Este documento resume os 10 anos da revista GVcasos, focada em publicar casos de ensino em Administração no Brasil. A revista foi lançada em 2011 com o objetivo de promover a circulação de casos produzidos no Brasil e melhorar a qualidade do ensino de Administração no país. Ao longo dos anos, a GVcasos publicou casos de diversas instituições brasileiras e aumentou sua visibilidade e reconhecimento, atingindo metas como melhores classificações no Qualis e indexação em bases de dados internacionais.
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DEZ ANOS FOMENTANDO O USO DE CASOS NO ENSINO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO: UM BALANÇO...
Martin Jayo
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Naquela época, as principais escolas de negócios no Brasil costumavam manter seus “bancos
de casos” para uso de seus docentes. No caso da EAESP, o acervo era mantido e atualizado pelo
CEDEA – Centro de Desenvolvimento do Ensino e da Aprendizagem, e incluía casos obtidos por
meio de assinatura de bases internacionais, como a da Harvard Business Publishing, além de outros
produzidos pelos próprios professores da casa. Esse modelo acabava favorecendo o uso de casos
importados, por vezes com pouca conexão com a realidade de negócios brasileira, e desestimulava a
produção e circulação de casos nacionais. Muitos bons casos nacionais ficavam disponíveis para uso
apenas nas escolas em que eram produzidos, e não ganhavam visibilidade. No passado, sistemas de
compartilhamento haviam sido tentados: o principal deles fora a “Central Brasileira de Casos”,
criada na segunda metade da década de 1970, envolvendo o Instituto COPPEAD da UFRJ, a UFMG,
a UFRGS, a FGV-EAESP, entre outros centros (LEMOS & HEMSLEY, 1977; ROESCH, 2007). A
Central funcionou até os anos 1980, quando foi descontinuada (ROESCH, 2007).
Nesse cenário, a GVcasos surgiria com a proposta de novamente viabilizar a circulação da
produção brasileira de casos e contribuir para a disseminação desse importante método de ensino-
aprendizagem. A revista seria uma oportunidade de publicação qualificada para professores,
pesquisadores e demais autores de casos. Seria também um repositório gratuito de casos de
qualidade, democratizando seu uso por docentes de todo o país, especialmente aqueles sem acesso a
bancos de casos pagos. Seria, por fim, uma forma de contribuir para o aprimoramento da produção
brasileira de casos, uma vez que os trabalhos submetidos passariam por avaliação duplo-cega e por
todo o processo editorial da RAE Publicações.
Gestação
Uma das minhas primeiras contribuições ao projeto foi convencer o prof. Diniz de que o
nome planejado para o periódico – até então, simplesmente GVcasos – não fazia jus a essa missão
social. Ainda que fosse importante carregar a marca da Fundação Getulio Vargas – daí começar o
nome com GV, tal como fora feito em 2004 com a irmã mais velha GV-executivo – também me
parecia fundamental sinalizar que a nova revista não era “da GV”, mas sim um patrimônio da
comunidade acadêmica, a serviço da qualidade do ensino de Administração em todo o Brasil. Missão
sintonizada, aliás, com a da própria Fundação Getulio Vargas, criada em 1944 para preparar pessoal
qualificado para a administração pública e privada do País. Foi assim que chegamos a Revista
Brasileira de Casos de Ensino em Administração como nome oficial da revista, e decidimos que
GVcasos seria uma espécie de marca fantasia. GVcasos para os íntimos, e ela rapidamente se tornou
íntima da comunidade de autores e leitores, que hoje a conhece das duas formas.
Escolhidos nome e marca, a definição seguinte dizia respeito ao sistema eletrônico que seria
usado para o gerenciamento do processo editorial. A saída adotada foi a mais prática e a que estava
mais à mão: hospedar a revista na Biblioteca Digital da FGV e utilizar o aplicativo OJS - Open
Journal Systems, baseado em software livre, que já vinha sendo usado por outras publicações da
Fundação, dentro e fora da EAESP. Por ser relativamente simples de usar, a ferramenta nos permitiu
criar em muito pouco tempo o ambiente (site) da revista, bem como implementar todos os passos do
processo editorial – da submissão pelos autores à publicação final, passando pelas diversas etapas do
trabalho de um periódico com avaliação por pares.
Uma última e importante definição dizia respeito à política de acesso ao material publicado.
Era intenção da revista que o acesso aos casos fosse amplo, aberto, sem restrições, mas como fazer
com as notas de ensino? É importante, para próprio sucesso da aplicação de um caso em sala de aula,
que apenas os professores (e não os estudantes) acessem estas últimas. Criamos então um sistema de
assinaturas gratuitas, disponíveis a docentes de toda instituição de ensino brasileira ou estrangeira
mediante comprovação do vínculo. O conteúdo de cada número a revista passou a ser publicado em
duas sessões separadas: uma com os casos, aberta, e outra contendo as notas, restrita aos assinantes.
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DEZ ANOS FOMENTANDO O USO DE CASOS NO ENSINO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO: UM BALANÇO...
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Este sistema exigiu a mobilização de uma pequena estrutura de atendimento e suporte aos assinantes
e interessados, que dificilmente teríamos conseguido montar fora da RAE Publicações.
Début
Com isto, em 17 de setembro de 2010, colocamos no ar o “número zero”: uma edição piloto,
com o objetivo de testar o uso do sistema eletrônico e também demonstrar aos futuros leitores e
autores a proposta e o formato da revista. O conteúdo publicado nessa edição-teste era formado por
três casos, acompanhados das respectivas notas de ensino, todos de autoria de docentes da FGV-
EAESP e já pertencentes ao mencionado banco de casos do CEDEA. Com isso, embora ainda não
nascida oficialmente, a GVcasos já podia ser apresentava ao seu público. A esta altura já tinha se
constituído um Comitê Científico, formado por docentes renomados, entusiastas do uso de casos de
ensino, pertencentes a diferentes instituições (FGV-EAESP, FGV-IDE, UFRJ, PUC-Rio, INSPER,
USP, ESPM, UFPB, UNIVALI, UCS), cuja colaboração foi de extrema importância não só para o
estabelecimento das regras editoriais, mas também para a divulgação da iniciativa.
O nascimento oficial se deu em 27 abril de 2011. Conforme programado, às vésperas do
cinquentenário da RAE, e como parte das comemorações. Nesse dia soltamos o verdadeiro número
inaugural (vol. 1, n. 1, jan-jun 2011), já formado por submissões sujeitas ao fluxo editorial normal, e
tendo passado por no mínimo uma rodada de avaliação duplo-cega. Eram sete casos ao todo,
bastante diversos quanto às instituições de origem de seus autores e também quanto às áreas da
Administração abordadas – diversidade que se manteria pelos anos seguintes, que culminam neste
décimo aniversário. A “linha do tempo” do Quadro 1 assinala os principais marcos da história da
revista desde então.
Quadro 1. Linha do tempo da GVcasos
2010 Projeto inicial de criação da GVcasos em parceria entre RAE Publicações e CEDEA
Editor-chefe: Eduardo Diniz
Editor adjunto: Martin Jayo
17 de setembro: lançamento do número zero (edição piloto)
2011 27 de abril: Lançamento número 1. Coquetel de lançamento na EAESP, como parte das
comemorações do cinquentenário da RAE
Dos 17 autores publicados na edição n. 2, 16 são externos à EAESP-FGV, corroborando a
vocação da revista de ser um periódico da comunidade brasileira de Administração.
Novembro: Fernando do Amaral Nogueira torna-se editor adjunto
2012 Publicação do primeiro caso bilíngue (submetido em inglês com tradução para língua portuguesa)
2013 Primeiro Qualis: B4
Indexador: inserção no OASIS.BR
2014 Janeiro: Martin Jayo retorna como editor adjunto
2015 Parceria com Oficina de Casos da FGV-IDE, objetivando atrair submissões
Indexadores: aprovação no Gale Cengage Learning e ProQuest
2016 Janeiro: Maria José Tonelli torna-se editora-chefe
Aumento para 10 casos por edição
Indexadores: aprovação no AcademicKeys, Cabell’s, Diadorim, LatAM-Studios+, Latindex e
Open Academic Journals Index
2017 Avanço no Qualis: de B4 para B3
2018 Parceria com o SemeAd para recebimento de submissões em regime de “fast track”
2019 Indexador: aprovação na base de dados EBSCO
2020 Início da utilização do Ithenticate, ferramenta de detecção de similaridade/plágio
Publicação em fluxo contínuo, diminuindo o tempo requerido entre a submissão e a publicação
Fonte: RAE Publicações
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Balanço
Das 21 edições publicadas pela GVcasos desde então, sempre com periodicidade semestral,
eu atuei como editor adjunto em 17. Durante dois anos, de 2012 a 2014, fui substituído na função por
Fernando do Amaral Nogueira. Como editor-chefe, contamos primeiro com Eduardo Diniz (até
dezembro de 2015) e em seguida com Maria José Tonelli (janeiro 2016 a maio 2021), que se
despede de nós na edição atual. Graças a um harmonioso trabalho do qual também fez parte toda a
equipe da RAE Publicações – Ilda Fontes, Aline Lilian dos Santos, Andréa Cerqueira, Denise
Francisco Cândido, Eduarda Pereira Anastacio, Eldi Soares – creio poder dizer que, nestes seus dez
anos de história, a GVcasos cumpriu seu objetivo de fomentar a produção e circulação e
democratizar o uso de casos de ensino no Brasil. Alguns indicadores destes 10 anos demonstram isso.
O primeiro desses indicadores é o da diversidade geográfica e institucional dos autores
publicados. Nos 10 anos de atividade, a GVcasos veiculou trabalhos de professores e pesquisadores
de 72 instituições. As 25 que mais contribuíram são listadas no Gráfico 1: veem-se ali muitas das
universidades e escolas de negócios consideradas “de primeira linha” no Brasil, mas também escolas
menores e instituições regionais, tanto públicas como privadas. Além de refletir a diversidade do
ensino em Administração no Brasil, isto mostra como a GVcasos se tornou um democrático espaço
de intercâmbio de materiais didáticos entre docentes de instituições com diferentes perfis. Não
aparecem no gráfico por não estarem entre as 25 primeiras em número de autores, mas também merecem
menção, instituições de perfis tão variados como a Universidade Presbiteriana Mackenzie, a Faculdade
Natalense para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte, a Universidade de Brasília (UnB) e o
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), entre outras.
