:.Jandro, T!ctour, 1983. LcParadigme
perdu, lutwlure Jw maine, SeuiI, Paris, 1973.
5. VIDA PúBLICA EVIDA PRIVADA
As coisas que simbolizam o lado público e o lado privado da
vida podem ser arroladas segundo critérios bastante diversos.
Entretanto, sempre se pode situar o encaixe existencial de certos
objetos, conforme a correlação com aqueles lados. Deste modo
teremos em um sentido a cama e a mesa, a poesia lírica, o direito
privado, a psicologia, o médico de família, o jogo de cartas. Em
outro o comércio, a forca, a saúde pública, a burocracia, os
bancos, o direito público, o circo, a poesia épica. Ou ainda,
refazendo a estampa, a sala, o leito de morte, o banho, o punhal,
os tapetes, os cosméticos; ou então o mercado, a espada, as
estradas, os templos, a política. Poderíamos pensar na evolução,
uma possível e conjecturai evolução dos âmbitos privados ao
espaço público; e aí o trânsito elo dinheiro privado aos dinheiros
públicos (embora seja válido pensar num trajeto oposto), bem
como a evolução dos cemitérios privados aos cemitérios públicos.
E aqui teríamos o jardim como correlato do foyer, ou ela "lareira";
depois, a evolução do culto doméstico ao culto público.
Também a dimensão sexual da vida, no sentido mais amplo
do termo "sexual", se acha relacionada ao dualismo público-pri-
vado. O jardim., inclusive como boosco deleitoso (e/ou reminiscên-
cia do paraíso), sempre serviu ele cenário acolhedor e conivente.
32 O JARDIM F: i PRAÇA
Podem-se recordar os casais famosos da literatura e da arte, com
seus momentos no jardim: Romeu e Julieta, Fausto c Margarida,
.1!fário e Tosca. Talvez coubesse aventar que no jardim se ence-
nam os amores não "publicáveis", não (ainda não) passáveis à
praça. Seria o caso ele distinguir entre suicídios no jardim, mais
recolhidos, mais discretos, elos suicídios na praça, mais dramá-
ticos. Em Proust, em certa passagem do Caminho de Swann, há
uma referência ao caráter "mitológico" do Bois ele Boulogne.
Encontramos n o livro ele Paul Veyne, A Elegia Erótica
Roma.na1
, o problema elas relações entre a publicidade, represen-
tada pela literatura, que revela e divulga situações pessoais (a
poesia lírica por exemplo), e a viela privada. Para Veyne, os
autores antigos não se expunham, não revelavam facilmente sua
verdade pessoal, mesmo nos textos literários escritos na primei-
ra pessoa; na literatura moderna é que a "sinceridade" sentimen-
tal se teria tornado mais corrente e mais perceptível.
Caberia questionar, passando a um assunto afim, sobre até
que ponto o que se chama "vida sexual" constitui realmente ou
totalmente uma coisa privada.. Evidentemente a idéia provém
do caráter íntimo das atividades sexuais específicas, que sempre
se consideraram próprias para ocorrer "entre quatro paredes".
Contudo a família e os vínculos biológicos são em todas as
civilizações algo ostensivo, c mesmo os "caracteres" sexuais
externos se confirmam em todos os povos através do traje e ele
outros símbolos. O problema corresponde certamente a uma
variável histórico-cultural, havendo, é claro, ponlos extremos e
graus intermediários. Um extremo, o puritanismo vitoriano,
engendrador de hipocrisias e repressões, com as pessoas cober-
tas de pano dos pés à cabeça e com mil eufemismos na linguagem;
outro, o uso de formas obscenas na antiga cloçaria de certas
regiões européias, ou ent ão os atuais espetáculos de "sexo explí-
cito", senão mesmo o nudismo, inclusive o das praias de hoje.
Lembro-me do ensaio de Aldous Huxley "Modas em Matéria
de Amor", inserido em seu livro Do What You Wilf2, onde alguns
problemas correlat os se acham colocados.
I. A ~ll!gia E rólim Uomana. O Amor. a l'oesia. e o Ocid.enle, Siio Paulo, Brasiliense, 1085, p. 252
c ss.
2. Trad. Lnts. Salânicos e Visionários, Rio de J aneiro, Americana , 1075.
O problema a.
n1.o", termo que se-
demais ora eufe ~
inclusive com o :.:, -
Rougemont sobre -
da história elos ,....
"personalidade'". -
volução Francesa.
menos roupas, d -
que iriam oscilar a·
De fato o P-
participa da área;.....
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lar. A tradição CO-
e traje ele r ua,
me" de certos re~
repente que aque e
sentido de tudo ~-­
gcm, que é projeç.ã
a fixar n a climen.sã
3. 'l'rad. T•. W•tlnnabe. S.:..-
ti:eratura e da arte, com
&a Fausto e Margarida,
que no jardim se ence-
(ainda não) passáveis à
~icídios no jardim, mais
.:::na praça, mais dramá-
_.: Caminho de Swann, há
do Bois de Boulogne.
·eyne, A Elegia Erótica
a publicidade, represen-
__ga situações pessoais (a
~.-:ivada. Para Veyne, os
re:r-elaYam facilmente sua
Ei"á.-ios escritos na primei-
a · s:nceridade" sentimen-
" perceptível.
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.:-.onstitui realmente ou
:::emente a idéia provém
.-específicas, que sempre
·er:.tre quatro paredes".
• •g:cos são em todas as
- "caracte1·es" sexuais
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claro, pontos extremos e
puritanismo vitoriano,
-. com as pessoas cober-
-:;femismos na linguagem;
...:!t::ga doçaria de certas
_ L:áculos ele "sexo explí-
.e o das praias de hoje.
::xley ·')..Iodas em Matéria
t You WilF, onde alguns
Paulo, Brnsilicnsc, 198fi, p. 252
IF=~ma. !915.
VlD11PÚBLTC11 E VIDA PRIVADA 33
O problema do sexo se desdobraria aqui no tema do "erotis-
n1o", termo que sempre me pareceu um tanto ambíguo, ora amplo
demais ora eufemístico. Sobre o erotismo muito se tem escrito,
inclusive com o livro ele Georges Bataille, e com o de Denis ele
Rougemont sobre a "história do amor no Ocidente". Ou se trata
da história dos modos de amar no sentido psicológico, ou o
assunto são formas ele "expressar" o amor, inclusive em suas
projeções estéticas; e por aí deslizam as ambigüidades.
Recentemente Richard Sennett, em seu livro O Declínio do
Homem Público3
, colocando o problema da exibição pública da
"personalidade", tratou da evolução elas roupas a partir daRe-
volução Francesa: com o Termidor, as mulheres resolveram usar
menos roupas, desnudando-se mais e iniciando ciclos de moda
que iriam oscilar até nosso século.
De fato o problema das vestes, como o da vida sexual,
participa da área privada e da pública: projeta-se daquela sobre
esta e reflui desta para aquela, como em um movimento penclu-
lar. A tradição c01·rcsponde a uma distinção entre traje de casa
c traje de rua, distinção que se acentua nos contextos mais
formais, e que o professado "informalismo" de nossos dias ainda
não conseguiu extinguir de todo. Um pedaço de pano pode alterar
o "efeito" da figura humana, e nas civilizações mais conhecidas
a dignidade social sempre corrcsponde a um tanto mais ele tecido
ou de adornos sobre o personagem. Recordo uma passagem de
Anatole France em que alguém, olhando com enlevo o ar "subli-
me" de certos retratos ele intelectuais românticos, observa ele
repente que aquele ar dependia de uma escova de cabelos. O
senLiclo de tudo isso é o seguinte: somos socialmente uma ima-
gem, que é projeção do ser real através de expletivos destinados
a fixar n a dimensão pública os caracteres da individualidade.
3. 'l'rnd. L. W"t.11nnbc, São Pnnlo, Companhia das Letras, 1988, cap. 8.
..,.
"'
6. DOS JARDINS ÀORDEM PúBLICA
No meio da profusão de imagens com que representamos a
"história antiga", em especial sua parte que se entende com o
rótulo de "mundo clássico", encontra-se com certa constância a
figura dos jardins. Jardins orientais, registrados na pintura e na
literatura, quase confundindo-se com oásis e com o vago mistério
dos muros árabes. Os jardins da Pérsia; os do Egito, que Pierre
Grimal, no pequeno livro L'Art des jardins, afirma terem sido
verdadeiros asilos da vida privada. Os famosos jardins da Babi-
lônia, incluindo os da princesa Semiramis, os quais impressio-
naram aos gregos mais pelo arrojo do que pela beleza
propriamente. Sempre o espaço privilegiado, e sempre que pos·
sível fechado: o cintamento, a vedação, o acesso através de
escadarias ou passagens especiais. E sempre o sentido de con-
forto e repouso, como em um paraíso (o termo vem do persa, de
um vocábulo que designava "jardim"); o oposto do calor do deser·
to, da vastidão das areias, do "descampado".
Certos povos antigos consideraram alguns ele seus jardins
recintos sagrados. Tratava-se justamente, conforme observou
Mircea Eliade, ele jardins onde se reproduzia em miniatura a
ordem elo mundo, com suas partes e as respectivns funções.
....,.
~~ - --~~-- ------
J6 O ,JJIIIDJM E 11 l'Ri1Çt1
De qualquer sorte, ficou desses arquétipos, isto é, com eles,
a idéia de que o jardim coloca ou recoloca o homem dentro do
plano "natureza". Sempre vale mencionar o belíssimo afresco,
que decorava uma sal::~ da Casa de Lívia em Prima Porta, perto
de Roma (e que hoje se conserva no Museu Nacional das Termas),
representando um jardim cheio de pássaros, com flores e romãs.
Do mesmo modo ficou a noção de "cultivar (cada qual) o seu
jardim", noção com certo sentido intimista e talvez biográfico. O
cultivo do jardim, como atividade privada, é algo contíguo à mesa
e aos implementas pessoais, diferentemente elos cultivos agríco-
las, que são externos. O verbo coZere, de onde viria o vocábulo
cultura, é sempre evocado nas etimologias em sua acepção agrí-
cola, mas parece que a acepção privada do "cultivo" não pode
estar fora ela idéia.
Richarel Sennett, no livro O Declínio do Homem Público
(mencionado mais acima), coloca um problema interessante ao
referir a idéia, própria segundo ele dos homens elo século XVIII,
de que a "natureza" e a "cultura" corresponcleriam respectiva-
mente ao privado e ao público. O esquema é sugestivo e chega
perto da verdade, salvo o fato de que o binômio natureza-cultura
só adquiriu vigência depois elo neo-kantismo, e seria impossível
encontrar esta idéia no século XVIII. Mas de fato a "viela privada"
sempre foi vista e sentida como um refúgio, um retorno ao
orgânico, e neste sentido a família sempre foi entendida como
fenômeno natural: não só pela dimensão biológica, mas pela
significação essencialmente privada.
Jardins: a imagem clássica, empregando aqui o termo em
conexão com o mundo greco-romano, inclui vez por outra uma
alusão ilustre, que se prende ao nome de Epicuro. O epicurismo,
por sinal uma filosofia que historicamente teve menos fortuna
do que merecia (e que merece ser repensada hoje), tem entre
outros aspectos o sentido de cultivo da vida privada, com seus
prazeres mas também com a consciência dos limites deles. E o
jardim aparece aí como asilo do pensar, não só em face ela
agitação e das vanidades da vida pública mas diante das adver-
sidades políticas (todos sabem que a doutrina do Epicuro, neste
ponto, refletiu o apagamento do poder grego e da política grega):
diante do ---,.----.
polis.
paternal-fiGa:
parecia des··a..
geral.
Evider.-L.EI::"E~
zaçào como a
relações encre -
cionais, e ond~
-?tf..létipos, isto é, com eles,
loca o homem dentro elo
-~~ o belíssimo afresco,
~..a em Prima Porta, perto
~...:Xacional das Termas),
c::5a...Y"Os, com flores e romãs.
cm:h·ar (cada qual) o seu
--.i~...a e talvez biográfico. O
ada é algo contíguo à mesa
~ente dos cultivos agríco-
.:e onde viria o vocábulo
;:as em sua acepção agrí-
::::::a do "cultivo" não pode
"in:o do Homem, Público
problema interessante ao
::. i:omens elo século XVIII,
- -sponderiam respectiva-
~ema é sugestivo e chega
- ·.,...õmio natureza-cultura
-::::.smo, e seria impossível
- !......:;~e fato a "viela privada"
refúgio, um retorno ao
""""pre foi entendida como
-.::ão biológica, mas pela
~s-ando aqui o termo em
mdui vez por outra uma
de Epicuro. O epicurismo,
-~:e teve menos fortuna
_.:c-!l.Sada hoje), tem entre
-ida privada, com seus
- dos limites deles. E o
. não só em face da
mas diante das aclver-
..l::!""Ína do Epicuro, neste
~go e da política grega):
DOS JARDINS A ORDEM PÚDLTCA 37
diante elo aniquilamento dos ideais públicos, os da ágora e ela
polis.
No testamento ele Epicuro figurou com especial destaque a
doação, a Remarco, de seu jardim (e da escola que nele existia).
O jardim configurou a convivência filosófica, e nisso o epicurismo
foi herdeiro do platonismo e elo aristotelismo, mas só nisso e no
sentido pedagógico daquela convivência. De certo modo a doutri-
na de Epicuro expressou também a valorização da amizade, tema
que seria retomado por Cícero e outros pensadores elo mundo
clássico. A amizade tem sido realmente uma variável histórica,
e cabe aqui aludir a isto: ela se delineia sempre como um
componente da vida privada. É como se na vida pública as
alianças e coligações fossem tão somente articulações eventuais
ou estratégias objetivas, não penetrando no ser pessoal de cada
qual: recorde-se que Carl Schmitt, ao considerar que o elemento
definidor da política se acha na distinção entre amigo e inimigo,
prendeu o termo inimigo ao latim hostis, não a inimicus, acluzin-
do que se referia ao inimigo público n ão ao privado.
E mais, quando Platão, que condenava o tipo ele amor que
os modernos chamariam romântico, preten dia que os guardiães
de sua cidade tivessem filhos em comum, para que o vínculo
paternal-filial não estorvasse a clara visão dos filósofos, ele
parecia desvalorizar também a própria "amizade" em sentido
geral.
Evidentemente a tematização destas coisas em uma civili-
zação como a grega (e romana), onde o lado personalíssimo elas
relações entre os sexos pesava menos elo que as normas institu-
cionais, e onde o intercurso homossexual era mais ou menos
corrente, tinha de ser diversa daquela que é possível fazer hoje.
Retorno ao problema do jardim. Sem dúvida o jardim con-
centra e registra a privacidade retendo uma porção da natureza,
enquanto que a praça vem a ser um espaço aberto na natureza,
senão mesm.o contra ela. Um espaço muitas vezes tido com.o
sagrado (morada de um deus, com seu templo), quase como um
modo ele compensar a violência, ou violentação, que o origina. Na
verdade o jardim é também cultural, e o que se tem são dois
modos de ser elas relações entre o homem e o mundo. Na língua-
.18 OJAJWJM E A PRAÇA
gem de Ludwig Klages, dir-se-ia que o jardim corresponde à
alma, e a praça ao espírito.
A praça, caracterizada em todas as civilizações como espaço
"público", não tira seu significado do mero fato da convergência
de vias "públicas". Ela pode ser anterior às ruas, ao menos
logicamente (ou estruturalmente) anterior. A rua, por sua vez,
possui a mesma essência da praça, posto que todo o traçado
urbano, que na praça se concentra, é algo público. A consagração
histórica do fenômeno urbano significa no fundo a consagração
ou consolidação da vida pública. Só que o jardim também terá o
que ver com o fenômeno urbano, mas em outro plano.
Por outro lado, como o termo público, que vem de "populi-
cus"- de populus, povo-, só aparece com os romanos, é obvia-
mente por projeção e extensão que o em:greg!_lmos para designar
experiências ocorridas em sociedades pré-romanas ou em qua·
drantes culturais estranhos ao percurso histórico dos povos
"clássicos".
Caberia dizer, e aqui retomamos as metáforas, que o jardim,
sendo fechado, é lírico, e que a prllça, sendo aberta, é épica. O
jardim é côncavo, a praça é convexa. O jardim encerra a biogra-
fia, a praça a história; um é introvertido, a outra extrovertida.
Dois momentos, duas dimensões do humano e ele sua projeção
nas (ou sobre as) coisas. Dir-se-ia também que no jardim o espaço
se põe em função das plRntas, enquanto que na praça o espaço é
o principal: em função do espaço se colocam árvores e monumen-
tos.
O "ar aberto", atributo da praça, corresponde ao advento do
nível institucional da vida, à instauração de uma ordem. genérica
(e menos "pessoal") elas coisas, ou seja: uma ordem em que os
comportamentos se regulam em função de fins sociais definidos.
O que já levaria ao problema ele não ser, a liberdade, uma
descomprometida e anômica permissão total de agir, mas uma
condição social situada. A respeito da concepção grega, por
exemplo, Max Pohlenz escreveu muito sugestivamente que
a origem da ~on~eiência da lilx~rdnde se acha no domínio privado, no colllrnstc em
<Jlle o "senhor" c sna família se vêem em l'ace elo ser·vidor, CJlle é pal'l.e de seus ueus o
CJ<re não tom direito n dispor de si mesmo. A etnpn seguinte foi a reunião de servidores
ni'io-livres em nma categoria especiol, em l'uce clu qual os ltomcJrs CJUC 11gem por si
mente um ~e!:la
óbvia condição
tais. Espaço;; d
!"estre~ P a!"ece
daí. passando
:eor:a pla~nica
::!.OS.
o jardim corresponde à
~civilizações como espaço
ro fa;;o da convergência
:.enor às ruas, ao nienos
~or. A rua, por sua vez,
,;_o que todo o traçado
= público. A consagração
!::l'l fundo a consagração
·o jardim também terá o
- outro plano.
:; que vem de "populi-
~-romanas ou em qua-
histórico dos povos
sponde ao advento do
de uma ordem genérica
U!:la ordem em que os
c.e ;.n,s sociais definidos.
ser a liberdade, uma
:c:a: de agir, mas uma
concepção grega, por
~-~----f.ri'1H1o, no conLt-rtstc em
• que é pal'l.c de scns ben~ c
foi a reunião de servidores
os homens CJII C ngcm por si
DOS JARDINS ;i ORDEM PÚBLICA 39
mesmos serão os "l ivres", sendo que com isso Lomnm plena consciência do que
rept·cscnta para eles o privilégio de intervir nos negócios da comunidade'.
Ao aludir ao "ar aberto", que nos levaria a identificar com
a praça a própria cidade, temos de ligar o assunto às diferencia-
ções que, pelo curso dos séculos, atravessam a distinção genérica
entre o lado "grupal" e o lado "pessoal" da multi milenar expe-
riência do ser humano. Dentro da politicidade do homem, vemos
que o animal propriamente "político" (ou social), isto é, o habi-
tante específico da polis não era a mulher - senão em certos casos
-, era especificamente o homem masculino. A casa era o reino da
mulher grega, que a governava, como foi o caso da matrona
latina. Daí que nos últimos Lempos da Antiguidade pagã a
filosofia aparecesse como consolação (consolatio): ela "fazia com-
panhia" ao homem que perdeu a polis c ficou em casa, que saiu
da praça e se recolheu ao jardim, diminuído em sua dimensão
pública embora podendo enriquecer-se epicuristicamente em
sua maturação privada.