Gráfico 1. Autoria na GVcasos: as 25 instituições que mais contribuíram, 2011-2020 (em número de autores)
Fonte: RAE Publicações
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Em termos regionais, em que pese certa concentração de autores em São Paulo, verifica-se uma
consistente contribuição de outros estados do Sudeste e também do Sul, Nordeste e Centro-Oeste, como
se vê no Gráfico 2. Também é digna de nota a presença de autores de instituições estrangeiras, como
a HEC-Montreal (Canadá) e a Universidade de Lisboa (Portugal). No que toca à distribuição por
gêneros, 60% dos autores publicados na história da revista foram homens, e 40%, mulheres,
indicando uma participação feminina semelhante à observada na produção científica brasileira na
área de Administração, analisada por Morais et al. (2018).
Gráfico 2. Autores brasileiros da GVcasos por UF, 2011-2020
Fonte: RAE Publicações
Junto com a diversidade de perfil dos autores, a pluralidade de temas e áreas dentro da
Administração é outra característica a ser ressaltada. Os dados apresentados na Tabela 1 mostram
uma presença relativamente equilibrada dos principais temas e áreas funcionais da Administração.
Esse equilíbrio vem se mantendo ao longo do tempo, desde os primeiros números da revista.
Tabela 1. Distribuição de casos por área temática
Área/tema predominante Número de casos
Estratégia 34
Gestão Social, Responsabilidade Social, Ética e Sustentabilidade 30
Recursos Humanos 21
Marketing 15
Gestão Internacional 10
Finanças e Contabilidade 10
Gestão Pública 10
Gestão do Conhecimento e Tecnologia de Informação 14
Logística e Produção 8
Total 152
Fonte: RAE Publicações
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Um último indicador a ser destacado, apresentado no Gráfico 3, é a evolução do número de
assinantes das notas de ensino. A GVcasos conta hoje com 1300 assinaturas cadastradas, docentes de
instituições de ensino superior que solicitaram acesso às notas. Este número vem crescendo à ordem
de 200 por ano. Isto significa que, a cada ano, duzentos novos professores, espalhados pelas mais
diversas escolas de Administração no Brasil, passam a usar em suas aulas o material didático
disponibilizado pela revista.
Gráfico 3. Evolução do número de assinantes das notas de ensino
Fonte: RAE Publicações
Multipliquem-se 1300 professores pelo número de alunos atingido por cada um a cada ano,
nos diferentes níveis de ensino (graduação, pós-graduação, educação continuada), e ter-se-á uma
aproximação do impacto da GVcasos.
Assim ela tem cumprido seu objetivo de fortalecer a produção, a circulação e o uso do
método de casos no ensino brasileiro da Administração, servindo de instrumento para a formação de
administradores em todo o País.
Que venham muitos anos mais, e que a GVcasos se mantenha sempre atual e socialmente
relevante.
Referências
Bertero, Carlos Osmar (2006). A RAE nos seus 45 anos. Revista de Administração de Empresas, São
Paulo, vol. 46, n. 2, p. 114-117.
Jayo, Martin; Rodrigues, Andrea Leite; Mendes, Silma Ramos Coimbra (2015). De oprimido a bon
vivant: trajetória do administrador brasileiro segundo a publicidade. Revista Psicologia
Política, São Paulo, vol. 15, n. 34, p. 615-645.
Lemos, Paulo Mattos de & Hemsley, James Ridley (1977). A Central Brasileira de Casos. Revista de
Administração de Empresas, São Paulo, vol. 17, n. 2, p. 25-27.
Morais, Cinthya Rachel Firmino; Cabral, Augusto Cézar de Aquino; Pessoa, Maria Naiula Monteiro;
Oliveira, Laís Vieira Castro; Santos, Sandra Maria; Silva, Clayton Robson Moreira (2018). A
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participação Feminina na produção científica das áreas de Administração e Ciências Contábeis.
Revista de Contabilidade da UFBA, Salvador, vol. 12, n. 2, p. 61-97.
Roesch, Sylvia Maria Azevedo (2007). Notas sobre a construção de casos para ensino. Revista de
Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, vol. 11, n. 2, p. 213-234.
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99TAXIS: INOVAÇÃO EM MOBILIDADE E GERAÇÃO DE VALOR
Marina Amado Bahia Gama, Servio Tulio Prado Junior, Cyntia Vilasboas Calixto
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da empresa. A Cabify é outra importante concorrente, presente em mais de 11 países e 90 cidades ao
redor do mundo.
A 99Taxis tem mais de 18 milhões de passageiros e 600 mil taxistas registrados no Brasil.
Em São Paulo, 75% das corridas são de responsabilidade do aplicativo e, segundo dados da empresa,
30 mil dos 34 mil motoristas de táxi cadastrados na cidade (88% do número total) possuem o
aplicativo. Assim como os de seus principais concorrentes, o serviço está disponível em smartphones
iPhone, Android e Windows Phone. A empresa nunca cobrou nenhum tipo de tarifa dos taxistas, o
que lhe trouxe um profundo diferencial no mercado no início das suas operações.
No Brasil, o mercado de aplicativos de transporte tem muito a crescer, pois os últimos dados
do IBGE apontam que 85 milhões de brasileiros têm acesso à internet pelo celular; se contarmos
uma população que passa de 200 milhões, ainda há espaço para crescer1
(Figura 1).
O CEO e seus diretores sabem que os indicadores operacionais que monitoram de maneira
exaustiva e atualizada são bastante expressivos. Dados como a evolução no volume/densidade de
corridas por bairro/região ou então o crescimento relativo no número de corridas, usuários e taxistas
são invariavelmente promissores, período a período. No entanto, reconhece que a fragilidade
atribuída por alguns aos seus resultados financeiros permanece uma fonte de ansiedade para quem
ainda não absorveu totalmente a real natureza do seu negócio. Há quem identifique padrões
homogêneos de comportamento na indústria de aplicativos e veja um serviço como o do 99Taxis
como um refém do crescimento e da inovação contínua. Eles é claro, veem as coisas de um outro
modo e pretendem – pela consistência de retornos que têm trabalhado exaustivamente para construir
– mostrar isso a todos.
História dos táxis
As primeiras indicações da utilização de táxis estão associadas à invenção do riquixá
(rickshaw, no inglês), um veículo de duas rodas e tração humana tradicionalmente usado pelas elites
do Oriente. No início do século XVI, surgiram, em Londres, as primeiras carruagens de aluguel. No
entanto, seu uso sempre foi restrito aos funcionários de alto escalão da corte – já nesse tempo sabia-
se que a quantidade de carruagens poderia causar congestionamentos nas limitadas vias de acesso
então disponíveis. No final do século XIX, em 1896, o primeiro veículo de aluguel motorizado
ocorreu na Alemanha. No ano seguinte, Wilhem Bruhnm, também alemão, desenvolveu o serviço de
tarifação, com a invenção do primeiro taxímetro.
Como muitos outros desenvolvimentos do período, a expansão dos táxis como meio de
transporte foi vertiginosa. Nos primeiros anos do século XX, o táxi já era parte integral do cenário
nas principais cidades do mundo. Em 1920, alguns países começaram a implementar o sistema de
regulamentação, assim como parâmetros tarifários e licenças para exploração comercial. A demanda
por regras gerais de funcionamento se tornou ainda clara durante os anos de depressão econômica
que se seguiram à crise de 1929, uma vez que, com as altas taxas de desemprego, muitas pessoas
passaram a ver nos táxis uma alternativa de renda.
Como consequência, foi inevitável a geração de um excesso na oferta no serviço, levando à
instituição de licenças específicas em um número limitado. Esse foi o caso, por exemplo, dos
conhecidos Medallion Cabs, criados pela prefeitura de Nova Iorque, instrumento legal que
claramente visava reduzir a concorrência pelo fechamento relativo do mercado de táxis.
No Brasil, os serviços de táxis são regulados na esfera municipal, com as prefeituras emitindo
as licenças que autorizam apenas um determinado conjunto de motoristas a prestarem o serviço.
Como visto, em outros lugares do mundo funciona de maneira parecida, só podendo prestar o serviço
de taxista quem possua a licença concedida pelo governo. Por exemplo, na Dinamarca, a licença
1
https://machine.global/o-mercado-de-corrida-por-apps-no-brasil/
11. 3
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deve ser concedida simultaneamente nos níveis nacional, regional e local2
. Houve, principalmente na
década de 1970, intensas discussões sobre a questão da regulamentação de táxis, levando muitos
países a adotarem critérios para reduzir a regulação em seus mercados. Nos Estados Unidos e na
Suécia, houve, por exemplo, a remoção de barreiras para acesso ao mercado de táxis e a extinção da
regulação tarifaria, o que produziu em ambos países um aumento significativo no número de táxis.
Na Suécia, contudo, foram encontradas evidências de uma redução da eficiência do serviço. No
Brasil, entretanto, nunca houve qualquer movimentação nesse sentido3
.
Mercado de táxis no Brasil
Os táxis no Brasil podem ser divididos em três grandes categorias: táxis comuns, táxis
especiais e táxis de luxo. No País, há a preponderância da atuação dos motoristas individuais
(pessoas físicas) sobre as empresas de táxi (cooperativas e frotas). Mesmo que relativamente
pequena, a participação das frotas se concentra principalmente no segmento de táxi comum, sendo
ainda mais reduzida entre os táxis especiais e de luxo.
A frota de táxis nas capitais brasileiras é de aproximadamente 130 mil veículos. As capitais
com uma maior representatividade em termos de frota são: São Paulo (33,9 mil), Rio de Janeiro (33
mil), Bahia (7 mil), Minas Gerais (6,5 mil) e Pernambuco (6,1 mil). A Figura 1 ilustra como São
Paulo e Rio de Janeiro concentram a maior parte da frota brasileira. A soma dos dois Estados
representa 51,3% da frota total de táxis do Brasil. Conforme mostrado, o estado com maior numero
de táxis é São Paulo4
, com 33.922 táxis, havendo um táxi para cada 305 habitantes. Essa frota
divide-se entre motoristas individuais (PF) e frotas/empresas de táxi (PJ). A idade média dos táxis na
cidade é de três anos (Figura 2).