Detenhamo-nos sobre este ponto. As imagens provenientes
ela história "antiga" - na verdade a história elas primeiras
culturas, Antecessoras da "ocidental" - nos sugerem repetida-
mente um tema central, o da correlação entre a política, com sua
óbvia condição urbana, e a sacralidade dos espaços fundamen-
tais. Espaços demarcados desde os primórdios como pontos de
referência, e associados, desde cedo, aos parâmetros celestes.
Segundo Mircea Eliade, as cidades no Oriente antigo eram
traçadas e edificadas conforme modelos cósmicos que funciona-
vam como arquétipos: as cidades babilônicas, por exemplo, ti-
nham como modelos determinados constelações, e entre os
hebreus se falava em uma Jerusalém celeste, copiada pela ter-
restre2 Parece inclusive que a noção de uma "cidade ideal" vem
daí, passando depois por Platão e por Agostinho, e a própria
teoria platônica das idéias tem que ver com a velha concepção
que imagina em um "lugar celesle" uma série de modelos eter-
nos.
l. 'l'rnrlu~imo.s parafraoli~.;<JHH.:ntc segundo n vcr~õo francc~o <lc ~J. Coffinct., J~a T..i lX!rlá Grccque,
Pnris, Pnyol. 1050, p. 18.
2. r.e Afytlw de l'elcrnel relour, Paris, Gallimard, 197S, Cfl]l. I.
...,.,..
40
A exemplaridade assumida pelas imagens provindas da
Grécia antiga parece entretanto ter sido a máxima. Isto apesar
de que às vezes se exagera nas referências às coisas gregas
(assunto ao qual já fez menção o professor Moses Finlay no livro
Uso e Abuso da História).
Assim, a exemplaridade que envolve a figura das cidades
gregas se tornou por sua vez extrema, inclusive com o eco da obra
sempre viva de Fustel de Coulanges, La Cité antique (de modo
nenhum superada pela "resposta" de Gustave Glotz em seu La
Citégreque).
Em texto interessantíssimo, Jean·Pierre Vernant assinalou
que nas cidades gregas se teria tido pela primeira vez o destaque
de um determinado plano da vida social como objeto de reflexão.
Ele se refere ao próprio emergir de um pensamento político, que
teria vindo, no caso, completar a existência de um específico
domínio político dentro da vida social gcraP. Ocorre entretanto,
e é o mesmo autor que o mostra, que a formação de um modo
realmente urbano de viver- com seus espaços peculiares e seus
padrões de comportamento- importou em uma crise do sagrado.
Esta crise, acrescentamos nós, nos leva ao tema da diferença
entre o sagrado rural, talvez primevo, o das grandes pedras e elas
grandes águas, e o sagrado urbano; a "crise" equivaleria ao
gradativo predomínio deste, mais ligado ao poder urbano, ao
mesmo tempo que mais instável. A historicidade inerente ao
meio urbano predispõe (agregamos ainda) ao próprio conceito de
crise, que historicamente pressupõe o hedonismo latente na vida
urbana- coisa que Ibn Kaldum já perceber a-, bem como certas
tendências, já presentes no mundo "antigo" e ostensivos no
ocidente contemporâneo: a tendência à racionalização (com suas
ambigüidades), a tendência ao individualismo e à massificação.
Assim as crises, que se prolongam na modernidade, vêm a ser
crises (como já dissemos) da articulação entre vida pública e viela
privada.
É possível que em outros povos "antigos", que não os gregos
e os romanos, a relação entre viela pública e vida privada não
tenha tido recortes tão claros nem conotações axiológicas tão
perceptíveis, mas em todos os povos deve ter existido a diferença
3. Mito e Pe11-Salllmlo Clilrc o.s Gregos, Süo Paulo, Difusão Européin do LivrcYUSP, 1973, cap. l11.
viver.
ao estágio ~cie»
como "des,.·el<lll....:::;'----'""1
por conta de :;.m r
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da pala-.."Ta·ar:
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..cidade". na ........___
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e efi~ier:.:.e :.::-.c-=-'----""1
- imagens provindas da
- a má.tima. Isto apesar
--~e a figura das cidades
r- ~:nsi-e com o eco da obra
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~ GastaYe Glotz em seu La
-?ie!'Te Yernant assinalou
.:.3 primeira vez o destaque
- como objeto de reflexão.
=pensamento político, que
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-.:: .a. foYIDaçào de um modo
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antigo" e ostensivos no
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=alismo e à massificação.
~odernidade, vêm a ser
- e::.rre vida pública e vida
~ -.;os", que não os gregos
lica e vida privada não
~n;.ações axiológicas tão
3-e ü:r existido a diferença
DOSJ1 RDTNS À ORDEM PÚBLICA 41
entre as duas dimensões do viver. O que se destaca, contudo,
como algo que entre os gregos teria surgido com nitidez maior, é
a origem de uma qualificação política da dimensão pública. A
política como ação, no sentido de Hannah Arenclt, ação casada
ao próprio questionamento das estruturas da ordem (portanto
ao uso hermenêutica da palavra e da discussão); algo substan-
cialmente, irredutivelmente distinto da dimensão privada do
viver.
Retomemos a referência à politicidade atribuída ao "ho-
mem", e à condição diminuidora (os romanos falariam em capitis
deminutio) que foi a do cidadão grego privado da praça e devol-
vido, após a invasão macedônica, Rsua casa e seu jardim.
Ocorre pensar, e seria talvez um truísmo fazê-lo em termos
de "sociologia do conhecimento", na correlação entre as concep-
ções da verdade e os padrões sociais do viver. E como não
considero inteiramente destituído de senso o esquema da "lei"
elos três estados, de Comte (inspirada em Condorcet), poderia
aludir a uma verdade teológica, outra metafísica e outra socio-
lógica: esta sucessão de fases se apresenta exemplarmente no
caso do Ocidente, mas também é reconhecível, sobretudo quanto
às duas primeiras formas, no espírito "antigo". Todos sabem que
ao estágio inicial c01·respondeu, no caso grego, a idéia ela verdade
como "desvelamento" (aletheia), como uma fAce que se descobre
por conta de um fator especial, qual seja R nçi:io de um sacerdote
invocando um oráculo, ou uma "revelação" excepcional; e que
depois, com os progressos do modo urbano de vida, veio a preva-
lecer o sentido ]Rico da verdade, com a valorização do diálogo e
da palavra-argumento, desenvolvida precisamente dentro do
espaço público. Num estágio teria predominado, por assim dizer,
um sentido a um tempo privado e religioso, no outro um sentido
público e político.
Será truístico, portanto, dizer que o emergir ela noção de
"coisa pública" implicou o mundo clássico a valorização da vida
pública. A casa se alarga e dá (liLeralmente) lugar à cidade:
"cidade", na cultura clássica, significando a própria sociedade
política. Os romanos, que tiveram para tudo isto uma profunda
e eficiente sensibilidade, completaram aquela noção com a de
• .t
42 O .!tHJJIM E 11 PRAÇA
ordem, pública, correiaLa da idéia do direito, o jus que é também
função da cidade.
Ainda uma anotação histórica. A v1gencia da dicÇ~tomia
direito público-direito privado varia conforme os contextos his·
tóricos. Certos autores têm observado que na Idade Média euro-
péia, vale dizer durante os séculos em que prevaleceu o
feudalismo, aquela dicotomia praticamente inexistiu. Teria ha-
vido então um predomínio das estruturas privadas - laços pes-
soais, fidelidades pessoais -, ou então uma espécie de misto ou
meio termo, em que o poder do "senhor" feudal, com sua família
e seu entourage privado, era ao mesmo tempo um poder genérico
e institucional. O crescimento elo pensar secularizado, com o
racionalismo e o iluminismo (que inclusive delineou com nitidez
a diferença entre política antiga e política moderna), consolidou
dentro do liberalismo uma visão renovada da antiga dicotomia,
vindo a Revolução Francesa a configurar em seus resultados
legislativos uma cluplicidade de planos: no plano do direito
público as constituições, no do direito privado as codificações.
Enquanto isso, o senLimento de "modernidade", que surgiu
nos intelectuais do Ocidente a partir do século XVII mais ou
menos, e que incluía a consciência ele "posterioridade" em relação
aos "antigos", ressoaria na querela elo tempo de Perrault e
também, muito depois, na famosa conferência de Benjamin
Constant sobre a liberdade dos antigos e a dos modernos. A
partir de certos dados, e ele certas motivações, reforçou-se a idéia
de uma diferença muito grande entre o homem moderno e o
antigo. A Cité Antique, de Fustel ele Coulanges, trazia em certos
tópicos a noção de que aos antigos faltava de fato a plena
dimensão ela individualidade, noção aparentemente estranha,
mas não tanto: o grande historiador se referia ao caráter peculiar
da "liber dade greg::t", que era mais uma adesão do cidadão à sua
polis do que uma contraposição em face dela. De qualquer sorte
Fustel ressaltou o império das instituições sobre o arbítrio pri-
v::tdo, inclusive no plano da família e do "amor", onde não parece
ter havido a larga parte ele opção c fruição que a culLura contem-
poriinea confere aos indivíduos. Como se sabe, o problema de ter
ou não havido em plenitude a consciência da individualidade (e
da subjetividade), entre os antigos, foi já debatido por diversos
autores mais recen•
xistência ele um -.:_
nos estenderemos s.
O problema ci_
gregos e rom.ano.s ~­
Primeira: entre os:'
punha, pois, a não-
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sabe, o problema ele ter
<ia individualidade (e
.. • debatido por diversos
DOS JARDINS À ORDEM PÚJJL!Ct 43
autores mais recentes, inclusive com extensão ao tema da ine-
xistência de um "direito subjetivo" entre os romanos; mas não
nos estenderemos sobre isso.
O problema ela limitação ela idéia ele subjetividade entre os
gregos e romanos nos levaria entretanto a duas ponderações.
Primeira: entre os povos elo Oriente antigo o problema sequer se
punha, pois, a não ser em pequena medida, as individualidades
não conseguiam con trapôr -se ao peso elas instituições. No caso
da polis e das civitas é que as questões emergem (passem estas
generalizações, merecedoras de ressalvas, como modo de esque-
matizar o tema). Segunda: o que a m entalidade liberal contem-
porânea enxergou mais no panorama antigo, de modo a
considerar minoritária a presença do indivíduo - e de sua liber-
dade pessoal - foi o vulto do Estado: tanto na polis grega,
aligeirada por sua correlação com as esbeltas colunas do Parte-
non e pelas alusões dos filósofos, como no imperium romano,
pesado e duro como os bronzes das estátuas dos Césares. O
Estado e a família primavam sobre o indivíduo, e este valia
m enos por si do que como elo ele uma cadeia, dentro da família,
ou como um componente condicionado, dentro do Estado.
Mas pRsscmos outra vez ao tema ela casa. A crise da casa, nas
cidades do século XX, tem sido correlata de várias outras crises, como
a da privacidade, a elo liberalismo, a elafamília, a das "humanidades"
e outras mais. Talvez, crise de coisas que hoje parecem "conservado-
ras", mas que sempre tiveram o que ver com uma certa imagem ela
viela c com importantes realizações históricas.
De fato as casas se extinguem, ou, quando isto n ão ocorre
literalmente, perdem seu velho sentido ele "morada". Refiro-me à
substituição da residência em casas pela residência em apartamen-
tos, a princípio preferidos por mais práticos e mais baratos, depois
por m ais seguros, e afinal impostos a quase todos pelos enormes
aumentos de população, nas décadas mais recentes. Outrora, nas
cidades, cada coisa tinha seu lugar, sem muitas mudanças, e em
cada bairro tinham seu lugar a igreja, a escola, a casa de Beltrano.
O mundo de hoje, invadido pelas comunicações que segundo Um-
bcrto Eco dividem os homens em "apocalípticos e integrados"", é
•J. tJ!fKX!IÍpliros c Tnleyrados, Siio Paulo, Pcrspcclivn, IDR7.
. -.
·14 O ,JJTWIIlf E A PR.1lÇA
um mundo em permanente alteração, em que nada é duradouro.
Além de se extinguirem as casas, e com elas o espírito ele
estabilidade que parece ter havido em tempos anteriores, dá-se
que as pessoas já não gostam de ficar em casa: correm cada
"fim-de-semana" pnra fora e para longe delas, auxiliadas pelos
automóveis (Hesse já dissera que para o homem do novecentos
o auto é o "objeto-rei") e impelidas por uma compulsão. Alguém
já aventou a idéia ele associar este instabilismo espacial de hoje
a um novo nomadismo, uma volta ao viver nômade e errático de
outras eras.
Do mesmo modo que temos o paradoxo do jardim coletivi-
zado, e até massificado, com as "áreas de lazer" elas vilas popu·
lares e com os playgrounds dos edifícios tipo classe média, temos
também o problema da praça demasiado cheir~, com excesso de
pessoas em todas as ruas e logradouros, rompendo com a dispo-
nibilidade de espaço c de "ar livre", que sempre foi própria da
praça pública.
É a agonia dos velhos esquemas e de certas imagens tradi-
cionais. O ideal do "homem", moldado pelo humanismo greco-ro-
mnno e pelas adições ocidentais, e que com a burguesia dos
séculos XVIII c XIX se havia desdobrado no conceito de "cidadão"
(citoyen, Staatsbürger)r,, entrou também em um processo ele
corrosão. Aquele conceito, que no fundo era correlato do ideal
contratualista (segundo o qual as vontades individuais se arti-
culam com a vontade "geral"t tendia a fazer de todo ser humano
um homem público, Alçando ao nível global da sociedade política
a existência pessoal ele cada um. Este ideal entrou em crise por
conta dos problemas sociais vindos do século XIX, e com ele as
formas de vida histórica que o haviam acomprmhado.
Certo, Lodos sabem que por cima da imagem da crise pode
colocar-se uma placa aludindo ao futuro, que poderá ou deverá
ser melhor; como da visão do declínio disso ou daquilo se pode
concluir que o que entra em declínio são coisas a serem substi-
tuídas; ocorre porém que não se enxerga quase nada p~ra além
da crise e do declínio, e este alcança justamente coisas que
vinham integrando a própria iml'lgem do homem e do "humano".
5. I lcrtwutll llcllet·, l?scrilos Po/(ticos, trad. csp. S. de Arlechc, Madrid, 1liunza Editorial, 1!)85,
pp. 2•11 c ss.
tínuo e fragmentário.
conflitos e fundamen·
que uns tantos apo~
saudando o que al
gência"0
, é sempre a...=:
dente ele elementos
Falei do hum3L.4
dora (os que chama::J.
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pológica da evolução
se sobre os está~::.:
implicações da disr!:-."
se relaciona com pr-
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Strauss e que remon~
com a apolog·ia elo cil;.
Trata também d
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8. 'l'rad. francesa, J:t:spact!
e:=: que na da é duradouro.
e ~ elas o espírito de
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... o b:;mem do novecentos
mr.a compulsão. Alguém
--.:-..abilismo espacial de hoje
~er nômade e errático de
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de lazer" das vilas popu-
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::. rompendo com a dispo-
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~e de cen a s imagens tradi-
pelo humanismo greco-ro-
e ..e com a burguesia dos
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em um processo de
--=:::.....n era correlato do ideal
da imagem da crise pode
- r que poderá ou deverá
di5so ou daquilo se pode
- coisas a serem substi-
,.......~.--.- quase nada para além
- JUStamente coisas que
~ homem e do "humano".
Madrid, Alinnza Ediloríal, 1085,
DOS JARDINS ,i ORDliM PÚJJDTCII 45
Coisas vindas de um longo e profundo processo histórico, descon-
tínuo e fragmentário mas expressivo e inteligível, e que inclui
conflitos e fundamentações, mitos e imagens, dados e teorias. O
que uns tantos apontam como melhor, festejando a crise e até
saudando o que alguns chegam a chamar de "derrota da inteli-
gência"6, é sempre algo vago, algo indefinido e no fundo depen-
dente de elementos hermenêuticas que se acham dentro do
próprio processo histórico hoje entrado em crise.
Falei do humano, pouco acima. Em 1958, a grande pensa-
dora (os que chamam as poetisas de poetas deverão escrever "o
grande pensador") H annah Arendt publicava seu notável livro
The Human Condition, baseado em uma visão histórico-antro-
pológica da evolução ela própria experiência humana7
. Detendo-
se sobre os est::lgios dessa evolução, Arcndt analisa ali as
implicações da disLinção entre vida pública e vida privada, que
se relaciona com problemas histórico-sociais muito relevantes.
E ao aludir ao problema da sociedade de massas, observa que
esta chega a destruir a ambas as esferas, a pública e a privada,
pois "priva os homens de seu lugar no mundo e também do seu
lnr privado": a complementação ideal entre as duas dimensões,
a privada em conexão com o trabalho e a pública em conexão com
a ação, depende de certas estruturas que, se não mantidas,
tendem a elimim1.r o equilíbrio das coisas.
E videntem ente tudo isso soa a liberalismo. Mas não ao
liberalismo ele certos "liberais" de hoje, dispostos a aplaudir
ditaduras e a apoiar regimes militares, e sim ao liber alismo
clássico, que em nosso século inclui também o nome sério de Leo
Strauss e que remonta às fórmulas pedagógicas do iluminismo,
com a apologia do cives latino e da praça popular.
Trata também do tema - o da coisa pública - o denso e difícil
livro de Jürgen Habermas, de 1962, Strukturwandel der Offent-
lichheit8, que já referimos. Partindo da distinção grega entre
coisas comuns e coisas privadas, Habermas menciona a ágora e
(l, AlninFinkiolkraaL, l.n!Ji'fitilet/(• In pm8rP, Pnris, Gnllimard, 1<)87.
7. A Condição Humana, Hio de .T:t11eiro, Edusrv'ForellHe, 1981.
S. Trad. franccen, l."l.:spa('(' public, op. cit.
. ~-..
QJ,RDIM E i PRtlÇA
com ela a noção de "ação em comum", observando por outro lado
a "força normativa" existente no modelo helênico da esfera
pública, sobretudo na forma em que este modelo veio a manter-se
a partir do renascimento. Para Habermas, o conceito feudal de
senhor (seigneur) teria sido neutro em relação às categorias
"público" e "privado"; e com a burguesia, realmente, é que se
teria tido o retorno da noção de esfera pública: a burguesia,
sempre interessada na circulação das mercadorias e também na
das informações, teria redimensionado essa noção, vinculando-a
a uma série de componentes novos, inclusive a "opinião pública".
Parece contudo haver um certo exagero nos termos em que o
problema é colocado por Habermas. O conceito medieval de
seigneurie, que de fato não se identificava com o poder elo Estado,
não era propriamente neutro em face elo binômio privacidade/pu-
blicidade; era referente a um. tipo ele estrutura onde vínculos
basicamente privados se ampliavam até alcançRr sentido públi-
co, e em que vigências culturais muito amplas- como as imagens
do Sacro Império e da Madre Igreja - vinham por seu turno
penetrar certos atos privados. Mas voltemos-
a ágora: praça do:::::.~
vital, tornado his~­
atividacle política :: -
e povos sem ágo-a
Naquele espaço cen
ca: cenário, atores. -
as queixas e as d
da dimensão púb:.ic.a;
se a condição do h
na ágora a sua pU:S
diversos espaços ;-......
sas lnlclals, menc!
respondente ao ides::
ideais ocidentais.
Macedônia, no fim
grega, e com ela a
arengas: acabou-se
homem público po:-
do domínio maced-
es::e:r=.::rl.e:o veio a manter-se
.:±it:::'E:n::!a.S- o conceito feudal de
E:::::l re!ação às categorias
--~~~ realmente, é que se
es:!er:a pública: a burguesia,
C::.fl'Ca.dorias e também na
I"----' essa ~oção, vinculando-a
~i-·e a ""opinião pública".
rom o poder do Estado,
_:nõmio privacidade/pu-
e::u·urura onde vínculos
:;ué a!~çar sentido públi-
- 2:n;Jlas - como as imagens
- .P..:.n.ham por seu turno
7.PRIVATISMO EPUBLICISMO
Mas voltemos às imagens clássicas e mencionemos de novo
a ágora: praça do mercado, eixo social da polis, espaço centrRl e
vital, tornado historicamente símbolo da presença do "povo" na
atividade política. Os gregos diziam que havia povos com ágora
e povos sem ágora, uns com liberdade e outros sem liberdade.
Naquele espaço central se situavam os elementos da vida públi-
ca: cenário, atores, ação. Nele estavam os debates e as facções,
as queixas e as decisões, e sobretudo a palavra como componente
da dimensão pública: ao fazer-se pública a palavra, publicizava-
se a condição do homem. A polis, quase literalmente, teria tido
na ágora a sua pulsação. O espaço público, realizado a partir de
diversos espaços particulares convergentes (inclusive o das ca-
sas iniciais, mencionadas por Fustcl), antecipava o modelo cor-
respondente ao ideal contratualista, antecipando também outros
ideais ocidentais.
Entretanto, como se sabe, a derrocada dos gregos diante da
Macedônia, no fim do século IV a.C., esvaziou a vida política
grega, e com ela a democracia da ágora com seu s temas e suas
arengas: acabou-se a importancia dos discursos políticos e do
homem público por excelência, o político. Ao submergir dentro
do domínio macedônico, a polis deixava de ser a medida das
-
• '!-
18 O JA /1/J/M E 1 PIIAÇA
crenças gregas (e aqui o termo pode entender-se no sentido
orteguiano da distinção entre idéias e crenças). Restava o cos-
mos, inacessível aos golpes dos hoplitas e abrigo maior da razão;
e restava a vida privada. Quase uma antecipação da frase de
Kant sobre o céu estrelado e a lei moral.
Na verdade o afundamento da experiência política atenien-
se - que aparece implícita ao falar-se padronizadamente da
"grega" - ocorreu aos poucos, no meio de coalisões militares e
confrontos internos, inclusive o confronto entre lideranças inte-
lectuais. O ideal clássico de liberdade perdeu-se no tempo de
Demóstenes, quando a autonomia das cidades helênicas se tor-
nou inviáveF. A "política", que um historiador autorizado como
Finlay considera uma invenção dos gregos, ou talvez dos gregos
e dos etruscos separadamente2
, terá sido engulida naquela fase,
dentro de coordenadas desfavoráveis. Em troca, surgia (talvez
ressurgisse) a vida individual.
Ressurgia ou cobrava novo destaque. Aqui entra um tema
histórico-clouLrinário específico, o da evolução elo pensamento
antigo sobre a liberdade humana. Ou aludindo-se, um tanto
tardiamente, ao fato ele que nos próprios escravos a alma é livre,
ou discutindo-se a condição do indivíduo diante dos "liames
sociais" - como parece ter ocorrido em torno de Sócrates e ele
Diógenes-, chegou-se ao problema da dimensão pessoal, senão
mesmo "interior", da liberdade, pensada em gerações anteriores
como condição externa do homem, ou antes: de determinados
homens.
Se, como anotamos acima, o que restou depois de certos
fracassos foram o cosmos e a vida privada, entende-se- e isso se
encontra fácil nos compêndios - que as duas grandes filosofias
do período final da cultura helênica Gá paralela ao alargamento
da presença de Roma) tenham sido o estoicismo e o epicurismo.
Na fase pós-aristotélica o pensamento grego se concentrou sobre
certos temas, em particular o reexame do problema do conheci-
mento e a construção do "ideal do sábio". Vieram também as
cosmologias e filosofias da natureza (há uma ampla filosofia da
n atureza na obra de Epicuro), e as pequenas escolas preocupadas
I. :vi. G. L.llammond, i llistoi)'O{Greece, to 322 BC, Oxford, 195!J, cap. VI, final.
2. M. I. l-'inlay, A Polltioo110 Mundo Antigo, Rio de Janeiro, Zahnr, J985, p. G9.
com rever proble
do mundo. Isto é, :~
A historio
estoicismo e o epi
idéia sempre tr
logos e suas leis
identificação com- -
sempre se destacou.
como "refúgio do
estilo antigo. Aos •
político da Grécia e
acompanhou, se!!lk"-
mas na verdade h.,.
epicurista, que Yal
De qualquer
que a polis, mediJa
soberania e sua fo
éticas e com os "p.
era duplo: por um
absoluto em que se
valorizara o saber _
que se tinha agor-..l
"República" (Poli;..-
camente renuncia· -
No sistema ~e
clagógica e aclm>n ::::
levado a um pont.o
que depois se ch
a uma existência !!!-
e privada. Talvez:·
totélicos terão sid"'
separação entre '-:
tradição oriental
lectual e vida poE~·
dali em diante, nas
lando entre formas
ou coisa parecida. e
:: ,:, ab!'igo maior da razão;
-- a=.Lecipação da frase de
cir coalisões militares e
:::::=o ~tre lideranças inte-
perdeu-se no tempo de
ad.arls helênicas se tor-
em ~erações anteriores
- ....::.!es: de determinados
entende-se - e isso se
...as grandes filosofias
:m.Ie:a ao alargamento
- . cap. VI, final.
19.:i:;, p.69.
I'RIVA1'ISMO E PUBLTCJSMO 49
com rever problemas. Daí a figura do sábio solitário vivendo fora
do mundo. Isto é, fora da cidade e de suas ilusões.
A historiografia sempre ressaltou, no meio dessas imagens, o
estoicismo e o epicurismo como escolas maiores. Do primeiro, a
idéia sempre transmitida é uma visão global do mundo, com seu
logos e suas leis imanentes, completada com a do sábio cuja
identificação com tais leis otorna imune ao sofrimento.Do segundo
sempre se destacou a referência à valorização do viver privado,
como "refúgio do sábio" diante da inutilidade do esforço cívico ao
estilo antigo. Aos pósteros, sempre impressionados com o legado
político da Grécia e também com a carga de idéias gerais que o
acompanhou, sempre pareceu mais importante o pathos estóico,
mas na verdade havia igualmente muito de helênico no realismo
epicurista, que valorizava em cada ato uma quota de prazer vital.
De qualquer modo pode-se dizer que, ao mesmo tempo em
que a polis, medida do existir para o homem grego, perdia sua
soberania e sua força normativa, o pensamento ético partia para
um relativismo muito flexível, que se acentuou com as escolas
éticas c com os "probabilistas". Em relação a Platão, o contraste
era duplo: por um lado os relativismos se opunham ao modelo
absoluto em que se baseava a teoria das idéias - Platão super·
valorizara o saber rigoroso, a episteme -; por outro, a estima em
que se tinha agora a vida privada era antagônica ao ideal da
"República" (Politéia), em que os pensadores-governantes prati-
camente renunciavam à vida privada.
No sistema de Platão este cancelamento da vida privada
(para os pensadores-governantes) decorria, como conclusão pe·
dagógica e administrativa, de um racionalismo absoluto, quase
levado a um ponLo anti natural, em que a total dedicação àquilo
que depois se chamaria o "bem comum" reduzia o viver do sábio
a uma existência muito mais oficial e pública do que espontânea
e privada. Talvez se possa pensar que os relativismos pós-aris-
totélicos terão sido um dos primeiros passos no sentido de uma
separação entre vida intelectual e vida política, tão juntas na
tradição oriental (China e Egito por exemplo). Entre vida inte·
lectual e vida política as relações seriam sempre problemáticas
dali em diante, nas diversas etapas da cultura ocidental, osci-
lando entre for mas de fusão, com o intelectual a serviço do poder
ou coisa parecida, e formas de contraposição.
....
"
- - --
8. PLATÃO EOINTELECTUAL MODERNO
Vale estender-se um pouco mais sobre o tema do intelec-
tual, em relação à política. Platão representou, como foi dito
acima, a pretensão à absoluta racionalidade política, esta por
sua vez correlata de uma justiça entendida como razão. Como
razão e como ordem, coisas vinculadas ao estável senão ao
imutável: como ordem natural, a ordem racional das coisas
equivaleria à base do verdadeiro e do justo. Com isso se
varreriam as incômodas oscilações da "opinião", inerentes
aliás à democracia, em favor do saber seguro e infalível da
ciência; a episteme em vez da doxa. Superava-se todo compro-
metimento subjetivo. Um igualitarismo de oportunidades, ins·
Laurado a partir de verificações pedagógicas, era a
contrapartida, na "República" (Politeia), do desigualitarismo
funcional e inabalável do sistema, que consagrava em parte a
estrutura social existente na sociedade grega- embora corri-
gindo-a a modo de evitar o poder do dinheiro e o das armas,
ambos substituídos pelo do intelecto.
Na base estava, claro, o ideal helênico e principalmente ate-
niense, segundo o qual a realizaçãointegral de cada homem estaria
em participar da política (ou seja, da vida dapolis e de seu governo);
só que no autor do Timeu a coisa chega a pontos extremos, enten·
...1'
. .....
52 OJJIIWIM E A PRAÇA
dendo-se como necessário para a devoção à sabedoria e ao gover-.
no o abandono dos laços privados e dos interesses particulares,
próprios das almas insuficientemente educadas.
Como acentuou oportunamente Ernest Barker, Platão viu
na casa o abrigo dos exclusivismos c dos sentimentos egoístas;
além disso viu na família uma espécie de rival do Estado, fonte
de um pernicioso divisionismo dentro da vida da cidade1
• É fácil
ver, nestas concepções, um como que voltar-se do espírito helê-
nico contra si mesmo, pois a vida de família (e das casas) tinha
sido a própria origem da ordem social grega, e o racionalismo -
que Platão leva e eleva ao grau m áximo- foi também umproduto
cultural tipicamente grego. É provável, de resto, que ao tempo
da República ainda estivessem relativamente nítidas na memó-
ria dos povos gregos as imagens da época em que o panorama
político e social se achava dominado por grandes famílias, que
exerciam seu poder em uma estrutura de tipo feudal e que se
transformaram, com a democracia (tão criticada pelo filósofo),
em núcleos de sentido oligárquico. Também em Rousseau - cujo
papel histórico-doutrinário me parece em diversos aspectos aná-
logo ao de Platão- o repúdio das vontades "particulares" corre
paralelo à busca de uma ordem pública definitiva, uma ordem
que se vinculava à "vontade geral" e que arrastava Jean-Jacques
para perto do que Talmon denominou "democracia totalitária".
Mas voltemos a Platão. Em sua visão utópica, que confir-
mou e ao mesmo tempo contrariou as imagens centrais da men-
talidade grega, aparece bastante claro um traço comum ao
intelectual e ao político, consistente no fato de que ambos corres-
pondero a formas de vida cuja essência (ou cuja plenitude) parece
incompatível com o que se chamaria a "normalidade" da existên-
cia, entendida em sentido privado. Entendamo-nos. Ao olhar
retrospectivo, as primeiras formas de organização urbana - as
do tempo de Menfis, de Cnossos ou de Lagash- apresentam em
seu centro uma certa junção entre o saber e o poder, que parece
ter sido perdida e que de vez em quando as utopias (dos intelec-
tuais) sonham resgatar. Ali, em principados e cortes de dois mil
L Erncst 13arker, Greeh Polilical 1'heo1)'.l'lato and its Predecessors, Londres, 1977, cnp. X. Cf.
tambérn a scgundn pHrlc do livro de Janine Chante ur, Platon, le desir et la.cité, Paris, Sircy,
1980.
origens um sentido
viver. Assim ima,;
monarcas, respon_~
junto com mulher :
simas pedras pal
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República platôni
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Também em Rousseau- cujo
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~as utopias (dos intelec-
~~'""dos e cortes de dois mil
PLATÃO E O INTELECTUAL MODERNO 53
anos ou mais antes de Cristo, se instalou o poder político, com
sua armação de hierarquias, correlatas da ordem religiosa; ins-
talou-se também a organização do conhecimento, que no início
deve ter sido menos crítico, e que também assumiu desde as
origens um sentido específico em face dos afazeres "normais" do
viver. Assim imaginamos os sacerdotes e os magos, tal como os
monarcas responsáveis por decisões que não se tomam à mesa
' . '
junto com mulher e filhos: rostos antiquíssimos, entre a~~lqUlS-
simas pedras palacianas, insones diante de problemas m1htares,
pragas misteriosas ou latentes conspirações. Assim o sábio da
República platônica, exercendo o governo longe do povo e da
família - longe da praça e do jardim-, solitário em relação às
vidas realmente "pessoais" dos homens comuns. Solitário intelec-
tualmente dado o nível demasiado "alto" do pensar que cultiva,
' -e que o qualifica, e politicamente, dado o caráter das decisoes que
tem de tomar e que não competem ao homem comum.
Convenhamos em que o intelectual é realmente um clérigo,
e sua condição específica não configura uma "profissão" determi-
n ada, m esmo quando o intelectual exerça esta ou aquela profis-
são. O político t ambém não representa uma "profissão" em sentido
próprio (a não ser na acepção de professio, testemunho, correlata
de BeTU{ e com significação peculiar). A condição do político, nos
países capitalistas, atravessa outras condições profissionais mas
não se identifica com elas, ou não deve idenLificar-se.
Se por um lado as diversas profissões, que são afaze~es
socialmente caracterizados, possuem concretamente um sentido
público, elas em geral permitem ao "profissional" um tipo_normal
de vida privada: horários, convívio de família, ocupaçoes pes-
soais. Mas na vida política plena, bem como na vida intelectual,
a necessidade de dedicação ou de concentração dificulta o cum-
primento dos afazeres privados. O que nos faz lembrar as obser-
vações de Bernard Shaw, no primeiro ato de Homem e
Super-Homem, ao afirmar que o verdadeiro artista, dedicado que
esteja por inteiro à sua arte, termina por descurar dos laços de
família e até do amor pessoal ("feneçam mil mulheres, se o
sacrifício permite representar melhor o Hamlet ou pintar um
quadro m ais belo"). Só que no caso já entraria a que~t~o do
egoísmo, não dentro da família mas fora dela; e do narc1s1smo,
posto entre devoção pública e ocupação privada, ou antes fora de
54 O JARDIM E A l'RiÇ!l
ambas, como em um limbo. Aliás Francis Bacon, em seu ensaio
"Of Marriage anel Single Life", já havia dito que os grandes atos
e as grandes obras sempre cabem aos homens descasados e sem
filhos, embora os que têm mulher e família sejam em princípio
melhores súditos2
•
E aqui uma anotação sobre o intelectual moderno. No caso,
onde os exemplos se acham obviamente mais próximos pa~a nós
ele hoje, parece aguçar-se aquele conflito latente, que se arma
entre a condição elo intelectual, ou elo político, c o viver elos
homens "não especiais" que exercem as profissões especiais.
Aquilo que os românticos (sem aludirem ao depois chamado fator
econômico) designavam como "burguês", constituía na verdade
uma alusão ao prosaísmo elo homem privaclamente ajustado
(horários, afetos, obrigações), em contraste com o comportamen-
to do escritor (aliás parece vir desta visão romântica um certo
conceito que equivocadamente encara o intelectual como "eles-
programado" e boêmio).
Nietzsche, em carta de março de 1887 a sua irmã Elizabeth,
falou da hipótese de casar-se, ou de ter-se casado. Dizia: "Se eu
me casasse agora, isto seria apenas uma asneira, que me faria
perder uma independência que conquistei a preço de meu san-
gue.(...) Antes viver miserável, doente e temido em algum canto
do que arregimentado e situado dentro da mediocridade moder-
":3na .
Ou então o conhecido trecho ele Fernando Pessoa, no poema
"Lisbon Revisited" de 1923:
Queriam-me casado, fútil, cotidiano e tributável?
Uma elas primeiras expressões, vinda aliás do pensamento
social romântico, da saturação do existir moderno em termos de
espaços e relações, terá sido a obra maior de Toennies, onde se
descreve a sociedade como modo de agrupaçào mais amplo porém
artificial, fundado sobre a "vontade reflexa", e a comunidade
como modo mais concreto, mais estreito, fundado sobre a "von-
tade essencial". Desta se passaria àquela, como tendência evo-
lucional genérica. Seria um trânsito do privado ao público?
2. The Moral anel !Tislorical Worhs ofLordBacon, Londres, George 13cll, 1890, pág. 19.
3. F. Nietzsche, Lettres Choisies, Librairic S!.ock, Paris, 1931, p. 213.
Mas voltando
niclacle (no sentido
temos que nos séc::
categorias histó~ca,
rias predominantes'
civilizações, incl -·
"militar" e "político
Pode-se obse_
no sacerdote ocorri:'
poder político. E!:l
existência privada
to, senão mesmo--
em relação aos afaz
da sociedade e de:;~
sões. No caso elo ::L.li..!
mente um aias-
latentemente o he ~
épica antiga e na-:::::.
exernplaridade,se~
dos e constranged~- ~
dote teve-se semp_
sagrado; e o sagra
mundo antigo. ::Ias
a vida entregue à pa
código de n ormas. c_.
o princípio, vigen:.e
a ser exigente cons:,.
fechamento para o_..,.
conceitos, e não à e
corresponcle basi~
ra. Corresponde -
capitalista. O idea:
Saldanha o jardim e a praça
Saldanha o jardim e a praça
Saldanha o jardim e a praça
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Saldanha o jardim e a praça

  • 1.
  • 2.