A frota de táxis no Rio de Janeiro e São Paulo é significativa mesmo quando comparada a
outras metrópoles mundiais. Na Figura 2, é possível ver a frota de táxis em capitais no mundo e, na
Figura 3, é possível ver a frota a cada 100 mil habitantes. Buenos Aires (1.314) é a capital com
maior número de táxis por 100 mil habitantes, seguida de Paris (636) e Cidade do México (633). Rio
de Janeiro ocupa a 4a
posição, com 472 táxis por 100 mil habitantes, e São Paulo ocupa a 7a
posição,
de 9, com 289 táxis por 100 mil habitantes (Figuras 3 e 4).
O valor das bandeiradas de táxis em São Paulo e no Rio de Janeiro é o mais caro do Brasil. A
bandeirada em São Paulo é de R$ 4,50. Quando rodando em Bandeira I, paga-se R$ 2,75 por km e,
em Bandeira II, R$ 3,58. Já no Rio de Janeiro, o valor é mais alto. A bandeirada é R$ 5,20. Quando
rodando em Bandeira I, paga-se R$ 2,05 por km e, em Bandeira II, R$ 3,46. Na Tabela 1, consta a
lista de preços das corridas de táxis, em US$, de 3 km em alguns países (Tabela 1).
Um setor regulado
A regra de funcionamento básica do setor no Brasil é relativamente homogênea – as
prefeituras definem um número fixo de alvarás a serem emitidos que, por serem limitados, passam a
ter um valor de mercado ao serem trocados de mãos. Esse comércio não é legalizado, uma vez que os
alvarás são concessões públicas e não poderiam ser vendidos. Os alvarás originais foram
inicialmente sorteados pelas prefeituras entre um conjunto de pessoas previamente inscritas na época
para esse processo, sendo razoavelmente rara a ocorrência de novos sorteios.
O preço de aquisição de um alvará varia de cidade para cidade. No Rio de Janeiro, por
exemplo, uma licença custa em torno de R$ 60 mil, já em São Paulo varia entre R$ 70 mil e R$ 120
mil. No aeroporto de Congonhas, o valor pode chegar a R$ 250 mil. Os motoristas que não possuem
2
Dias, Flavio Augusto de Oliveira Passos. (2007). Serviços de táxis: Um elemento para um novo modelo regulatório.
Dissertação (mestrado em Transportes), Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
3
Idem.
4
ADETAX: http://www.adetax.com.br/index.php/informacoes-e-servicos/estatisticas/
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alvará podem alugá-lo de um taxista que o possui, dividindo (ou não) os demais custos e despesas do
veículo.
Além do alvará, é necessário que o taxista esteja individualmente cadastrado em um órgão
municipal específico. No caso de São Paulo, esse cadastro se chama Condutax, é pessoal,
intransferível e mantido pelo Departamento de Transportes Públicos (DTP) da Secretaria Municipal
de Transportes. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, não emite mais novos alvarás. Segundo a
Prefeitura, a cidade de São Paulo tem hoje expedida quantidade de licenças adequada à demanda de
passageiros que fazem uso desse transporte. A partir desse entendimento, a administração tem
continuadamente expressado não ter qualquer intenção de emitir novos alvarás5
.
Os alvarás devem ser renovados anualmente, a não renovação faz com que o alvará caduque
e o motorista o perca, sem chance de recuperação. É também importante lembrar que tanto a tabela
de preços a serem praticados pelos taxistas quanto os critérios para o seu ocasional reajuste são
igualmente definidos no âmbito das diversas administrações municipais no Brasil.
Em função da estrutura regulatória acima caracterizada, são muitos aqueles que pedem a
atualização das leis que regem o setor. Uma das questões centrais é sempre a falta de emissão de
novas licenças, razão básica para a existência do mercado de alvarás, cuja compra, venda e aluguel
não estão previstos com clareza na legislação.
Um outro ponto polêmico é a insatisfação das cooperativas com a competição representada
pelos aplicativos de táxis, o que as levou a demandarem normas mais específicas e rigorosas no
tema. A lei que rege a questão é antiga, Lei nº 7.329, de 11 de julho de 1969, quando o Prefeito de
São Paulo era ainda Paulo Maluf. Seu texto, é claro, não prevê o uso das funcionalidades hoje
disponíveis aos passageiros.
Algumas prefeituras começaram, contudo, a buscar atender de alguma forma à reivindicação
das cooperativas. Em São Paulo, a Secretaria de Transportes estava à frente de analisar o uso dos
aplicativos, sendo analisado pelo DTP6
. Analisam-se os impactos que esses recursos podem vir a
produzir em toda a cadeia de táxis que circula pela cidade, tentando-se verificar a necessidade ou não
de eventual regulamentação legal da questão. Várias das empresas que hoje dividem entre si o setor
de aplicativos já procuraram o DTP no sentido de registrarem seus aplicativos.
Pode-se destacar, ainda, que alguns taxistas cooperados deixam de atender o chamando das
cooperativas para atender aos aplicativos. Eles alegam que o seu faturamento aumentou em 25%
após a entrada dos apps no mercado. A fim de retomar o interesse dos seus cooperados, algumas
cooperativas das capitais brasileiras também criaram aplicativos próprios na tentativa de manter-se
no mercado, o que não parece ter gerado, até o momento, resultados muito expressivos.
Estrutura competitiva
A competição do mercado de serviços de táxi tem hoje características bem mais difusas do
que aquelas que apresentava há apenas alguns anos. Com o advento dos diversos aplicativos para
chamada de táxi, atores “tradicionais” como os taxistas individuais (PF), as cooperativas e as frotas
de táxi (PJ) passam a concorrer num ambiente em claro processo de transformação.
As frotas são reminiscentes de 1969, quando foi promulgada a Lei n. 7.329 – “Lei dos
Táxis”7
. Na época, foi definido quem receberia a permissão para ter mais de um alvará. Os donos das
frotas, PF até então, que possuíam em média 10 carros, foram obrigados a se converterem em PJ e
tinham que ter no mínimo 15 táxis e deveriam chegar a mais de 40 táxis em cinco anos. De início,
5
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/transportes/saiba_como_e_e_como_funciona/index.php?p=3875
6
http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/02/sobe-uso-de-aplicativos-para-taxi-e-cooperativas-pedem-re
gulamentacao.html
7
http://www.adetax.com.br/index.php/sobre-a-adetax/historico-das-frotas/
13. 5
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surgiram 237 empresas, majoritariamente microempresas familiares. Cinco anos depois, restavam
130. Hoje são 588
.
As cooperativas de táxis têm um modo de funcionamento bastante específico: cobram uma
“luva” de novos cooperados, com valores que ultrapassam R$ 5 mil, podendo chegar a R$ 40 mil,
além de mensalidades que podem chegar a R$ 500,009
. É preciso que o motorista tenha seu próprio
alvará para poder participar da cooperativa. O cooperado tem ao seu dispor a central de atendimento
que recebe as chamadas de táxis e tem um ponto e horário para trabalhar. Os grandes concorrentes
das cooperativas sempre foram os táxis comuns, conduzidos por motoristas individuais que tinham o
alvará para atender em um determinado ponto de táxi e que prestavam o serviço por toda a cidade de
uma forma autônoma.
A ideia dos aplicativos surgiu no exterior, há pelo menos três anos – entre os pioneiros estão
o GetTaxi, de Israel, e o myTaxi, da Alemanha. No Brasil, um dos primeiros a surgir no mercado foi
o Taximov, criado em julho de 2011 pela empresa e-flows. Contudo, apenas em 2012 a demanda fez
com que o boom de aplicativos acontecesse. Em menos de um ano, pelo menos 10 apps estavam
disponíveis no mercado, a maioria em São Paulo e no Rio de Janeiro. Salienta-se que a expansão já
começa a atingir capitais do Sul, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. A maioria das empresas cobrava
em média R$ 2,00 por corrida dos taxistas e, algumas delas, uma taxa de adesão de R$ 20,00.
Após o surto no surgimento de aplicativos ocorrido em 2012/2013, o mercado passou a dar
alguns sinais de que poderá caminhar para um maior nível de concentração, estando dividido hoje,
de modo bastante desigual, por um número bem menor de serviços: 99Taxis, Cabify, Vá de Táxi.
A Vá de Táxi oferecia um serviço exclusivo para taxistas segurados Porto Seguro, sendo
pioneira no pagamento in-app. Em 2014, a Vá de Táxi recebeu investimentos da Incube, primeira
venture builder do Brasil. Em 2015, fez sua primeira fusão com a Taxijá, que era um serviço
oferecido pela UOL. E, em 2016, fez uma fusão com a WayTaxis.
A Cabify incorporou o aplicativo da Easy Taxi em 2017, que nasceu de uma plataforma
desenvolvida no Brasil e recebeu um aporte de R$ 10 milhões em outubro de 2012, feito pela
empresa de participações alemã Rocket Internet. A ideia do aplicativo surgiu em meados de 2011,
quando seu fundador participava de uma competição de startups no Rio de Janeiro. A Easy Taxi está
presente em 11 cidades brasileiras, com download gratuito para os sistemas Android e iOS. Em
novembro de 2012, a empresa deu início à expansão internacional e hoje já está presente na
Colômbia, Peru, Chile, Venezuela, México, Argentina, Coreia do Sul, Nigéria e Malásia10
. Tem 120
mil taxistas cadastrados em todo o mundo e 40 mil no Brasil. As principais características do
aplicativo são: acompanhamento do táxi em tempo real, frota de taxistas selecionada com
apresentação da foto e nome de cada um e cobertura nas principais cidades da América Latina.
Conforme já apresentado, as cooperativas vêm tentando diversas respostas às novas
condições de mercado, incluindo aí a disponibilização de aplicativos “proprietários”, limitados aos
seus cooperados e clientes fidelizados. A Associação de Rádio-Táxis de São Paulo desenvolveu
aplicativos para suas filiadas, como a Use Táxi, Expotaxi ou Coopertax, todos com o final
“Taxidigital”. No Rio de Janeiro, algumas cooperativas também se movimentaram, como a Central
Coop Rio de Janeiro, que, apesar de não ter um site (só uma página no Facebook), desenvolveu seu
app, chamado “RiodeJaneiro”.