  • 3. O Jardim e a Praça •
  • 4. Reitor Vice-reitor Presideme DiretorEditorial Editor-assLçtente Comissão Editorial Roberto Leal Lobo c Silva FiU1o Ruy Laurcnti EDITORA DA UNIVERSIDADE DE s.o PAULO Joao Alcxanuru Barbosa PJinjo Martins Filho Manuel da Costa Pinto João Alexandre Barbosa (Presi<knte) Celso Lafer José E. Mindlin Oswaldo Paulo forattini Dj;,hna Mirabclli Redonrlo
  • 5. O Jardim e a Praça O Privado e o Público na Vida oocial e liislórica Nelson 8aldanha
  • 6. • ,I e son SaldanhaCopyrighl © 1993 by N I Dados lmernadooaisde Catai(Câmara Brasil . dogação na Publicação (CIP) eU'8 o Lavro,SP, Brasil) Saldanha,Nelson, 1933_ O lanlim e a Praça. 0 Pri NclsooSaldanha. _Sôo j,.~ ~~e oPúblico"'' Vida Social eHisl . . • t o:L.u~loradaUujvc:n;·dade - OC!Q.j ISBN: 85·314-QI6J·l 1 de S•uPaulo, 1993. I. Antropolo•· 1-1 .P 'bl" c" .,osofica I Tilulo. u •co""Vida Social e Histórica . 11. Titulo: O Privado e o 93-1454 . ---~----------~COD-128 Índic:espara til .I An ca ogo SJ•tcmatico· · tropologia filosefica 128 · ~N ~Q)jg_1Q5103 Universidade Federal de PernambuCO BlBUOTECA CENTRAL I CIDADE UNIVERSITÁRIA CEP 50.67()..901 - Recife - Pernambuco - Srasi Reg. n° 2036 •2610112000 Titulo: O JARDIM EA PRAÇA Direitosreservados à Edusp - Editora da Univ .Av Prof L · ers•dadede São Paulo . . uc•ano Gu lbe6' andar- Ed d a rto, Travessa J, 374 . a AntigaReito . c·d 05508-900 - São Paulo - SP na - . ' ade Universitária Tel. (011) 813-8837I 818 415-6Brasll Fax (011) 211--6988- I 818-4160 Printed in Brazil 1993 Foi feito 0 depósito legal f_x:..2.0 3GOO
  • 7. ....~ . Para João Alexandre Ba ·Ili /d 1 JOSa ua o Coutinho ':;aldemar Lopes Zdenlfh Knurún -~- Brasil '11 a4o -r 06
  • 8. SUMÁRIO Nota do autor . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1. Abordagem e proposição geral do tema 13 2. Sobre os espaços na história 17 3. Ainda sobre os espaços na história . 21 4. A casa como tema histórico . 27 5. Vida pública e vida privada . 31 6. Dos jardins à ordem pública 35 7. Privatismo e publicismo 47 8. Platão e o intelectual moderno 51 9. Outra vez privatismo e publicismo . 57 10. Algumas digressões históricas 63 11. Outras digressões, com alusão ao direito e ao contra- .:: tualismo 71 12. Sobre as utopias 83 13. A burguesia, o liberalismo e o problema do equilíbrio ' 89 14. Alusão à experiência brasileira 103 15. O ho.inem: Constantes e dualidades 109 16. Fundo, planta e pedra . 115
  • 9. NOTA DO AUTOR No número 11 (janeiro/junho de 1983) da revista Ciência & 'Trópico, da Fundação Joaquim Nabuco, publiquei um breve artigo contendo reflexões que, devidamente acrescentadas, re- sultaram em um opúsculo editado em 1986, com o título de O Jardim e a Praça, por Sérgio Fabris, em Porto Alegre. Posterior- mente, à base de notas tomadas em ocasiões diferentes, inclusive por conta de temas e de fontes referentes a outros trabalhos, repensei e reescrevi inteiramente o texto, ampliando-o bastante, sobretudo em algumas partes. Tratando ele um assunto cuja análise em detalhe seria interminável, o presente livro, que é uma espécie de longa anotação, se cinge conscientemente a certos tópicos, mais próxi- mos elo nücleo ele idéias que norteou o esquema inicial. Alguns amigos viram no texto uma introdução ao urbanismo; outros uma revisão elos "ismos" contemporâneos. Entretanto o autor o considera, apesar de seu feitio um tanto assimétrico e aparente- mente descontínuo, um esboço ele antropologia filosófica. Ou, se se prefere, de uma teoria não dogmática do homem e da história.
  • 10. _... .. 1. ABORDAGEM E PROPOSIÇÃO GERAL DO TEMA A estrutura de nossa e."Ístência aparece em um primeira aspecto coma wna snma de cnntm.í- dos que se entrecruzam, c se umoldum uns ciOS outros; em um segundo aspecto, aparece como uma soma de mundos, todos os quais abarcam o mesmo conteúdo uíla./, mas cada um com sua forma espedj"ica. Assim a religião, a arte, a nwral, o conhecimento. GEOilG SI~I~!EL Começo aludindo a imagens mais ou menos consagradas. O jardim se concebe, geralmente, como um trecho de espaço anexo à casa, quase sempre à frente dela, mas em certos casos - como nos chamados jardins ele inverno- dentro dela. O jardim é uma parte do esp aço que circunda a casa (a casa ou outro tipo ele edificação), uma parte específica pela posição e pelas caracterís- ticas. A praça é pensada como um espaço amplo, que se abre, na estrutura interna das cidades, como uma confluência de ruas, ou de qualquer sorte uma interr upção nos blocos edificados. Um espaço onde em geral se encontram árvores, bancos, eventual- mente monumentos, em alguns casos pequenos lagos artificiais.
  • 11. 11 O ,J,IRDIM E A PRAÇA Tenho de partir dessas alusões, por certo prosaicas edema- siado genéricas, sem desatender ao fato de que há jardins de diversos tipos, e praças de diferentes formas, inclusive variáveis pela origem e pela função. Mas as duas imagens são aqui toma- das como símbolos (evitarei dizer"meros" símbolos), de modo que as diferenças dadas nos casos reais não deverão dificultar a exposição. De certa forma vale dizer que o jardim é, e ao mesmo tempo não é, uma parte da casa. Não se inclui no âmbito edificado da residência, mas integra seu espírito, inclui-se no conjunto (pe- queno ou grande) que ela domina. O jardim faz parte daquilo que Gaston Bachelard, naquele livro admirável que é a Poética do Espaço, chama o "universo da casa", ao qual inclusive atribui uma ordem própria. Por sua vez a praça integra organicamente o conjunto formado pela cidade, mas ao mesmo tempo "está" nele como um espaço - quase uma clareira- surgido pelo distancia- mento entre determinadas porções construídas. A praça "nega" a continuidade das edificações, mas ao mesmo tempo ela é, em certo sentido, a essência da cidade. Como disse, as alusões iniciais se referem a imagens. Refe- rem-se a estampas, às quais se prendem tradicionalmente nossa imaginação e nossas associações de idéias. As artes plásticas e a literatura se encarregaram, através ele séculos, aliás de milê- nios, de consolidar as respectivas figuras. A noção de jardim carrega consigo exemplificações que provêm de alu sões literárias antiquíssimas, e de citações pictóricas igualmente remotas: ele é fechado, não muito extenso, arborizado, ocupado com plantas ornamentais. O jardim é o lugar das flores, e pertence a casas particulares ou de qualquer maneira a construções específicas: palácios, hospitais, conventos, universidades. Têm sido excepcio- nais os casos de jardins públicos, nos quais se podem enquadrar alguns suntuosos jardins da história antiga, bem como exemplos modernos como o das Tuilleries. O problema, nestes casos, é em certa medida uma questão de linguagem. Às vezes chamam-se ou chamavam-se jardins a certos logradouros públicos, que em verdade são "parques" ou coisa parecida. Isto aconteceu inclusi- ve nos séculos XVII e XVIII: Francis Bacon escreveu um .r:nsaio altamente lírico sobre jardins (Of Gardens), considerando-os mais acolhedores do que as praças e falando das sebes encurva- Emcontrap público, com es vada. As praças,nas e em todos os ãm "genéricas": ligaiL-, rio" do termo -, a dimensão religiosz. praças sagradas ~ - ágora grega, arq-....- - umbos mistura dE meetings polític~.>s. npcnas extensão e, cial, correlato do Podemos de;;te dimensões pode...:~: Sob oprimeiro a;;:- no caso da casa ~ ajuntadas, âmbi:.o pessoas; no da pr- tende a confundir-~ espaço privado ccc tivclmente" preso temos o espaço pli~­ d<'~s relações que termos de produção Este segundo é o relatara que o fa= partes distintas: '" ligada aos militare~ cultores. Obviame provieram deste e.:
  • 12. prosaicas e dema- ~ que há jardins de :: ir.clusive variáveis ____,é~ e ao mesmo tempo ãmbito edificado da -.:-.se no conjunto (pe- :azparte daquilo que :n::J. que é a Poética do e pertence a casas ~ções específicas: ~-Têm sido excepcio- ::- :Ee podem enquadrar bem como exemplos nestes casos, é em :-:: ,-ezes chamam-se ·--~~- públicos, que em ABORDAGEM E PROPOSTÇ;O GER1!L DO TEiH 15 das que devem demarcá-los. No mesmo sentido valeria aludir ao jardim do Luxemburgo, em Paris, celebrado inclusive em sentido erótico pelos franceses elo século passado. Em contrapartida a idéia de praça vai indicar aqui o espaço público, com específico desligamento em relação à moradia pri- vada. As praças, nas cidades construídas em todos os quadrantes c em todos os âmbitos culturais, se ligam a finalidades mais "genéricas": ligam-se ao espaço comum - no sentido "comunitá- rio" do termo -, ao âmbito político, à finalidade econômica, à dimensão religiosa ou militar da vida social. Poderia lembrar as praças sagr adas dos aztecas ou os terraços votivos dos incas; a ágora grega, arqui-exemplar, e sua continuação o forum romano -ambos mistura de mercado e local de encontros, inclusive para meetings políticos. A óbvia extensão espacial da praça não é apenas extensão espacial: ela corresponde a um significado so- cial, correlato do próprio espírito da cidade onde se insere. Podemos deste modo dizer que a distinção entre as duas dimensões pode dflr-se no sentido quantitativo e no qualitativo. Sob ·o primeiro aspecto temos um problema de extensão espacial: no caso da casa (e do jardim) um espaço menor, com coisas ajuntadas, âmbito elo viver e sobretudo do viver noturno das pessoas; no da praça, um espaço maior, que revela a cidade e tende a confundir-se com ela. Sob o segundo aspecto, ocorre um problema de caracterização e de conteúdo. E então temos o espaço privado com um sentido de reduto, portanto algo "irredu- tivelmente" preso ao existir mais íntimo do ser humano; ou temos o espaço público como obra do viver social e do estender-se dns relações que perfazem este viver, e qu e se desdobram em termos de produção econômica, ordem política, criação cultural. Este segundo é o espaço mais amplo e mais problemático do humano, no qual se acha o pensar em geral, com heranças históricas e "ismos" modernos, um espaço dentro de cujas ocor- rências se inventaram a geografia e a história. Aliás Aristóteles, expondo as idéias de Hipódamo de Mileto, relatara que o famoso arquiteto projetara uma cidade com três partes distintas: uma sagrada, ligada aos cultos; outra pública, ligada aos militares; e outra privada, ligada sobretucl0 aos agri- cultores. Obviamente alguns conteúdos da utopia de Platão provieram deste esquema, mas isto é outra história.
  • 13. 2. SOBRE OS ESPAÇOS NA HISTÓRIA Evidente que o tema da contraposição e das relações entre a vida pública, simbolizada aqui pela praça, e a vida privada, simbolizada pelo jardim, nos levaria a divagações c derivações as mais diversas. É um tema fascinante, e um modo de disciplinar a reflexão sobre ele consistirá em dar-lhe um tratamento histórico. Ele é necessariamente histórico. Seria inclusive válido, sem em- bargo de parecer uma idéia "fácil", tentar entender a história como história dos espaços, história das relações entre culturas e espaços, c do modo como os homens vêm utilizando o espaço. Poderia inclusive mencionar alguns estudos que abordam o assunto. Entre eles o de Paul Claval, relativamente recente, Espaço e Poder1 , no qual se colocam alguns temas centrais, inclusive o das conexões entre o poder e a administração dos espaços, mas sem situar devidamente- a nosso ver, ao menos- certas questões prévias, dentre as quais o próprio fato da distin- ção vital entre os planos em que se "desdobra" o espaço social. Ou ainda o livro muito importante de Jürgen Habcrmas sobre o chamado "espaço público"2, um pesado e complexo ensaio de 1. E spaço e Pocl.er, lrad. W. Dulr~, l1io de Janeiro, Zahar, 1!)70. 2. Strukl.urwnndcl der Offcnt.lichkcil, lrad. francesa L'l!:.~pnce public- Archéologie rlR.lapublicité
  • 14. 18 O J ARDIM E A PRAÇA análise das relações entre a esfera pública c as características da sociedade moderna. Parece desde logo evidente que o "organizar-se", desde as primeiras experiências grupais do ser humano, foi sempre, em parte ao menos, um problema de distinguir lugares, valorizando uns e abandonando ou evitando outros, e de construir espaços, demarcando porções do território e amontoando pedras com fim simbólico ou utilitário. Os horizontes sempre foram espaços, os céus também, e o próximo se insere em algum ponto do espaço. Amor e ódio se situam como formas de estar diante do próximo, e as armas sempre se classificaram conforme seu alcance em termos de espaço. Os laços de pArentesco, tão caros a certos antropólogos como estruturas reveladoras, se compreendem como linhas que interligam pessoas e grupos, aproximando/afas- tando, como que em termos de espaço. Demarcar.o tempo e demarcar o espaço foram certamente necessidades primordiais para todos os grupos humanos desde os inícios. O tempo teve (como ainda tem) ele ser tomado como um outro espaço, e de ser assim cortado em pedaços: até certo ponto serviram para isso as repetitividades fornecidas pela prÓ· pria natureza, nas estações do ano e em outros tipos de ciclos biológicos. Os maias, em uma imagem bastante curiosa, imagi· naram a figura mítica dos "carregadores" do tempo, incumbidos de levá-lo e transportá-lo em seu interminável percurso. Deste modo espaço e tempo, considerados na crítica kantia· na da razão como categorias a priori do entendimento, funciona- ram desde as primeiras sociedades como pontos de referência do viver concreto. Ou, por outra, como dimensões objetivas do mun- do circundante e também ela existimcia social. Dimensões no sentido de planos, onde se intercalam níveis, o que significa a possibilidade do desdobramento e das hierarquias. O espaço e o tempo foram ocupados, desde os começos, com interdições e obrigações, com o fazer e o não fazer, dias fastos e dias nefastos entre os romanos, interdições e tabus entre diversos povos. O convívio social, unitário e genérico sob certo prisma, sob outro se apresenta diferenciado, recortado por dentro pelas diferenças de ocupação, pelas castas ou pelas classes, por concentrações demo- conw re dimension conslilutiuede la sociélé bow gcoise- Paris, Payol, 1D78. morfológicas, po!' lembrar a distinç.ã variações do "tiptJ Incsn1o pelas estr" ficação, o dos pa econômica, da j.lri Ao falar em que esta última que foi iematizad=. clemnsiado fis:~L=w.... mos empregar .,..,..,_ aos dados histv!":. E ao alucb' "geral", isto é o,;: tal imagem pode viver pessoal, q'.le vência m ais ínt~ Nest e plan o se.: ambigüidade do sempre se enten tamente ligado ,._ domésticos ~àe ~ há quem pense - di..-isão das part Ao falar na par;:e em que ::oe
  • 15. '"'c:-ganizar-se", desde as h~ano, foi sempre, em ~ :ugares, valorizando _.., e de construir espaços, - :oando pedras com fim SODRE OS ESPAÇOS Ni EIISTÓ/1/i 19 morfológicas, por estruturas e relações específicas. Compete lembrar a distinção famosa, devida a Toennies, entre as comu· nidades, com relações sociais diretas e espontâneas, e associe· daeles, com relações complexas e indiretas. Lembrar também que ···-; todo o século XIX se ocupou um pouco com estes temas: o elas varinções do "tipo social", criadas pela divisão do trabalho (ou mesmo pelas estradas no entender de Demoulins), o da estrati- ficação, o dos padrões c formas da vida religiosa, bem como da econômica, da jurídica, ela familiar. Ao falar em planos da vida e do "espaço social", vale anotar que esta última expressão não vai empregada, aqui, na acepção que foi tematizada por uma certa sociologia, respeitável mas demasiado fisicalisla, durante determinada época. Aqui tenta- mos empregar umn configuração mais existencial e mais ligada aos dados histórico-culturais. E ao aludir aos planos do viver, também indicamos com isto uma alternativa elementar, aquela que se dá entre o viver "geral", isto é o viver de todos (ou com todos, na medida em que t::~l in1Rgem pode caracterizar-se), e o viver consigo mesmo: o viver pessoal, que é o privado e que consiste no plano da convi- vência mais íntima, mais direta, correlata do existir individual. Neste plano se situa a posição da família, apesar de uma ce:~a ambigüidnde do fenômeno. Refiro-me ao fato de que a fam1ha sempre se entendeu como concentração do existir privado, dire· tamente ligado aos afetos mais pessoais e aos componentes domésticos (de domus, casa); e de que entretanto as constelações familiares parecem ter gerado em certos povos as comunidades maiores, passando-se do clã ao Estado ou das fratrias à polis. O tema nos levaria a mencionar o dilema de Platão ao pretender para o homem público a ausência da família, fonte de egoísmos; mas também a lembrar que hoje alguns juristas acham que o "direito de família" não é bem uma parte do direito privado, ficando em un1a região entre este e o público, ou antes- segun do há quem pense - demonstrando a inoperância desta clássica divisão das partes elo Direito. Ou ao menos sua crise. Ao fAlar na "vida com a família" será interessante pisar um pouco no terreno da crise do conceito de família, atingida pelo lado privado e pelo lado público de sua estrutura; alcançada na parte em que se ligava às tradições religiosas pelo processo
  • 16. 20 OJARVIM EA PRAÇA histórico chamado de dessacralização da cultura. A crise da família tem tido o que ver com uma série de coisas, que correm por conta do racionalismo e das modernizações; com coisas posi- tivas c coisas questionáveis. Com a queda do princípio "virgin- dade" c com a imagem monolítica e "indissolúvel" do casamento, mas também com a diluição das estabilidades que davam ao existirprivado uma demarcação e uma dignidade muito valiosas. As liberações e o relalivismo, peças importantes na experiência histórica do homem moderno, têm tido como preço a perda dos pontos de referência que balisavam a vida privada, em si m esma e em suas conexões com a dimensão püblica, desde séculos, senão milênios. Digo que também nessas conexões, porquanto as dilu- ições, a que me refiro e que fragmentam a ordem tradicionr-tl, têm o que ver com a reformulação das relações genéricas entre a dimensão pública e o plano privado do viver. E ao mencionar as coisas que se perdem, ao mencionar a ordem familiar que se desmonta, faço alusão ao gradativo desaparecimento da casa (voltarei ao assunto mais adiante): a "casa de moradia" e o modelo tradicional de família não poderiam sobreviver um sem o outro. Quero dtar aqui, ele passagem, um texto altamente suges- tivo c inqui0tante de Leszek Kolakowski, que se refere à impla- cável dest:.:·uição, nas décadas mais recentes, das formas tradicionais do viver. Destruição que inclui o fim do "espaço humano", envolvendo o apagamento das noções ele casa de famí- lia e ela própria origem natal, bem como a antiga c fundamental noção de infância3 • 3. "'A ildcia Tnalcallçávcl", e111 1ncontroslnlcmaciorwis da UnB, Tirnsilin, 1080. 3. AL organ1zaçoes ;;n.:- culturas "cláss!~ ~ série de temas u= torno de dados~.:. plo a dualidade ~ê langes em sua~ religião, com se...s dário; a famHia · fogo sagrado s.:,~::: lo, contradição _ família (e não era parte da cidade, plementaridade. gentes, ficou cc::::.._ possuímos da-~ sentido geral de
  • 17. cr1se da ~ações; com coisas posi- ::::Eda do princípio "virgin- - ·-::solúvel" do casamento, ::1dades que davam ao d::gnidade muito valiosas. ~da p:rivada, em si mesma _ _!.:a, desde séculos, senão -:e:r:ões. porquanto as dilu- ~ a crdem tradicional, têm ões genéricas entre a casa de moradia" c o ·am sobreviver um sem , recentes, das formas mdui o fim do "espaço - "noções de casa de famí- a antiga e fundamental - l:'z:D, BrJ.Silia, J!JSO. 3. AINDA SOBRE OS ESPAÇOS NA HISTÓRIA Aludimos acima ao desdobramento desses dois planos, dir-- sc-ia dois momentos, do viver (o público e o privado) dentro das organizações grupais mais recuadas. Agora nos referiremos às culturas "clássicas", especialmente à greco-romana. Há uma série de temas um tanto conjecturais a considerar, inclusive em torno de dados já registrados pelos estudos históricos: por exem- plo a dualidade de cultos, que ocorreu tanto na Grécia quanto na Roma antigas, o culto público e o culto privado. O tema foi, desde 1867, tratado com erudição e persuasividade por Fustel de Cou- langes em sua sempre notável CitéAntique. A cidade tinha a sua religião, com seus ritos e seus símbolos, suas festas, seu calen- dário; a família tinha seu culto, com sua alusão aos mortos, seu fogo sagrado, seus altares. Não havia, e é interessante assinalá- lo, contradição entre os dois planos: o indivíduo integrava a família (e não era imaginável sem isso), e ao mesmo tempo fazia parte da cidade, cuja razão de ser eram os cidadãos . Esta com- plementaridade, característica dos próprios conceitos então vi- gentes, ficou como elemento essencial dentro da imagem que possuímos da "antigüidade", constituindo um elos traços daquele sentido geral de equilíbrio que atribuímos ao mundo clássico.