A história do 99Taxis
A ideia do 99Taxis surgiu no início de 2012, em uma viagem à Alemanha feita por Ariel
Lambrecht, um dos três sócios fundadores da empresa. Na ocasião, ele teve o seu primeiro contato
8
http://www.adetax.com.br/index.php/sobre-a-adetax/historico-das-frotas/
9
Associação de Rádio-Táxis Paulista
10
http://veja.abril.com.br/noticia/economia/aplicativos-para-taxi-atraem-fundos-passageiros-e-negocios/
14. 6
99TAXIS: INOVAÇÃO EM MOBILIDADE E GERAÇÃO DE VALOR
Marina Amado Bahia Gama, Servio Tulio Prado Junior, Cyntia Vilasboas Calixto
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um aplicativo para chamada de táxis, o GetTaxi. Ainda na Alemanha, ligou para Renato Freitas, seu
parceiro em diversos outros desenvolvimentos desde os tempos na Escola Politécnica da USP,
começando ambos a imediatamente desenvolver o protótipo do que seria o aplicativo que hoje lidera
a categoria no mercado brasileiro.
A estrutura de programação, que permitiu que todas as demais funcionalidades hoje
disponíveis no 99Taxis evoluíssem – o protótipo levou 15 dias para ser concluído, em abril de 2012
–, ainda é a idealizada nesse momento inicial. Essa capacidade em desenvolver internamente a
tecnologia essencial ao negócio é possivelmente um dos elementos mais determinantes na trajetória
competitiva que a empresa vem desenvolvendo.
Antes disso, em 2006 e ainda estudantes, Ariel e Renato tiveram a ideia de desenvolver um
site que eliminasse o volume de cópias xerográficas que eram obrigados a providenciar
semestralmente. O site, que permanece ativo e se chama Ebah, atingiu os 10 milhões usuários por
mês ainda no período em que esteve sob o controle da dupla.
Em 2007, Ariel partiu para a Irlanda, onde trabalhou na Google por três anos, focado na área
de produtos, que será também a sua principal atribuição no 99Taxis. Já Renato, que por anos fez a
administração direta do Ebah, veio a ser ali o principal responsável por programação e
desenvolvimento (Figura 5).
A trajetória de Paulo Veras é também a de alguém que desde o início esteve envolvido com
tecnologia e empreendedorismo, tendo se iniciado nesse caminho quase 10 anos antes que seus
futuros sócios, em um período em que quase ninguém no Brasil saberia dizer ao certo o que seria a
internet. Engenheiro mecatrônico igualmente graduado pela Poli, apenas seis meses após formado
deixou a segurança de uma carreira mais convencional – trabalhava na ABB, multinacional
especializada em tecnologias de energia e de automação – e deu início ao seu próprio negócio.
Assim, em 1995, criou com mais três sócios a Tesla, uma das primeiras empresas em serviços
de internet do País. Tendo sido o Chief Technology Officer (CTO) da Tesla, teve uma participação
bastante ativa na empresa até o aporte de venture capital em 2000, feito pelo Banco JPMorgan. Em
paralelo, Paulo também desenvolveu o Guia-SP, primeiro guia on-line do País, vendido em 2001
para o StarMedia Group, na época um dos maiores grupos mundiais em mídia digital.
Em 2000, Paulo buscou ampliar seu repertório também em termos de estratégia e gestão,
seguindo para um MBA no Insead. Com a conclusão do curso e a crise da Nasdaq, resolveu viajar
pelo mundo e expandir ainda mais seus horizontes. Em novembro de 2002, retornou ao País e
escreveu um livro sobre a bolha da internet no Brasil. Em 2003, engajou-se como consultor na
Gradus, empresa que na época atendia a clientes como Ambev e GP Investimentos. Em 2005,
assumiu a posição de diretor geral na Endeavor, onde ficou por cerca de quatro anos e meio. Em
2009, foi o ganhador do Prêmio “Faz Diferença”, uma iniciativa do jornal O Globo para premiar
aqueles que trabalham para mudar o País. Nesse mesmo ano, resolveu retornar ao empreendedorismo
digital e fundou a produtora de vídeo Pixit, uma iniciativa muito bem-sucedida, vendida em 2012
para o grupo de comunicação @titude global. Em 2010, lançou um site de compras coletivas, o
Imperdível, um dos primeiros do País, negócio que teve um crescimento muito rápido nos primeiros
seis meses, e que nos seis meses seguintes extinguiu-se. Por fim, imediatamente antes de entrar para
a sociedade na 99Taxis, fundou o Guidu – um aplicativo de bares, baladas e restaurantes que buscava
integrar diversos programas de fidelização. O Guidu ainda está em funcionamento, operando como
um guia colaborativo e programa de fidelidade (Figura 6).
Em abril de 2012, Ariel e o Renato – que já conheciam Paulo a partir de um evento realizado
pela Endeavor em 2010 – o convidaram para uma apresentação do protótipo do 99Taxis. Na ocasião,
utilizaram dois celulares – um simulando o aparelho do taxista e o outro, o do cliente – e mostraram
o sistema funcionando. A proposta ali era a de estruturar uma startup e colocar Paulo como um dos
sócios.
15. 7
99TAXIS: INOVAÇÃO EM MOBILIDADE E GERAÇÃO DE VALOR
Marina Amado Bahia Gama, Servio Tulio Prado Junior, Cyntia Vilasboas Calixto
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Nesse primeiro momento, Paulo recusou a oferta, por não sentir ser o momento para uma
nova empreitada. No entanto, Renato e Ariel insistiram e acabaram convencendo-o de que o negócio
não envolvia maiores riscos, já que ambos trabalhariam sozinhos no desenvolvimento do aplicativo,
não havendo grandes necessidades de recursos. Renato ficaria com a programação, Ariel, com o
comercial e Paulo, com o desenvolvimento da estratégia e modelo de negócios. Combinaram então
que tentariam pôr a operação de pé até o final de 2012, e que depois disso veriam o que deveria ser
feito. As primeiras corridas começaram em agosto de 2012, numa escala obviamente muito pequena,
mas que já foi capaz de sinalizar uma boa resposta por parte do público usuário. Com esse retorno,
decidiram pela continuidade do trabalho, trazendo a empresa, em pouco mais de dois anos, à posição
de liderança11
. A competência da empresa no desenvolvimento de código e programação foi,
conforme anteriormente colocado, o alicerce da sua capacidade de inovação em fluxo constante.
Desde que foi lançada, tem implementado diversas funcionalidades adicionais no aplicativo, focadas
em vários aspectos da experiência de passageiros e taxistas.
Uma primeira preocupação era sempre a questão da segurança – é fundamental assegurar que
os dados do cliente não serão utilizados para outros fins que não a própria corrida de táxi. Alguns
aplicativos concorrentes têm enfrentados sérios problemas por não possuírem recursos semelhantes.
Outros aspectos envolvem, por exemplo, acionar apenas os táxis que estejam mais próximos
de onde o passageiro se encontra – uma prerrogativa de quem tem uma maior densidade relativa de
motoristas cadastrados –, evitando que a corrida seja aceita por um motorista que esteja mais distante,
o que necessariamente implica um tempo de atendimento de chamada maior. Também sob a
perspectiva dos taxistas, a preocupação com as condições de prestação do serviço é constante – por
exemplo, um cliente pode ser deixado fora do ar por horas, caso exceda um limite de cancelamentos
em sequência em um dado período.
Um elemento importante foi a implementação do PayPal em táxis. Esse serviço é um real
diferencial quando comparado ao dos concorrentes. Atualmente as outras empresas do segmento
utilizam aplicativos de meios de pagamento que dependem exclusivamente da internet. Já o serviço
utilizado pela 99Taxis tem autonomia de funcionar sem a conexão ativa no momento da transação,
sendo o pagamento concluído em até 10 segundos.
Em 2014, a 99Taxis lançou seu sistema de atendimento corporativo, tendo fechado acordos
com mais de 500 empresas. Enxerga-se aqui o potencial de uma interessante fonte de retorno para o
aplicativo. Todas as corridas são pagas por meio do aplicativo, tanto por pessoas físicas quanto
jurídicas, gerando uma comissão de 9% do valor da corrida, descontados diretamente do taxista. Nos
clientes corporativos, a empresa recebe adicionalmente R$ 2,00 para cada passageiro transportado.
Como contrapartida, a 99Taxis, além da simplicidade no uso do serviço, disponibiliza também às
empresas um sistema de monitoramento mensal de despesas, contribuindo para a redução de custos e
ampliação do controle sob o real uso de táxi por parte de funcionários.
Rodadas de investimento
A primeira rodada de investimentos recebida pela 99Taxis foi em 2013. Era sabido pelos
sócios que, para manter-se competitivo, era necessário expandir o negócio. A empresa queria
“preencher” o mapa do Brasil com sua capilaridade, expandindo suas atividades por todo o território
nacional. Nessa época, São Paulo já representava 55% das corridas de táxis. Os fundos de venture
capital que primeiro investiram na empresa foram Qualcomm Ventures e Monashees Capital.
Dada a contínua necessidade de crescimento, em fevereiro de 2014, mais uma rodada de
investimentos se fez necessária. Da mesma forma que em 2013, Qualcomm Ventures e Monashees
Capital aportaram o capital, dessa vez a partir de um instrumento de dívida conversível. Buscavam-
11
https://glamurama.uol.com.br/poder-os-altos-e-baixos-de-paulo-veras-homem-por-tras-da-99taxis/
16. 8
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se recursos para um incremento nos esforços comerciais necessários para ampliação do volume de
corridas realizadas. Para ocupar as cidades em que ainda não atuava, a 99Taxis enviava seu
profissional de vendas numa atuação direta no campo, ou seja, estabelecer o contato taxista a taxista,
nos pontos, nas ruas, nas rodoviárias e praças.
Em janeiro de 2015, deu-se a terceira rodada de investimento, já mais ambiciosa. Foi liderada
pelo Tiger Global Management e incluiu também a participação do Monashees e Qualcomm.
Buscava-se agora o descolamento dos concorrentes e a conquista da posição dominante de mercado.
Com os recursos aportados, tornou-se viável uma atuação mais efetiva em termos de marketing –
ações mais abrangentes como a propaganda em rádio, outdoors e internet passam a ser encaminhadas
– e reduziu-se o papel desempenhado pelo corpo a corpo no campo. Além disso, a terceira rodada
visava incrementar o desenvolvimento de novos produtos e o aprimoramento dos serviços prestados,
assegurando a manutenção do fluxo de inovações da empresa.
A quarta rodada de aportes ocorreu em abril de 2015, replicando a estrutura com o Tiger
Global Management, Qualcomm Ventures e Monashees Capital. Essa rodada se caracterizou como
uma continuação natural do aporte anterior, só que agora direcionada à melhoria na estrutura da
empresa em termos de equipe para que a 99Taxis conseguisse alcançar também a liderança no
mercado nacional12
. A empresa abriu escritórios em Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Fortaleza, Recife e Salvador. O plano era reforçar a publicidade e ampliar ainda mais a
porcentagem de brasileiros que usam aplicativo para pegar táxi.
Em janeiro de 2017, a empresa chinesa DiDi comprou uma participação minoritária da
99Taxis, para em janeiro de 2018 adquirir 100% da empresa. Com isso, a 99Taxis se tornou a maior
plataforma de transporte por celular do mundo, que atinge mais de 60% da população mundial e
cobre mais de mil cidades com seu serviço de mobilidade. A 99Taxis desenvolveu categorias
diferentes de serviços, que vão desde o 99Pop, com motoristas particulares em diversas cidades, até
o 99Táxi, presente em todo o Brasil no modo tarifa cheia e desconto, que oferece a comodidade do
táxi com valores até 30% mais baixos, e o 99Top, um serviço premium com táxis de luxo. Assim, no
Brasil, passaram a conectar 18 milhões de passageiros a 600 mil motoristas13
. Na China, a DiDi,
oferece além dos táxis, transporte com carros particulares e ônibus compartilhados, além de aluguel
de carros, test drive de veículos e transporte corporativo. Em agosto de 2017, a DiDi adquiriu o
controle da operação chinesa da Uber. Pelo acordo fechado entre as duas empresas, as duas marcas
continuariam existindo e a Uber teria uma fatia de 5,89% na nova companhia. Já em dezembro de
2017, a chinesa recebeu um investimento de US$ 4 bilhões da companhia japonesa Softbank e do
Mubadala, fundo estatal de Abu Dhabi. A Softbank também tinha feito um investimento na
concorrente Uber, com a compra de uma participação de 17,5%14
.
A disrupção na disrupção
A chegada da Uber ao Brasil acrescentou um elemento disruptivo adicional no que já era uma
dinâmica de mercado profundamente indefinida. Baseado em um modelo de negócios controverso,
não se apresentando no Brasil como um aplicativo de táxi, e sim como um recurso para o transporte
individual privado, a Uber está presente em 600 cidades, atualmente a plataforma conta com 75
milhões de usuários, 3 milhões de motoristas parceiros e realiza cerca de 15 milhões de viagens por
dia15
.
A Uber criou uma tecnologia capaz de conectar motoristas particulares a prospectivos
clientes. Assim, qualquer pessoa física que atenda os critérios determinados pela empresa – é sempre
12
http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/99taxis-promete-distribuicao-inteligente-de-taxistas/
13
https://99app.com/sobre-a-99/
14
https://exame.abril.com.br/negocios/rival-da-uber-compra-a-99-1-unicornio-brasileiro/
15
https://canaltech.com.br/empresa/uber/
17. 9
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feita uma análise dos antecedentes criminais do motorista, que deve ter carteira de habilitação
profissional e veículo próprio, além de seguro do veículo e para passageiros – pode ser um motorista
credenciado à Uber.
A Uber16
se define publicamente como uma empresa de tecnologia que criou uma plataforma
inovadora para ligar as duas pontas de uma interação: “passageiro em busca de transporte confiável e
motoristas autônomos”. A empresa reconhece, contudo, que o tipo de inovação inerente ao seu
modelo de negócio ainda demandaria a devida regulamentação em nosso país.
Em abril de 2015, foi aprovada uma liminar proibindo a Uber de atuar no território brasileiro.
No Brasil, como em diversas outras partes do mundo, a esperada resistência por parte dos
incumbentes tem sido ferrenha17
. Entre os players do setor, Uber é visto como concorrência desleal,
uma vez que atua como se fossem motoristas particulares, os motoristas não têm alvará para atuar
(Figura 7).
Portanto, está a empresa requerida prestando um serviço clandestino, ao que
parece. Isso porque o art. 1º da Resolução nº 4287-14 da Agência Nacional de
Transporte Terrestres – ANTT entende por "serviço clandestino o transporte
remunerado de pessoas, realizado por pessoa física ou jurídica, sem
autorização ou permissão do Poder Público competente18
.
No dia 30 de abril de 2015, a Câmara de São Paulo proibiu o aplicativo Uber de ser utilizado
na cidade. Foram convidados para a audiência o presidente da 99Taxis e o presidente da Easy Taxi,
diretamente interessados em acompanhar a situação do aplicativo no mercado.
Os episódios em que a empresa tem a sua a atuação proibida se espalham por diversos países.
A Uber já enfrentou sérios problemas na Alemanha, na Coreia do Sul e no Canadá. As justificativas
levantadas nesses países estão sempre relacionadas ao fato de o serviço ignorar as diversas
legislações vigentes no que diz respeito ao transporte de passageiros. Em Paris, a Uber foi multada
em € 1 milhão e é investigada por oferecer traslados que custam a partir de € 1 (R$ 3,43). Na
Alemanha, Portugal e Espanha, o aplicativo sofreu restrições na justiça, mas ainda opera em algumas
cidades.
Em contrapartida, na Ásia já se estabeleceu o concorrente Ola, que funciona de modo similar,
e nos Estados Unidos existe o Lyft. A pergunta que fica é se não seria a Uber uma precursora de um
caminho sem volta para o transporte privado.
Em maio de 2019, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal decidiram que as
prefeituras não poderiam proibir ou restringir o funcionamento dos apps de transporte. Mas
poderiam regulamentar, conforme a Lei n. 13.640, pedindo informações específicas dos motoristas e
passageiros, cobrar impostos ou exigir identificação. Em São Paulo, foi criada a exigência do
Conduapp para os motoristas de aplicativo (uma espécie de autorização para trabalhar).
Em março de 2020, estavam tramitando na Câmara de São Paulo duas propostas voltadas
para a limitação da circulação de motoristas por aplicativos e o benefício dos taxistas. Uma das
propostas tem como principal ideia limitar a circulação dos motoristas de aplicativos (PL n. 419/18).
Eu sou sim defensor dos taxistas, aliás eu considero os taxistas uma profissão
nobre. Sou neto de taxista, meu gabinete é temático, tem réplica do ponto do
meu avô. Eles (motoristas de apps) entraram em cima de uma profissão
acabando com o taxista, que é nobre” (Adilson Amadeu – Vereador)19
16
Folha de S. Paulo, 18 abr. 2015, p. A3.
17
http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/aplicativo-uber-de-caronas-inaugura-escritorio-no-brasil
18
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo . Comarca de São Paulo/Foro Central Cível. 12ª Vara Cível: Liminar Uber.
19
https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/03/09/nova-lei-nesta-semana-pode-afetar-apps-como-uber-em-sp-o-
que-esta-em-jogo.htm
18. 10
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Uma segunda proposta, menos radical, é o PL n. 421/15, que não limita o número de
motoristas de aplicativo, porém coloca a obrigação de o motorista ser microempreendedor individual
(MEI) ou ser optante pelo Simples Nacional. Os motoristas de aplicativo devem ficar sem rodar por
11 horas, a cada 8 horas de trabalho.
Se pautam uma lei que destrói o sistema, preciso repautar uma que reconstrói.
A regulamentação da cidade já é eficiente. Pode melhorar com elementos de
política pública para preencher mais os carros. É a seguinte lógica: como não
consigo capturar todo mundo no transporte público porque não tem volume
nem qualidade, precisa usar o carro com eficiência e compartilhar, seja no
modelo da Uber ou do Waze Carpool (Police Neto – Vereador)20
E o futuro?
O CEO da 99Taxis tem absoluta clareza de que a consolidação da liderança no mercado
brasileiro é fundamental para o sucesso da 99Taxis. Os elementos para isso envolvem a atração de
capital e a alocação otimizada dos recursos captados em um conjunto bastante específico de ações e
movimentos estratégicos. Sabe também que resultados financeiros concretos serão em breve
essenciais para a continuidade do fluxo de dinheiro do qual certamente ainda necessitará. Assim,
retorno financeiro e crescimento deverão, em algum momento, caminhar juntos. O que fazer para
demonstrar que sua empresa de fato caminha nessa direção? Como lidar com a questão da regulação?
20
https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/03/09/nova-lei-nesta-semana-pode-afetar-apps-como-uber-em-sp-o-
que-esta-em-jogo.htm
19. 11
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Figura 1. Acesso à internet Brasil e América Latina
Fonte: WeareSocial/eMarketer/Ericson
Figura 2. Frota de táxis nas capitais do Brasil/Número total de táxis em São Paulo
39.922 táxis São Paulo
30.362 pessoa física
3.560 pessoa jurídica (58 empresas)
Fonte: ADETAX
20. 12
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Figura 3. Frota de táxis em capitais no mundo
Fonte: http://worldpopulationreview.com
Figura 4. Frota de táxis por 100 mil de habitantes
Fonte: http://worldpopulationreview.com
Tabela 1. Valor médio da corrida de 3 km em diferentes países (2020)
Cidade Bandeira I (US$) Bandeira II (US$)
Paris 8.33 13.89
Nova Iorque 7.00 12.00
São Paulo 4.25 5.08
Rio de Janeiro 3.78 5.19
Cidade do México 1.22 2.03
Fonte: http://euquerotrabalho.com/as-cidades-com-os-taxis-mais-caros-do-mundo.html
21. 13
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Marina Amado Bahia Gama, Servio Tulio Prado Junior, Cyntia Vilasboas Calixto
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Figura 5. Trajetória Renato e Ariel
Fonte: elaboração própria
Figura 6. Trajetória Paulo
Fonte: elaboração própria
22. 14
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Marina Amado Bahia Gama, Servio Tulio Prado Junior, Cyntia Vilasboas Calixto
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Figura 7. Taxistas x Uber: O que diz a lei?