  • 18. "!..: 22 O JARDIM E A PRAÇA Há algumas questões que parecem permanentes, e que ressurgem quando nos debruçamos sobre o panorama das cultu- ras ditas antigas, em sua respectiva fase "antiga", isto é, em seu período de formação, no qual se estruturam formas sociais, formas lingüísticas, valores e imagens fundantes. Caberia por exemplo pensar na relação entre a dualidade jardim praça e as formas de estratificação social. Evidentemente a vivência das praças por parte das classes altas terá sido sempre diversa da vivência por parte das classes baixas: a construção mesma dos "logradouros" foi sempre obra da classe dominante. Só que em alguns contextos, determinadas praças serviram às aristocra- cias como local de presença festiva ou cerimonial, e em outros elas foram como que evitadas pela aristocracia e deixadas à plebe para fesLas ou para a simples ocupação cotidiana. Por outro lado seria o jardim, ao menos em sua expressão mais requintada, uma criação elas classes altas ("classes" no sentido mais amplo e flexível do termo); um prolongamento elas intenções espaciais contidas na casa, algo como um lugar espe- cífico de "meditação" ou de refúgio pessoal. A criação de jardins, espaços privados, deve ter sido mais um símbolo das diferenças sociais, e por outro lado mais um elemento de distinção entre área pública e área privada: grades e muros, a circundarem o jardim e simultaneamente a prendê-lo à casa, terão sido bastan- te distintos da abertura das praças, lugares "de fora" (fora das casas, como o explícito forum latino), e terão delineado com nitidez as reservas de privacidade instaladas para si pelos pa- triciaclos. Com a referência a estes problemas, entretanto, vale inter- calar aqui uma alusão a um fato de caráter muito genérico, um desses acontecimentos centrais cujos contornos são certamente conjecturais, mas cujo significado para a evolução histórica é básico. Trata-se do advento da vida urbana, profunda alteração ocorrida em momentos distintos dentro daquela evolução - a variar conforme os contextos -, a partir da prévia transição do nomadismo para a "revolução agrícola", e em correlação com o surgimento elas primeiras instalações fortificadas. Em correla- ção portanto com a fixação da divisão das ocupações, com a formação das línguas, com dezenas de definições iniciais, rela- cionadas inclusi.;·e costume ele se da.~ espécie de crise, ou vida, assim tambéz. so que modernam.: série de crises, deE sobretudo) como interrogações novas... O que se tem elas estruturas e .! .. através ele) longvs c predomínio da d i....- a compreensão da partir elo parale:!..- macht frei, dizia-se que, com a dinãm: cidades, desencad vivência, os confJ.i· - conjunto de rev;:;.. denomina por con~ consolidar-se, den com espaços para coisas deste tipo. As foi transportada y.u te a colonização !a: das sólidas abad..as substituídas pe:as
  • 19. m permanentes, e que s_l:_'"t o panorama das cultu- -ci sido sempre diversa da -:· a construção mesma dos ~ dominante. Só que em menos em sua expressao c::tasses altas ("classes" no :illl prolongamento das rugo como um lugar espe- -o;;na:. A criação de jardins, - "G:::::l símbolo das diferenças - e muros, a circundarem o _ à casa, terão sido bastan- .:agares "de fora" (fora das _ . e terão delineado com .=..::,-taladas para si pelos pa- ~.;;.o das ocupações, com a é:e definições iniciais, rela- IITNDA SOBRE OS ESPAÇOS Ni IITST6RJi 23 cionadas inclusive com os começos do intrigante e fascinante costume de se darem nomes aos lugares e às coisas. E da mesma forma que tudo isso deve ter constituindo uma espécie de crise, ou de ruptura, em face dos modos anteriores de vida, assim também veio a ser o ponto-início de um largo proces- so que modernamente veio desaguar em outra crise, ou em uma série de crises, desatadas dentro do mundo dito ocidental (dele sobretudo) como uma constante e como um referencial para interrogações novas. O que se tem hoje como crise é de certo modo a saturação das estruturas e dos resultados da própria vida urbana, após (e através de) longos e complicados percursos. Se por um lado foi o predomínio da dimensão urbana que ensejou por parte de muitos a compreensão da própria história como história da liberdade, a partir do paralelismo entre vida urbana e vida livre (Stadtluft macht frei, dizia-se na Idade Média), foi por outro lado verdade que, com a dinâmica das alterações históricas, centradas nas cidades, desencadearam-se as dificuldades e os dilemas da con- vivência, os conflitos maiores, inclusive- acentue-se-no tocante às relações entre vida pública e vida privada. No ocidente intitulado moderno, que se m1c1ou com um conjunto de r evoluções culturais e sociais (que em geral se denomina por conta de uma delas, o "Renascimento"), veio a consolidar-se, dentro do acervo de imagens que chegaria até nosso século, a figura elas grandes casas senhoriais. O modelo, em si, seria oriundo da Idade Média: tais casas sempre foram uma espécie de miniaturas de castelos. Havia nelas, entretanto, sobretudo a partir do Barroco, uma pretensão de imitar palácios, com espaços para quadros e vitrais, escadarias ornamentais e coisas deste tipo. As grandes casas, de cujo modelo alguma coisa foi transportada para as residências rurais das Américas duran- te a colonização, foram de algum modo também continuadoras das sólidas abadias e dos "fortes" feudais. Foram por sua vez substituídas pelos chalés oitocentistas, e depois, em nosso sécu- lo, pelos ambíguos "palacetes" e pelos duvidosos "bangalôs". A grande casa, proveniente do absolutismo e depois corres- pondente à perduração da nobreza, revela o inegável sentido de espaço e de projeção espacial, peculiar ao ancien régime. Casas l
  • 20. ""... 24 O JARDIM E i PRJÇi com terraços e páLios, porões, desvãos, andares superiores, pin- turas n as paredes, colunatas e cavalariças (o pátio, la cour, afim ao dos conventos, fazendo pendant com o jardim). Trata-se da casa cuja figura, por vezes pouco definida e também pouco esbelta, mas expressiva, aparece caracteristicamente na pintura dos séculos XVII a XIX, tanto nos ambientes rurais - aquele ambiente inconfundível dos desenhos franceses, bem como do Moulin de Pontoise de Corot - quanto nos urbanos. No ambiente urbRno há variáveis que vão das empertigadas fachadas de Canaletto às casas ditas normandas. De qualquer m aneira a presença dessas casas nos perímetros urbanos denota, durante ccrLa fase sobretudo, a residência de senhores de terra que possuem propriedades no campo mas mantêm um imóvel à sua disposição na cidade. Este tipo de edificação se acha magnificamente descrito no Gattopardo de G. Tomasi di Lampedusa, justamente o palácio da família Salina em Donnafugata, que possuía "sete janelas sobre a praça" e que por dentro apresentava uma enormida de ele quarlos, escadarias, salões e tudo o mais. Aliás o livro começa com a descrição ele um jardim muito característico, e por sua vez a praça de Donnafugata, mencionada no capítulo li ("vasta, sombreada por plátanos poeirentos"), aparece como algo melan- colicamente provinciano, algo ancorado no tempo como um espa- ço romanesco perdido sem remissão. Ainda a propósito das grandes residências das famílias da nobreza, seria interessante observar que o absolutismo europeu condicionou um emprego correlato do termo casa, na acepção de dinastia (casa elos Áustria, casa de York, casa dos Bourbon), uma acepção evidentemente muito antiga, herdeira de todas as lin- guagens palacianas da história. O termo foi u sado também para aludir às Casas do Parlamento inglês, a dos Comuns e a dos Lordes. E com isso se teve um curioso entrelaçamento da dimen- são pública (política) com o plano privado: o reinado de tal ou qual casa, na pessoa de tal ou qual governante, era um dado institucional e entretanto consagrava a eficiência do matrimônio monárquico. Por outro lado, àquele tipo de casa (correspondente às m ansões da nobreza urbanizada), a ela e ao seu jardim se contrapôs, no mundo barroco, a praça principal das cidades (inclusive a plaza .,... Latina), entendida Quanto aos :a:: elas - ao século :x=': europeus (refiro-r:::.e Comilança), certo;; século passado, ou e as ironias dos ~ Vai aqui out!"a de jardim" foi sub Viena Fin-de-Siec Ao mencionar o rc o historiador se - - destacan do o confr- e a que se aprese~:: personagem princi havia um jardim de tr::tnqüilo do estético raciona: e _ 1. 'l'rad. Denise Botun-.
  • 21. .:: andares superiores, pin- -:ças (o pátio, la cour, afim .x- o jardim). Trata-se da de5n.ida e também pouco ;e~_sticamente na pintura _"T.bientes rurais - aquele ,. i"ranceses, bem como do :::.:üs urbanos. No ambiente H:i:ipertigadas fachadas de " De qualquer maneira a urbanos denota, durante -<= senhores de terra que ~ mantêm um imóvel à sua -...sa, justamente o palácio _e possuía "sete janelas :....-.-a uma enormidade de ~o absolutismo europeu ~o casa, na acepção de - casa dos Bourbon), uma herdeira de todas as lin- _-o foi usado também para .:_• a dos Comuns e a dos E'ill-:!"elaçamento da dimen- do: o reinado de tal ou ~ (correspondente às _ e!a e ao seu jardim se =;xz principal das cidades AIND, SOBRE OS ESPAÇOS NA H!S1'6RIA 25 (inclusive aplaza mayor trazida pelos espanhóis para a América Latina), entendida como centro do recinto urbano. Quanto aos jardins dessas vastas casas, eles chegam- com elas - ao século XX, copiados ou conservados. E em certos filmes europeus (refiro-me inclusive ao Jardim dos Finzi Contini e à Comilança), certos ângulos de velhos jardins de casas do fim do século passado, ou do começo do nosso, sublinham as nostalgias c as ironias dos diretores. Vai aqui outra anotação. A importância de uma "vivência ele jardim" foi sublinhada por Carl Schorske em seu belo livro Viena Fin-de-Siecle1 , no capítulo "A Tansformação do Jardim". Ao mencionar o romance Der Nachsommer, de Adalbert Stifter, o historiador se detém sobre alguns elementos ela narrativa, destacando o confronto entre a educação burguesa, ali retratada, e a que se apresenta em Flaubert. Alude então ao encontro do personagem principal com a herdade chamada Rosenhaus, onde havia um jardim bastante significativo, oferecendo a impressão ele tranqüilo domínio da natureza, ordenada segundo um plano estético racional e pedagógico. 1. Trnd. Denise l.luLLmunn, Campinas, Siio Paulo, ~d. Unicrunp - Compnnhia das Lclrus,1988.
  • 22. 4. ACASA COMO TEMA HISTÓRICO O tema da casa, ligado óbvia e indissoluvelmente à proble- mática da privacidade e da "intimidade", demandaria por certo uma série de digressões. Não seria desperdício verbal aventar a idéia de uma evolução da casa como testemunho (ou correlato) ela evolução das formas sociais e também das formas da autoi- magem do homem: tanto se tomarmos globalmente as diferenças sociais, incluindo nelas a divisão de posições e funções, quanto se levarmos em conta os estágios da experiência religiosa e da própria "arte", com seus padrões e seus estilos. O que se edificl'l para a privacidade é evidentemente uma parte muito especial da instalação do ser humano no mundo, uma parte que exprime em termos concretos e particulares (contraprova do abstrato e do genérico) o próprio ser do homem, com suas fraquezas e seus prolongamentos. O viver social consiste e subsiste em várias dimensões, e uma delas ocorre nas casas: as sociedades ao emergir para certo nível histórico são cidades, e as cidades constam de casas, colocadas em ruas. E como as ruas - como as praças- são já outra dimensão, ::t pública, eis que o plano público e o privado se tocam, se completam, se complementam. Aliás o caráter de determinados atos nem sempre se prende ao fato de o agente se encontrar em sua casa ou em logradouro público. -·#'
  • 23. 28 OJIIJWJM E A PRAÇ:A Pode-se, estando em casa, desempenhar uma tarefa com sentido público, como se pode defender interesses privados atuando em recinto público. Deixamos de lado o problema grave e nebuloso de saber se a vida pública surgiu "depois" da vida privada, ou se ambas resultam de um desdobrar-se de formas; se primeiro foi o todo, o conjunto, e depois o espaço pessoal. Sobre a temática da casa anotou Gastou Bachelard, em seu livro J1 Poética do Espaço!, a analogia entre a casa e o cosmos, não apenas quanto à estrutura, portanto ao aspecto espacial, mas também quanto ao problema temporal: inclusive porque a carga de tempo que passa por uma casa se integra na própria imagem que dela possuem seus habitantes. Este é de fato um tema rico de sugestões. Os arquétipos e as exemplaridades legados pelas diversas civilizações, sobretudo pelas épocas aristocráticas cle cada uma delas (admitindo que em cada grande ciclo cultural tenha havido uma época, geral- mente inicial, dominada pela nobreza), ficaram como marcas por assim dizer definitivas. Sabe-se que Édipo foi castigado inclusive por haver violado a ordem das coisas, o equilíbrio elo mundo, e o que certos autores enxergam no conflito entre Creonte e Antígo- na é que a legislação daquele desrespeitava a "natural" correla- ção entre as leis do cosmos e as normas ela coneluda humana. Entretanto, a idéia de casa não configura apenas o lugar físico do morar, idéia fixada a parLir da morada das grandes famílias iniciais, mas também os conceitos específicos de "berço" e de "teto". São conceitos vinculados aos valores feudais, ou seja, vinculados à imagem do sangue e também à noção de "origem": ter teto e berço, ou por outra ter eira e ter beira, foram sempre marcas de nobreza dentro dos contextos feudais ou para-feudais. Marcas qualificadoras, fora das quais, como algo excluído, fica- vam os plebeus, os não-patrícios. Observemos outra coisa: como a casa é o pouso, e ter casa sempre significou possuir um espaço definido, as épocas aristocráticas sempre desconfiam do homem errante. Ele é um marginal, a não ser que seja um santo. Compreende-se então que a "burguesia", que em seus inícios revelava certas forn1as erradias de viver, ou ao menos de vender I. 'I'rud. brus., llio de Jnnciro, Livrariu Eldorado 'l'ijuca, s.d. (um tanto em contlõ cação espacial ou-. pela nobreza dom· Sobre o prob:.. necessariamente ao· instituições, nas p:- livros de orientação Regis Debray, O E Morin, O Paradig~ influências marxis: _ dindo inclusive à ;- iniciais, onde pro-..·a sua grande casa, em crescentemente al os escravos. No see a serviço da indag de sociedades se S' con1eços, n1as a hi"'• dos, que eran1 org - Certo que nãc e lógicos, fundamer.- - se encaixam, com - testemunhos. Deve· ter havido, nas mon. grandes realezas ::--;::, fundou muitas cal"'~ ao seguinte: temos clássicas do pensa= que os grupos hum- 2. O l!:scríb<l - Gênesedo
  • 24. -::bar uma tarefa com sentido Gaston Bachelard, em seu ~ entre a casa e o cosmos, um.to ao aspecto espacial, :e,....,por al: inclusive porque a casa se integra na própria sugestões. Os arquétipos e as civilizações, sobretudo t=ma delas (admitindo que haido uma época, geral- z:.>.ficaram como marcas por Edipo foi castigado inclusive ' o equilíbrio do mundo, e o --~entre Creonte e Antígo- ~:~ava a "natural" correla- ::zn:as da conduda humana. :ig"".n-a apenas o lugar físico :rada das grandes famílias E.Epecíficos de "berço" e de :; valores feudais, ou seja, .-:.::lbém à noção de "origem": e ::er beira, foram sempre "feudais ou para-feudais. ""• como algo excluído, fica- ~ervemos outra coisa: como - .,...,.ficou possuir um espaço e desconfiam do homem ser que seja um santo. -~-ia·', que em seus inícios ... er, ou ao menos de vender il CIISJ COMO TEMA JIJSTÓRJCO 29 (um tanto em contradição com o fundamental sentido de demar- cação espacial ou "urbana" que lhe correspondia), fosse mal vista pela nobreza dominante. Sobre o problema das "primeiras formas urbanas", qu e necessariamente acode quando se coloca o tema das origens das instituições, nas primeiras culturas, vale registrar aqui dois livros de orientação distinta mas ambos interessantíssimos: o de Regis Debray, O Escriba - Gênese do Político, e o de Edgard Morin, O Paradigma Perdido2 • O primeiro, baseado sobre certas influências marxistas, coloca questões muito provocativas, alu- dindo inclusive à possível disposição espacial das estruturas iniciais, onde provavelmente o senhor habitava o Centro, com sua grande casa, em redor da qual se achavam, como em círculos crescentemente alargados, as famílias nobres, os homens livres, os escravos. No segundo temos a antropologia (física e cultural) a serviço da indagação sobre origens: para Morin diversos tipos ele sociedades se sucederam como camadas formativas desde os começos, mas a história propriamente dita surgiu com os Esta- dos, que eram. organizações específicas. Certo que não é fácil, em termos antropológicos ou arqueo- lógicos, fundamentar ele modo positivo estas alusões; mas elas se encaixam, com sentido bastante inteligível, em uma série de t estemunh.os. Deve ter havido, com efeito, a presença ela casa no m eio elas formas iniciais: a casa maior c as casas menores. E eleve ter havido, nas monarquias primordiais, que se prolongaram nas grandes realezas posteriores, um conteúdo de significações que fundou muitas coisas, desde então permanentes. O que equivale ao seguinte: temos ele reconhecer que a m aioria elas categorias clássicas elo pensamento c da organização provém do t empo em que os grupos humanos possuíam reis c rainhas. 2. () I~Rcriba- Gênesedo l'olitico. Tn"l. M. de Cnslro, n io dc:.Jandro, T!ctour, 1983. LcParadigme perdu, lutwlure Jw maine, SeuiI, Paris, 1973.