Fonte: Folha de S. Paulo, 17 mai 2015
24. 2
HOMENS DE NEGÓCIOS NO SÉCULO XXI: TRÊS POSSIBILIDADES EM PERSPECTIVA
Rodrigo Guimarães Motta, Maria Amélia Jundurian Corá
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Este caso de ensino apresenta a trajetória de três homens de negócios, Manoel, Leandro e
Joverley, provenientes de diferentes regiões brasileiras, que construíram suas carreiras profissionais
em empresas ao longo das últimas décadas. Decorrente de trajetórias de vida e vivências de percurso
diferenciadas, a formação acadêmica e profissional de cada um foi bastante díspar. Apesar dessas
diferenças, todos perseveraram, seja em seus próprios negócios ou em grandes empresas e atingiram
posições de destaque no ambiente corporativo. Seu objetivo é estimular o entendimento de quem são
os homens de negócios, em especial, os executivos brasileiros e, a partir da definição de tipo ideal de
Weber refletir sobre os tipos ideais de homens de negócios contemporâneos. Outra contribuição
deste caso de ensino é introduzir os princípios da sociologia disposicionalista, em especial os
conceitos elaborados por um de seus principais autores, Pierre Bourdieu. A última contribuição do
caso de ensino é incentivar o aluno a refletir sobre sua própria trajetória e descobrir qual tipo de
homem de negócios mais se aproxima da sua própria história. Formado para os negócios?
Ascendente social por meio dos negócios? Herdeiro da tradição do comércio?
Manoel
Manoel Antônio Ribeiro Machado nasceu na cidade de São Paulo, no final da década de
1950. O mais novo de três irmãos, sua família era de uma sólida classe média, descendente de
portugueses. Seu pai era delegado de polícia e sua mãe, até o falecimento do marido aos 40 anos,
administrava o lar. Depois disso, passou a trabalhar como corretora de imóveis. O pai e a mãe
incutiram em Manoel uma disciplina muito rígida e o impulsionaram rumo aos estudos. Assim
cursou colégios tradicionais, aprendeu inglês.
Com todo o apoio do pai, que sonhava ter um filho militar, Manoel cursou o segundo grau na
Escola Preparatória de Cadetes do Exército (Especx) por acreditar, naquele momento, que a carreira
militar seria uma profissão de maior potencial e prestígio. Ao concluir o curso, porém, optou por não
dar continuidade à carreira militar, muito influenciado pelo falecimento de seu pai.
Ouso dizer que a morte dele permitiu que não tivesse que enfrentá-lo com a
minha decisão em não ser um militar e seguir uma carreira nos negócios.
Meu pai tinha essa fixação com a carreira militar, o sonho dele era ter sido
militar, que para a época em que viveu era o máximo. Mas minha mãe
sempre apoiou minhas escolhas e nunca me dirigiu para um lado ou para
outro. Foi assim que, naquele momento, decidi cursar Administração de
Empresas.
Realizou, então, um curso de computação e começou a trabalhar com programação, uma
atividade em ascensão na época, ainda sem ter entrado na faculdade. Prestou vestibular para a Escola
de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP – FGV),
considerada uma das melhores escolas do Brasil. Decidiu realizar o curso noturno a fim de trabalhar
durante o dia e ganhar dinheiro, sua primeira grande ambição, motivado pelas histórias de
empresários e executivos de sucesso a que assistia em programas, aprofundava-se em leituras ou em
conversas com amigos.
Ainda quando cursava os primeiros anos do curso de Administração foi trabalhar na Arthur
Andersen, uma empresa de auditoria e consultoria. Após se formar, foi admitido na área de
marketing da Johnson & Johnson, uma empresa na qual todos os jovens executivos nos anos 1980
almejavam trabalhar. Nessa empresa, chegou ao cargo de gerente de grupo de produtos, tendo
inclusive morado um ano e meio nos Estados Unidos, experiência que a organização oferecia aos
seus melhores talentos.
Com uma carreira em ascensão, foi procurado pela Procter & Gamble, que no início da
década de 1990 havia acabado de entrar no Brasil, adquirindo a tradicional empresa Phebo, para
25. 3
HOMENS DE NEGÓCIOS NO SÉCULO XXI: TRÊS POSSIBILIDADES EM PERSPECTIVA
Rodrigo Guimarães Motta, Maria Amélia Jundurian Corá
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assumir uma gerência no departamento de marketing. Atraído pelo desafio, Manoel aceitou e mudou
de empresa. Nessa empresa, trabalhou não apenas na área de marketing, como também na área de
vendas, sempre com resultados de destaque. Formou muitos profissionais, que não só contribuíram
para o seu sucesso, mas, também, mais tarde se uniram a ele em outros projetos profissionais.
Manoel, mesmo sendo bastante jovem, diante da sua trajetória profissional, foi procurado
pela fabricante italiana de chocolates Ferrero para abrir a operação da empresa no Brasil. Após
conhecer a empresa, os produtos e a família proprietária do negócio, decidiu aceitar o desafio, em
1994. Nos anos seguintes, a Ferrero, sob a liderança de Manoel, formou um time com muitos dos
profissionais que haviam trabalhado com ele em outras empresas, e lançou produtos que foram muito
bem-sucedidos no mercado, como Kinder Ovo, Ferrero Rocher, Tic Tac e Nutella.
Esses resultados fizeram com que outras empresas passassem a prospectar o executivo,
oportunizando, dessa forma, que chegasse a presidir outras empresas de renome, como a Danone e a
Kimberly Clark.
No início dos anos 2000, com uma carreira consolidada, decidiu reciclar seus conhecimentos
e ampliar horizontes. Foi assim que se mudou para Londres, onde fez mestrado em Administração na
conceituada London Business School.
Sempre fui muito dedicado ao trabalho e compromissos com a minha
formação, mas também aproveitei a vida. A oportunidade de estudar fora do
país permitiu que eu pudesse conciliar esses múltiplos interesses: estudei o
estado da arte da administração da época, morei fora com minha família por
algum tempo e viajamos muito, sempre que possível nesse período, já que
estávamos vivendo na Europa.
Após retornar ao Brasil, passou a dar aulas em cursos de pós-graduação em Administração de
Empresas e realizou consultorias para importantes empresas, com destaque para a PomPom (que
produzia, entre outros bens de consumo não duráveis, fraldas descartáveis). Dedicado a aulas e
consultorias, surgiu uma oportunidade profissional diferente.
Mudou de ramo e se tornou empresário quando, a convite de um amigo, tornou-se seu sócio e
passou a administrar a Unotech, empresa que comercializa lubrificantes para a indústria pesada. A
família também progrediu nesse período: seus filhos, do primeiro casamento, se formaram em direito
e engenharia e iniciaram suas carreiras profissionais, e Nora, sua atual esposa, ocupou cargos de
liderança em empresas multinacionais de bens de consumo, como a Pepsico.
Em 2017, Manoel foi convidado a presidir a Enova Foods, empresa que pertence a dois
fundos de investimento e atua nas categorias de refrescos em pó, snacks e barras de nuts. Durante os
anos seguintes, novamente se cercou de pessoas de sua confiança, com experiência comprovada, e
liderou a empresa rumo à profissionalização e consolidação no mercado.
Tendo concluído essa segunda experiência como executivo no primeiro semestre de 2020,
seu próximo passo de carreira é atuar em conselhos de administração. Sua filha mais nova já está na
universidade, cursando Administração de Empresas, e Nora presta consultoria. Nesse novo momento
de vida, Manoel planeja seu próximo passo na carreira, ao mesmo tempo que se dedica com afinco
aos seus passatempos preferidos: viajar, cozinhar e preparar cervejas artesanais. Relata Manoel:
Tenho conhecimentos de estratégia e operações em diversos segmentos de
negócios, nos quais atuei como empresário e executivo, e experiência
profissional e acadêmica suficiente para contribuir com empresas que
buscam posições de destaque no Brasil. Já vi e fiz muitas histórias de sucesso
no mundo empresarial, errei também. Em conselhos de administração possuo
muita energia para oferecer. Estou muito entusiasmado com o que vem pela
frente.
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Leandro
Leandro Pereira de Lacerda nasceu no interior do estado do Paraná, na pequena cidade de
Tijucas do Sul, mas, ainda criança, a família se mudou para São José dos Pinhais. De origem muito
humilde, seu pai era lavrador e sua mãe administrava o lar. Leandro é o filho mais novo da família, e
tem três irmãos mais velhos. Algumas vezes Leandro ajudava seu pai, que sempre dizia, com muito
orgulho, que seu filho era muito bom com as contas. Seus pais incutiram nos filhos a importância de
ser alguém que tivesse valores bem estabelecidos, os quais eles acreditavam ser imprescindíveis para
que seus filhos tivessem uma vida ainda melhor que a deles.
Acho que meus pais sempre esperaram que eu seguisse seus valores. Ser
alguém honesto, leal, que valoriza e apoia a família no que for necessário. E
também alguém que fosse trabalhador, comprometido com seu emprego.
Minha mãe sempre usa esse termo quando se refere a minha trajetória de vida,
e por esse depoimento, posso ver o quanto ela está orgulhosa do que construí
com o apoio deles.
Quando criança, ainda com dez anos, seu pai faleceu de câncer e a mãe teve que trabalhar
como diarista para sustentar a casa e oferecer condições mínimas e dignas para que os seus quatro
filhos estudassem. Apesar de ambos os pais não terem concluído o primeiro grau, o sonho deles era
que os filhos estudassem, se formassem no colégio e quem sabe na faculdade. Mesmo com os filhos
estudando em colégios públicos, a mãe das crianças tinha muita dificuldade para pagar todas as
contas, afinal eram cinco pessoas dependendo do seu salário. Mesmo assim, continuou incentivando
os filhos a estudar, algo que via como fundamental para que eles progredissem econômica e
socialmente.
Foi por essa necessidade familiar, para ajudar a reduzir as despesas familiares, que Leandro
entrou no programa de menor aprendiz aos quinze anos e começou sua carreira profissional muito
jovem, na tradicional empresa paranaense Nutrimental, fabricante de barras, refrescos em pó e
farinhas modificadas, localizada em São José dos Pinhais. Nunca teve dúvidas de que deveria
estudar, para apoiar a família e ter um futuro melhor para si e para aqueles próximos a ele.
Na Nutrimental, Leandro construiu sua carreira, passando por diversas áreas, como finanças,
Administração de vendas e trade marketing. Simultaneamente, concluiu o segundo grau e,
incentivado pelos seus colegas de trabalho, que percebiam a sua capacidade matemática e seu
raciocínio lógico, estudou administração de empresas. Não foi uma decisão simples, pois apesar do
seu precoce destaque profissional na administração, gostava de ler, de explorar novos campos de
conhecimento. Chegou a pensar em cursar jornalismo, mas mentores e amigos acabaram por
convencê-lo a seguir a carreira de administrador.
Por outro lado, permaneceu sua curiosidade por outros temas, e complementou sua formação
acadêmica com estudos livres sobre filosofia, sua paixão, o que ampliou sua capacidade de analisar
desafios complexos e buscar soluções inovadoras e lógicas, fortalecendo suas habilidades como
gestor.
Sua experiência profissional combinada com a experiência acadêmica permitiu a Leandro
desenvolver uma capacidade analítica, que não só o capacitava a compreender a dinâmica da
empresa como um todo, como também a encontrar oportunidades de negócios e soluções para muitos
problemas.
Sempre muito talentoso, contou também com gestores que enxergaram seu potencial e
apoiaram o seu desenvolvimento, oferecendo constantemente novos desafios e propondo cursos e
estudos complementares. Isso chamou a atenção da diretoria da Nutrimental, e ele passou a realizar a
gestão do desempenho dos indicadores da empresa, reportando-se ao próprio presidente, que
analisava os indicadores regularmente junto com os demais diretores. Isso com apenas 25 anos.
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Profissionalmente, eu me deparei em minha primeira experiência profissional
na Nutrimental com algumas figuras que me inspiraram na minha formação.
A primeira pessoa que me inspirou e me deu oportunidades foi um gestor que
tive, que acreditou em mim, criou oportunidades e atuou no meu
desenvolvimento. Depois me deparei com outro gestor que me colocou
desafios ainda maiores, acreditou em mim. E meu terceiro incentivador foi
aquele que mais tarde me convidou a desenvolver também projetos de
consultoria. Hoje me considero um profissional multidisciplinar e cada uma
dessas pessoas desempenhou o seu papel na minha formação.
Pessoalmente, Leandro se casou com Paloma, atualmente estudante de pedagogia, e, junto
com ela, realizava trabalhos sociais na Cia da FelizCidade, na qual coordenava um grupo de
palhaços voluntários que visitavam os pacientes internados no Hospital e Maternidade Municipal de
São José dos Pinhais, para oferecer uma experiência leve e divertida àqueles que estavam passando
por um tratamento de saúde penoso.
Com muita experiência, apesar da idade, e com sua vida familiar estabilizada, Leandro sentiu
vontade de retomar os estudos, fazendo seu curso de mestrado. A oportunidade surgiu quando um
ex-colega e amigo, Rodrigo, que trabalhou na Nutrimental, o convidou para desenvolver projetos de
consultoria na RGMotta Consultoria de Impacto.
Leandro se entusiasmou com a possibilidade, pediu demissão da Nutrimental, no final de
2016, e começou a realizar consultoria nas áreas em que possuía experiência, para empresas de
diversos segmentos de negócios, tais como White Wave, Diletto, Flora, Enova Foods, Vita
Ortopedia e Reabilitação, Roots to Go, Lowko.
Ao mesmo tempo que desenvolvia esses projetos, sempre com resultados reconhecidos pelos
clientes, foi admitido no mestrado em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
PUC-PR. O sucesso obtido com os trabalhos de consultoria despertou a atenção das empresas com as
quais Leandro trabalhava e, quando concluiu o mestrado, em 2019, foi convidado a assumir a
gerência financeira de uma das empresas para as quais prestava consultoria, o Vita Ortopedia e
Reabilitação, uma empresa sediada em São Paulo, que oferece serviços ortopédicos e de fisioterapia.
Leandro aceitou o desafio, que o entusiasmou não somente pelo cargo e pelas condições de
trabalho, mas também porque o Vita trabalha na área de saúde, algo bem diferente da sua experiência
pregressa como executivo. O único inconveniente era a empresa sediada em São Paulo, e Leandro
ainda morava com sua esposa em São José dos Pinhais. Após uma conversa, o casal concordou que a
mudança seria uma excelente oportunidade de crescimento tanto pessoal quanto profissional.
Atualmente, Leandro trabalha em São Paulo, e segue entregando resultados sólidos para os
acionistas, conseguindo fazer boa gestão profissional e a expansão das suas unidades de negócios.
Ele se sente muito feliz com isso, e aproveita também as horas vagas e os finais de semana para
conhecer mais a cidade, junto com sua esposa. Tem também preparado artigos acadêmicos, a partir
da pesquisa de sua dissertação de mestrado.
Me sinto muito motivado com minha situação atual, parece que tudo o que
aprendi ao longo de quinze anos de atuação profissional está sendo útil.
Espero que o Vita continue crescendo cada vez mais e que eu possa crescer
junto com o negócio. Assim poderei ajudar minha mãe, que ainda mora no
Paraná, a adquirir um imóvel em São Paulo, quem sabe em 2021 ou 2022
ingressar no doutorado...e em algum momento ter filhos.
Joverley
Joverley de Paula ainda muito jovem se mudou com sua família para Monte Azul, no norte
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do estado de Minas Gerais, em meados da década de 1970. Foi o filho caçula, tendo quatro irmãos
mais velhos. Sua família era muito tradicional na região, tanto por parte de pai, quanto por parte de
mãe. Enquanto as mulheres se dedicavam ao magistério ou administravam o lar, os homens tinham
seus próprios estabelecimentos comerciais ou trabalhavam como funcionários públicos. Uma
tragédia ocorreu quando Joverley tinha apenas um mês de vida: seu pai, com 33 anos, foi
assassinado por um adversário político.
Sua mãe, viúva e com cinco filhos para criar, passou a ministrar aulas, além de receber apoio
financeiro de seu pai que gozava de uma boa situação econômica, obtida através do trabalho no
supermercado da família, na cidade de Ceilândia, no Distrito Federal.
Mais tarde, Joverley se mudou com a família para Montes Claros, também no norte de Minas.
À medida que crescia, cursava o colégio em Montes Claros e passava alguns dias das suas férias
escolares em Ceilândia, com o avô materno, aprendendo a trabalhar com seus parentes, tanto no
supermercado como em outros negócios que a família possuía. Após concluir o segundo grau, morou
três anos com sua família no Distrito Federal.
Eu já conhecia como funcionava o supermercado, mas quando passei mais
tempo lá, após ter concluído o colégio, entendi como funcionavam todas as
áreas, passei a trabalhar com os meus tios e primos e logo eu estava atuando
em todas os departamentos da empresa. Pude ajudar com compras,
administração, gestão de pessoas, promoções de vendas, eu fazia de tudo um
pouco e, assim, não só ajudei o negócio a crescer, como me formei um
comerciante.
Joverley não demonstrou interesse cursar uma faculdade, ainda que uma de suas irmãs
insistisse e o houvesse apoiado a realizar um cursinho preparatório, na cidade de Curitiba, onde ela
morava na época. Joverley se mudou para lá e continuou os estudos, mas sem o mesmo entusiasmo
que demonstrou para ajudar no supermercado. Ele queria trabalhar, ter o seu próprio negócio, assim
como seus familiares no Distrito Federal. Comprar e vender era algo que ele acreditava ter nascido
para fazer, um dom. Tinha uma influência muito forte dos exemplos familiares, e, além do mais, era
algo que ele sabia fazer e que acreditava que poderia aproximá-lo mais rapidamente da realização
dos seus sonhos.
Eu já estava matriculado para prestar o vestibular na Universidade Federal do
Paraná, era um excelente aluno no cursinho e estava confiante para ser
aprovado na UFPR, mas se eu fosse estudar quatro anos na faculdade, para
depois trabalhar em uma empresa, eu iria demorar muito para conquistar o
que eu queria. Naquele momento tinha muitos sonhos, queria ter uma moto,
um carro, viajar pelo Brasil, e a trilha convencional de estudar e depois
trabalhar me pareceu muito longa e pouco atraente, afinal eu já estava com
mais de 20 anos. E queria trabalhar para poder conquistar aquilo que
desejava.
Enquanto estudava no cursinho preparatório, trabalhou em uma imobiliária de Curitiba e
economizou dinheiro ao longo de um semestre. Voltou para Montes Claros e, com o dinheiro
economizado, iniciou a compra de computadores usados, que recebiam manutenção, para em seguida
revendê-los a empresas e pessoas. O bom resultado das primeiras vendas, a princípio feitas na casa
de sua mãe e depois em uma sala alugada (os produtos eram divulgados em jornais especializados),
permitiu que ele abrisse uma loja, a fim de comercializar os computadores. Dessa forma, seu negócio
prosperou e ele logo obteve independência financeira de sua família, em especial da mãe, que
sempre esteve ao seu lado e o apoiou quando necessário.
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Nesse período, Montes Claros apresentava um bom desenvolvimento econômico, o que
contribuiu para que os negócios continuassem crescendo. Nessa época, Joverley havia construído
uma casa para morar, mas tão logo a concluiu, recebeu uma proposta de uma pessoa interessada em
comprá-la, e o imóvel foi vendido. Atento às movimentações econômicas e sociais, e sempre em
busca de oportunidades para iniciar novos negócios, viu que a cidade e seus moradores estavam
receptivos a empreendimentos imobiliários e decidiu expandir sua atuação, abrindo uma construtora,
com a intenção de oferecer alternativas para comércio e residência àqueles que, como ele, estivessem
se beneficiando do desenvolvimento da cidade.