  • 25. 5. VIDA PúBLICA EVIDA PRIVADA As coisas que simbolizam o lado público e o lado privado da vida podem ser arroladas segundo critérios bastante diversos. Entretanto, sempre se pode situar o encaixe existencial de certos objetos, conforme a correlação com aqueles lados. Deste modo teremos em um sentido a cama e a mesa, a poesia lírica, o direito privado, a psicologia, o médico de família, o jogo de cartas. Em outro o comércio, a forca, a saúde pública, a burocracia, os bancos, o direito público, o circo, a poesia épica. Ou ainda, refazendo a estampa, a sala, o leito de morte, o banho, o punhal, os tapetes, os cosméticos; ou então o mercado, a espada, as estradas, os templos, a política. Poderíamos pensar na evolução, uma possível e conjecturai evolução dos âmbitos privados ao espaço público; e aí o trânsito elo dinheiro privado aos dinheiros públicos (embora seja válido pensar num trajeto oposto), bem como a evolução dos cemitérios privados aos cemitérios públicos. E aqui teríamos o jardim como correlato do foyer, ou ela "lareira"; depois, a evolução do culto doméstico ao culto público. Também a dimensão sexual da vida, no sentido mais amplo do termo "sexual", se acha relacionada ao dualismo público-pri- vado. O jardim., inclusive como boosco deleitoso (e/ou reminiscên- cia do paraíso), sempre serviu ele cenário acolhedor e conivente.
  • 26. 32 O JARDIM F: i PRAÇA Podem-se recordar os casais famosos da literatura e da arte, com seus momentos no jardim: Romeu e Julieta, Fausto c Margarida, .1!fário e Tosca. Talvez coubesse aventar que no jardim se ence- nam os amores não "publicáveis", não (ainda não) passáveis à praça. Seria o caso ele distinguir entre suicídios no jardim, mais recolhidos, mais discretos, elos suicídios na praça, mais dramá- ticos. Em Proust, em certa passagem do Caminho de Swann, há uma referência ao caráter "mitológico" do Bois ele Boulogne. Encontramos n o livro ele Paul Veyne, A Elegia Erótica Roma.na1 , o problema elas relações entre a publicidade, represen- tada pela literatura, que revela e divulga situações pessoais (a poesia lírica por exemplo), e a viela privada. Para Veyne, os autores antigos não se expunham, não revelavam facilmente sua verdade pessoal, mesmo nos textos literários escritos na primei- ra pessoa; na literatura moderna é que a "sinceridade" sentimen- tal se teria tornado mais corrente e mais perceptível. Caberia questionar, passando a um assunto afim, sobre até que ponto o que se chama "vida sexual" constitui realmente ou totalmente uma coisa privada.. Evidentemente a idéia provém do caráter íntimo das atividades sexuais específicas, que sempre se consideraram próprias para ocorrer "entre quatro paredes". Contudo a família e os vínculos biológicos são em todas as civilizações algo ostensivo, c mesmo os "caracteres" sexuais externos se confirmam em todos os povos através do traje e ele outros símbolos. O problema corresponde certamente a uma variável histórico-cultural, havendo, é claro, ponlos extremos e graus intermediários. Um extremo, o puritanismo vitoriano, engendrador de hipocrisias e repressões, com as pessoas cober- tas de pano dos pés à cabeça e com mil eufemismos na linguagem; outro, o uso de formas obscenas na antiga cloçaria de certas regiões européias, ou ent ão os atuais espetáculos de "sexo explí- cito", senão mesmo o nudismo, inclusive o das praias de hoje. Lembro-me do ensaio de Aldous Huxley "Modas em Matéria de Amor", inserido em seu livro Do What You Wilf2, onde alguns problemas correlat os se acham colocados. I. A ~ll!gia E rólim Uomana. O Amor. a l'oesia. e o Ocid.enle, Siio Paulo, Brasiliense, 1085, p. 252 c ss. 2. Trad. Lnts. Salânicos e Visionários, Rio de J aneiro, Americana , 1075. O problema a. n1.o", termo que se- demais ora eufe ~ inclusive com o :.:, - Rougemont sobre - da história elos ,.... "personalidade'". - volução Francesa. menos roupas, d - que iriam oscilar a· De fato o P- participa da área;..... esta e reflui des:a lar. A tradição CO- e traje ele r ua, me" de certos re~ repente que aque e sentido de tudo ~-­ gcm, que é projeç.ã a fixar n a climen.sã 3. 'l'rad. T•. W•tlnnabe. S.:..-
  • 27. ti:eratura e da arte, com &a Fausto e Margarida, que no jardim se ence- (ainda não) passáveis à ~icídios no jardim, mais .:::na praça, mais dramá- _.: Caminho de Swann, há do Bois de Boulogne. ·eyne, A Elegia Erótica a publicidade, represen- __ga situações pessoais (a ~.-:ivada. Para Veyne, os re:r-elaYam facilmente sua Ei"á.-ios escritos na primei- a · s:nceridade" sentimen- " perceptível. t.Ssunto afim, sobre até .:-.onstitui realmente ou :::emente a idéia provém .-específicas, que sempre ·er:.tre quatro paredes". • •g:cos são em todas as - "caracte1·es" sexuais " através do traje e de -nde certamente a uma claro, pontos extremos e puritanismo vitoriano, -. com as pessoas cober- -:;femismos na linguagem; ...:!t::ga doçaria de certas _ L:áculos ele "sexo explí- .e o das praias de hoje. ::xley ·')..Iodas em Matéria t You WilF, onde alguns Paulo, Brnsilicnsc, 198fi, p. 252 IF=~ma. !915. VlD11PÚBLTC11 E VIDA PRIVADA 33 O problema do sexo se desdobraria aqui no tema do "erotis- n1o", termo que sempre me pareceu um tanto ambíguo, ora amplo demais ora eufemístico. Sobre o erotismo muito se tem escrito, inclusive com o livro ele Georges Bataille, e com o de Denis ele Rougemont sobre a "história do amor no Ocidente". Ou se trata da história dos modos de amar no sentido psicológico, ou o assunto são formas ele "expressar" o amor, inclusive em suas projeções estéticas; e por aí deslizam as ambigüidades. Recentemente Richard Sennett, em seu livro O Declínio do Homem Público3 , colocando o problema da exibição pública da "personalidade", tratou da evolução elas roupas a partir daRe- volução Francesa: com o Termidor, as mulheres resolveram usar menos roupas, desnudando-se mais e iniciando ciclos de moda que iriam oscilar até nosso século. De fato o problema das vestes, como o da vida sexual, participa da área privada e da pública: projeta-se daquela sobre esta e reflui desta para aquela, como em um movimento penclu- lar. A tradição c01·rcsponde a uma distinção entre traje de casa c traje de rua, distinção que se acentua nos contextos mais formais, e que o professado "informalismo" de nossos dias ainda não conseguiu extinguir de todo. Um pedaço de pano pode alterar o "efeito" da figura humana, e nas civilizações mais conhecidas a dignidade social sempre corrcsponde a um tanto mais ele tecido ou de adornos sobre o personagem. Recordo uma passagem de Anatole France em que alguém, olhando com enlevo o ar "subli- me" de certos retratos ele intelectuais românticos, observa ele repente que aquele ar dependia de uma escova de cabelos. O senLiclo de tudo isso é o seguinte: somos socialmente uma ima- gem, que é projeção do ser real através de expletivos destinados a fixar n a dimensão pública os caracteres da individualidade. 3. 'l'rnd. L. W"t.11nnbc, São Pnnlo, Companhia das Letras, 1988, cap. 8. ..,. "'
  • 28. 6. DOS JARDINS ÀORDEM PúBLICA No meio da profusão de imagens com que representamos a "história antiga", em especial sua parte que se entende com o rótulo de "mundo clássico", encontra-se com certa constância a figura dos jardins. Jardins orientais, registrados na pintura e na literatura, quase confundindo-se com oásis e com o vago mistério dos muros árabes. Os jardins da Pérsia; os do Egito, que Pierre Grimal, no pequeno livro L'Art des jardins, afirma terem sido verdadeiros asilos da vida privada. Os famosos jardins da Babi- lônia, incluindo os da princesa Semiramis, os quais impressio- naram aos gregos mais pelo arrojo do que pela beleza propriamente. Sempre o espaço privilegiado, e sempre que pos· sível fechado: o cintamento, a vedação, o acesso através de escadarias ou passagens especiais. E sempre o sentido de con- forto e repouso, como em um paraíso (o termo vem do persa, de um vocábulo que designava "jardim"); o oposto do calor do deser· to, da vastidão das areias, do "descampado". Certos povos antigos consideraram alguns ele seus jardins recintos sagrados. Tratava-se justamente, conforme observou Mircea Eliade, ele jardins onde se reproduzia em miniatura a ordem elo mundo, com suas partes e as respectivns funções. ....,.
  • 29. ~~ - --~~-- ------ J6 O ,JJIIIDJM E 11 l'Ri1Çt1 De qualquer sorte, ficou desses arquétipos, isto é, com eles, a idéia de que o jardim coloca ou recoloca o homem dentro do plano "natureza". Sempre vale mencionar o belíssimo afresco, que decorava uma sal::~ da Casa de Lívia em Prima Porta, perto de Roma (e que hoje se conserva no Museu Nacional das Termas), representando um jardim cheio de pássaros, com flores e romãs. Do mesmo modo ficou a noção de "cultivar (cada qual) o seu jardim", noção com certo sentido intimista e talvez biográfico. O cultivo do jardim, como atividade privada, é algo contíguo à mesa e aos implementas pessoais, diferentemente elos cultivos agríco- las, que são externos. O verbo coZere, de onde viria o vocábulo cultura, é sempre evocado nas etimologias em sua acepção agrí- cola, mas parece que a acepção privada do "cultivo" não pode estar fora ela idéia. Richarel Sennett, no livro O Declínio do Homem Público (mencionado mais acima), coloca um problema interessante ao referir a idéia, própria segundo ele dos homens elo século XVIII, de que a "natureza" e a "cultura" corresponcleriam respectiva- mente ao privado e ao público. O esquema é sugestivo e chega perto da verdade, salvo o fato de que o binômio natureza-cultura só adquiriu vigência depois elo neo-kantismo, e seria impossível encontrar esta idéia no século XVIII. Mas de fato a "viela privada" sempre foi vista e sentida como um refúgio, um retorno ao orgânico, e neste sentido a família sempre foi entendida como fenômeno natural: não só pela dimensão biológica, mas pela significação essencialmente privada. Jardins: a imagem clássica, empregando aqui o termo em conexão com o mundo greco-romano, inclui vez por outra uma alusão ilustre, que se prende ao nome de Epicuro. O epicurismo, por sinal uma filosofia que historicamente teve menos fortuna do que merecia (e que merece ser repensada hoje), tem entre outros aspectos o sentido de cultivo da vida privada, com seus prazeres mas também com a consciência dos limites deles. E o jardim aparece aí como asilo do pensar, não só em face ela agitação e das vanidades da vida pública mas diante das adver- sidades políticas (todos sabem que a doutrina do Epicuro, neste ponto, refletiu o apagamento do poder grego e da política grega): diante do ---,.----. polis. paternal-fiGa: parecia des··a.. geral. Evider.-L.EI::"E~ zaçào como a relações encre - cionais, e ond~
  • 30. -?tf..létipos, isto é, com eles, loca o homem dentro elo -~~ o belíssimo afresco, ~..a em Prima Porta, perto ~...:Xacional das Termas), c::5a...Y"Os, com flores e romãs. cm:h·ar (cada qual) o seu --.i~...a e talvez biográfico. O ada é algo contíguo à mesa ~ente dos cultivos agríco- .:e onde viria o vocábulo ;:as em sua acepção agrí- ::::::a do "cultivo" não pode "in:o do Homem, Público problema interessante ao ::. i:omens elo século XVIII, - -sponderiam respectiva- ~ema é sugestivo e chega - ·.,...õmio natureza-cultura -::::.smo, e seria impossível - !......:;~e fato a "viela privada" refúgio, um retorno ao """"pre foi entendida como -.::ão biológica, mas pela ~s-ando aqui o termo em mdui vez por outra uma de Epicuro. O epicurismo, -~:e teve menos fortuna _.:c-!l.Sada hoje), tem entre -ida privada, com seus - dos limites deles. E o . não só em face da mas diante das aclver- ..l::!""Ína do Epicuro, neste ~go e da política grega): DOS JARDINS A ORDEM PÚDLTCA 37 diante elo aniquilamento dos ideais públicos, os da ágora e ela polis. No testamento ele Epicuro figurou com especial destaque a doação, a Remarco, de seu jardim (e da escola que nele existia). O jardim configurou a convivência filosófica, e nisso o epicurismo foi herdeiro do platonismo e elo aristotelismo, mas só nisso e no sentido pedagógico daquela convivência. De certo modo a doutri- na de Epicuro expressou também a valorização da amizade, tema que seria retomado por Cícero e outros pensadores elo mundo clássico. A amizade tem sido realmente uma variável histórica, e cabe aqui aludir a isto: ela se delineia sempre como um componente da vida privada. É como se na vida pública as alianças e coligações fossem tão somente articulações eventuais ou estratégias objetivas, não penetrando no ser pessoal de cada qual: recorde-se que Carl Schmitt, ao considerar que o elemento definidor da política se acha na distinção entre amigo e inimigo, prendeu o termo inimigo ao latim hostis, não a inimicus, acluzin- do que se referia ao inimigo público n ão ao privado. E mais, quando Platão, que condenava o tipo ele amor que os modernos chamariam romântico, preten dia que os guardiães de sua cidade tivessem filhos em comum, para que o vínculo paternal-filial não estorvasse a clara visão dos filósofos, ele parecia desvalorizar também a própria "amizade" em sentido geral. Evidentemente a tematização destas coisas em uma civili- zação como a grega (e romana), onde o lado personalíssimo elas relações entre os sexos pesava menos elo que as normas institu- cionais, e onde o intercurso homossexual era mais ou menos corrente, tinha de ser diversa daquela que é possível fazer hoje. Retorno ao problema do jardim. Sem dúvida o jardim con- centra e registra a privacidade retendo uma porção da natureza, enquanto que a praça vem a ser um espaço aberto na natureza, senão mesm.o contra ela. Um espaço muitas vezes tido com.o sagrado (morada de um deus, com seu templo), quase como um modo ele compensar a violência, ou violentação, que o origina. Na verdade o jardim é também cultural, e o que se tem são dois modos de ser elas relações entre o homem e o mundo. Na língua-
  • 31. .18 OJAJWJM E A PRAÇA gem de Ludwig Klages, dir-se-ia que o jardim corresponde à alma, e a praça ao espírito. A praça, caracterizada em todas as civilizações como espaço "público", não tira seu significado do mero fato da convergência de vias "públicas". Ela pode ser anterior às ruas, ao menos logicamente (ou estruturalmente) anterior. A rua, por sua vez, possui a mesma essência da praça, posto que todo o traçado urbano, que na praça se concentra, é algo público. A consagração histórica do fenômeno urbano significa no fundo a consagração ou consolidação da vida pública. Só que o jardim também terá o que ver com o fenômeno urbano, mas em outro plano. Por outro lado, como o termo público, que vem de "populi- cus"- de populus, povo-, só aparece com os romanos, é obvia- mente por projeção e extensão que o em:greg!_lmos para designar experiências ocorridas em sociedades pré-romanas ou em qua· drantes culturais estranhos ao percurso histórico dos povos "clássicos". Caberia dizer, e aqui retomamos as metáforas, que o jardim, sendo fechado, é lírico, e que a prllça, sendo aberta, é épica. O jardim é côncavo, a praça é convexa. O jardim encerra a biogra- fia, a praça a história; um é introvertido, a outra extrovertida. Dois momentos, duas dimensões do humano e ele sua projeção nas (ou sobre as) coisas. Dir-se-ia também que no jardim o espaço se põe em função das plRntas, enquanto que na praça o espaço é o principal: em função do espaço se colocam árvores e monumen- tos. O "ar aberto", atributo da praça, corresponde ao advento do nível institucional da vida, à instauração de uma ordem. genérica (e menos "pessoal") elas coisas, ou seja: uma ordem em que os comportamentos se regulam em função de fins sociais definidos. O que já levaria ao problema ele não ser, a liberdade, uma descomprometida e anômica permissão total de agir, mas uma condição social situada. A respeito da concepção grega, por exemplo, Max Pohlenz escreveu muito sugestivamente que a origem da ~on~eiência da lilx~rdnde se acha no domínio privado, no colllrnstc em <Jlle o "senhor" c sna família se vêem em l'ace elo ser·vidor, CJlle é pal'l.e de seus ueus o CJ<re não tom direito n dispor de si mesmo. A etnpn seguinte foi a reunião de servidores ni'io-livres em nma categoria especiol, em l'uce clu qual os ltomcJrs CJUC 11gem por si mente um ~e!:la óbvia condição tais. Espaço;; d !"estre~ P a!"ece daí. passando :eor:a pla~nica ::!.OS.
  • 32. o jardim corresponde à ~civilizações como espaço ro fa;;o da convergência :.enor às ruas, ao nienos ~or. A rua, por sua vez, ,;_o que todo o traçado = público. A consagração !::l'l fundo a consagração ·o jardim também terá o - outro plano. :; que vem de "populi- ~-romanas ou em qua- histórico dos povos sponde ao advento do de uma ordem genérica U!:la ordem em que os c.e ;.n,s sociais definidos. ser a liberdade, uma :c:a: de agir, mas uma concepção grega, por ~-~----f.ri'1H1o, no conLt-rtstc em • que é pal'l.c de scns ben~ c foi a reunião de servidores os homens CJII C ngcm por si DOS JARDINS ;i ORDEM PÚBLICA 39 mesmos serão os "l ivres", sendo que com isso Lomnm plena consciência do que rept·cscnta para eles o privilégio de intervir nos negócios da comunidade'. Ao aludir ao "ar aberto", que nos levaria a identificar com a praça a própria cidade, temos de ligar o assunto às diferencia- ções que, pelo curso dos séculos, atravessam a distinção genérica entre o lado "grupal" e o lado "pessoal" da multi milenar expe- riência do ser humano. Dentro da politicidade do homem, vemos que o animal propriamente "político" (ou social), isto é, o habi- tante específico da polis não era a mulher - senão em certos casos -, era especificamente o homem masculino. A casa era o reino da mulher grega, que a governava, como foi o caso da matrona latina. Daí que nos últimos Lempos da Antiguidade pagã a filosofia aparecesse como consolação (consolatio): ela "fazia com- panhia" ao homem que perdeu a polis c ficou em casa, que saiu da praça e se recolheu ao jardim, diminuído em sua dimensão pública embora podendo enriquecer-se epicuristicamente em sua maturação privada. Detenhamo-nos sobre este ponto. As imagens provenientes ela história "antiga" - na verdade a história elas primeiras culturas, Antecessoras da "ocidental" - nos sugerem repetida- mente um tema central, o da correlação entre a política, com sua óbvia condição urbana, e a sacralidade dos espaços fundamen- tais. Espaços demarcados desde os primórdios como pontos de referência, e associados, desde cedo, aos parâmetros celestes. Segundo Mircea Eliade, as cidades no Oriente antigo eram traçadas e edificadas conforme modelos cósmicos que funciona- vam como arquétipos: as cidades babilônicas, por exemplo, ti- nham como modelos determinados constelações, e entre os hebreus se falava em uma Jerusalém celeste, copiada pela ter- restre2 Parece inclusive que a noção de uma "cidade ideal" vem daí, passando depois por Platão e por Agostinho, e a própria teoria platônica das idéias tem que ver com a velha concepção que imagina em um "lugar celesle" uma série de modelos eter- nos. l. 'l'rnrlu~imo.s parafraoli~.;<JHH.:ntc segundo n vcr~õo francc~o <lc ~J. Coffinct., J~a T..i lX!rlá Grccque, Pnris, Pnyol. 1050, p. 18. 2. r.e Afytlw de l'elcrnel relour, Paris, Gallimard, 197S, Cfl]l. I. ...,.,..