O sucesso desse empreendimento acabou estimulando-o a encerrar seu negócio na área de
computadores, que também enfrentava à época a concorrência de varejistas nacionais que haviam se
estabelecido na cidade, vendendo computadores com preços competitivos e em múltiplas parcelas do
cartão de crédito, e se dedicar integralmente à construtora.
Como adquiria muitos materiais de construção para as obras em que estava envolvido,
observou que a demanda desses produtos em sua cidade era maior do que a oferta e decidiu ampliar
sua atuação abrindo, então, uma loja de materiais de construção, o Depósito Amigão, que vendia os
produtos não apenas para sua própria construtora, mas também para o público em geral, que
estivesse construindo ou reformando seus imóveis.
Atualmente, vive com a esposa Bárbara, ela própria uma bem-sucedida comerciante, que
possui uma loja de roupas femininas no centro da cidade, e com sua filha Ana Laura. Sempre atento
aos seus negócios e às novas oportunidades, nas poucas horas vagas disponíveis que se apresentam,
aproveita para visitar os parentes e para viajar de carro pela região e para a praia, em estados
próximos, como a Bahia, junto com sua família. Joverley e Bárbara são muito determinados em seus
negócios e esperam, com sorte, desenvolvê-los, tendo como foco se aposentar até os 60 anos.
Dá muito trabalho cuidar de todos os negócios que administro, mas me
esforço muito para concluir os projetos da construtora com a maior qualidade
possível e com custos adequados, para oferecer uma excelente alternativa
imobiliária a um preço justo. Minha clientela reconhece isso, e a maior parte
dos novos clientes vem do boca a boca. Espero poder repetir o sucesso com o
Depósito Amigão. Sei que não é fácil, tenho que acordar cedo e trabalhar o
dia inteiro, mas isso é o que gosto, sei fazer e que poderá permitir que eu
realize os meus sonhos.
31. 2
CONSTRUTORA MEIRELES & SILVA: IMPACTO DO VIÉS INCONSCIENTE NA CARREIRA DAS MULHERES
Cristina Kerr de Barros Pereira, Gustavo Andrey de A. L. Fernandes
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ganhava o mesmo que um recém-formado foi chocante. Mas esse sentimento de indignação ficou
adormecido.
Em 20 anos, a construtora virara referência no País. Porém havia uma situação que sempre
incomodava Ricardo. Um padrão que vivenciara na faculdade e se repetia em todos os setores: só
havia homens na liderança, com apenas duas gerentes e uma diretora. Na escola de Engenharia, havia,
no máximo, seis mulheres numa turma com 100 alunos. Ricardo pensava que algo estava errado, mas
não compreendia o motivo pelo qual aquilo acontecia. Mas Alfonso parecia completamente desligado
quanto a essa situação.
Na semana seguinte, Ricardo foi a um evento sobre inovação e, no último dia, participou de
uma palestra sobre “Diversidade & inclusão nas empresas”. Diversos temas foram apresentados:
diversidade na liderança, equidade de gênero, viés de gênero, estereótipos, crenças e vieses
inconscientes. Ricardo, então, começou a descobrir o que estava errado com sua empresa. Quando a
palestra terminou, Ricardo foi falar com a especialista, Luanny.
Ricardo: Tudo isso tenho visto dentro da minha própria empresa. Apesar de bons resultados,
não temos inovado, e acho que poderíamos avançar mais se tivéssemos uma liderança mais diversa.
Luanny: Com certeza. Contudo, o primeiro passo é conscientizar a liderança. Sem o apoio e a
compreensão deles, as chances de implementar um programa de diversidade são pequenas. Não
podemos mudar se não soubermos onde está o problema. No caso da diversidade, o problema é mais
sutil, pois muitas vezes ocorre de maneira inconsciente. É o que chamamos de viés inconsciente.
Você sabia que a maioria das nossas decisões é tomada de maneira inconsciente?
Ricardo: Como assim, inconsciente?
Luanny: Por exemplo, na seção de vinhos do mercado toca uma música italiana. Só por isso,
aumentam as chances de você comprar um vinho italiano. Os mercados utilizam essa estratégia para
vender o vinho italiano, mas você não está consciente disso.
Ricardo: Ainda não consigo ver o impacto do inconsciente na questão do pequeno número de
mulheres em cargos de liderança na empresa.
Luanny: O poder do cérebro inconsciente, aliado com os estereótipos, crenças e
pressuposições que adquirimos durante nossa vida, dita a maneira de vermos o mundo. Vou fazer
uma pergunta e gostaria que você me respondesse com a primeira imagem que pensar. Descreva para
mim a figura de uma pessoa com o cargo de presidente de uma grande empresa.
Ricardo: Ele é um homem confiante, que inspira confiança nos outros. Ele tem seu escritório
em Nova Iorque com uma bela vista do Central Park. Ele usa um terno refinado...
Luanny: Pode parar. Você descreveu um homem, certo? Você jamais pensaria em uma
mulher.
Ricardo lembrou-se de sua mãe, do quanto era competente, mas nunca alcançou cargos de
liderança. Nesse momento, tudo ficou claro.
Ricardo: A imagem de uma mulher como presidente de sucesso sequer passou pela minha
mente. Por isso que há um número tão pequeno de mulheres estudando Engenharia e na minha
empresa. Provavelmente é por isso também que minha mãe nunca subiu de cargo na empresa.
Luanny: Você acaba de dar o primeiro passo em prol da diversidade de gênero. Existem
poucas mulheres na área de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, porque nossas meninas
escutam desde pequenas que não pertencem a essas áreas. Além disto, a maioria das referências nessa
área também é masculina. Isso acaba criando na mente das meninas, de modo inconsciente, a ideia de
que elas não pertencem a essas áreas, criando um estereótipo.
Ricardo: Haverá uma reunião com a diretoria da minha empresa, que é composta por mim,
meu sócio, oito diretores, sendo apenas uma mulher, para decidirmos as estratégias de gestão deste
ano. Gostaria de adicionar a pauta da diversidade e inclusão nessa reunião.
Luanny: Será uma honra participar dessa reunião.
32. 3
CONSTRUTORA MEIRELES & SILVA: IMPACTO DO VIÉS INCONSCIENTE NA CARREIRA DAS MULHERES
Cristina Kerr de Barros Pereira, Gustavo Andrey de A. L. Fernandes
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Na segunda-feira, Ricardo e Alfonso estavam conversando, e Ricardo aproveitou para falar
do tema.
Alfonso: Diversidade e inclusão? O que é isso?
Ricardo: É um dos assuntos mais importantes para as empresas atualmente. As grandes
multinacionais estão tratando desse tema por trazer mais resultado e inovação para as corporações.
Alfonso: Nunca ouvi falar disso.
Ricardo: Por exemplo, todos os colaboradores do Google participam de um treinamento de
conscientização sobre viés inconsciente e do programa de Valorização da Diversidade & Inclusão. A
Natura desenvolveu um plano para atingir a equidade de gênero e atingir 50% de mulheres em cargos
de liderança, ter 100% de equidade salarial entre homens e mulheres, e licença-paternidade de 40 dias
remunerada. Você já pensou por que será que havia um número tão pequeno de meninas estudando
Engenharia?
Alfonso: Porque Engenharia é coisa para homens.
Ricardo: Quem foi que disse que as mulheres não levam jeito para Engenharia?
Alfonso: Acho que os homens são mais racionais, corajosos e fortes. Esse sempre foi meu
modelo.
Ricardo: Mas isso não torna esse fato verdadeiro. Gostaria que você entendesse o que está
por trás desse pensamento. Seu pai e avô trabalharam duro a vida toda, provendo para a família. E
você também é o provedor da casa.
Alfonso: Exatamente. Meu avô e meu pai fizeram isso. Continuo no mesmo caminho, e até o
momento não tenho do que reclamar.
Ricardo: Sua filha está com 15 anos, certo?
Alfonso: Isso mesmo.
Ricardo conhecia Beatriz, a filha de seu melhor amigo. Ele sabia que Beatriz tinha uma
aptidão enorme para Exatas. E foi assim que conseguiu abrir os olhos de Alfonso.
Ricardo: Beatriz vai muito bem em Matemática, não é?
Alfonso: Sim, ela é a melhor da turma em Matemática, Física e Química.
Ricardo: Quando Beatriz estiver pronta para ingressar na faculdade e disser que quer ser
engenheira, você por acaso dirá a ela que isso não é para mulheres? Tenho certeza de que não. Mas
imagine quantas vezes nós escolhemos um engenheiro no lugar de uma engenheira baseados nas
crenças e estereótipos que formamos ao longo da vida. Isso é o que os especialistas chamam de viés
inconsciente. Eu conheci uma especialista no tema no evento da semana passada e a convidei para
participar da nossa próxima reunião. Assim, ela pode explicar a questão da diversidade e inclusão e
esclarecer nossas dúvidas.
Alfonso: Muito bem, Ricardo.
No dia da reunião, o primeiro tópico foi a promoção de um funcionário para ser gerente da
nova filial. Alfonso pediu indicações. Gregório, líder da área de Gestão de Projetos, recomendou um
candidato de sua equipe, Henrique, competente no que fazia, apresentava bons resultados, e acima de
tudo, tinham estudado na mesma instituição.
Fernando, outro líder, indicou Mauro e Barbara. Contudo, ao se referir à candidata, disse:
“Ela é competente, mas muito mandona e agressiva. Sempre tem que dar a última palavra. Penso que
Mauro seria melhor nessa posição, pois é mais fácil de trabalhar".
Cássio sugeriu Rosangela para o cargo. Ela era uma excelente funcionária, uma mulher negra,
que se destacava pelo seu conhecimento, proatividade e excelentes resultados. Contudo, tinha se
formado numa universidade que, segundo os outros líderes, não era de primeira linha, e foi
descartada.
Rogério indicou um jovem talento chamado Enzo. “Apesar da idade, 27 anos, ele é muito
inteligente e proativo. Não tem muita experiência, mas tem um grande futuro pela frente. É um líder