  • 33. 40 A exemplaridade assumida pelas imagens provindas da Grécia antiga parece entretanto ter sido a máxima. Isto apesar de que às vezes se exagera nas referências às coisas gregas (assunto ao qual já fez menção o professor Moses Finlay no livro Uso e Abuso da História). Assim, a exemplaridade que envolve a figura das cidades gregas se tornou por sua vez extrema, inclusive com o eco da obra sempre viva de Fustel de Coulanges, La Cité antique (de modo nenhum superada pela "resposta" de Gustave Glotz em seu La Citégreque). Em texto interessantíssimo, Jean·Pierre Vernant assinalou que nas cidades gregas se teria tido pela primeira vez o destaque de um determinado plano da vida social como objeto de reflexão. Ele se refere ao próprio emergir de um pensamento político, que teria vindo, no caso, completar a existência de um específico domínio político dentro da vida social gcraP. Ocorre entretanto, e é o mesmo autor que o mostra, que a formação de um modo realmente urbano de viver- com seus espaços peculiares e seus padrões de comportamento- importou em uma crise do sagrado. Esta crise, acrescentamos nós, nos leva ao tema da diferença entre o sagrado rural, talvez primevo, o das grandes pedras e elas grandes águas, e o sagrado urbano; a "crise" equivaleria ao gradativo predomínio deste, mais ligado ao poder urbano, ao mesmo tempo que mais instável. A historicidade inerente ao meio urbano predispõe (agregamos ainda) ao próprio conceito de crise, que historicamente pressupõe o hedonismo latente na vida urbana- coisa que Ibn Kaldum já perceber a-, bem como certas tendências, já presentes no mundo "antigo" e ostensivos no ocidente contemporâneo: a tendência à racionalização (com suas ambigüidades), a tendência ao individualismo e à massificação. Assim as crises, que se prolongam na modernidade, vêm a ser crises (como já dissemos) da articulação entre vida pública e viela privada. É possível que em outros povos "antigos", que não os gregos e os romanos, a relação entre viela pública e vida privada não tenha tido recortes tão claros nem conotações axiológicas tão perceptíveis, mas em todos os povos deve ter existido a diferença 3. Mito e Pe11-Salllmlo Clilrc o.s Gregos, Süo Paulo, Difusão Européin do LivrcYUSP, 1973, cap. l11. viver. ao estágio ~cie» como "des,.·el<lll....:::;'----'""1 por conta de :;.m r invocando um - depois, com cs r.- tecer o sentido da pala-.."Ta·ar: espaço público..-- p ~i:úca. -~ ea:: ..cidade". na ........___ po!iL:ca._ o~ n ....--.._......_ e efi~ier:.:.e :.::-.c-=-'----""1
  • 34. - imagens provindas da - a má.tima. Isto apesar --~e a figura das cidades r- ~:nsi-e com o eco da obra !!.1: Ci:é antique (de modo ~ GastaYe Glotz em seu La -?ie!'Te Yernant assinalou .:.3 primeira vez o destaque - como objeto de reflexão. =pensamento político, que ~-..Encia de um específico ~?a!~. Ocorre entretanto, -.:: .a. foYIDaçào de um modo e.,-pa-;os peculiares e seus e!!! uma crise do sagrado. ...:e<:a ao tema da diferença das grandes pedras e das a ""c..>-ise" equivaleria ao - -=ado ao poder urbano, ao ~toricidade inerente ao ::.:::.:ia ao próprio conceito de 'bedor::ismo latente na vida ra - ,bem como certas antigo" e ostensivos no - !"acionalização (com suas =alismo e à massificação. ~odernidade, vêm a ser - e::.rre vida pública e vida ~ -.;os", que não os gregos lica e vida privada não ~n;.ações axiológicas tão 3-e ü:r existido a diferença DOSJ1 RDTNS À ORDEM PÚBLICA 41 entre as duas dimensões do viver. O que se destaca, contudo, como algo que entre os gregos teria surgido com nitidez maior, é a origem de uma qualificação política da dimensão pública. A política como ação, no sentido de Hannah Arenclt, ação casada ao próprio questionamento das estruturas da ordem (portanto ao uso hermenêutica da palavra e da discussão); algo substan- cialmente, irredutivelmente distinto da dimensão privada do viver. Retomemos a referência à politicidade atribuída ao "ho- mem", e à condição diminuidora (os romanos falariam em capitis deminutio) que foi a do cidadão grego privado da praça e devol- vido, após a invasão macedônica, Rsua casa e seu jardim. Ocorre pensar, e seria talvez um truísmo fazê-lo em termos de "sociologia do conhecimento", na correlação entre as concep- ções da verdade e os padrões sociais do viver. E como não considero inteiramente destituído de senso o esquema da "lei" elos três estados, de Comte (inspirada em Condorcet), poderia aludir a uma verdade teológica, outra metafísica e outra socio- lógica: esta sucessão de fases se apresenta exemplarmente no caso do Ocidente, mas também é reconhecível, sobretudo quanto às duas primeiras formas, no espírito "antigo". Todos sabem que ao estágio inicial c01·respondeu, no caso grego, a idéia ela verdade como "desvelamento" (aletheia), como uma fAce que se descobre por conta de um fator especial, qual seja R nçi:io de um sacerdote invocando um oráculo, ou uma "revelação" excepcional; e que depois, com os progressos do modo urbano de vida, veio a preva- lecer o sentido ]Rico da verdade, com a valorização do diálogo e da palavra-argumento, desenvolvida precisamente dentro do espaço público. Num estágio teria predominado, por assim dizer, um sentido a um tempo privado e religioso, no outro um sentido público e político. Será truístico, portanto, dizer que o emergir ela noção de "coisa pública" implicou o mundo clássico a valorização da vida pública. A casa se alarga e dá (liLeralmente) lugar à cidade: "cidade", na cultura clássica, significando a própria sociedade política. Os romanos, que tiveram para tudo isto uma profunda e eficiente sensibilidade, completaram aquela noção com a de
  • 35. • .t 42 O .!tHJJIM E 11 PRAÇA ordem, pública, correiaLa da idéia do direito, o jus que é também função da cidade. Ainda uma anotação histórica. A v1gencia da dicÇ~tomia direito público-direito privado varia conforme os contextos his· tóricos. Certos autores têm observado que na Idade Média euro- péia, vale dizer durante os séculos em que prevaleceu o feudalismo, aquela dicotomia praticamente inexistiu. Teria ha- vido então um predomínio das estruturas privadas - laços pes- soais, fidelidades pessoais -, ou então uma espécie de misto ou meio termo, em que o poder do "senhor" feudal, com sua família e seu entourage privado, era ao mesmo tempo um poder genérico e institucional. O crescimento elo pensar secularizado, com o racionalismo e o iluminismo (que inclusive delineou com nitidez a diferença entre política antiga e política moderna), consolidou dentro do liberalismo uma visão renovada da antiga dicotomia, vindo a Revolução Francesa a configurar em seus resultados legislativos uma cluplicidade de planos: no plano do direito público as constituições, no do direito privado as codificações. Enquanto isso, o senLimento de "modernidade", que surgiu nos intelectuais do Ocidente a partir do século XVII mais ou menos, e que incluía a consciência ele "posterioridade" em relação aos "antigos", ressoaria na querela elo tempo de Perrault e também, muito depois, na famosa conferência de Benjamin Constant sobre a liberdade dos antigos e a dos modernos. A partir de certos dados, e ele certas motivações, reforçou-se a idéia de uma diferença muito grande entre o homem moderno e o antigo. A Cité Antique, de Fustel ele Coulanges, trazia em certos tópicos a noção de que aos antigos faltava de fato a plena dimensão ela individualidade, noção aparentemente estranha, mas não tanto: o grande historiador se referia ao caráter peculiar da "liber dade greg::t", que era mais uma adesão do cidadão à sua polis do que uma contraposição em face dela. De qualquer sorte Fustel ressaltou o império das instituições sobre o arbítrio pri- v::tdo, inclusive no plano da família e do "amor", onde não parece ter havido a larga parte ele opção c fruição que a culLura contem- poriinea confere aos indivíduos. Como se sabe, o problema de ter ou não havido em plenitude a consciência da individualidade (e da subjetividade), entre os antigos, foi já debatido por diversos autores mais recen• xistência ele um -.:_ nos estenderemos s. O problema ci_ gregos e rom.ano.s ~­ Primeira: entre os:' punha, pois, a não- não conseguiam ela polis e das ciL·i generalizações, m matizar o tema). S porânea enxergo·.r considerar minori: ~ clade pessoal - :::... aligeirada por sua ~ non e pelas alusc , pesado e duro co~ Estado e a fam.í::ia u da privacidade, a e outras mais. Tal-..·ezr ras", n1as que sem. ~ vida e com impo De fato as a; literalmente, per..l- substituição da resi por mais seguros e aumentos ele popU::! cidades, cada co~· cada bairro tinham :.. O mundo de hoje ~ berto Eco dividem
  • 36. ée!:.o~ o jus que é também - 'rig-ência da dicotomia ~~e os contextos his- ç:xe na Idade Média euro- em que prevaleceu o -....;;õOK~e.u""-e inexistiu. Teria ha- -~ priYadas - laços pes- - ~a espécie de misto ou fe-..1dal com sua família ~po um poder genérico ~ secularizado, com o -==~'"e delineou com nitidez _-._.....L4 moderna), consolidou da antiga dicotomia, - -.2al' em seus resultados -~---~~ .co plano do direito ;:..-.n-ado as codificações. - ._ ;!enidade", que surgiu século XVII mais ou "'~.e!"ioridade" em relação do tempo de Perrault e mc!lferéncia de Benjamin --== e a dos modernos. A ·ões, reforçou-se a idéia ~ o nomem moderno e o ~an.;es, trazia em certos fZ:.a··a de fato a plena .-'"e.ctemente estranha, ~ia ao caráter peculiar a.rl:esào do cidadão à sua d1:.a. De qualquer sorte t;::::~-~- sobre o arbítrio pri- amor'', onde não parece <f'.le a cullura contem- sabe, o problema ele ter <ia individualidade (e .. • debatido por diversos DOS JARDINS À ORDEM PÚJJL!Ct 43 autores mais recentes, inclusive com extensão ao tema da ine- xistência de um "direito subjetivo" entre os romanos; mas não nos estenderemos sobre isso. O problema ela limitação ela idéia ele subjetividade entre os gregos e romanos nos levaria entretanto a duas ponderações. Primeira: entre os povos elo Oriente antigo o problema sequer se punha, pois, a não ser em pequena medida, as individualidades não conseguiam con trapôr -se ao peso elas instituições. No caso da polis e das civitas é que as questões emergem (passem estas generalizações, merecedoras de ressalvas, como modo de esque- matizar o tema). Segunda: o que a m entalidade liberal contem- porânea enxergou mais no panorama antigo, de modo a considerar minoritária a presença do indivíduo - e de sua liber- dade pessoal - foi o vulto do Estado: tanto na polis grega, aligeirada por sua correlação com as esbeltas colunas do Parte- non e pelas alusões dos filósofos, como no imperium romano, pesado e duro como os bronzes das estátuas dos Césares. O Estado e a família primavam sobre o indivíduo, e este valia m enos por si do que como elo ele uma cadeia, dentro da família, ou como um componente condicionado, dentro do Estado. Mas pRsscmos outra vez ao tema ela casa. A crise da casa, nas cidades do século XX, tem sido correlata de várias outras crises, como a da privacidade, a elo liberalismo, a elafamília, a das "humanidades" e outras mais. Talvez, crise de coisas que hoje parecem "conservado- ras", mas que sempre tiveram o que ver com uma certa imagem ela viela c com importantes realizações históricas. De fato as casas se extinguem, ou, quando isto n ão ocorre literalmente, perdem seu velho sentido ele "morada". Refiro-me à substituição da residência em casas pela residência em apartamen- tos, a princípio preferidos por mais práticos e mais baratos, depois por m ais seguros, e afinal impostos a quase todos pelos enormes aumentos de população, nas décadas mais recentes. Outrora, nas cidades, cada coisa tinha seu lugar, sem muitas mudanças, e em cada bairro tinham seu lugar a igreja, a escola, a casa de Beltrano. O mundo de hoje, invadido pelas comunicações que segundo Um- bcrto Eco dividem os homens em "apocalípticos e integrados"", é •J. tJ!fKX!IÍpliros c Tnleyrados, Siio Paulo, Pcrspcclivn, IDR7.
  • 37. . -. ·14 O ,JJTWIIlf E A PR.1lÇA um mundo em permanente alteração, em que nada é duradouro. Além de se extinguirem as casas, e com elas o espírito ele estabilidade que parece ter havido em tempos anteriores, dá-se que as pessoas já não gostam de ficar em casa: correm cada "fim-de-semana" pnra fora e para longe delas, auxiliadas pelos automóveis (Hesse já dissera que para o homem do novecentos o auto é o "objeto-rei") e impelidas por uma compulsão. Alguém já aventou a idéia ele associar este instabilismo espacial de hoje a um novo nomadismo, uma volta ao viver nômade e errático de outras eras. Do mesmo modo que temos o paradoxo do jardim coletivi- zado, e até massificado, com as "áreas de lazer" elas vilas popu· lares e com os playgrounds dos edifícios tipo classe média, temos também o problema da praça demasiado cheir~, com excesso de pessoas em todas as ruas e logradouros, rompendo com a dispo- nibilidade de espaço c de "ar livre", que sempre foi própria da praça pública. É a agonia dos velhos esquemas e de certas imagens tradi- cionais. O ideal do "homem", moldado pelo humanismo greco-ro- mnno e pelas adições ocidentais, e que com a burguesia dos séculos XVIII c XIX se havia desdobrado no conceito de "cidadão" (citoyen, Staatsbürger)r,, entrou também em um processo ele corrosão. Aquele conceito, que no fundo era correlato do ideal contratualista (segundo o qual as vontades individuais se arti- culam com a vontade "geral"t tendia a fazer de todo ser humano um homem público, Alçando ao nível global da sociedade política a existência pessoal ele cada um. Este ideal entrou em crise por conta dos problemas sociais vindos do século XIX, e com ele as formas de vida histórica que o haviam acomprmhado. Certo, Lodos sabem que por cima da imagem da crise pode colocar-se uma placa aludindo ao futuro, que poderá ou deverá ser melhor; como da visão do declínio disso ou daquilo se pode concluir que o que entra em declínio são coisas a serem substi- tuídas; ocorre porém que não se enxerga quase nada p~ra além da crise e do declínio, e este alcança justamente coisas que vinham integrando a própria iml'lgem do homem e do "humano". 5. I lcrtwutll llcllet·, l?scrilos Po/(ticos, trad. csp. S. de Arlechc, Madrid, 1liunza Editorial, 1!)85, pp. 2•11 c ss. tínuo e fragmentário. conflitos e fundamen· que uns tantos apo~ saudando o que al gência"0 , é sempre a...=: dente ele elementos Falei do hum3L.4 dora (os que chama::J. grande pensador" The Human Condi.- pológica da evolução se sobre os está~::.: implicações da disr!:-." se relaciona com pr- E ao aludir ao probl esta chega a destrcir pois "priva os homem: lar privado": a comp. a privada em conexão a ação, depende de tendem a eliminar o liberalismo de cer~ :: clnssico, que em noss Strauss e que remon~ com a apolog·ia elo cil;. Trata também d livro de Jürgen Ha lichkeit8, que já refe.- 7. 8. 'l'rad. francesa, J:t:spact!
  • 38. e:=: que na da é duradouro. e ~ elas o espírito de --....::..= em casa: correm cada ~ de_as, auxiliadas pelos ... o b:;mem do novecentos mr.a compulsão. Alguém --.:-..abilismo espacial de hoje ~er nômade e errático de ~oxo do jardim coletivi- de lazer" das vilas popu- 11-....,;;__:s - ipo classe média, temos ~-"-~~ cheia, com excesso de ::. rompendo com a dispo- :::-.:I.e sempr e foi própria da ~e de cen a s imagens tradi- pelo humanismo greco-ro- e ..e com a burguesia dos - r-.9 conceito de "cidadão" em um processo de --=:::.....n era correlato do ideal da imagem da crise pode - r que poderá ou deverá di5so ou daquilo se pode - coisas a serem substi- ,.......~.--.- quase nada para além - JUStamente coisas que ~ homem e do "humano". Madrid, Alinnza Ediloríal, 1085, DOS JARDINS ,i ORDliM PÚJJDTCII 45 Coisas vindas de um longo e profundo processo histórico, descon- tínuo e fragmentário mas expressivo e inteligível, e que inclui conflitos e fundamentações, mitos e imagens, dados e teorias. O que uns tantos apontam como melhor, festejando a crise e até saudando o que alguns chegam a chamar de "derrota da inteli- gência"6, é sempre algo vago, algo indefinido e no fundo depen- dente de elementos hermenêuticas que se acham dentro do próprio processo histórico hoje entrado em crise. Falei do humano, pouco acima. Em 1958, a grande pensa- dora (os que chamam as poetisas de poetas deverão escrever "o grande pensador") H annah Arendt publicava seu notável livro The Human Condition, baseado em uma visão histórico-antro- pológica da evolução ela própria experiência humana7 . Detendo- se sobre os est::lgios dessa evolução, Arcndt analisa ali as implicações da disLinção entre vida pública e vida privada, que se relaciona com problemas histórico-sociais muito relevantes. E ao aludir ao problema da sociedade de massas, observa que esta chega a destruir a ambas as esferas, a pública e a privada, pois "priva os homens de seu lugar no mundo e também do seu lnr privado": a complementação ideal entre as duas dimensões, a privada em conexão com o trabalho e a pública em conexão com a ação, depende de certas estruturas que, se não mantidas, tendem a elimim1.r o equilíbrio das coisas. E videntem ente tudo isso soa a liberalismo. Mas não ao liberalismo ele certos "liberais" de hoje, dispostos a aplaudir ditaduras e a apoiar regimes militares, e sim ao liber alismo clássico, que em nosso século inclui também o nome sério de Leo Strauss e que remonta às fórmulas pedagógicas do iluminismo, com a apologia do cives latino e da praça popular. Trata também do tema - o da coisa pública - o denso e difícil livro de Jürgen Habermas, de 1962, Strukturwandel der Offent- lichheit8, que já referimos. Partindo da distinção grega entre coisas comuns e coisas privadas, Habermas menciona a ágora e (l, AlninFinkiolkraaL, l.n!Ji'fitilet/(• In pm8rP, Pnris, Gnllimard, 1<)87. 7. A Condição Humana, Hio de .T:t11eiro, Edusrv'ForellHe, 1981. S. Trad. franccen, l."l.:spa('(' public, op. cit.
  • 39. . ~-.. QJ,RDIM E i PRtlÇA com ela a noção de "ação em comum", observando por outro lado a "força normativa" existente no modelo helênico da esfera pública, sobretudo na forma em que este modelo veio a manter-se a partir do renascimento. Para Habermas, o conceito feudal de senhor (seigneur) teria sido neutro em relação às categorias "público" e "privado"; e com a burguesia, realmente, é que se teria tido o retorno da noção de esfera pública: a burguesia, sempre interessada na circulação das mercadorias e também na das informações, teria redimensionado essa noção, vinculando-a a uma série de componentes novos, inclusive a "opinião pública". Parece contudo haver um certo exagero nos termos em que o problema é colocado por Habermas. O conceito medieval de seigneurie, que de fato não se identificava com o poder elo Estado, não era propriamente neutro em face elo binômio privacidade/pu- blicidade; era referente a um. tipo ele estrutura onde vínculos basicamente privados se ampliavam até alcançRr sentido públi- co, e em que vigências culturais muito amplas- como as imagens do Sacro Império e da Madre Igreja - vinham por seu turno penetrar certos atos privados. Mas voltemos- a ágora: praça do:::::.~ vital, tornado his~­ atividacle política :: - e povos sem ágo-a Naquele espaço cen ca: cenário, atores. - as queixas e as d da dimensão púb:.ic.a; se a condição do h na ágora a sua pU:S diversos espaços ;-...... sas lnlclals, menc! respondente ao ides:: ideais ocidentais. Macedônia, no fim grega, e com ela a arengas: acabou-se homem público po:- do domínio maced-
  • 40. es::e:r=.::rl.e:o veio a manter-se .:±it:::'E:n::!a.S- o conceito feudal de E:::::l re!ação às categorias --~~~ realmente, é que se es:!er:a pública: a burguesia, C::.fl'Ca.dorias e também na I"----' essa ~oção, vinculando-a ~i-·e a ""opinião pública". rom o poder do Estado, _:nõmio privacidade/pu- e::u·urura onde vínculos :;ué a!~çar sentido públi- - 2:n;Jlas - como as imagens - .P..:.n.ham por seu turno 7.PRIVATISMO EPUBLICISMO Mas voltemos às imagens clássicas e mencionemos de novo a ágora: praça do mercado, eixo social da polis, espaço centrRl e vital, tornado historicamente símbolo da presença do "povo" na atividade política. Os gregos diziam que havia povos com ágora e povos sem ágora, uns com liberdade e outros sem liberdade. Naquele espaço central se situavam os elementos da vida públi- ca: cenário, atores, ação. Nele estavam os debates e as facções, as queixas e as decisões, e sobretudo a palavra como componente da dimensão pública: ao fazer-se pública a palavra, publicizava- se a condição do homem. A polis, quase literalmente, teria tido na ágora a sua pulsação. O espaço público, realizado a partir de diversos espaços particulares convergentes (inclusive o das ca- sas iniciais, mencionadas por Fustcl), antecipava o modelo cor- respondente ao ideal contratualista, antecipando também outros ideais ocidentais. Entretanto, como se sabe, a derrocada dos gregos diante da Macedônia, no fim do século IV a.C., esvaziou a vida política grega, e com ela a democracia da ágora com seu s temas e suas arengas: acabou-se a importancia dos discursos políticos e do homem público por excelência, o político. Ao submergir dentro do domínio macedônico, a polis deixava de ser a medida das
  • 41. - • '!- 18 O JA /1/J/M E 1 PIIAÇA crenças gregas (e aqui o termo pode entender-se no sentido orteguiano da distinção entre idéias e crenças). Restava o cos- mos, inacessível aos golpes dos hoplitas e abrigo maior da razão; e restava a vida privada. Quase uma antecipação da frase de Kant sobre o céu estrelado e a lei moral. Na verdade o afundamento da experiência política atenien- se - que aparece implícita ao falar-se padronizadamente da "grega" - ocorreu aos poucos, no meio de coalisões militares e confrontos internos, inclusive o confronto entre lideranças inte- lectuais. O ideal clássico de liberdade perdeu-se no tempo de Demóstenes, quando a autonomia das cidades helênicas se tor- nou inviáveF. A "política", que um historiador autorizado como Finlay considera uma invenção dos gregos, ou talvez dos gregos e dos etruscos separadamente2 , terá sido engulida naquela fase, dentro de coordenadas desfavoráveis. Em troca, surgia (talvez ressurgisse) a vida individual. Ressurgia ou cobrava novo destaque. Aqui entra um tema histórico-clouLrinário específico, o da evolução elo pensamento antigo sobre a liberdade humana. Ou aludindo-se, um tanto tardiamente, ao fato ele que nos próprios escravos a alma é livre, ou discutindo-se a condição do indivíduo diante dos "liames sociais" - como parece ter ocorrido em torno de Sócrates e ele Diógenes-, chegou-se ao problema da dimensão pessoal, senão mesmo "interior", da liberdade, pensada em gerações anteriores como condição externa do homem, ou antes: de determinados homens. Se, como anotamos acima, o que restou depois de certos fracassos foram o cosmos e a vida privada, entende-se- e isso se encontra fácil nos compêndios - que as duas grandes filosofias do período final da cultura helênica Gá paralela ao alargamento da presença de Roma) tenham sido o estoicismo e o epicurismo. Na fase pós-aristotélica o pensamento grego se concentrou sobre certos temas, em particular o reexame do problema do conheci- mento e a construção do "ideal do sábio". Vieram também as cosmologias e filosofias da natureza (há uma ampla filosofia da n atureza na obra de Epicuro), e as pequenas escolas preocupadas I. :vi. G. L.llammond, i llistoi)'O{Greece, to 322 BC, Oxford, 195!J, cap. VI, final. 2. M. I. l-'inlay, A Polltioo110 Mundo Antigo, Rio de Janeiro, Zahnr, J985, p. G9. com rever proble do mundo. Isto é, :~ A historio estoicismo e o epi idéia sempre tr logos e suas leis identificação com- - sempre se destacou. como "refúgio do estilo antigo. Aos • político da Grécia e acompanhou, se!!lk"- mas na verdade h.,. epicurista, que Yal De qualquer que a polis, mediJa soberania e sua fo éticas e com os "p. era duplo: por um absoluto em que se valorizara o saber _ que se tinha agor-..l "República" (Poli;..- camente renuncia· - No sistema ~e clagógica e aclm>n :::: levado a um pont.o que depois se ch a uma existência !!!- e privada. Talvez:· totélicos terão sid"' separação entre '-: tradição oriental lectual e vida poE~· dali em diante, nas lando entre formas ou coisa parecida. e
  • 42. :: ,:, ab!'igo maior da razão; -- a=.Lecipação da frase de cir coalisões militares e :::::=o ~tre lideranças inte- perdeu-se no tempo de ad.arls helênicas se tor- em ~erações anteriores - ....::.!es: de determinados entende-se - e isso se ...as grandes filosofias :m.Ie:a ao alargamento - . cap. VI, final. 19.:i:;, p.69. I'RIVA1'ISMO E PUBLTCJSMO 49 com rever problemas. Daí a figura do sábio solitário vivendo fora do mundo. Isto é, fora da cidade e de suas ilusões. A historiografia sempre ressaltou, no meio dessas imagens, o estoicismo e o epicurismo como escolas maiores. Do primeiro, a idéia sempre transmitida é uma visão global do mundo, com seu logos e suas leis imanentes, completada com a do sábio cuja identificação com tais leis otorna imune ao sofrimento.Do segundo sempre se destacou a referência à valorização do viver privado, como "refúgio do sábio" diante da inutilidade do esforço cívico ao estilo antigo. Aos pósteros, sempre impressionados com o legado político da Grécia e também com a carga de idéias gerais que o acompanhou, sempre pareceu mais importante o pathos estóico, mas na verdade havia igualmente muito de helênico no realismo epicurista, que valorizava em cada ato uma quota de prazer vital. De qualquer modo pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que a polis, medida do existir para o homem grego, perdia sua soberania e sua força normativa, o pensamento ético partia para um relativismo muito flexível, que se acentuou com as escolas éticas c com os "probabilistas". Em relação a Platão, o contraste era duplo: por um lado os relativismos se opunham ao modelo absoluto em que se baseava a teoria das idéias - Platão super· valorizara o saber rigoroso, a episteme -; por outro, a estima em que se tinha agora a vida privada era antagônica ao ideal da "República" (Politéia), em que os pensadores-governantes prati- camente renunciavam à vida privada. No sistema de Platão este cancelamento da vida privada (para os pensadores-governantes) decorria, como conclusão pe· dagógica e administrativa, de um racionalismo absoluto, quase levado a um ponLo anti natural, em que a total dedicação àquilo que depois se chamaria o "bem comum" reduzia o viver do sábio a uma existência muito mais oficial e pública do que espontânea e privada. Talvez se possa pensar que os relativismos pós-aris- totélicos terão sido um dos primeiros passos no sentido de uma separação entre vida intelectual e vida política, tão juntas na tradição oriental (China e Egito por exemplo). Entre vida inte· lectual e vida política as relações seriam sempre problemáticas dali em diante, nas diversas etapas da cultura ocidental, osci- lando entre for mas de fusão, com o intelectual a serviço do poder ou coisa parecida, e formas de contraposição. .... "
  • 43. - - -- 8. PLATÃO EOINTELECTUAL MODERNO Vale estender-se um pouco mais sobre o tema do intelec- tual, em relação à política. Platão representou, como foi dito acima, a pretensão à absoluta racionalidade política, esta por sua vez correlata de uma justiça entendida como razão. Como razão e como ordem, coisas vinculadas ao estável senão ao imutável: como ordem natural, a ordem racional das coisas equivaleria à base do verdadeiro e do justo. Com isso se varreriam as incômodas oscilações da "opinião", inerentes aliás à democracia, em favor do saber seguro e infalível da ciência; a episteme em vez da doxa. Superava-se todo compro- metimento subjetivo. Um igualitarismo de oportunidades, ins· Laurado a partir de verificações pedagógicas, era a contrapartida, na "República" (Politeia), do desigualitarismo funcional e inabalável do sistema, que consagrava em parte a estrutura social existente na sociedade grega- embora corri- gindo-a a modo de evitar o poder do dinheiro e o das armas, ambos substituídos pelo do intelecto. Na base estava, claro, o ideal helênico e principalmente ate- niense, segundo o qual a realizaçãointegral de cada homem estaria em participar da política (ou seja, da vida dapolis e de seu governo); só que no autor do Timeu a coisa chega a pontos extremos, enten· ...1'
  • 44. . ..... 52 OJJIIWIM E A PRAÇA dendo-se como necessário para a devoção à sabedoria e ao gover-. no o abandono dos laços privados e dos interesses particulares, próprios das almas insuficientemente educadas. Como acentuou oportunamente Ernest Barker, Platão viu na casa o abrigo dos exclusivismos c dos sentimentos egoístas; além disso viu na família uma espécie de rival do Estado, fonte de um pernicioso divisionismo dentro da vida da cidade1 • É fácil ver, nestas concepções, um como que voltar-se do espírito helê- nico contra si mesmo, pois a vida de família (e das casas) tinha sido a própria origem da ordem social grega, e o racionalismo - que Platão leva e eleva ao grau m áximo- foi também umproduto cultural tipicamente grego. É provável, de resto, que ao tempo da República ainda estivessem relativamente nítidas na memó- ria dos povos gregos as imagens da época em que o panorama político e social se achava dominado por grandes famílias, que exerciam seu poder em uma estrutura de tipo feudal e que se transformaram, com a democracia (tão criticada pelo filósofo), em núcleos de sentido oligárquico. Também em Rousseau - cujo papel histórico-doutrinário me parece em diversos aspectos aná- logo ao de Platão- o repúdio das vontades "particulares" corre paralelo à busca de uma ordem pública definitiva, uma ordem que se vinculava à "vontade geral" e que arrastava Jean-Jacques para perto do que Talmon denominou "democracia totalitária". Mas voltemos a Platão. Em sua visão utópica, que confir- mou e ao mesmo tempo contrariou as imagens centrais da men- talidade grega, aparece bastante claro um traço comum ao intelectual e ao político, consistente no fato de que ambos corres- pondero a formas de vida cuja essência (ou cuja plenitude) parece incompatível com o que se chamaria a "normalidade" da existên- cia, entendida em sentido privado. Entendamo-nos. Ao olhar retrospectivo, as primeiras formas de organização urbana - as do tempo de Menfis, de Cnossos ou de Lagash- apresentam em seu centro uma certa junção entre o saber e o poder, que parece ter sido perdida e que de vez em quando as utopias (dos intelec- tuais) sonham resgatar. Ali, em principados e cortes de dois mil L Erncst 13arker, Greeh Polilical 1'heo1)'.l'lato and its Predecessors, Londres, 1977, cnp. X. Cf. tambérn a scgundn pHrlc do livro de Janine Chante ur, Platon, le desir et la.cité, Paris, Sircy, 1980. origens um sentido viver. Assim ima,; monarcas, respon_~ junto com mulher : simas pedras pal pragas misteriosas República platôni família - longe da vidas realmente ~p tualmente, dado o e que o qualifica, e. tem de tomar e q'-4e e sua condição es_ nada, mesmo quan são. O político tam próprio (a não ser:::.::: de Beruf e com si países capitalistas não se identifica co:::. Se por um :a socialmente cara~e: público, elas em ger.- de vida privada: h soais. Mas na vida. a necessidade de d primento dos afazer vações de Bern~ Super-Homem, ao esteja por inteiro à- família e até do sacrifício permite quadro mais belo").. egoísmo, não dentro posto entre devoção
  • 45. ~o à sabedoria e ao gover-. - e àos interesses particulares, -· educadas. - E:rn.est Barker, Platão viu e dos sentimentos egoístas; • · ·e de rival do Estado, fonte da ,.ida da cidade1 • É fácil .;:,._,......_.:1..1 grega, e o racionalismo - fo....;.li~IU - foi também um produto · ·e!, de resto, que ao tempo · amente nítidas na memó- ::.:2. epoca em que o panorama ~ por grandes famílias, que de t ipo feudal e que se ~o criticada pelo filósofo), Também em Rousseau- cujo :::ee:::n diversos aspectos aná- -=:ades "particulares" corre ~o-....;.;,..(..-u definitiva, uma ordem ve arrastava Jean-Jacques -.iemocracia totalitária". -..são utópica, que confir- - -.....agens centrais da meu- cLaro ULn traço comum ao :::::-;. fa:o de que ambos corres- (ou cuja plenitude) parece ·no!"Illalidade" da existên· =:E crrganização urbana - as ., !..agash- apresentam em ~a! er e o poder, que parece ~as utopias (dos intelec- ~~'""dos e cortes de dois mil PLATÃO E O INTELECTUAL MODERNO 53 anos ou mais antes de Cristo, se instalou o poder político, com sua armação de hierarquias, correlatas da ordem religiosa; ins- talou-se também a organização do conhecimento, que no início deve ter sido menos crítico, e que também assumiu desde as origens um sentido específico em face dos afazeres "normais" do viver. Assim imaginamos os sacerdotes e os magos, tal como os monarcas responsáveis por decisões que não se tomam à mesa ' . ' junto com mulher e filhos: rostos antiquíssimos, entre a~~lqUlS- simas pedras palacianas, insones diante de problemas m1htares, pragas misteriosas ou latentes conspirações. Assim o sábio da República platônica, exercendo o governo longe do povo e da família - longe da praça e do jardim-, solitário em relação às vidas realmente "pessoais" dos homens comuns. Solitário intelec- tualmente dado o nível demasiado "alto" do pensar que cultiva, ' -e que o qualifica, e politicamente, dado o caráter das decisoes que tem de tomar e que não competem ao homem comum. Convenhamos em que o intelectual é realmente um clérigo, e sua condição específica não configura uma "profissão" determi- n ada, m esmo quando o intelectual exerça esta ou aquela profis- são. O político t ambém não representa uma "profissão" em sentido próprio (a não ser na acepção de professio, testemunho, correlata de BeTU{ e com significação peculiar). A condição do político, nos países capitalistas, atravessa outras condições profissionais mas não se identifica com elas, ou não deve idenLificar-se. Se por um lado as diversas profissões, que são afaze~es socialmente caracterizados, possuem concretamente um sentido público, elas em geral permitem ao "profissional" um tipo_normal de vida privada: horários, convívio de família, ocupaçoes pes- soais. Mas na vida política plena, bem como na vida intelectual, a necessidade de dedicação ou de concentração dificulta o cum- primento dos afazeres privados. O que nos faz lembrar as obser- vações de Bernard Shaw, no primeiro ato de Homem e Super-Homem, ao afirmar que o verdadeiro artista, dedicado que esteja por inteiro à sua arte, termina por descurar dos laços de família e até do amor pessoal ("feneçam mil mulheres, se o sacrifício permite representar melhor o Hamlet ou pintar um quadro m ais belo"). Só que no caso já entraria a que~t~o do egoísmo, não dentro da família mas fora dela; e do narc1s1smo, posto entre devoção pública e ocupação privada, ou antes fora de
  • 46. 54 O JARDIM E A l'RiÇ!l ambas, como em um limbo. Aliás Francis Bacon, em seu ensaio "Of Marriage anel Single Life", já havia dito que os grandes atos e as grandes obras sempre cabem aos homens descasados e sem filhos, embora os que têm mulher e família sejam em princípio melhores súditos2 • E aqui uma anotação sobre o intelectual moderno. No caso, onde os exemplos se acham obviamente mais próximos pa~a nós ele hoje, parece aguçar-se aquele conflito latente, que se arma entre a condição elo intelectual, ou elo político, c o viver elos homens "não especiais" que exercem as profissões especiais. Aquilo que os românticos (sem aludirem ao depois chamado fator econômico) designavam como "burguês", constituía na verdade uma alusão ao prosaísmo elo homem privaclamente ajustado (horários, afetos, obrigações), em contraste com o comportamen- to do escritor (aliás parece vir desta visão romântica um certo conceito que equivocadamente encara o intelectual como "eles- programado" e boêmio). Nietzsche, em carta de março de 1887 a sua irmã Elizabeth, falou da hipótese de casar-se, ou de ter-se casado. Dizia: "Se eu me casasse agora, isto seria apenas uma asneira, que me faria perder uma independência que conquistei a preço de meu san- gue.(...) Antes viver miserável, doente e temido em algum canto do que arregimentado e situado dentro da mediocridade moder- ":3na . Ou então o conhecido trecho ele Fernando Pessoa, no poema "Lisbon Revisited" de 1923: Queriam-me casado, fútil, cotidiano e tributável? Uma elas primeiras expressões, vinda aliás do pensamento social romântico, da saturação do existir moderno em termos de espaços e relações, terá sido a obra maior de Toennies, onde se descreve a sociedade como modo de agrupaçào mais amplo porém artificial, fundado sobre a "vontade reflexa", e a comunidade como modo mais concreto, mais estreito, fundado sobre a "von- tade essencial". Desta se passaria àquela, como tendência evo- lucional genérica. Seria um trânsito do privado ao público? 2. The Moral anel !Tislorical Worhs ofLordBacon, Londres, George 13cll, 1890, pág. 19. 3. F. Nietzsche, Lettres Choisies, Librairic S!.ock, Paris, 1931, p. 213. Mas voltando niclacle (no sentido temos que nos séc:: categorias histó~ca, rias predominantes' civilizações, incl -· "militar" e "político Pode-se obse_ no sacerdote ocorri:' poder político. E!:l existência privada to, senão mesmo-- em relação aos afaz da sociedade e de:;~ sões. No caso elo ::L.li..! mente um aias- latentemente o he ~ épica antiga e na-:::::. exernplaridade,se~ dos e constranged~- ~ dote teve-se semp_ sagrado; e o sagra mundo antigo. ::Ias a vida entregue à pa código de n ormas. c_. o princípio, vigen:.e a ser exigente cons:,. fechamento para o_..,. conceitos, e não à e corresponcle basi~ ra. Corresponde - capitalista. O idea: