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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                              PRIMEIRA VERSÃO
                                                              ISSN 1517-5421            lathé biosa    145
     ANO III, Nº145 - MAIO - PORTO VELHO, 2004
                      VOLUME X

                       ISSN 1517-5421

                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
           ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC
                                                                         FLÁVIO DUTKA



Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times
New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”
           deverão ser encaminhados para e-mail:                O DISCURSO DA MODERNIDADE COMO
                     nilson@unir.br                            PRÁXIS: HABERMAS E A TEORIA CRÍTICA

                     CAIXA POSTAL 775
                     CEP: 78.900-970                                                              Tatiana Schor
                      PORTO VELHO-RO


                  TIRAGEM 200 EXEMPLARES



        EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
Tatiana Schor                                                                           O Discurso da Modernidade Como Práxis: Habermas e a Teoria Crítica
Economista e Mestra em Geografia Humana
schortatiana@bol.com.br



       Pretende-se mostrar neste artigo como o livro ‘O discurso filosófico da modernidade’1 de Jürgen Habermas pode ser analisado como uma retomada da Teoria
Crítica. Retomada a partir do texto de Horkheimer ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’2. E, mais que isso, como este livro de Habermas pode ser compreendido como
práxis no sentido elaborado por Horkheimer no texto já citado.
       Como práxis, a retomada da teoria crítica           poderá indicar um interessante caminho para a discussão acerca da interdisciplinaridade necessária para a
compreensão de objetos complexos tal como a questão ambiental.
       Antes de adentrar propriamente na argumentação principal é necessário explicitar o sentido de Teoria Crítica e práxis elaborado por Horkheimer. De maneira
simplificada, podemos entender a Teoria Crítica como sendo a análise teórica que, consciente de seu tempo e de sua especificidade histórica, toma uma postura
reflexiva (isto é, crítica) com relação a si mesma e aos objetos que busca analisar3. Percebe a não neutralidade da ciência e por isso pretende pô-la a favor da
mudança. Seus objetos de análise não são considerados como estanques, mas ao contrário, como objetos a serem mudados. Mudados para no limite deixarem de ser
objetos, abolindo com isso a separação sujeito-objeto tema clássico da ciência tradicional. Neste sentido, o papel do teórico e da teoria, pode ser, e é, crucial para a
mudança social, pois é ele quem desvendará o fetiche 4 que encobre as relações sociais possibilitando a emancipação e fará isso desvendando as ‘alienações’ teóricas
efetuadas pelos teóricos tradicionais5: esta seria sua práxis6.


1
  HABERMAS, Jürgen (1984: 2000). O discurso filosófico da modernidade. Editora Martins Fontes, São Paulo. (Tradução: Luiz Sérgio Repa e Rodnei Nascimento).
2
  HORKHEIMER, Max (1937; 1980). ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’ In: Textos Escolhidos, Coleção Os Pensadores, Editora Abril Cultural, São Paulo, pp 117-154. (Tradução: Edgard
Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha).
3
  “No pensamento sobre o homem, sujeito e objeto divergem um do outro; sua identidade se encontra no futuro e não no presente. O método que leva a isso pode ser designado
clareza, de acordo com a terminologia cartesiana, mas essa clareza significa, no pensamento efetivamente crítico, não apenas um processo lógico, mas também um processo histórico
concreto. Em seu percurso se modifica tanto a estrutura social em seu todo, como também a relação do teórico com a classe e com a sociedade em geral, ou seja, modifica-se o sujeito
e também o papel desempenhado pelo pensamento. A suposição da invariabilidade social da relação sujeito, teoria e objeto distingue a concepção cartesiana de qualquer tipo de lógica
dialética.” (Horkheimer, Max 1980:133)
4
  É interessante notar que este termo não é utilizado nem por Horkheimer no texto ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’ nem por Habermas.
5
  “(...) a função da teoria crítica torna-se clara se o teórico e sua atividade específica são considerados em unidade dinâmica com a classe dominada, de tal modo que a exposição das
contradições sociais não seja meramente uma expressão da situação histórica concreta, mas também uma expressão da situação histórico concreta, mas também um fator que estimula
e que transforma.” (Horkheimer, Max 1980:136)
6
  “A teoria crítica não tem, apesar de toda sua profunda compreensão dos fatos isolados e da conformidade de seus elementos com as teorias tradicionais mais avançadas, nenhuma
instância específica para si, a não ser os interesses ligados à própria teoria crítica de suprimir a dominação de classe. Essa formulação negativa, expressa abstratamente, é o conteúdo
materialista do conceito idealista da razão. Num período histórico como este a teoria verdadeira não é tão afirmativa como crítica, como também a sua ação não pode ser ‘produtiva’. O
futuro da humanidade depende da existência do comportamento crítico que abriga em si elementos da teoria tradicional e dessa cultura que tende a desaparecer. Uma ciência que em
sua autonomia imaginária se satisfaz em considerar a práxis – à qual serve e na qual está inserida – como seu Além, e se contenta com a separação entre pensamento e ação, já
Argumentaremos que Habermas faz (no sentido amplo do fazer) Teoria Crítica com seu livro ‘O discurso filosófico da modernidade’ pois desvendando a crise da
                                                                                                                                                   (p.417)7
modernidade e suas patologias no campo teórico pretende resolver o impasse posto pelas teorias através da constituição teorica                                de uma solução prática no
                                                                      (p.186 e outras)
campo da teoria (coação não coercitiva do melhor argumento                               ) que se desdobraria nas relações da vida: a Teoria da Ação Comunicativa.
           Habermas como herdeiro (e essa palavra aqui é excelente, pois como todo herdeiro não é exatamente como o esperado) da Teoria Crítica assume que a
formulação teórica tem um papel importante na constituição da vida. A teoria tem importância não só no âmbito restrito da academia, mas também no ‘mundo da
vida’, pois é ela que possibilitará o desvendamento da realidade e a possível emancipação. Neste sentido, Habermas viu-se na necessidade de resolver o impasse
teórico da modernidade, essa necessidade não só como acadêmica, mas como condição sine qua non para a resolução do impasse histórico social. Para tentarmos
mostrar essa argumentação faremos uma exposição articulada do livro.
           O livro em discussão tem como ponto de partida o surgimento da noção de modernidade como a questão da filosofia que é elaborada neste sentido por Hegel
(p.9)
        , pois é neste sistema filosófico que se chega a consciência do tempo(p.31) que se desdobrará em consciência do tempo-atual (ou tempo-presente / Jeztzeit em
Walter Benjamin(p.22)). É o a questão do tempo histórico como o tempo novo (moderno) em ruptura constante com o passado(p.11) . Segundo Habermas, para Hegel a
circunstância na qual a consciência do tempo destacou-se da totalidade constitui um pressuposto do filosofar contemporâneo(p.31) .
           Essa consciência do tempo e questão da modernidade se conceitualiza em Hegel pelo incomodo que essa própria modernidade gerou. Este incomodo está
localizado nas cisões(p.41) geradas pela modernidade que necessita se auto-referenciar(p.42) desde sua constituição como filosofia do sujeito(p.41) . Na análise hegeliana
cada esfera (ciência, moral, estética) da modernidade está ancorada em leis próprias que tem que ser fundamentadas e autocentradas, e mais que isso, a
subjetividade é encontrada em todas as esferas o que o leva ao diagnóstico de falta de mediação que implica na cisão da filosofia(p.26-27) . Mas não só a filosofia
encontra-se cindida mas a sociedade representada nos conflitos sociais que necessitam de uma solução(p.40) . Para a possível solução dessas cisões Hegel encontra na
razão, numa razão absoluta, a priori, que criou e perpassa todas as esferas(p.41) , a solução da modernidade(p.43) .
           Para Hegel, segundo Habermas, “O absoluto não é concebido nem como substância, nem como sujeito, mas apenas como o processo mediador da auto-relação
que se produz independente de toda condição.”(p.49) . Com esta solução (Razão Absoluta como mediação) encontrada tem-se, para Habermas o empobrecimento da
crítica (p.57) e a tentativa de resolver as cisões, logo sair da filosofia do sujeito, é infrutífera(p.60)8.



renunciou à humanidade. Determinar o conteúdo e a finalidade de suas próprias realizações, e não apenas nas partes isoladas mas em sua totalidade, é a característica marcante da
atividade intelectual.” (Horkheimer, Max 1980:154)
7
  Sempre que estivermos citando o livro de Habermas aqui analisado usaremos essa notação simples.
8
  Considero importante citar o trecho: “Lembremo-nos do problema inicial. Uma modernidade sem modelos, aberta ao futuro e ávida por inovações só pode extrair seus critérios de si
mesma. Como única fonte do normativo se oferece o princípio da subjetividade, do qual brota a própria consciência de tempo da modernidade. A filosofia da reflexão, que parte do fato
básico da consciência de si , eleva esse princípio ao conceito. No entanto a faculdade de reflexão, aplicada sobre si mesma, revela-se também o negativo de uma subjetividade
autonomizada, posta de modo absoluto. Por isso, a racionalidade do entendimento, que a modernidade sabe que lhe é própria e reconhece como único vínculo, deve ampliar-se até a
razão, seguindo os rastros da dialética do esclarecimento. Porém, como saber absoluto, essa razão assume, por fim, uma forma tão avassaladora que não apenas resolve o problema
                                                                                                                                                                                     3
Habermas considera que é a partir dessa solução insatisfatória, para não usar desastrosa, de Hegel que a filosofia engendra-se em um processo auto-destrutivo que
deve ser rompido para que a emancipação possa voltar a fazer parte da dinâmica histórica consciente de seu tempo-presente. A forte formulação da Razão Absoluta (cap.2
p.52-58)
           por Hegel cria a necessidade de seus sucessores debaterem-se com ela impossibilitando-os de sair filosofia do sujeito e resolver as cisões da modernidade.
Habermas delineia em seu terceiro capítulo três grandes vertentes surgidas deste embate com a Razão Absoluta: (1)os hegelianos de direita que trivializam a consciência
moderna do tempo, recortam a razão como entendimento e a racionalidade como voltada a fins(p.63) (por questões de facilidade expositiva com relação ao nosso
argumento inicial chamaremos de ‘filosofia da linguagem’); (2) a herança de Nietzsche como simples negação da razão através de um elaborado contradiscurso da
modernidade e historiografia do ‘outro da razão’(p.63) (tal como justificamos acima a partir daqui será considerado como ‘filosofia do contradiscurso’); e (3) os hegelianos de
esquerda que pretendem continuar o projeto da Razão Absoluta a qualificando como Razão Instrumental(p.63) (filosofia da práxis).
           Segundo Habermas, o desenvolvimento dos conceitos de ação e interação que culminará na Teoria da Ação Comunicativa é a solução para essa cisão causada
pelo conceito unificador de Razão Absoluta que visava resolver a cisão da modernidade. É com a substituição da mediação social, que patologicamente é feita através
de conceitos absolutizados e por isso perpetuados na filosofia do sujeito, pelo entendimento recíproco que se poderá voltar a ter a emancipação no horizonte da
Teoria. É como resolução teórica da cisão da cisão que Habermas está fazendo Teoria Crítica, pois a compreensão do mundo, tarefa da teoria, é condição sine qua non
para a emancipação. Habermas revela no XI capítulo de seu livro o seu método de análise: voltar até o ponto de partida da modernidade ‘para reexaminar mais uma
vez em sua encruzilhadas a direção tomada’(p.411) e as alternativas não escolhidas. Por essa razão, continuaremos com nossa argumentação mostrando como
Habermas propõe resolver esta cisão da cisão patológica (que seria o discurso filosófico da modernidade) no campo da Teoria voltada para a ação.
           As três vertentes filosóficas (linguagem, contradiscurso, práxis) debatem-se com o conceito de Razão Absoluta mostrando como através dele não se compreende nem a
modernidade nem os limites dela. Este debate por mais diversas que tem sido as vias argumentativas acabou sempre em conceitos absolutizados (tais como Ser,
Arquiestrutura, Esclarecimento, Soberania e Poder) que por fim engendrou-os mais a fundo na filosofia do sujeito. O esquema, apresentado em anexo, visa representar de
maneira sucinta o movimento da obra e a articulação dos diversos autores analisados por Habermas. Esse esquema visa apontar como a nossa tese inicial, de que Habermas
estaria retomando a Teoria Crítica resolvendo as patologias encontradas no discurso filosófico da modernidade, é uma leitura possível do livro. Consideramos que o esquema é
auto-explicativo até a tentativa de junção dessas cisões feita por Castoriadis, pois é através da crítica desta tentativa que Habermas desvenda o seu projeto teórico. Por essa
razão, achamos que, para efeito de argumentação da proposta de análise por nós exposta, será interessante seguir a argumentação a partir do Capítulo XI “Uma outra via
para sair da filosofia do sujeito – Razão comunicativa vs. Razão centrada no sujeito”. Entendemos que é nesse capitulo, que Habermas deixa claro a necessidade de resolver a
cisão teórica causada pelo resolução hegeliana já explicada acima.




inicial de uma autocertificação da modernidade, mas o resolve demasiado bem: (...) Dessa maneira a filosofia de Hegel satisfaz a necessidade da modernidade de autofundamentação
apenas sob o preço de uma desvalorização da atualidade e de um embotamento da crítica.”(p.60)
                                                                                                                                                                                   4
(p.411)
       Habermas inicia o capítulo em questão considerando que “nos déficits empíricos (de Foucault) espelham-se os problemas metodológicos não esclarecidos”                 ,
entretanto este déficit não se refere só ao Foucault mas também a Nietzsche e seus sucessores que “não se dão conta que já aquele contradiscurso filosófico,
imanente desde o início da modernidade começado com Kant, apresenta a contraprova à subjetividade como princípio da modernidade”.(p.412) Em outras palavras, até a
tentativa de escapar da Razão Absoluta negando-a funciona como extensão de seu domínio, pois faz com que ela permanece no centro da análise e de certa forma,
continue atuando como mediação entre as esferas.
       A proposta feita por Habermas de retomar ‘o caminho do discurso filosófico da modernidade até seu ponto de partida’(p.412) não significa só examinar as
alternativas adotadas, mas para ele seria importante rever as alternativas não escolhidas. Nos vários capítulos do livro percebemos diversas vezes o fato de Habermas
mostrar como o autor em questão, por exemplo o jovem Hegel(p.44-46), quase consegue sair da filosofia do sujeito porém termina por ficar preso a ela. Para Habermas,
seria necessário tanto para Hegel quanto para Marx explicitar a totalidade ética “segundo o modelo da formação não forçada da vontade em uma comunidade de
comunicação sujeita a pressões de cooperação.”(p.413) Para podermos compreender melhor essa crítica vale a pena voltarmos para o ‘Excurso sobre o Envelhecimento
do Paradigma da Produção’(p.109-120) e lembrarmos que a crítica está, de certa forma, centrada na restrição do conceito de práxis, definida em um sentido naturalista e
                                               (p.114-118)
referente a uma razão cognitiva instrumental                 pois para Habermas contrária a essa noção de práxis a teoria da ação comunicativa “investiga a racionalidade
implícita da práxis comunicativa cotidiana e eleva o conteúdo normativo da ação orientada para o entendimento recíproco ao conceito da racionalidade
comunicativa”(p.110) .
       Habermas explicita que a razão comunicativa será extraída da práxis cotidiana (do mundo da vida) e não de uma determinada ação cotidiana (a produção, por
                                                                                                     (p.433)
exemplo) em detrimento das outras. Para ele é necessário um programa de expansão da razão                  , pois esta está reduzida ao mundo que pode ser conhecido, ou
melhor, à razão cognitiva-instrumental. Esta redução não é feita só pelos teóricos da vertente da ‘filosofia da práxis’ mas as outras vertentes também a reduzem e a
deformam ao logocentrismo do sujeito que é capaz de conhecer o mundo.(p.433) Está é, para ele, sem dúvida uma patologia da Teoria que interfere de forma perversa
na prática criando e reproduzindo patologias na vida cotidiana.
       Por outro lado, a crítica à vertente da ‘filosofia da linguagem’, explicita que não se trata tanto para Heidegger de um Ser-aí que se projeta a si mesmo ou para
Derrida de um acontecer que forma estruturas, ‘mas aos mundos da vida estruturados comunicativamente que se reproduzem através do medium palpável da ação
orientada ao entendimento.”(p.413). Neste ponto, podemos reconhecer o projeto de substituição do medium que é posto por Hegel como sendo a Razão Absoluta,
centrada no sujeito que conhece o mundo de forma solitária, por um medium que implica a interação entre pessoas que são capazes de falar e de agir e chegar a um
entendimento”.
       Tendo apontado o que deveria ter sido realizado pelas duas vertentes, Habermas sugere que o paradigma de conhecimento dos objetos (do sujeito isolado que
                                                                                                                                                           (p.413)
conhece, da razão cogniscente-instrumental) seja substituição pelo que ele chama de paradigma do entendimento entre sujeitos capazes de falar e agir.                Aqui nos



                                                                                                                                                                            5
parece que ele rompe com uma larga tradição filosófica na qual a caracterização do Ser Humano estava centrada no indivíduo e sua capacidade racional, na razão, o
que vemos aqui é um deslocamento do problema da racionalidade para a capacidade de falar e agir e do indivíduo para o entendimento entre pessoas.
       A necessidade de se mudar de paradigma está posto no próprio fato de que para Habermas as tentativas (inúteis) de escapar da filosofia do sujeito indicam um
sintoma de esgotamento. Este esgotamento é o da filosofia da consciência que não dá mais conta de lidar com o mundo de uma forma aberta, isto é, tendo no
horizonte de análise um projeto de emancipação. Para poder voltar a possibilidade de emancipação (necessária pois a modernidade mostra-se patológica em todas
suas vertentes) tem-se que passar para o paradigma do entendimento recíproco que “é fundamental a atitude performativa dos participantes da interação que
coordenam seus planos de ação ao se entenderem entre si sobre algo no mundo”(p.414) Para Habermas, essa ação pode ser compreendida como o entendimento dos
pronomes, neste sentido a linguagem não só possibilita a interação entre os sujeitos mas também possibilita a relação do sujeito consigo mesmo (afinal pode falar de
si para si). Neste sentido, pela intersubjetividade produzida lingüisticamente, tem-se a identificação sujeito-objeto. Com essa identificação resolve-se normativamente
a questão Kantiana do abismo intransponível, pois pelo “saber de regras efetivamente praticado e sedimentado nas manifestações geradas segundo regras, anula-se a
separação ontológica entre transcendental e o empírico”(p.416) . Essa identificação é para Habermas o momento revolucionário apontado por Lukács em seu texto
‘Reificação e consciência proletária’. Fato este importante para o autor não pelo momento revolucionário tal como elaborado por Lukács (como tomada de poder pela
classe proletária), mas sim como retomada do projeto emancipatório perdido na ‘via retardadora’(p.151) do conceito de Esclarecimento elaborado no livro ‘Dialética do
Esclarecimento’ por Adorno e Horkheimer.
       A importância de substituição do medium é que a partir do paradigma do entendimento recíproco podemos dizer que temos um mundo da vida comum (pois
nos entendemos), este funciona como pano de fundo das interação possibilitando que de fato ela ocorra. Habermas enfatiza que o mundo da vida ‘permanece às
costas’ 9 e por isso é necessário “uma perspectiva constituída teoricamente para podermos considerar a ação comunicativa como medium através do qual o mundo da
vida se reproduz em seu todo.”(p.417). É este mundo da vida comum que possibilita a resolução do abismo intransponível e que ao mesmo tempo constitui um
horizonte para o entendimento. Habermas define, num primeiro momento(p.416/417) , o mundo da vida como horizonte e acervo de evidências culturais que retira-se
padrões minuciosos, exegéticos, consentidos. É este mundo da vida que como pano de fundo passa a ser o medium que permite a ação do entendimento recíproco,
perpassando todas as esferas separadas da vida.
       No paradigma do entendimento recíproco não tem mais sujeito isolado mas participantes da interação. “Os participantes da interação já não aparecem mais
como os autores que dominam as situações com a ajuda de ações imputáveis, mas como os produtos das tradições em que se encontram, dos grupos solidários aos




       9
        Não nos parece gratuita a expressão ‘permanece às costas’ pois está é a expressão utilizada por Marx não só no Primeiro Capítulo do Capital para introduzir o conceito de fetiche
mas perpassa os três livros. Com isso não estamos querendo dizer o que Habermas chama de mundo da vida é o fetiche, mas achamos que de fato ele faz uma referência velada ao
termo.
                                                                                                                                                                                       6
quais pertencem e dos processos de socialização em que se desenvolvem.”(p.417) O mundo da vida se reproduz pelo prosseguimento das tradições, da interação por
meio de normas e valores e da socialização das gerações que se sucede.
      Esta primeira aproximação do que seria o mundo da vida ganha uma definição mais precisa no final do capítulo em questão quando Habermas considera que “o
mundo da vida constitui um equivalente do que a filosofia do sujeito atribuíra à consciência em geral como operações de síntese. No entanto, as operações de
produção não se referem aqui à forma, mas ao conteúdo do entendimento possível.”(p.452) Claramente aqui Habermas está se diferenciando da origem na ‘filosofia da
linguagem’ do termo mundo da vida. Para ele os conteúdos possíveis são oriundos das “formas concretas de vida”(p.452). Com essa diferenciação Habermas escapa da
crítica de que estaria cunhando uma razão pura: “Um mundo da vida que deve reproduzir-se apenas através do medium da ação orientada para o entendimento
recíproco não seria apartado dos seus processos materiais de vida?”(p.446) A resposta a essa possível crítica por ele mesmo elaborada é negativa pois a ação orientada
para o entendimento, como medium, perpassa todas as esferas.
      Esse medium perpassa todas as esferas pelo fato de existir um entrelaçamento das ações instrumentais com a ação comunicativa. Esse entrelaçamento diz
respeito ao fato de que a execução de planos ligados a outros participantes da interação só podem ser realizado por meio de definições comuns da situação e
processo de entendimento recíproco (a tal normatividade).
      A razão comunicativa não é uma razão pura nem outro conceito absolutizado pois “a razão é originalmente uma razão encarnada tanto nos contextos de ações
comunicativas como nas estruturas do mundo da vida”(p.447) pois ‘o reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validade, possibilita o entretecimento de
                                        (p.447)
interações sociais do mundo da vida.”             Neste ponto a argumentação torna-se muito interessante pois surge o problema da validade tanto do discurso quanto da
razão comunicativa. Habermas aponta a face de Janus da pretensão de validade. Por um lado, tem-se o momento transcendente universal pois a interação, ligada a
um mundo da vida que serve como pano de fundo cultural, só se dá com um entendimento possível pois universal. Por outro lado, essa mesma interação está
vinculada a uma práxis cotidiana contextualizada e especializada. Tem-se assim uma validade relacionada ao contexto social e ao tempo histórico (uma validade do
aqui e agora) que escapa a essa particularidade pelo fato do entendimento recíproco se dar nos quisitos normativos de uma validade universal (que não é a priori e é
historicamente específica).
      Assim a “práxis comunicativa cotidiana encontra-se, por assim dizer, refletida em si mesma.”(p.448) Reflexão essa não do sujeito cogniscente (solitário) mas
substituída pela estratificação do discurso e da ação inserida da ação comunicativa. A própria reflexão sobre as pretensões de validade da Teoria da Ação
Comunicativa pode ser descrita como “forma de reflexão da ação comunicativa”(p.448)
      É interessante, para a nossa argumentação, apontar as diferenças que Habermas faz do seu conceito de práxis para o de Castoriadis. Para Habermas o
surgimento do pós-estruturalismo tem haver com a ‘falta de credibilidade’(p.455) dos esforços da ‘filosofia da práxis’ em reformular o projeto da modernidade
continuando o pensamento marxista. Castoriadis é um dos que fazem parte, para Habermas, dos autores que fazem a ‘virada linguística da filosofia da práxis’(p.441) mas
que apesar de ter conseguido fazer essa junção não conseguem sair do paradigma da consciência. A tese de Habermas “é que Castoriadis fracassa na solução desse

                                                                                                                                                                    7
problema10, visto que seu conceito fundamentalista de sociedade não deixa espaço para uma práxis intersubjetiva imputável aos indivíduos socializados”(p.459) , pois
considera que “Castoriadis parte do princípio de que, entre a linguagem e as coisas das quais se fala, entre a compreensão constituinte do mundo e o intramundano
constituído, existe uma diferença ontológica.”(p.442) Em Castoriadis tem-se uma imagem linguística de mundo a priori e transhistórica e não uma interação entre a
linguagem que abre o mundo e os processos de aprendizagem no mundo este fato impossibilita que ele consiga reformular o conceito de práxis e não supera o
paradigma da consciência.
        Habermas aponta alguns problemas que fazem com que Castoriadis não amplie o conceito de práxis. Aponta um reducionismo no conceito de práxis
elaborado por Castoriadis pois este o relaciona com o conceito de produção que por sua vez mantém o mundo como objeto capaz de ser compreendido pelo
sujeito cogniscente. Não escapa da relação sujeito objeto, (p.460) fazendo com que o conceito de práxis fique embaralhado entre o imaginário que abre o
mundo e o trabalho e a interação(p.461) . Considera que o conceito de linguagem do qual Castoriadis parte não permite uma diferença entre sentido e
validade(p.460) . Não fica claro quem seria o ator da práxis social revolucionária(p.462) parece que esta ganha um certo estatuto autônomo que para Habermas
é indeterminado. Castoriadis não percebendo a necessidade de uma dupla validade perdendo-se em considerações psíquicas relacionadas com a primeira
infância que como cerne monádico tem que superar o complexo de Édipo para fazer parte da sociedade, que para Habermas esses “conflitos intrapsíquicos
não guardam uma relação interna com os sociais; antes, psique e sociedade estão em uma espécie de oposição metafísica uma com a outra.”(p.464)
      Habermas considera que a necessidade de ampliar o conceito de linguagem é fundamental, pois este deixa a dimensão lógico-semântico e passa a ser um
medium que envolve cada participante da interação como integrante de uma comunidade de comunicação.(p.465) Para ele com base no conceito de linguagem ampliado
(o mundo da vida já esboçado) reformulá-se o conceito de práxis a partir da razão comunicativa “que impõe aos participantes da interação uma orientação segundo
pretensões de validade, possibilitando assim, uma acumulação de saber capaz de modificar as imagens do mundo.”(p.465) É esta possibilidade de modificação das
imagens do mundo que possibilita uma reprodução diferenciada do mundo da vida que por sua vez possibilitaria uma intercomunicação cada vez mais elaborada. Este
seria, ao nosso ver, o sentido de emancipação.
      Podemos ainda perceber por outro angulo, que a reprodução do mundo da vida é emancipatória, pois o mundo da vida não é estático nem no tempo nem no
espaço e tem como cerne a interação entre indivíduos. Emancipação em um sentido mais fraco (do que Hegel), pois não será possível desvendar o mundo da vida,
unificar as esferas, nem fazer uma revolução(p.482). Tem-se a possibilidade de emancipação parcial incapaz de esclarecer o todo – Habermas só lida com ilusões
                                                                         (p.418)
isoladas e não pretende juntar as esferas cindidas, em suas palavras:              “A sua força libertadora dirige-se contra ilusões isoladas: ela não pode, por exemplo, tornar
transparente o todo de um curso da vida individual ou de uma forma de vida coletiva.”



10
  Castoríadis “Tem de resolver o problema de conceber a função da linguagem de abrir o mundo de modo que corresponda a um conceito de práxis pleno de conteúdo
normativo.”(p.459)
                                                                                                                                                                              8
Em certo sentido consciente dessas questões, Habermas aponta que para que esse conceito de ‘mundo da vida’ sirva para algo (eis a Práxis da
teoria herança da Teoria Crítica) tem que ser transformado em um “conceito empiricamente aplicável e integrado, com o sistema auto-regulado, a um
conceito de sociedade constituído em dois níveis” que seriam da lógica e da dinâmica evolutiva. Habermas retoma a questão da especificidade da dinâmica
histórica apontada por Horkheimer no texto ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’ comentando que “(...) a teoria social precisa permanecer consciente de seu
                                                                                                                                                        (p.419)
próprio contexto de surgimento e de sua posição no contexto de nosso presente; também os fortes conceitos universalistas têm um núcleo temporal”
Para ele, a práxis de sua teoria vem do fato de que “a teoria da comunicação pode contribuir para explicar como na modernidade uma economia organizada
sob a forma do mercado se entrelaça funcionalmente com o Estado que monopoliza a violência, se autonomiza em relação ao mundo da vida, tornando-se
uma parte de sociabilidade isenta de normas, e opõe aos imperativos da razão os seus próprios imperativos, fundados na conservação do sistema”.(p.484)
Assim, sua Teoria, como Teoria Crítica, desvenda as patologias da modernidade e dá um passo na sua solução quando resolve a patologia no campo teórico:
Unifica a cisão do discurso filosófico da modernidade.
           Como discurso unificado que se posiciona ativamente (Teoria da ação comunicativa) frente à dicotomia sujeito-objeto pode indicar um caminho
interessante para a questão epistemológica referente aos estudos interdisciplinares. Romper com a elaboração de conceitos universais, pré-estabelecidos e
com conteúdo fixo possibilita o diálogo entre diferentes, e como práxis legitima o papel propositivo da teoria.
           Esse caminho fica mais claro quando abordamos as questões relacionadas aos problemas interdisciplinares encontrados em programas de pesquisa
que tem como objeto questões ambientais, tais como biodiversidade e mudanças globais. A interação entre os diferentes cientistas oriundos das mais
diversas áreas de conhecimento esbarra sempre na visão da inter-relação homem-meio, afinal a perspectiva de um cientista das humanidades difere em
muito dos demais que invariavelmente posicionam o homem como elemento exógeno perturbador: elemento antrópico. A separação Natureza (como
conceito universal indeterminado) e Homem, clássicos da modernidade dificultam ainda mais o diálogo entre as partes. A teoria como práxis e o teórico
como desvendador do fetiche possibilita, tal como David Harvey 11 propõem, unificá-los em um sistema sócio-ecológico no qual os fluxos de dinheiro e
mercadoria são considerados, incorporando assim os diversos aspectos do mundo em um discurso compreensivo.
           A Teoria, como nos mostra Habermas, quando incorpora a Crítica, retoma seu papel transformador. Como práxis viabiliza o diálogo interno à própria
discussão acadêmica ampliando e incorporando temáticas complexas sem produzir universais absolutos.




11
     Justice, nature & the geography of difference. London:Blackwell, 1996. Ver em especial a parte II The Nature of Environment.
                                                                                                                                                            9
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                              PRIMEIRA VERSÃO
                                                              ISSN 1517-5421                lathé biosa     146
     ANO III, Nº146 - MAIO - PORTO VELHO, 2004
                      VOLUME X

                       ISSN 1517-5421

                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
           ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP                            FLÁVIO DUTKA
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC


Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times
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           deverão ser encaminhados para e-mail:
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                     nilson@unir.br                                         SABINO

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                      PORTO VELHO-RO

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        EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
Maria Enísia Soares de Souza                                                                              A LINGUAGEM FEMININA EM FERNANDO SABINO
Aluna do Mestrado em Lingüística - UFRO
soares@rolimnet.com.br



        Antes de iniciar as análises propriamente ditas, quero registrar um breve esboço das obras “A nudez da verdade” e “O outro gume da faca”. A primeira relata
o episódio de um homem que corre nu pelas ruas da cidade, causando espanto, escândalo e muita confusão. A segunda narra a história de alguém intencionado em
descobrir a verdade sobre o comportamento de sua mulher, e, mesmo sem planejar, comete um crime, sobre o qual tem álibi e as evidências recaem sobre o seu
filho, do primeiro casamento.
        A definição da forma masculina, como norma, mostra que o uso feminino é considerado um desvio desse padrão. Entretanto, nesta análise, não terei
preocupação feminista nem machista, quero apenas focalizar o discurso das mulheres, utilizado por um homem – o escritor Fernando Sabino – na posição de um eu-
feminino. É praticamente o emprego de palavras de alguém, com o sentido habitual. No caso, o sentido que as mulheres dariam, se incorporassem o papel de
personagens. Para “fazer-se mulher” o poeta precisou compreender o universo lingüístico das mulheres, para, de forma indireta, tornar-se uma delas.
        Sobre o discurso indireto, Frege (1978) faz uma reflexão associando-o ao sentido.
        “(...) No discurso indireto, fala-se, digamos, do sentido das palavras de outrem. Fica, pois, claro que também neste discurso as palavras não têm suas
        referências costumeiras, mas referem-se o que habitualmente é seu sentido. De modo mais sucinto, diremos que no discurso indireto as palavras são
        usadas indiretamente, ou têm sua referência indireta, e o seu sentido costumeiro de seu sentido indireto. A referência indireta de uma palavra é, pois, seu
        sentido costumeiro. Tais exceções devem ser lembradas, se deseja compreender corretamente, para cada caso particular, o modo de conexão entre sinal,
        sentido e referência” (p. 64).
        Tentarei compreender o sentido indireto das palavras de Sabino, através do sentido costumeiro.
        Ao “desfilar” como mulheres na suas obras, agir, comunicar-se com outras pessoas, Fernando Sabino teve de construir uma identidade para todas elas. D. Mirtes, por
exemplo, era uma senhora, a secretária do escritório dos advogados Aldo Tolentino e Marco Túlio. Toda as vezes que ela se dirigia a um dos dois, empregava formas de
tratamento e expressões próprias da língua formal. “Dr. Marco Túlio pediu que o senhor falasse com ele assim que chegasse” (Sabino, 2000, p. 9).
        Naturalmente que a linguagem é adaptada pelo falante à situação do discurso. As palavras doutor e senhor se explicam pelo ambiente e pela relação que tem
a secretária com os advogados, seus patrões.
        É oportuna a citação de Mikhail Bakhtin (1999) em Marxismo e Filosofia da Linguagem: “... a forma lingüística se apresenta aos locutores no contexto de
enumerações precisas, o que implica sempre um contexto ideológico preciso” (p. 95).
O contexto das enunciações idealizado pelo homem se fundamenta num sistema de normas sociais. D. Mirtes ao dirigir-se aos advogados do escritório, seus
superiores, seus chefes, não por acaso, age assim. É que assim está regida sua consciência subjetiva. Essas normas coletivas (morais, jurídicas, estéticas) diferentes
de grupo para grupo, variam também o grau de significação, impulsionado pelo conjunto de agentes contextuais, na situação discursiva.
           Observe-se uma outra personagem da mesma obra – “O outro gume da faca” – Maria Lúcia12, até então, mulher rigorosa, que não admitia palavrões, e, diante
de uma observação do marido sobre um pormenor do jantar, dirige-se a ele com uma resposta extremamente inesperada, se é que se pode dizer isso: “ – Ora Aldo,
vá à merda” (Sabino, 2000, p. 14).
           Essa enunciação, figurando no contexto em que ocorreu, é uma demonstração do uso subjetivo da língua, não convencional em situações formais, e torna-se,
como defende Bakhtin, um signo adequado às condições de uma situação concreta dada.
           Foi através do comportamento lingüístico de Maria Lúcia que Aldo Tolentino percebeu que havia algo “errado”, diferente, com a esposa. Em dez anos de
casamento, nada semelhante acontecera.
           A concreta situação em que se deu a forma lingüística, enunciada pela mulher, pode ser entendida à luz das teorias bakhtinianas. “A língua, no seu uso
prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida. Para se separar abstratamente a língua de seu conteúdo ideológico ou vivencial, é preciso
elaborar procedimentos particulares não condicionados pelas motivações da consciência do locutor” (p. 96). “... o locutor serve-se da língua para suas necessidades
enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido de enunciação da fala)” (p. 92).
           O discurso feminino, nas obras de Fernando Sabino, é um discurso de outrem. Pode-se dizer que “é o discurso citado, é o discurso no discurso”. Claro que quando me
refiro a discurso citado, o leitor pode se perguntar: Como? Se é o próprio Sabino que cria as personagens? Acontece que a enunciação de outra pessoa, nesse caso as
mulheres, consiste numa demonstração de que o escritor está se “travestindo” de mulheres, fazendo-se uma delas, nas mais diferentes situações de discurso.
           Ao passar para o contexto narrativo indireto, “Eu xinguei você?”:, (frase dita por Maria Lúcia, quando o marido observou que ela o havia xingado) perderia um pouco
da expressividade, pois a indiferença, o espanto presentes, ou melhor, marcados na pontuação e a sugestão melódica desapareceriam na voz do narrador.
           O diálogo após o jantar entre marido e mulher caracteriza o que Bakhtin chama de interação de enunciações, é a constante recepção ativa do discurso de
outrem, de fundamental importância para o diálogo.
           Penso que Fernando Sabino, ao usar o discurso feminino, esteja experimentando a enunciação de outrem na sua consciência. É ainda, esse exemplo, o uso
das múltiplas consciências que tem o escritor. É também uma comprovação de que a linguagem não é meramente individual, mas social.
           As noções sugeridas pela linguagem do sujeito podem denunciar opressão ou repressão. No exemplo que estamos discutindo pode ser um caso desse tipo, já
que ao enunciar “... vá à merda”, há um indício de repressão. O discurso derrogatório de Maria Lúcia, naquele dado cenário, traz a idéia de que há algo que foge do
“script”. Ali quem mandava, quem sabia das coisas era ela.

12
     Esposa de Aldo Tolentino, este, advogado, no mesmo escritório de Marco Túlio.
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A teoria defendida por Spender Lin Coulthard (p. 66 e 67), é a que a linguagem é criação dos homens, a linguagem é uma forma de subjugar as mulheres, e
que as mulheres não conseguem expressar os seus próprios significados porque são dominadas pelos homens, parece, senão anular-se, pelo menos ficar estremecida
com essa enunciação.
        Se a linguagem condiciona e restringe o que as pessoas pensam, não há dúvidas que naquele momento, o que a esposa queria era que o marido realmente
fosse à merda. Naturalmente que no sentido figurado, “merda” aqui no sentido de desaparecer, “circular”. Sem nada a ver com eufemismo.
        Passo a discutir um outro discurso ocorrido no dia seguinte ao jantar. Aldo Tolentino vai ao escritório avisar D. Mirtes que vai ao foro, no entanto vai ao
escritório e fecha-se no seu escritório particular. Fica praticamente o dia todo, até que, à tarde, sua esposa recebe um telefonema. Era de marco Túlio. No meio da
conversa ela menciona que: “Não, ele nem sonha. Vai morrer sem saber. Mas mesmo assim, meu amor, não quero mais voltar àquele lugar não. É muito deprimente.
Tenho medo” (p. 23).
        Nessa passagem confirma-se que há muitas diferenças de linguagem e de estilo interativo entre as mulheres e os homens. Embora haja aí uma situação ameaçadora
também por Marco Túlio e, ele se utiliza de um mesmo estilo. “Você não vai querer que eu te leve a um motel”. “Isso é que é perigoso” (Sabino, 2000, p. 23). “Naturalmente,
há diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto” (Bakhtin, 1999, p. 146).
        Bakhtin recomenda que se deve levar o contexto em conta, todas as características da situação de transmissão, suas finalidades, enfiam tudo aquilo que
contribui para a situação comunicativa. Para ele, o que menos importa, numa situação comunicativa é a palavra.
        A enunciação “Isso sim é que é perigoso” é representativa de uma situação em que o falante se vê ameaçado, caso vá ao motel, com a esposa de seu
companheiro de trabalho. Os elementos lingüísticos, por si só, nada significam, não fosse o cenário.
        A significação disso é possível, então, pelo cenário. Embora seja o sinal, o responsável, o que remete o leitor a uma significação de realce. Se para Maria
Lúcia, ir ao apartamento sombrio era perigoso, para Marco Túlio, ir ao motel é que era muito mais.
        Enquanto “O outro gume da faca”coloca desfilar três mulheres, destas trabalhei com o discurso de apenas duas, “A nudez da verdade” põe várias na
passarela, porém focaliza Marinalva, a mulher com quem Proença “desnuda a verdade”.
        Antes de começar a analisar o discurso feminino dessa obra, apresentarei ao leitor uma síntese.
        Telmo Proença se prepara para ir a um congresso, mas quando chega ao aeroporto não consegue lugar no vôo e se junta a um grupo de amigos, no Sovaco da
Cobra, em que está Marinalva, a quem é apresentado. Bebem, cantam, riem, até que vão encerrar a noite no apartamento de Marinalva. A festa se acaba, todos vão e
Proença fica. Acorda meio zonzo, sem saber onde está. Vai à cozinha fazer café, enquanto Marinalva cantarola no banheiro. Ela o avisa que o pão está no corredor, do lado de
fora. Telmo estica-se para pegá-lo, e a porta, tocada pelo vento, fecha-se com uma pancada. Sobressaltado, aperta a campainha, chama Marinalva, baixinho e, nada. Uma
moça e um senhor calvo passam pelo corredor e o vêem, em “trajes de Adão”. Daí em diante, corre pelas ruas, espantando os passantes. Antes, porém, de sair de casa, sua
esposa, Carla, pergunta-lhe, num tom quase infantil: “Você...(...) Você jura que não se importa de ir sozinho?”

                                                                                                                                                                        13
O material lingüístico da interrogação e o comportamento do marido (este evitou responder) sugerem certa mágoa, ou mesmo certo descontentamento de
ambos. A esposa porque não gostaria de não acompanhar o marido, entretanto não tinha a menor vontade de ir. Proença porque não estava com a menor vontade de
ir a congresso nenhum, principalmente de folclore.
        O que se nota durante a tecitura de “A nudez da verdade” é a preocupação do ser humano ao expressar um pensamento, através de seus costumes e
maneiras de agir. Inicialmente, é a mulher, Carla, que não quer magoar seu marido. Depois, este que prefere silenciar a dar uma resposta. Utiliza-se de outra
linguagem, (o beijo) como resposta.
        Aqui me lembra o diz Malinowski sobre o modo de pensar de uma sociedade. Segundo ele, o pensamento está relacionado com o que a sociedade faz. As palavras e
as atitudes do indivíduo são surpreendentemente entrelaçadas, que não dá para separar o homem de suas crendices – manifestações da palavra e de atitudes.
        Claro que o contexto em que Malinowski opina sobre a linguagem é outro, são de feitiçarias e de rituais da comunidade “de melanésios”. Mas em ambas as
situações a linguagem é um artifício, um instrumento para cumprirem as leis sociais, que são teorias, portanto palavras e pensamentos que se consubstanciam na
prática de todas as ações do homem.
        O discurso, “Esta é Marinalva, repara só: mulher de olho verde, coisa pra muito luxo!”, proferido por Eliseu, um amigo de Telmo Poença, apresentando a este
Marinalva, no Sovaco da Cobra, depois de ter perdido o vôo. Ali, no Sovaco, conversaram e cantaram muito.
        A observação que faz Elizeu sobre as qualidades físicas de Marinalva é uma demonstração típica de que os homens vêem as mulheres como algo. As que não
tiverem olhos verdes, não forem mulatas não agradam aos olhos deles. Vêem-nas como se fossem esculturas. “Pra muito luxo!” pode ser lida como “não é para
qualquer um”. De certa forma, carregada de preconceito. Quer dizer que as mulheres que não forem mulatas não são sinônimo de muito luxo.
        Pode-se afirmar que é uma espécie de “erro lógico”. O que Frege, ao se reportar à linguagem simbólica da Análise Matemática, chama de imperfeição da
linguagem, conhecida por nós como ambigüidade semântica. “Nos termos da Lógica, aponta-se a ambigüidade de expressões como uma fonte de erros lógicos” (p.
76). É mais ou menos isso que ocorre na fala do professor Telmo ao Eliseu: “Coisa fina” – falou estalando a língua. “Eu falo a moça, professor, não a cachaça”.
        O referente “coisa fina”, naquele contexto, ficou ambíguo. É uma espécie de erro lógico. E isso me faz pensar na linguagem como representações e como
intuições. Às vezes, uma representação evocada no ouvinte por uma palavra pode ser confundida com seu sentido ou com a sua referência. Parece-me que foi isso
que aconteceu com o discurso anterior.
        Embora não tenha sido meu propósito inicial, abordei o discurso masculino, agora, intencionalmente, por representar uma fala sobre as mulheres. Retomo a
abordagem inicial.
        Marinalva puxando o rosto de Telmo Proença com carinho lhe diz:”Você é professor de quê, meu bem?”
        Nessa fala, a palavra assume uma posição particular e específica, torna-se uma sombra da realidade, um fragmento de uma dada realidade, no caso, o cenário
e a situação do discurso. Um bar, amigos, bebidas. São normas sociais sendo experimentadas, de acordo com a consciência subjetiva de Marinalva. Enquanto locutora,

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ela serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas – Chamar a atenção do professor. (“Você é professor de quê?”) Claro que ela levou em
consideração o ponto de vista do receptor. Era a única mulher do grupo. Falavam sobre mulheres e casamento. Usou do poder das palavras para seduzir o professor,
que, casualmente, estava decepcionado com a esposa que não quisera lhe acompanhar na viagem.
        Já em casa, depois de sair do banho, Marinalva desliga o gás, volta para a sala: “Professor! Onde é que você está, meu bem?” “Onde é que você se meteu?”
“Brincadeira tem hora” (Sabino, 1987, p. 35).
        A compreensão que se tem desses enunciados identifica uma situação em que um dos interlocutores não está no ambiente do discurso. A mulher que passara
a noite com Telmo, ele, praticamente um desconhecido, depois de um banho, sente a necessidade de confirmar o que está se passando. Percebe-se falando sozinha,
num monólogo, não há’reflexão lingüística. Há um eco da sua própria fala, não há alcance de um interlocutor. Não há interação verbal, pois o conteúdo interior não se
apropria do conteúdo exterior. Parece complicado isso. Explico: o conteúdo interior deve mudar de aspecto e apropriar-se do conteúdo exterior. Não havendo reflexo,
não há apropriação.
        A confusão pode ser desfeita (ou não) com o que defende Bakhtin: “A expressão comporta, portanto, duas facetas: o conteúdo (interior) e sua objetivação
exterior para outrem (ou também para si mesmo). Toda teoria de expressão, por mais refinadas e complexas que sejam as formas que ela pode assumir, deve levar
em conta, inevitavelmente, essas duas facetas: todo o ato expressivo move-se entre elas” (p. 111).
        Em estando ausente um interlocutor, a expressão enunciativa ecoa e retorna ao próprio falante. O uso da linguagem é um meio de conscientização, um
reflexo de relações sociais, é sin6onimo de interação. É sinônimo de prestígio. O discurso de Marinalva, “Professor! Onde é que você está?” denota certa formalidade,
representada pelo tratamento “professor “ e por que não dizer demonstra seu desprestígio em relação ao seu interlocutor. O que é interessante, nessa passagem é
que embora Marinalva tenha “transado”com Telmo, a intimidade não havia ultrapassado as barreiras da linguagem. Tinha sido pouco o tempo para se desfazerem
formalidades.
        As implicações sociais desse discurso ficam claras e me lembra Pritchard, (1993) que ao se reportar à linguagem do povo Nuer, diz que o idioma social desse
povo é o idioma bovino. O volume e a variedade do vocabulário referente ao gado é impressionante.
        E o que tem isso a ver com o que venho tratando? O idioma social estabelecido entre homens e mulheres, no caso Telmo e Marinalva, recém conhecidos, tem
referências muito formais, o volume do vocabulário e das enunciações ainda é reduzido, não se estabeleceu com a intimidade da relação extra discurso. Os
interlocutores estão, “ainda”, na fase inicial de um relacionamento. O que se nota é que a linguagem e o comportamento humano nem sempre comungam. A
abordagem mentalista de Marinalva (“Professor”), é controversa com a sua atitude anterior. O que não ocorreria no discurso Nuer.
        Percebo que o processo discursivo e a formação do discurso da personagem ressaltam fatores pragmáticos e psicológicos da língua, que se evidenciam na
intenção, na situacionalidade e nos atos ilocucionais, cujas formas lingüísticas passam antes por um filtro, que analisa o antes e o depois de uma situação.



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Interrompo a abordagem, com as seguintes palavras: a escolha das formas de linguagem pelas mulheres de Fernando Sabino acentua e consagra o que
defende Bakhtin (p. 112) a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados (...), a palavra variará dependendo da hierarquia social de
seus interlocutores. A enunciação lingüística é uma estrutura sócio-ideológica.


        BIBLIOGRAFIA
BAKHTIN, M.. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec, 1999.
COULTHARD. M.. Linguagem e Sexo. São Paulo, Ática, 1991.
FREGE, G. Lógica e Filosofia da Linguagem; seleção, introdução, tradução e notas de Paulo Alcoforado. São Paulo, Cultrix, EDUSP, 1987.
MALINOWSKI, B. K. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos na Nova Guiné
     Melanésia. in Coleção: Os Pensadores São Paulo, Abril Cultural, 1978.
SABINO, F. A nudez da verdade. São Paulo, Ática, 1997.
________. O outro gume da faca. São Paulo, Ática, 2000.
PRITCHARD, E. E. E. Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das instituições políticas de um povo nilota. in Coleção Estudos, São Paulo,
     Perspectiva, 1993.




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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
        CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE

          PRIMEIRA VERSÃO
                                                              PRIMEIRA VERSÃO
                                                              ISSN 1517-5421            lathé biosa     147
     ANO III, Nº147 - MAIO - PORTO VELHO, 2004
                      VOLUME X

                       ISSN 1517-5421

                         EDITOR
                   NILSON SANTOS

                 CONSELHO EDITORIAL
          ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO
     CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND
              ARTUR MORETTI – Física - UFRO
             CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO
        HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP
         JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP
             MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO
              MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO
           ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP
          VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC                           FLÁVIO DUTKA




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New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows”          NÃO É FÁCIL SER PROFESSOR:
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Rosa Helena D Silva
Professora da Faculdade de Educação - UFAM e participante do Conselho Indigenista Missionário - CIMI
rosahelena@horizon.com.br
                                        NÃO É FÁCIL SER PROFESSOR: PROJETOS INDÍGENAS DE ESCOLA E O PAPEL DOS PROFESSORES INDÍGENAS


        O nome ‘professor’ é bonito... mas para cumprir, é preciso muita garra. É pesado mesmo! (Maria Suzana do Carmo Kujajup, professora Kayabi).


        Diversidade étnica e educação indígena – o que a escola pode ter com isso?
        Ao agradecer a significativa oportunidade de estar participando deste Seminário, inicio por justificar minha escolha quando, numa mesa redonda que se intitula
“Diversidade étnica e educação indígena”, faço a ligação desta temática mais ampla com a complexa questão da escolarização indígena.
        Retomo e dialogo, nesta primeira introdução, com as anotações pessoais da Conferência “Identidade étnica e educação escolar”, proferida por Bartomeu Meliá,
no 13º COLE - Congresso de Leitura13 pois avalio que o problema não é a educação indígena14. O “nó” se dá quando entra na história dos povos indígenas esta nova
instituição: a escola15.
        Como lembrou Meliá, é também um fato que a identidade indígena foi e é ameaçada de diversos modos: “é uma ameaça enquanto não é reconhecida como
diferença. É a problemática central do desconhecimento da diferença. Na década de 70 tem início o movimento indígena no Brasil. Começa-se a confrontar identidade
e educação escolar”.
        Como se sabe, existe uma educação indígena fora e antes da escola e, “às vezes, existe apesar e/ou contra a escola”! Surge então a pergunta:
“historicamente, como os povos indígenas conseguiram reproduzir seu modo de vida com tanta força? A educação indígena conseguiu reproduzir a identidade dos
povos”. Mas o que é identidade? “É olharmos a nós mesmos e olhar aos que estão ao nosso lado. É escavar nas raízes da tradição”. E Meliá esclareceu: “Não é a
fixação sobre o mesmo; também não é simplesmente ir para frente, tocar numa outra direção; ela é dinâmica, se constrói em trânsito. Pode se definir como o ‘nós em
movimento’: encontrar-se a si mesmo em novas situações as quais eu tenho que responder”.Segundo Meliá, duas palavras-chaves são: relações e comunicação. “É
reconhecer-se nas relações com os outros; é ser ‘povos da conversa’, do diálogo, ser ‘conversadores’. A identidade em movimento entra em contato com outros povos:
é o chamado encontro”.




13
   A Conferência era parte da programação do IV Encontro sobre leitura e escrita em sociedades indígenas. O 13º COLE, organizado pela ALB – Associação de Leitura do Brasil, realizou-
se na UNICAMP, Campinas, de 16 a 20/07/2001.
14
   Como disse Meliá em outra ocasião, a educação indígena pode ser solução!
15
   Uma interessante e pertinente análise da história da escolarização indígena no Brasil foi produzida por Mariana Kawall Leal Ferreira em sua dissertação de mestrado (Ferreira, 1992).
O capítulo IV, que trata deste tema, foi recentemente publicado como artigo - “A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil” In Silva e Ferreira (org.), 2001.
Sobre este “encontro”, problematizou que “encontramo-nos numa situação de conflito bastante grande. Existe o contato entre os povos indígenas, que se
caracteriza como intra-sistêmico, já que podemos considerar que há uma essência comum. Porém, o contato entre os povos indígenas e a sociedade envolvente é
tremendamente desigual, já que são sociedades radicalmente diferentes: são lógicas próprias que se confrontam. È a economia de reciprocidade versus a economia de
mercado. O que vemos é a construção de modelos de dependência”.
           E pensando uma saída, colocou que, em grande parte, poderia ser o bilingüismo, ou seja, relacionar os dois sistemas. “Esse bilingüismo que estamos nos
referindo não é um bilingüismo individual. É o bilingüismo social: o bilingüismo radical. Este é difícil de ser equilibrado já que os cenários estão numa relação de poder
desigual. O bilingüismo radical é humano, de plenos direitos. Neste sentido, é utopia: é construção; vai ser resultado de luta. É tarefa dos movimentos indígenas. É
uma ação ofensiva”.
           Uma segunda introdução: por que o enfoque nos professores indígenas?
           O presente texto retoma reflexões elaboradas em minha tese de doutorado - que tratou do movimento dos professores indígenas na Amazônia no período de
1988 a 1997 (SILVA, 1998) - tendo agora como fonte e referência de análise depoimentos de participantes do Encontro Nacional de Professores Indígenas e
Missionários realizado pela ANE – Articulação Nacional de Educação do Cimi, em Luziânia, de 26 a 30 de junho deste ano16. O evento contou com a participação de 96
professores e lideranças de 66 povos indígenas.
           Faço esta opção convencida de que, no debate e na prática da construção de projetos indígenas de escola, a figura e atuação dos professores indígenas
organizados17 é (ou pode ser) central. Protagonismo, autoria e autonomia indígenas; etnodesenvolvimento, na sua relação com a educação e as pedagogias indígenas,
todas essas são questões também cruciais e pertinentes ao tema. Neste sentido, focalizo minha análise e posicionamento na experiência dos professores indígenas,
sentindo-me, ao mesmo tempo, questionada e instigada pelas indagações e afirmações projetadas por eles quando se debruçam sobre o tema das escolas indígenas e
de seu compromisso enquanto partes desta empreitada.
           Segundo Lopes da Silva (2001), existe uma distância efetiva entre o plano do discurso sobre a educação escolar indígena no país e a prática escolar e
educacional nas aldeias. Nas palavras desta autora, “há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada como projeto e como discussão e, de
outro, a realidade das escolas indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de
currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por comunidades indígenas para suas respectivas escolas”.
           Avalio que, para diminuir esta distância, o papel dos professores indígenas pode ser decisivo.




16
     Neste sentido, todas as citações de professores indígenas – que estão identificadas em itálico – foram registradas no referido evento.
17
     Chamo de “professores indígenas organizados” aqueles que, de uma forma, ou de outra, participam de espaços de articulação e instâncias do movimento indígena.
                                                                                                                                                                      19
De monitor a professor: professores e projetos indígenas de escola
         A concepção que cada professor indígena deve desenvolver é a de que não somos propriedade do governo, do Estado, do município. Devemos compreender que o professor é instrumento do povo. Ele deve explicação ao
povo! Tem espaço maior de aprendizagem do que a luta contra o poder? (José Agnaldo Gomes de Souza, professor Xukurú).

          Como se sabe, a figura do monitor indígena bilíngüe caracterizava-se por ser um papel intermediário entre os índios e as agências externas. Usava-se uma
pessoa do próprio grupo para ser o interlocutor e repassador dos conteúdos. Neste sentido, o que vale ressaltar é que as propostas e projetos de educação eram
elaborados de fora, sendo que, ao monitor restava adaptar-se e, para isso, era treinado. Para Silva e Azevedo (1995), “monitor bilíngüe” é um personagem
“essencialmente problemático e ambíguo”. Explicam, “não é outra coisa senão um professor indígena domesticado e subalterno. (...) É muito menos alguém que
monitora do que alguém que é monitorado por outro”. E complementam sua análise dizendo que, desta forma, “(...) estão sempre prontos a servir a seus superiores
civilizados”.

          Já o conceito de professor indígena está ligado, como parte integrante, a uma definição mais ampla: a proposta de uma escola indígena. Significa que seu
trabalho só pode realizar-se eficazmente, segundo os ideais afirmados, num modelo realmente indígena de escola e que esse só pode ser construído com a
participação efetiva de todos: professores, lideranças, alunos e comunidade indígena.

          Conforme Monserrat (1993), “professor indígena é categoria em estruturação na sociedade atual, a partir de variadas experiências, necessidades e
expectativas tanto das sociedades indígenas em contato permanente (ou freqüente) com a sociedade majoritária, como dos grupos e entidades de apoio envolvidos
em ações de educação escolarizada (para) indígena”.

          Acrescentaria que, além de categoria teórica, a qual figura já oficialmente em documentos do MEC (1994), como as “Diretrizes para a Política Nacional de
Educação Escolar Indígena” e, mais recentemente, a Resolução 03/1999, do Conselho Nacional de Educação, “professor indígena” é categoria prática e organizativa
em plena construção pelos próprios povos indígenas, no bojo das discussões sobre novos papéis sociais, como é o caso também dos agentes indígenas de saúde.

Escola e comunidade indígena: uma ligação necessária e desejada.
          Nas discussões que se têm travado, em especial pelos próprios professores indígenas, há uma ênfase e uma concordância quanto à questão da necessidade da
participação da comunidade no processo da educação escolar, sendo que a construção da escola indígena é entendida como um empreendimento coletivo.
Neste sentido, uma primeira questão que se sobressai é a valorização do aspecto educativo de todo cotidiano vivido junto à família e a comunidade, assim como o
intercâmbio entre os saberes tradicionais e os novos conhecimentos. É o que podemos perceber na fala a seguir:
          Ensinar o resgate da nossa cultura é preparar o povo, principalmente as crianças, para o amanhã. Não podemos ser empresários. Portanto, não devemos
esquecer as nossas origens. É preciso ter jogo de cintura para fazer as duas coisas: a tradição da cultura e a parte não-índia. A nossa identidade é um conjunto. O
nosso objetivo é pelo nosso povo, nossa luta (Valmor Vehrá Mendes de Paula, professor Kaingang).


                                                                                                                                                                                                                     20
Mosonyi (1996), em seu texto “Familia indígena y Educación Intercultural Bilingüe”, trabalha esse aspecto fundamental da discussão afirmando que, “nem a
Educação Intercultural Bilíngüe, nem outros mecanismos de vitalização das características profundas da identidade poderão prosperar por tempo indefinido, senão pela
via de um ataque à problemática de conjunto que, em dada conjuntura, atravessa uma comunidade ou etnia. É imperativo emoldurar qualquer esforço em um projeto
comunal ou regional de alcance integral, que leve em conta parâmetros como as terras ancestrais e recém adquiridas, uma economia que conjugue a auto-
subsistência com o mercado de alguns produtos, uma organização participativa nos níveis de decisão, principalmente a resolução dos problemas angustiantes da
saúde, serviços e direitos humanos elementares. Se, de alguma maneira, não se contemplam todas essas vertentes, qualquer programação isolada está destinada ao
fracasso”.

        Santos (1975), em seu livro Educação e Sociedades Tribais, com objetivo de avaliar a possibilidade da escolarização com ensino bilíngüe - implantada em
alguns postos da FUNAI no sul do país - identificou que um dos limites deste processo foi justamente a idéia de que a educação escolar por si só introduziria
mudanças substanciais na vida indígena. Concluiu, na época, que os programas de escolarização deveriam fazer parte de um projeto mais amplo, valorizando os índios
e sua cultura. Na análise deste autor, a problemática indígena tem causa num quadro sociopolítico, cultural e ideológico, e é neste âmbito de complexidade que deverá
ser equacionada.
        Considero que tal concepção abre caminho para a reflexão atual, na perspectiva de que as escolas indígenas são concebidas como parte de um projeto mais
amplo de futuro dos povos a quem elas servem (ou deveriam servir). Depoimento de Rosenildo Barbosa de Carvalho, professor Guarani, nos mostra uma iniciativa
concreta que tem sido construída e consolidada com esse entendimento: Quase tudo já acabou, a destruição do meio-ambiente, mas a gente conseguiu pelo menos a
escola fazer esse trabalho, reflorestar a bacia. A nossa riqueza é que as nascentes dos rios são todas de dentro da aldeia para as fazendas, não tem o veneno, o
agrotóxico. Quando a educação diferenciada corresponde às necessidades da comunidade, ela trabalha com os problemas da comunidade. Com relação à auto-
sustentação, é importante cada comunidade se organizar e dizer: “é isso que a gente quer”. E dessa forma a gente vai conseguir chegar onde a gente quer. E
começar o trabalho.
        Segundo Lopes da Silva (2001), “a educação em contextos interculturais é pensada, então, como fluxos de conhecimentos que transitam entre fronteiras
móveis e sempre recriadas”.


Escola e prática político-pedagógica: concepções, estratégias e iniciativas indígenas
        “Nós pesquisamos para não errar. A educação está precária, está no mundo dos brancos. Mas a gente está reagindo agora” (Arão, professor Oro Waram Xijien).
        Uma das forças que se sobressai nas experiências construídas pelos professores indígenas, relatadas e discutidas no Encontro Nacional de Professores
Indígenas e Missionários é a avaliação que fazem, de que, mesmo frente a uma situação não ideal, repleta de problemas e contradições, é possível agir, nem que seja,


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como dizem, realizando trabalhos “paralelos”. O termo paralelo é usado no sentido de que, mesmo não abandonando totalmente o modelo de escola de nossa
sociedade, introduzem práticas e conteúdos próprios de suas culturas.

       Outros aspectos que se destacam são: a criatividade; a crítica e contestação às antigas práticas; a não dependência de material didático de fora; a humildade
para assumir a pouca experiência e a vontade de exercitá-la.

       O saber é entendido como processo contínuo, que não se esgota, mas se constrói e reconstrói sempre. Valoriza-se assim o que é próprio de cada povo, o que
contribui no processo da auto-estima e afirmação de identidade, partindo dos etnoconhecimentos para então, acrescentar novas noções e conceitos. O conhecimento
é visto como forma de ampliação do mundo, reafirmando primeiramente a própria cultura, sem se fechar em sua experiência.

       O professor indígena é visto não como o único portador do saber, valorizando-se muito o aspecto do aprendizado mútuo, presente na relação professor-aluno-
comunidade. Sua tarefa é ser multiplicador, repassador dos novos conhecimentos, sendo que, desta forma, o saber é partilhado e não apenas apropriado
individualmente. Sua responsabilidade é ser aquele que “transita” nos dois mundos: o do indígena e o do “branco”, segundo suas próprias palavras. O desafio é
conseguir manter um certo equilíbrio nesse complexo processo de inter-relação entre as diferentes culturas.

       Quando falam do contato pedagógico diário com seus alunos, percebe-se um profundo respeito pela criança e uma sensibilidade às suas motivações, levando-
se sempre em conta a sua curiosidade. A paciência parece ser um dos valores pedagógicos importantes na relação professor-aluno.

      Nosso jeito de ensinar é com muita paciência sempre usando a própria palavra. Não forçar muito a criança na hora de dar aula. Contando história da
comunidade. Continuando a participar dos trabalhos da comunidade e das lideranças. Respeitando as regras de acordo com a comunidade. Nosso jeito de avaliar é
manter a paciência. Professor pode repetir várias vezes com o aluno, conversar bastante durante a aula, voltar sempre, lembrar o que foi dado ontem. Também a
comunidade participa da avaliação (professor Guarani).
       Quanto à prática pedagógica e autonomia, sobressai o papel central dos professores indígenas, como um dos principais envolvidos nos diversos processos de
construção das escolas indígenas. Observando relatos que fazem de sua prática pedagógica diária, podemos perceber que estão buscando resolver e encaminhar
satisfatoriamente as questões mais amplas e complexas, trazidas em grande parte pela burocratização embutida no processo da escola, enquanto espaço institucional.
Destacam-se aí problemas como, oficialização das escolas, remuneração dos professores, currículos e regimentos, infra-estrutura. Como lembra Mosonyi (1996),
“ainda segue predominando uma concepção institucional e formalizada da Educação Intercultural Bilíngüe: fundar escolas, formar ou reciclar professores, fazer
programas, publicar textos pedagógicos, desenhar metodologias, e inclusive ganhar batalhas frente às autoridades nacionais, para essa iniciativa. Tudo isso é de suma
importância, e estamos longe de haver cumprido sequer todos esses passos, nem mesmo nos lugares mais favoráveis. Porém, há outra série de problemas que



                                                                                                                                                                 22
precisam ser enfrentados, senão, é impossível avançar (...). Trata-se da relação entre este tipo de educação e a vida familiar cotidiana, dentro da comunidade, já que
a infância escolarizada, pertence, em primeiro lugar, a suas famílias de origem”.

           Como estratégias escolhidas, observamos a busca por se fazerem conhecer, procurando respaldo nas regiões através do reconhecimento local e oficial, que
resulta em conquista de respeitabilidade interna e frente à sociedade envolvente. Inúmeros são os exemplos de articulações indígenas e também de ocupação dos
espaços não-indígenas, como ilustra o caso da COPIPE - Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco, relatado por Pretinha, professora Truká:

           A COPIPE foi fruto de um encontro em Pé de Serra, no povo Xukuru, e o objetivo dessa organização é a articulação entre os nove povos de Pernambuco,
promovendo encontrões entre os professores, onde só quem participa são os professores indígenas. Não tem ninguém do governo porque são discussões internas do
povo que a gente faz. A gente discute a política de educação escolar indígena. Os encontros são pra gente discutir as estratégias de como se organizar, como agir com
o governo. A partir da organização da COPIPE, nós começamos a discutir a nossa política de educação. Já começamos a participar do núcleo, NEEI, que foi criado em
1994 e não tinha nossa participação. Começamos a participar de todas as instâncias - na área de educação - que falam sobre a questão indígena. E o que a gente está
sempre colocando pras entidades, pro governo federal e municipal é que qualquer projeto, qualquer ação que se pense em desenvolver na área de educação indígena
em Pernambuco, terá que passar pela avaliação e aprovação da COPIPE. Do contrário, os projetos não vão ser aceitos, porque a COPIPE é a representação indígena
na área de educação em Pernambuco.



Educação, interculturalidade e solidariedade interétnica: para além das próprias fronteiras

           Dentre as tendências que polarizam o pensamento educacional na América Latina e Caribe, Octavio Ianni (1994) destaca três orientações principais, ligadas à
noção de modernização, emancipação e identidade. Segundo ele, “se distinguem pela maneira de diagnosticar os problemas sociais, compreendendo os econômicos,
políticos e culturais, assim como pelas diretrizes que formulam. Combinam o diagnóstico crítico da realidade social com o prognóstico acerca de soluções possíveis ou
ideais”.
           Vejamos com mais profundidade o que Ianni diz sobre a tese da identidade, já que entendemos que tais idéias são bastante pertinentes à temática aqui
tratada.“A tese da identidade está presente e ativa principalmente nas formulações teóricas e ideológicas dos movimentos sociais indo-americano e afro-americanos. É
claro que a problemática da identidade envolve também a da emancipação: uma implica na outra. Os movimentos sociais indo-americanos e afro-americanos
organizam-se e desenvolvem-se tendo como objetivo a reconquista ou recriação das suas identidades reais ou imaginárias, como indivíduos, famílias, grupos,
coletividades ou nações. Mas essas identidades, em suas dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas, envolvem necessariamente a emancipação. Há um
mínimo de emancipação sem o que não se constitui a identidade possível ou sonhada.”

                                                                                                                                                                  23
Outro ponto de destaque para pensar o tema das escolas indígenas é o desafio da interculturalidade. Envolve pelo menos duas situações extremamente
complexas. Uma, na maioria das vezes, é de caráter conflitivo e está ligada à questão do contato, envolvendo as relações entre sociedades indígenas e sociedade
envolvente. Entram em cena questões como: de que forma se articula a questão do saber tradicional de cada grupo e os novos saberes e necessidades? A outra
situação diz respeito às relações internas, ou seja, da diversidade de povos e culturas indígenas. Aqui, os desafios estão ligados à questão da busca de conhecimento
recíproco e da construção da solidariedade interétnica.

          Como bem analisou Bonin (1997), “o fato de um determinado povo passar a participar de uma organização responde a suas necessidades mais específicas:
demarcar a sua área, resolver problemas de saúde em sua aldeia, conseguir escola para sua comunidade, expulsar invasores de seu território. No entanto, a
participação parece tecer os fios que dão sentido às lutas mais amplas. Gesta-se um processo de re-conhecimento (conhecer em outros termos) das relações
estabelecidas pela sociedade envolvente e pelo Estado com estas populações. Esse processo torna evidente para os índios que não é somente o seu próprio povo ou a
sua aldeia que é desrespeitada, vítima de omissão e/ou atuação inadequada do Estado, mas todos os povos indígenas, e justamente porque, para a cultura
dominante, não há lugar para a diferença. Parece surgir, assim, um sentido coletivo mais abrangente, uma identidade no ‘ser índio’, mas que envolve um sentido
sociocultural no plural”.

          Pensando o lugar social da escola indígena, poderíamos dizer que “(...) é o espaço privilegiado de afirmação e revitalização da cultura, de desenvolvimento da
consciência crítica e de análise do contexto político global” (ANE/CIMI, 1993). Nas palavras de Rosenildo Barbosa de Carvalho, professor Guarani, do Mato Grosso do
Sul.Antes as lideranças eram as pessoas que lutavam pelo direito da escola indígena. O apoio deles hoje é muito importante dentro do movimento dos professores,
eles nos apóiam bastante e eles vêem que o professor tem uma responsabilidade muito grande, de buscar conhecimento, de lutar pelos seus valores, pelos seus
direitos. O papel da escola não é só ensinar dentro do período de aula, mas mostrar para a população indígena que aquele é o território deles, que eles têm que
cuidar.
          Lopes da Silva (2001) reconhece a escola como “lugar de manutenção de confrontos interétnicos, mas também como espaço privilegiado para a criação de
novas formas de convívio e reflexão no campo da alteridade”.


Escola e direito à diferença: superando preconceitos e ambigüidades
          A discriminação contra o índio por parte da Secretaria de Educação não é só quando é chamado de caboclo. É quando os recursos não são repassados para a
educação, quando o Estado não constrói prédios, é quando o pagamento não é em dia (Francisca Oliveira de Lima, professora Arara, do Acre).




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O direito à diferença é tema que tem merecido constantes reflexões de nossa parte, seja por sua própria complexidade, seja pelo elenco de tantas outras
discussões que a ele se somam18. Uma primeira diz respeito à forma de como nossa sociedade olha para os índios, incluindo a questão de qual o lugar que reserva
para eles. João Pacheco de Oliveira (1993) nos fala sobre isso, ao identificar que “há um uso muito difuso e generalizado do termo índio, materializado nas definições
do dicionário, expresso na fala cotidiana, no imaginário popular, na literatura e nas falas eruditas, enraizando-se inclusive no pensamento científico. Nesses domínios,
‘índio’ corresponde sempre a alguém com características radicalmente distintas daquelas com que o brasileiro costuma se fazer representar.(...) Os elementos fixos
que compõem tal representação propiciam tanto a articulação de um discurso romântico, onde a natureza humana aflora com mais propriedade no homem primitivo,
quanto na visão do selvagem, cruel e repulsivo”.
           Continuando sua análise, assinala-nos outra perspectiva de relações, ao colocar que “melhor seria pensá-los como povos indígenas, como objetos de direitos e
como sujeitos políticos coletivos, distanciando-se do mito da primitividade e das improcedentes cobranças que o senso comum instiga a cada momento”.
Carneiro da Cunha (1995) nos mostra como, historicamente, a noção de direito à igualdade foi utilizada para justificar a homogeneização/dominação cultural.
Vejamos: “os novos instrumentos internacionais, como a Convenção 169 da OIT (de 1989), a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (na sua versão atual)
baseiam-se numa revisão, operada nos anos 70 e sobretudo 80, das noções de progresso, desenvolvimento, integração e discriminação ou racismo. Em poucas
palavras, as versões pós-guerra dos instrumentos de direitos humanos baseavam-se essencialmente no 'direito à igualdade'. Mas esse direito, que brotava de uma
ideologia liberal, e respondia a situações do tipo 'apartheid', foi largamente entendido como um dever; e a igualdade, que era de essência política, foi entendida como
homogeneidade cultural. O direito à igualdade redundava pois em um dever de assimilação. (...) O anti-racismo liberal, como tão bem analisou Sartre (na sua reflexão
sobre a ‘questão judia’), só é generoso com o indivíduo, nunca com o grupo. (...) Por supor uma igualdade básica, exige uma assimilação geral”.
           Roberto Cardoso de Oliveira (1988) já falava nessa necessidade, ao identificar nas relações entre Estado e povos indígenas um “colonialismo interno” que, a
seu ver, deveria ser substituído por uma “diplomacia interna”.
           Trazendo essas idéias para a reflexão sobre as escolas indígenas, perguntamos, quem poderá garantir a “especificidade e diferenciação” – características
oficializadas nos diversos textos da legislação da educação escolar indígena - senão os próprios povos indígenas? Refletindo sobre essa questão, e fundamentando-se
no texto constitucional, a Procuradora da República, Debora Duprat (2000) afirma que “(...) a par de lhes reconhecer o direito a uma existência diferenciada, a
Constituição outorgou aos próprios índios o direito a dizer em que consiste essa diferença” .

           O conflito entre o reconhecimento/oficialização das escolas indígenas, ou seja, sua incorporação no sistema nacional de educação versus a garantia do direito
a modelos e formas próprias de fazer escola – escolas como partes integrantes dos sistemas indígenas de educação, é uma outra polêmica. Penso que o excesso de




18
     Esclareço que entendo o “direito à diferença” - “acoplado a uma igualdade de direitos e de dignidade”, conforme CARNEIRO DA CUNHA, 1995.
                                                                                                                                                                    25
normas legais, embora avançadas, em termos de um novo discurso - que respeita a diversidade cultural - confronta-se com a dura realidade das escolas em áreas
indígenas.

           Há necessidade também de se aprofundar o debate acerca da(s) “cidadania(s) indígena(s)”, ou seja de uma cidadania plural e da construção de políticas
públicas que dêem conta desta diversidade e que respeitem a decisão dos povos indígenas, inclusive quanto à questão de se querem (ou não) escola e que escola
será esta. O que se percebe é que há uma forte tensão entre o direito à diferença e os direitos da chamada cidadania “brasileira”.



Da apropriação à inovação: a “indianização” da instituição escolar

           O ideal de escola indígena que está sendo forjado pelo movimento de professores indígenas não entra em competição, nem substitui a educação tradicional de cada
grupo. Ela tem, sim, um espaço e um tempo de atuação bem definidos, que vêm responder às novas necessidades, à realidade das situações históricas vividas.

           Problemas de diversos tipos e dimensões se colocam no dia-a-dia dos professores, exigindo que estejam sempre atentos e mobilizados para enfrentá-los.
Apesar de todo contexto de violência e invasão cultural ao qual foram expostos os povos indígenas, um processo de resistência e oposição sempre foi desenvolvido por
estes. Felizmente, vemos que algo está mudando e são os próprios índios e suas organizações que procuram influir e tomar em suas mãos os processo de educação
escolar, inclusive criando novas alternativas.

           Por entender a escola indígena como uma intermediação, um instrumental que se coloca entre as diferentes culturas, não sendo assim um mecanismo apenas
interno, mas sim uma necessidade criada “pós-contato” com a sociedade envolvente, trago algumas idéias acerca da dinâmica das relações interétnicas.
Guilhermo Bonfil Batalha (1989) é um dos autores que se preocupou com essa questão, trazendo análises pertinentes e elucidativas à problemática em estudo. Após
discorrer sobre o que chamou de “os quatro âmbitos da cultura em função do controle cultural”19, enuncia alguns processos que, segundo o autor, permitem
compreender a dinâmica das relações interétnicas. Três deles se originam no interior do (ou dos) grupo étnico que se toma como foco de análise. São eles:
           Resistência - “O grupo dominado ou subalterno atua no sentido de preservar os conteúdos concretos do âmbito de sua cultura autônoma. A resistência pode
ser explícita ou implícita (consciente ou inconsciente). A defesa legal ou armada do território ameaçado é explícita e consciente; a manutenção do costume, qualquer
que seja este, pode ser uma forma de resistência implícita e inconsciente. Em todo caso, o exercício de ações culturais autônomas, em forma aberta ou clandestina, é
objetivamente uma prática de resistência cultural, assim como sua contraparte: a recusa de elementos e iniciativas alheios (o chamado conservadorismo de muitas
comunidades: sua atitude refratária às inovações alheias)”.



19
     BATALHA (1989) fala em quatro categorias distintas: “cultura autônoma; cultura imposta; cultura apropriada; cultura alienada”.
                                                                                                                                                                      26
Apropriação - “É o processo mediante o qual o grupo adquire capacidade de decisão sobre elementos culturais alheios. Quando o grupo não só pode decidir
sobre o uso de tais elementos, senão também que é capaz de produzi-los, o processo de apropriação culmina, e os elementos passam a ser elementos próprios”.
        Inovação - “Através da inovação, um grupo étnico cria novos elementos culturais próprios, que em primeira instância passam a formar parte de sua cultura
autônoma”. Podemos constatar a pertinência desses conceitos e idéias elaboradas por Batalha, também quanto à questão da inovação e criatividade. “A criatividade
que se expressa nos processos de inovação não se dá no vazio, mas sim no contexto da cultura própria e, mais particularmente, da cultura autônoma. Este é o marco
que possibilita e ao mesmo tempo põe limites às capacidades de inovação: seus componentes específicos são o plano e a matéria para a criação cultural”.
        No que tenho podido compreender, a perspectiva de escola que os povos indígenas têm projetado e se empenhado em conquistar, é um exemplo concreto,
real e atual de inovação. Representam pequenas grandes mudanças construídas cotidianamente. É preciso estar atento e sensível para enxergá-las e interpretá-las
com toda sua força e significação. Pois como nos diz esse autor: “as inovações culturais são, por uma parte, mais freqüentes do que comumente se pensa: há muito
novo em baixo do sol. Sobretudo, se não se pensa somente nas grandes invenções capazes de marcar por si mesmas um momento da história, se não se repara
também, e sobretudo, nas mudanças cotidianas aparentemente insignificantes”.

        Neste paciente e demorado processo de “indianização” da instituição escolar, ou seja, da construção de escolas próprias – escola Guarani, escola Terena,
escola Yanomami...- é fundamental que o professor indígena possa reencontrar-se com sua própria comunidade educativa, já que, na maioria dos casos, ele foi
formado fora desta. Tornando-se parte da comunidade educativa, poderá contribuir na busca de novas respostas, colocando a escrita a serviço de uma nova
expressão; procurando inspiração nos sábios da comunidade; colocando-se como ouvinte - aquele que domina novas técnicas modernas, mas coloca-as em
continuidade do saber indígena, como forma de ampliação do mundo, como expansão cultural, nunca como substituição.
        Nesta ótica, o professor pode ser participante de um projeto que vai além da própria educação, ou seja, que trabalhe com uma noção ampliada de educação.
Para isso, irá, necessariamente, envolver-se com questões fundamentais como a defesa e garantia das terras indígenas; construção de alternativas de subsistência
(auto-sustentação).

        Nesse sentido, conforme analisou Mosonyi (1996), as comunidades educativas indígenas hoje precisam pensar em pelo menos dois tipos de programas, que
necessitam andar juntos: lingüístico-cultural e econômico-político.

        Para Lopes da Silva (2001), uma tal concepção de educação “supõe atenção a aspectos socioculturais e lingüísticos da vida indígena, nunca isolados da
discussão crítica e própria, travada pelos próprios índios sobre o que querem para si e para os seus”.

        Trago, como encerramento deste diálogo sobre a possibilidade de construção de projetos indígenas de escola e o papel dos professores indígenas, trechos de
recente documento elaborado pelos professores e lideranças presentes no Encontro Nacional de Professores Indígenas e Missionários, citado no início do trabalho.


                                                                                                                                                              27
Intitulado de Carta Compromisso20, o texto expressa sentimentos, desejos e proposições dos participantes frente a este desafio. Sua leitura poderá ser uma
contribuição ao debate e fazer-nos refletir sobre a afirmação de Lopes da Silva (2001): “pode-se dizer que há, de fato, ‘escolas indígenas’ – ainda que não realizem o
ideal de ‘educação diferenciada” almejado”.

           Estamos convictos que a educação que queremos tem que estar a serviço das lutas dos nossos povos, sendo formadora de guerreiros (novas lideranças),
rompendo com o modelo centralizador do Estado brasileiro, que teve como objetivo, durante esses 500 anos, integrar os povos indígenas na sociedade nacional, não
respeitando assim, todo o nosso passado de conhecimento e nossas diferenças adquiridas através dos mais velhos.
           A nossa luta é no sentido de garantir a nossa autonomia como povos diferentes e para isso estamos nos unindo através dos nossos movimentos, para que os
nossos direitos sejam respeitados, independente de quem esteja no poder.
           Continuaremos nos articulando para garantir o fortalecimento das lutas, através dos nossos movimentos em busca de uma educação específica, diferenciada e
de qualidade, lutando para que as propostas advindas das assembléias indígenas, tendo como exemplo o Estatuto dos Povos Indígenas, sejam aprovadas.
           Iremos lutar conjuntamente para que a formação dos indígenas se dê em todos os níveis, abrangendo as necessidades dos nossos povos, respeitando as
especificidades. Lutaremos para que todos os conhecimentos próprios de cada povo sejam valorizados, tanto quanto aqueles que têm maior formação escolar.


BIBLIOGRAFIA
ANE/CIMI (1993).Concepção e prática da educação escolar indígena. Cadernos do CIMI nº 2, Brasília.
BATALHA, Guilhermo Bonfil (1989). La teoria del control cultural en estudio de procesos étnicos. In: Arinsana, nº 10, Caracas.
BONIN, Iara (1997). Refletindo sobre Movimentos Sociais e Movimento Indígena no Brasil, trabalho final da disciplina Estado, Sociedade e Educação - Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação UnB.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (1995). O futuro da questão indígena. In: LOPES DA SILVA, Aracy e GRUPIONI, Luis Donisete. A temática indígena na escola - novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO.
DUPRAT, Débora (2000). O direito de ser índio e o seu significado. In: Porantim, nº 231, dezembro, p.3, Brasília: CIMI.
FERREIRA, Mariana Kawall Leal (1992). Da origem dos homens à conquista da escrita: um estudo sobre povos indígenas e educação escolar no Brasil. Dissertação de Mestrado, Deptº
Antropologia, USP.
IANNI, Otavio (1994). Educação e Sociedade na América Latina. Conferência inaugural do II Congresso Ibero-Americano de História da Educação na América Latina, Campinas:
UNICAMP.
LOPES DA SILVA, Aracy (1988). Índios. São Paulo: Editora Ática.
________(2001). A educação indígena entre diálogos interculturais e multidisciplinares: introdução. In: LOPES DA SILVA, Aracy e FERREIRA, Mariana Kawall Leal (org) Antropologia,
História e Educação – A questão indígena e a escola. São Paulo: FAPESP/Global Editora/MARI.
MONSERRAT, Ruth (1993). Professores indígenas versus índios professores. In: Boletim da ABA, nº 16.
MOSONYI, Estaban Emilio (1996). Familia indígena y Educación Intercultural Bilíngüe. Palestra proferida no II Congresso Latinoamericano de Educación Intercultural Bilingüe, Santa
Cruz, Bolívia.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (1988). A crise do indigenismo, Campinas: Editora da UNICAMP.


20
     Leitura do documento na íntegra pode ser feita no site www.cimi.org.br
                                                                                                                                                                             28
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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 145 ANO III, Nº145 - MAIO - PORTO VELHO, 2004 VOLUME X ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC FLÁVIO DUTKA Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: O DISCURSO DA MODERNIDADE COMO nilson@unir.br PRÁXIS: HABERMAS E A TEORIA CRÍTICA CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 Tatiana Schor PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
  • 2. Tatiana Schor O Discurso da Modernidade Como Práxis: Habermas e a Teoria Crítica Economista e Mestra em Geografia Humana schortatiana@bol.com.br Pretende-se mostrar neste artigo como o livro ‘O discurso filosófico da modernidade’1 de Jürgen Habermas pode ser analisado como uma retomada da Teoria Crítica. Retomada a partir do texto de Horkheimer ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’2. E, mais que isso, como este livro de Habermas pode ser compreendido como práxis no sentido elaborado por Horkheimer no texto já citado. Como práxis, a retomada da teoria crítica poderá indicar um interessante caminho para a discussão acerca da interdisciplinaridade necessária para a compreensão de objetos complexos tal como a questão ambiental. Antes de adentrar propriamente na argumentação principal é necessário explicitar o sentido de Teoria Crítica e práxis elaborado por Horkheimer. De maneira simplificada, podemos entender a Teoria Crítica como sendo a análise teórica que, consciente de seu tempo e de sua especificidade histórica, toma uma postura reflexiva (isto é, crítica) com relação a si mesma e aos objetos que busca analisar3. Percebe a não neutralidade da ciência e por isso pretende pô-la a favor da mudança. Seus objetos de análise não são considerados como estanques, mas ao contrário, como objetos a serem mudados. Mudados para no limite deixarem de ser objetos, abolindo com isso a separação sujeito-objeto tema clássico da ciência tradicional. Neste sentido, o papel do teórico e da teoria, pode ser, e é, crucial para a mudança social, pois é ele quem desvendará o fetiche 4 que encobre as relações sociais possibilitando a emancipação e fará isso desvendando as ‘alienações’ teóricas efetuadas pelos teóricos tradicionais5: esta seria sua práxis6. 1 HABERMAS, Jürgen (1984: 2000). O discurso filosófico da modernidade. Editora Martins Fontes, São Paulo. (Tradução: Luiz Sérgio Repa e Rodnei Nascimento). 2 HORKHEIMER, Max (1937; 1980). ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’ In: Textos Escolhidos, Coleção Os Pensadores, Editora Abril Cultural, São Paulo, pp 117-154. (Tradução: Edgard Afonso Malagodi e Ronaldo Pereira Cunha). 3 “No pensamento sobre o homem, sujeito e objeto divergem um do outro; sua identidade se encontra no futuro e não no presente. O método que leva a isso pode ser designado clareza, de acordo com a terminologia cartesiana, mas essa clareza significa, no pensamento efetivamente crítico, não apenas um processo lógico, mas também um processo histórico concreto. Em seu percurso se modifica tanto a estrutura social em seu todo, como também a relação do teórico com a classe e com a sociedade em geral, ou seja, modifica-se o sujeito e também o papel desempenhado pelo pensamento. A suposição da invariabilidade social da relação sujeito, teoria e objeto distingue a concepção cartesiana de qualquer tipo de lógica dialética.” (Horkheimer, Max 1980:133) 4 É interessante notar que este termo não é utilizado nem por Horkheimer no texto ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’ nem por Habermas. 5 “(...) a função da teoria crítica torna-se clara se o teórico e sua atividade específica são considerados em unidade dinâmica com a classe dominada, de tal modo que a exposição das contradições sociais não seja meramente uma expressão da situação histórica concreta, mas também uma expressão da situação histórico concreta, mas também um fator que estimula e que transforma.” (Horkheimer, Max 1980:136) 6 “A teoria crítica não tem, apesar de toda sua profunda compreensão dos fatos isolados e da conformidade de seus elementos com as teorias tradicionais mais avançadas, nenhuma instância específica para si, a não ser os interesses ligados à própria teoria crítica de suprimir a dominação de classe. Essa formulação negativa, expressa abstratamente, é o conteúdo materialista do conceito idealista da razão. Num período histórico como este a teoria verdadeira não é tão afirmativa como crítica, como também a sua ação não pode ser ‘produtiva’. O futuro da humanidade depende da existência do comportamento crítico que abriga em si elementos da teoria tradicional e dessa cultura que tende a desaparecer. Uma ciência que em sua autonomia imaginária se satisfaz em considerar a práxis – à qual serve e na qual está inserida – como seu Além, e se contenta com a separação entre pensamento e ação, já
  • 3. Argumentaremos que Habermas faz (no sentido amplo do fazer) Teoria Crítica com seu livro ‘O discurso filosófico da modernidade’ pois desvendando a crise da (p.417)7 modernidade e suas patologias no campo teórico pretende resolver o impasse posto pelas teorias através da constituição teorica de uma solução prática no (p.186 e outras) campo da teoria (coação não coercitiva do melhor argumento ) que se desdobraria nas relações da vida: a Teoria da Ação Comunicativa. Habermas como herdeiro (e essa palavra aqui é excelente, pois como todo herdeiro não é exatamente como o esperado) da Teoria Crítica assume que a formulação teórica tem um papel importante na constituição da vida. A teoria tem importância não só no âmbito restrito da academia, mas também no ‘mundo da vida’, pois é ela que possibilitará o desvendamento da realidade e a possível emancipação. Neste sentido, Habermas viu-se na necessidade de resolver o impasse teórico da modernidade, essa necessidade não só como acadêmica, mas como condição sine qua non para a resolução do impasse histórico social. Para tentarmos mostrar essa argumentação faremos uma exposição articulada do livro. O livro em discussão tem como ponto de partida o surgimento da noção de modernidade como a questão da filosofia que é elaborada neste sentido por Hegel (p.9) , pois é neste sistema filosófico que se chega a consciência do tempo(p.31) que se desdobrará em consciência do tempo-atual (ou tempo-presente / Jeztzeit em Walter Benjamin(p.22)). É o a questão do tempo histórico como o tempo novo (moderno) em ruptura constante com o passado(p.11) . Segundo Habermas, para Hegel a circunstância na qual a consciência do tempo destacou-se da totalidade constitui um pressuposto do filosofar contemporâneo(p.31) . Essa consciência do tempo e questão da modernidade se conceitualiza em Hegel pelo incomodo que essa própria modernidade gerou. Este incomodo está localizado nas cisões(p.41) geradas pela modernidade que necessita se auto-referenciar(p.42) desde sua constituição como filosofia do sujeito(p.41) . Na análise hegeliana cada esfera (ciência, moral, estética) da modernidade está ancorada em leis próprias que tem que ser fundamentadas e autocentradas, e mais que isso, a subjetividade é encontrada em todas as esferas o que o leva ao diagnóstico de falta de mediação que implica na cisão da filosofia(p.26-27) . Mas não só a filosofia encontra-se cindida mas a sociedade representada nos conflitos sociais que necessitam de uma solução(p.40) . Para a possível solução dessas cisões Hegel encontra na razão, numa razão absoluta, a priori, que criou e perpassa todas as esferas(p.41) , a solução da modernidade(p.43) . Para Hegel, segundo Habermas, “O absoluto não é concebido nem como substância, nem como sujeito, mas apenas como o processo mediador da auto-relação que se produz independente de toda condição.”(p.49) . Com esta solução (Razão Absoluta como mediação) encontrada tem-se, para Habermas o empobrecimento da crítica (p.57) e a tentativa de resolver as cisões, logo sair da filosofia do sujeito, é infrutífera(p.60)8. renunciou à humanidade. Determinar o conteúdo e a finalidade de suas próprias realizações, e não apenas nas partes isoladas mas em sua totalidade, é a característica marcante da atividade intelectual.” (Horkheimer, Max 1980:154) 7 Sempre que estivermos citando o livro de Habermas aqui analisado usaremos essa notação simples. 8 Considero importante citar o trecho: “Lembremo-nos do problema inicial. Uma modernidade sem modelos, aberta ao futuro e ávida por inovações só pode extrair seus critérios de si mesma. Como única fonte do normativo se oferece o princípio da subjetividade, do qual brota a própria consciência de tempo da modernidade. A filosofia da reflexão, que parte do fato básico da consciência de si , eleva esse princípio ao conceito. No entanto a faculdade de reflexão, aplicada sobre si mesma, revela-se também o negativo de uma subjetividade autonomizada, posta de modo absoluto. Por isso, a racionalidade do entendimento, que a modernidade sabe que lhe é própria e reconhece como único vínculo, deve ampliar-se até a razão, seguindo os rastros da dialética do esclarecimento. Porém, como saber absoluto, essa razão assume, por fim, uma forma tão avassaladora que não apenas resolve o problema 3
  • 4. Habermas considera que é a partir dessa solução insatisfatória, para não usar desastrosa, de Hegel que a filosofia engendra-se em um processo auto-destrutivo que deve ser rompido para que a emancipação possa voltar a fazer parte da dinâmica histórica consciente de seu tempo-presente. A forte formulação da Razão Absoluta (cap.2 p.52-58) por Hegel cria a necessidade de seus sucessores debaterem-se com ela impossibilitando-os de sair filosofia do sujeito e resolver as cisões da modernidade. Habermas delineia em seu terceiro capítulo três grandes vertentes surgidas deste embate com a Razão Absoluta: (1)os hegelianos de direita que trivializam a consciência moderna do tempo, recortam a razão como entendimento e a racionalidade como voltada a fins(p.63) (por questões de facilidade expositiva com relação ao nosso argumento inicial chamaremos de ‘filosofia da linguagem’); (2) a herança de Nietzsche como simples negação da razão através de um elaborado contradiscurso da modernidade e historiografia do ‘outro da razão’(p.63) (tal como justificamos acima a partir daqui será considerado como ‘filosofia do contradiscurso’); e (3) os hegelianos de esquerda que pretendem continuar o projeto da Razão Absoluta a qualificando como Razão Instrumental(p.63) (filosofia da práxis). Segundo Habermas, o desenvolvimento dos conceitos de ação e interação que culminará na Teoria da Ação Comunicativa é a solução para essa cisão causada pelo conceito unificador de Razão Absoluta que visava resolver a cisão da modernidade. É com a substituição da mediação social, que patologicamente é feita através de conceitos absolutizados e por isso perpetuados na filosofia do sujeito, pelo entendimento recíproco que se poderá voltar a ter a emancipação no horizonte da Teoria. É como resolução teórica da cisão da cisão que Habermas está fazendo Teoria Crítica, pois a compreensão do mundo, tarefa da teoria, é condição sine qua non para a emancipação. Habermas revela no XI capítulo de seu livro o seu método de análise: voltar até o ponto de partida da modernidade ‘para reexaminar mais uma vez em sua encruzilhadas a direção tomada’(p.411) e as alternativas não escolhidas. Por essa razão, continuaremos com nossa argumentação mostrando como Habermas propõe resolver esta cisão da cisão patológica (que seria o discurso filosófico da modernidade) no campo da Teoria voltada para a ação. As três vertentes filosóficas (linguagem, contradiscurso, práxis) debatem-se com o conceito de Razão Absoluta mostrando como através dele não se compreende nem a modernidade nem os limites dela. Este debate por mais diversas que tem sido as vias argumentativas acabou sempre em conceitos absolutizados (tais como Ser, Arquiestrutura, Esclarecimento, Soberania e Poder) que por fim engendrou-os mais a fundo na filosofia do sujeito. O esquema, apresentado em anexo, visa representar de maneira sucinta o movimento da obra e a articulação dos diversos autores analisados por Habermas. Esse esquema visa apontar como a nossa tese inicial, de que Habermas estaria retomando a Teoria Crítica resolvendo as patologias encontradas no discurso filosófico da modernidade, é uma leitura possível do livro. Consideramos que o esquema é auto-explicativo até a tentativa de junção dessas cisões feita por Castoriadis, pois é através da crítica desta tentativa que Habermas desvenda o seu projeto teórico. Por essa razão, achamos que, para efeito de argumentação da proposta de análise por nós exposta, será interessante seguir a argumentação a partir do Capítulo XI “Uma outra via para sair da filosofia do sujeito – Razão comunicativa vs. Razão centrada no sujeito”. Entendemos que é nesse capitulo, que Habermas deixa claro a necessidade de resolver a cisão teórica causada pelo resolução hegeliana já explicada acima. inicial de uma autocertificação da modernidade, mas o resolve demasiado bem: (...) Dessa maneira a filosofia de Hegel satisfaz a necessidade da modernidade de autofundamentação apenas sob o preço de uma desvalorização da atualidade e de um embotamento da crítica.”(p.60) 4
  • 5. (p.411) Habermas inicia o capítulo em questão considerando que “nos déficits empíricos (de Foucault) espelham-se os problemas metodológicos não esclarecidos” , entretanto este déficit não se refere só ao Foucault mas também a Nietzsche e seus sucessores que “não se dão conta que já aquele contradiscurso filosófico, imanente desde o início da modernidade começado com Kant, apresenta a contraprova à subjetividade como princípio da modernidade”.(p.412) Em outras palavras, até a tentativa de escapar da Razão Absoluta negando-a funciona como extensão de seu domínio, pois faz com que ela permanece no centro da análise e de certa forma, continue atuando como mediação entre as esferas. A proposta feita por Habermas de retomar ‘o caminho do discurso filosófico da modernidade até seu ponto de partida’(p.412) não significa só examinar as alternativas adotadas, mas para ele seria importante rever as alternativas não escolhidas. Nos vários capítulos do livro percebemos diversas vezes o fato de Habermas mostrar como o autor em questão, por exemplo o jovem Hegel(p.44-46), quase consegue sair da filosofia do sujeito porém termina por ficar preso a ela. Para Habermas, seria necessário tanto para Hegel quanto para Marx explicitar a totalidade ética “segundo o modelo da formação não forçada da vontade em uma comunidade de comunicação sujeita a pressões de cooperação.”(p.413) Para podermos compreender melhor essa crítica vale a pena voltarmos para o ‘Excurso sobre o Envelhecimento do Paradigma da Produção’(p.109-120) e lembrarmos que a crítica está, de certa forma, centrada na restrição do conceito de práxis, definida em um sentido naturalista e (p.114-118) referente a uma razão cognitiva instrumental pois para Habermas contrária a essa noção de práxis a teoria da ação comunicativa “investiga a racionalidade implícita da práxis comunicativa cotidiana e eleva o conteúdo normativo da ação orientada para o entendimento recíproco ao conceito da racionalidade comunicativa”(p.110) . Habermas explicita que a razão comunicativa será extraída da práxis cotidiana (do mundo da vida) e não de uma determinada ação cotidiana (a produção, por (p.433) exemplo) em detrimento das outras. Para ele é necessário um programa de expansão da razão , pois esta está reduzida ao mundo que pode ser conhecido, ou melhor, à razão cognitiva-instrumental. Esta redução não é feita só pelos teóricos da vertente da ‘filosofia da práxis’ mas as outras vertentes também a reduzem e a deformam ao logocentrismo do sujeito que é capaz de conhecer o mundo.(p.433) Está é, para ele, sem dúvida uma patologia da Teoria que interfere de forma perversa na prática criando e reproduzindo patologias na vida cotidiana. Por outro lado, a crítica à vertente da ‘filosofia da linguagem’, explicita que não se trata tanto para Heidegger de um Ser-aí que se projeta a si mesmo ou para Derrida de um acontecer que forma estruturas, ‘mas aos mundos da vida estruturados comunicativamente que se reproduzem através do medium palpável da ação orientada ao entendimento.”(p.413). Neste ponto, podemos reconhecer o projeto de substituição do medium que é posto por Hegel como sendo a Razão Absoluta, centrada no sujeito que conhece o mundo de forma solitária, por um medium que implica a interação entre pessoas que são capazes de falar e de agir e chegar a um entendimento”. Tendo apontado o que deveria ter sido realizado pelas duas vertentes, Habermas sugere que o paradigma de conhecimento dos objetos (do sujeito isolado que (p.413) conhece, da razão cogniscente-instrumental) seja substituição pelo que ele chama de paradigma do entendimento entre sujeitos capazes de falar e agir. Aqui nos 5
  • 6. parece que ele rompe com uma larga tradição filosófica na qual a caracterização do Ser Humano estava centrada no indivíduo e sua capacidade racional, na razão, o que vemos aqui é um deslocamento do problema da racionalidade para a capacidade de falar e agir e do indivíduo para o entendimento entre pessoas. A necessidade de se mudar de paradigma está posto no próprio fato de que para Habermas as tentativas (inúteis) de escapar da filosofia do sujeito indicam um sintoma de esgotamento. Este esgotamento é o da filosofia da consciência que não dá mais conta de lidar com o mundo de uma forma aberta, isto é, tendo no horizonte de análise um projeto de emancipação. Para poder voltar a possibilidade de emancipação (necessária pois a modernidade mostra-se patológica em todas suas vertentes) tem-se que passar para o paradigma do entendimento recíproco que “é fundamental a atitude performativa dos participantes da interação que coordenam seus planos de ação ao se entenderem entre si sobre algo no mundo”(p.414) Para Habermas, essa ação pode ser compreendida como o entendimento dos pronomes, neste sentido a linguagem não só possibilita a interação entre os sujeitos mas também possibilita a relação do sujeito consigo mesmo (afinal pode falar de si para si). Neste sentido, pela intersubjetividade produzida lingüisticamente, tem-se a identificação sujeito-objeto. Com essa identificação resolve-se normativamente a questão Kantiana do abismo intransponível, pois pelo “saber de regras efetivamente praticado e sedimentado nas manifestações geradas segundo regras, anula-se a separação ontológica entre transcendental e o empírico”(p.416) . Essa identificação é para Habermas o momento revolucionário apontado por Lukács em seu texto ‘Reificação e consciência proletária’. Fato este importante para o autor não pelo momento revolucionário tal como elaborado por Lukács (como tomada de poder pela classe proletária), mas sim como retomada do projeto emancipatório perdido na ‘via retardadora’(p.151) do conceito de Esclarecimento elaborado no livro ‘Dialética do Esclarecimento’ por Adorno e Horkheimer. A importância de substituição do medium é que a partir do paradigma do entendimento recíproco podemos dizer que temos um mundo da vida comum (pois nos entendemos), este funciona como pano de fundo das interação possibilitando que de fato ela ocorra. Habermas enfatiza que o mundo da vida ‘permanece às costas’ 9 e por isso é necessário “uma perspectiva constituída teoricamente para podermos considerar a ação comunicativa como medium através do qual o mundo da vida se reproduz em seu todo.”(p.417). É este mundo da vida comum que possibilita a resolução do abismo intransponível e que ao mesmo tempo constitui um horizonte para o entendimento. Habermas define, num primeiro momento(p.416/417) , o mundo da vida como horizonte e acervo de evidências culturais que retira-se padrões minuciosos, exegéticos, consentidos. É este mundo da vida que como pano de fundo passa a ser o medium que permite a ação do entendimento recíproco, perpassando todas as esferas separadas da vida. No paradigma do entendimento recíproco não tem mais sujeito isolado mas participantes da interação. “Os participantes da interação já não aparecem mais como os autores que dominam as situações com a ajuda de ações imputáveis, mas como os produtos das tradições em que se encontram, dos grupos solidários aos 9 Não nos parece gratuita a expressão ‘permanece às costas’ pois está é a expressão utilizada por Marx não só no Primeiro Capítulo do Capital para introduzir o conceito de fetiche mas perpassa os três livros. Com isso não estamos querendo dizer o que Habermas chama de mundo da vida é o fetiche, mas achamos que de fato ele faz uma referência velada ao termo. 6
  • 7. quais pertencem e dos processos de socialização em que se desenvolvem.”(p.417) O mundo da vida se reproduz pelo prosseguimento das tradições, da interação por meio de normas e valores e da socialização das gerações que se sucede. Esta primeira aproximação do que seria o mundo da vida ganha uma definição mais precisa no final do capítulo em questão quando Habermas considera que “o mundo da vida constitui um equivalente do que a filosofia do sujeito atribuíra à consciência em geral como operações de síntese. No entanto, as operações de produção não se referem aqui à forma, mas ao conteúdo do entendimento possível.”(p.452) Claramente aqui Habermas está se diferenciando da origem na ‘filosofia da linguagem’ do termo mundo da vida. Para ele os conteúdos possíveis são oriundos das “formas concretas de vida”(p.452). Com essa diferenciação Habermas escapa da crítica de que estaria cunhando uma razão pura: “Um mundo da vida que deve reproduzir-se apenas através do medium da ação orientada para o entendimento recíproco não seria apartado dos seus processos materiais de vida?”(p.446) A resposta a essa possível crítica por ele mesmo elaborada é negativa pois a ação orientada para o entendimento, como medium, perpassa todas as esferas. Esse medium perpassa todas as esferas pelo fato de existir um entrelaçamento das ações instrumentais com a ação comunicativa. Esse entrelaçamento diz respeito ao fato de que a execução de planos ligados a outros participantes da interação só podem ser realizado por meio de definições comuns da situação e processo de entendimento recíproco (a tal normatividade). A razão comunicativa não é uma razão pura nem outro conceito absolutizado pois “a razão é originalmente uma razão encarnada tanto nos contextos de ações comunicativas como nas estruturas do mundo da vida”(p.447) pois ‘o reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validade, possibilita o entretecimento de (p.447) interações sociais do mundo da vida.” Neste ponto a argumentação torna-se muito interessante pois surge o problema da validade tanto do discurso quanto da razão comunicativa. Habermas aponta a face de Janus da pretensão de validade. Por um lado, tem-se o momento transcendente universal pois a interação, ligada a um mundo da vida que serve como pano de fundo cultural, só se dá com um entendimento possível pois universal. Por outro lado, essa mesma interação está vinculada a uma práxis cotidiana contextualizada e especializada. Tem-se assim uma validade relacionada ao contexto social e ao tempo histórico (uma validade do aqui e agora) que escapa a essa particularidade pelo fato do entendimento recíproco se dar nos quisitos normativos de uma validade universal (que não é a priori e é historicamente específica). Assim a “práxis comunicativa cotidiana encontra-se, por assim dizer, refletida em si mesma.”(p.448) Reflexão essa não do sujeito cogniscente (solitário) mas substituída pela estratificação do discurso e da ação inserida da ação comunicativa. A própria reflexão sobre as pretensões de validade da Teoria da Ação Comunicativa pode ser descrita como “forma de reflexão da ação comunicativa”(p.448) É interessante, para a nossa argumentação, apontar as diferenças que Habermas faz do seu conceito de práxis para o de Castoriadis. Para Habermas o surgimento do pós-estruturalismo tem haver com a ‘falta de credibilidade’(p.455) dos esforços da ‘filosofia da práxis’ em reformular o projeto da modernidade continuando o pensamento marxista. Castoriadis é um dos que fazem parte, para Habermas, dos autores que fazem a ‘virada linguística da filosofia da práxis’(p.441) mas que apesar de ter conseguido fazer essa junção não conseguem sair do paradigma da consciência. A tese de Habermas “é que Castoriadis fracassa na solução desse 7
  • 8. problema10, visto que seu conceito fundamentalista de sociedade não deixa espaço para uma práxis intersubjetiva imputável aos indivíduos socializados”(p.459) , pois considera que “Castoriadis parte do princípio de que, entre a linguagem e as coisas das quais se fala, entre a compreensão constituinte do mundo e o intramundano constituído, existe uma diferença ontológica.”(p.442) Em Castoriadis tem-se uma imagem linguística de mundo a priori e transhistórica e não uma interação entre a linguagem que abre o mundo e os processos de aprendizagem no mundo este fato impossibilita que ele consiga reformular o conceito de práxis e não supera o paradigma da consciência. Habermas aponta alguns problemas que fazem com que Castoriadis não amplie o conceito de práxis. Aponta um reducionismo no conceito de práxis elaborado por Castoriadis pois este o relaciona com o conceito de produção que por sua vez mantém o mundo como objeto capaz de ser compreendido pelo sujeito cogniscente. Não escapa da relação sujeito objeto, (p.460) fazendo com que o conceito de práxis fique embaralhado entre o imaginário que abre o mundo e o trabalho e a interação(p.461) . Considera que o conceito de linguagem do qual Castoriadis parte não permite uma diferença entre sentido e validade(p.460) . Não fica claro quem seria o ator da práxis social revolucionária(p.462) parece que esta ganha um certo estatuto autônomo que para Habermas é indeterminado. Castoriadis não percebendo a necessidade de uma dupla validade perdendo-se em considerações psíquicas relacionadas com a primeira infância que como cerne monádico tem que superar o complexo de Édipo para fazer parte da sociedade, que para Habermas esses “conflitos intrapsíquicos não guardam uma relação interna com os sociais; antes, psique e sociedade estão em uma espécie de oposição metafísica uma com a outra.”(p.464) Habermas considera que a necessidade de ampliar o conceito de linguagem é fundamental, pois este deixa a dimensão lógico-semântico e passa a ser um medium que envolve cada participante da interação como integrante de uma comunidade de comunicação.(p.465) Para ele com base no conceito de linguagem ampliado (o mundo da vida já esboçado) reformulá-se o conceito de práxis a partir da razão comunicativa “que impõe aos participantes da interação uma orientação segundo pretensões de validade, possibilitando assim, uma acumulação de saber capaz de modificar as imagens do mundo.”(p.465) É esta possibilidade de modificação das imagens do mundo que possibilita uma reprodução diferenciada do mundo da vida que por sua vez possibilitaria uma intercomunicação cada vez mais elaborada. Este seria, ao nosso ver, o sentido de emancipação. Podemos ainda perceber por outro angulo, que a reprodução do mundo da vida é emancipatória, pois o mundo da vida não é estático nem no tempo nem no espaço e tem como cerne a interação entre indivíduos. Emancipação em um sentido mais fraco (do que Hegel), pois não será possível desvendar o mundo da vida, unificar as esferas, nem fazer uma revolução(p.482). Tem-se a possibilidade de emancipação parcial incapaz de esclarecer o todo – Habermas só lida com ilusões (p.418) isoladas e não pretende juntar as esferas cindidas, em suas palavras: “A sua força libertadora dirige-se contra ilusões isoladas: ela não pode, por exemplo, tornar transparente o todo de um curso da vida individual ou de uma forma de vida coletiva.” 10 Castoríadis “Tem de resolver o problema de conceber a função da linguagem de abrir o mundo de modo que corresponda a um conceito de práxis pleno de conteúdo normativo.”(p.459) 8
  • 9. Em certo sentido consciente dessas questões, Habermas aponta que para que esse conceito de ‘mundo da vida’ sirva para algo (eis a Práxis da teoria herança da Teoria Crítica) tem que ser transformado em um “conceito empiricamente aplicável e integrado, com o sistema auto-regulado, a um conceito de sociedade constituído em dois níveis” que seriam da lógica e da dinâmica evolutiva. Habermas retoma a questão da especificidade da dinâmica histórica apontada por Horkheimer no texto ‘Teoria Tradicional e Teoria Crítica’ comentando que “(...) a teoria social precisa permanecer consciente de seu (p.419) próprio contexto de surgimento e de sua posição no contexto de nosso presente; também os fortes conceitos universalistas têm um núcleo temporal” Para ele, a práxis de sua teoria vem do fato de que “a teoria da comunicação pode contribuir para explicar como na modernidade uma economia organizada sob a forma do mercado se entrelaça funcionalmente com o Estado que monopoliza a violência, se autonomiza em relação ao mundo da vida, tornando-se uma parte de sociabilidade isenta de normas, e opõe aos imperativos da razão os seus próprios imperativos, fundados na conservação do sistema”.(p.484) Assim, sua Teoria, como Teoria Crítica, desvenda as patologias da modernidade e dá um passo na sua solução quando resolve a patologia no campo teórico: Unifica a cisão do discurso filosófico da modernidade. Como discurso unificado que se posiciona ativamente (Teoria da ação comunicativa) frente à dicotomia sujeito-objeto pode indicar um caminho interessante para a questão epistemológica referente aos estudos interdisciplinares. Romper com a elaboração de conceitos universais, pré-estabelecidos e com conteúdo fixo possibilita o diálogo entre diferentes, e como práxis legitima o papel propositivo da teoria. Esse caminho fica mais claro quando abordamos as questões relacionadas aos problemas interdisciplinares encontrados em programas de pesquisa que tem como objeto questões ambientais, tais como biodiversidade e mudanças globais. A interação entre os diferentes cientistas oriundos das mais diversas áreas de conhecimento esbarra sempre na visão da inter-relação homem-meio, afinal a perspectiva de um cientista das humanidades difere em muito dos demais que invariavelmente posicionam o homem como elemento exógeno perturbador: elemento antrópico. A separação Natureza (como conceito universal indeterminado) e Homem, clássicos da modernidade dificultam ainda mais o diálogo entre as partes. A teoria como práxis e o teórico como desvendador do fetiche possibilita, tal como David Harvey 11 propõem, unificá-los em um sistema sócio-ecológico no qual os fluxos de dinheiro e mercadoria são considerados, incorporando assim os diversos aspectos do mundo em um discurso compreensivo. A Teoria, como nos mostra Habermas, quando incorpora a Crítica, retoma seu papel transformador. Como práxis viabiliza o diálogo interno à própria discussão acadêmica ampliando e incorporando temáticas complexas sem produzir universais absolutos. 11 Justice, nature & the geography of difference. London:Blackwell, 1996. Ver em especial a parte II The Nature of Environment. 9
  • 10. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 146 ANO III, Nº146 - MAIO - PORTO VELHO, 2004 VOLUME X ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP FLÁVIO DUTKA VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail: A LINGUAGEM FEMININA EM FERNANDO nilson@unir.br SABINO CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 Maria Enísia Soares de Souza PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
  • 11. Maria Enísia Soares de Souza A LINGUAGEM FEMININA EM FERNANDO SABINO Aluna do Mestrado em Lingüística - UFRO soares@rolimnet.com.br Antes de iniciar as análises propriamente ditas, quero registrar um breve esboço das obras “A nudez da verdade” e “O outro gume da faca”. A primeira relata o episódio de um homem que corre nu pelas ruas da cidade, causando espanto, escândalo e muita confusão. A segunda narra a história de alguém intencionado em descobrir a verdade sobre o comportamento de sua mulher, e, mesmo sem planejar, comete um crime, sobre o qual tem álibi e as evidências recaem sobre o seu filho, do primeiro casamento. A definição da forma masculina, como norma, mostra que o uso feminino é considerado um desvio desse padrão. Entretanto, nesta análise, não terei preocupação feminista nem machista, quero apenas focalizar o discurso das mulheres, utilizado por um homem – o escritor Fernando Sabino – na posição de um eu- feminino. É praticamente o emprego de palavras de alguém, com o sentido habitual. No caso, o sentido que as mulheres dariam, se incorporassem o papel de personagens. Para “fazer-se mulher” o poeta precisou compreender o universo lingüístico das mulheres, para, de forma indireta, tornar-se uma delas. Sobre o discurso indireto, Frege (1978) faz uma reflexão associando-o ao sentido. “(...) No discurso indireto, fala-se, digamos, do sentido das palavras de outrem. Fica, pois, claro que também neste discurso as palavras não têm suas referências costumeiras, mas referem-se o que habitualmente é seu sentido. De modo mais sucinto, diremos que no discurso indireto as palavras são usadas indiretamente, ou têm sua referência indireta, e o seu sentido costumeiro de seu sentido indireto. A referência indireta de uma palavra é, pois, seu sentido costumeiro. Tais exceções devem ser lembradas, se deseja compreender corretamente, para cada caso particular, o modo de conexão entre sinal, sentido e referência” (p. 64). Tentarei compreender o sentido indireto das palavras de Sabino, através do sentido costumeiro. Ao “desfilar” como mulheres na suas obras, agir, comunicar-se com outras pessoas, Fernando Sabino teve de construir uma identidade para todas elas. D. Mirtes, por exemplo, era uma senhora, a secretária do escritório dos advogados Aldo Tolentino e Marco Túlio. Toda as vezes que ela se dirigia a um dos dois, empregava formas de tratamento e expressões próprias da língua formal. “Dr. Marco Túlio pediu que o senhor falasse com ele assim que chegasse” (Sabino, 2000, p. 9). Naturalmente que a linguagem é adaptada pelo falante à situação do discurso. As palavras doutor e senhor se explicam pelo ambiente e pela relação que tem a secretária com os advogados, seus patrões. É oportuna a citação de Mikhail Bakhtin (1999) em Marxismo e Filosofia da Linguagem: “... a forma lingüística se apresenta aos locutores no contexto de enumerações precisas, o que implica sempre um contexto ideológico preciso” (p. 95).
  • 12. O contexto das enunciações idealizado pelo homem se fundamenta num sistema de normas sociais. D. Mirtes ao dirigir-se aos advogados do escritório, seus superiores, seus chefes, não por acaso, age assim. É que assim está regida sua consciência subjetiva. Essas normas coletivas (morais, jurídicas, estéticas) diferentes de grupo para grupo, variam também o grau de significação, impulsionado pelo conjunto de agentes contextuais, na situação discursiva. Observe-se uma outra personagem da mesma obra – “O outro gume da faca” – Maria Lúcia12, até então, mulher rigorosa, que não admitia palavrões, e, diante de uma observação do marido sobre um pormenor do jantar, dirige-se a ele com uma resposta extremamente inesperada, se é que se pode dizer isso: “ – Ora Aldo, vá à merda” (Sabino, 2000, p. 14). Essa enunciação, figurando no contexto em que ocorreu, é uma demonstração do uso subjetivo da língua, não convencional em situações formais, e torna-se, como defende Bakhtin, um signo adequado às condições de uma situação concreta dada. Foi através do comportamento lingüístico de Maria Lúcia que Aldo Tolentino percebeu que havia algo “errado”, diferente, com a esposa. Em dez anos de casamento, nada semelhante acontecera. A concreta situação em que se deu a forma lingüística, enunciada pela mulher, pode ser entendida à luz das teorias bakhtinianas. “A língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida. Para se separar abstratamente a língua de seu conteúdo ideológico ou vivencial, é preciso elaborar procedimentos particulares não condicionados pelas motivações da consciência do locutor” (p. 96). “... o locutor serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido de enunciação da fala)” (p. 92). O discurso feminino, nas obras de Fernando Sabino, é um discurso de outrem. Pode-se dizer que “é o discurso citado, é o discurso no discurso”. Claro que quando me refiro a discurso citado, o leitor pode se perguntar: Como? Se é o próprio Sabino que cria as personagens? Acontece que a enunciação de outra pessoa, nesse caso as mulheres, consiste numa demonstração de que o escritor está se “travestindo” de mulheres, fazendo-se uma delas, nas mais diferentes situações de discurso. Ao passar para o contexto narrativo indireto, “Eu xinguei você?”:, (frase dita por Maria Lúcia, quando o marido observou que ela o havia xingado) perderia um pouco da expressividade, pois a indiferença, o espanto presentes, ou melhor, marcados na pontuação e a sugestão melódica desapareceriam na voz do narrador. O diálogo após o jantar entre marido e mulher caracteriza o que Bakhtin chama de interação de enunciações, é a constante recepção ativa do discurso de outrem, de fundamental importância para o diálogo. Penso que Fernando Sabino, ao usar o discurso feminino, esteja experimentando a enunciação de outrem na sua consciência. É ainda, esse exemplo, o uso das múltiplas consciências que tem o escritor. É também uma comprovação de que a linguagem não é meramente individual, mas social. As noções sugeridas pela linguagem do sujeito podem denunciar opressão ou repressão. No exemplo que estamos discutindo pode ser um caso desse tipo, já que ao enunciar “... vá à merda”, há um indício de repressão. O discurso derrogatório de Maria Lúcia, naquele dado cenário, traz a idéia de que há algo que foge do “script”. Ali quem mandava, quem sabia das coisas era ela. 12 Esposa de Aldo Tolentino, este, advogado, no mesmo escritório de Marco Túlio. 12
  • 13. A teoria defendida por Spender Lin Coulthard (p. 66 e 67), é a que a linguagem é criação dos homens, a linguagem é uma forma de subjugar as mulheres, e que as mulheres não conseguem expressar os seus próprios significados porque são dominadas pelos homens, parece, senão anular-se, pelo menos ficar estremecida com essa enunciação. Se a linguagem condiciona e restringe o que as pessoas pensam, não há dúvidas que naquele momento, o que a esposa queria era que o marido realmente fosse à merda. Naturalmente que no sentido figurado, “merda” aqui no sentido de desaparecer, “circular”. Sem nada a ver com eufemismo. Passo a discutir um outro discurso ocorrido no dia seguinte ao jantar. Aldo Tolentino vai ao escritório avisar D. Mirtes que vai ao foro, no entanto vai ao escritório e fecha-se no seu escritório particular. Fica praticamente o dia todo, até que, à tarde, sua esposa recebe um telefonema. Era de marco Túlio. No meio da conversa ela menciona que: “Não, ele nem sonha. Vai morrer sem saber. Mas mesmo assim, meu amor, não quero mais voltar àquele lugar não. É muito deprimente. Tenho medo” (p. 23). Nessa passagem confirma-se que há muitas diferenças de linguagem e de estilo interativo entre as mulheres e os homens. Embora haja aí uma situação ameaçadora também por Marco Túlio e, ele se utiliza de um mesmo estilo. “Você não vai querer que eu te leve a um motel”. “Isso é que é perigoso” (Sabino, 2000, p. 23). “Naturalmente, há diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto” (Bakhtin, 1999, p. 146). Bakhtin recomenda que se deve levar o contexto em conta, todas as características da situação de transmissão, suas finalidades, enfiam tudo aquilo que contribui para a situação comunicativa. Para ele, o que menos importa, numa situação comunicativa é a palavra. A enunciação “Isso sim é que é perigoso” é representativa de uma situação em que o falante se vê ameaçado, caso vá ao motel, com a esposa de seu companheiro de trabalho. Os elementos lingüísticos, por si só, nada significam, não fosse o cenário. A significação disso é possível, então, pelo cenário. Embora seja o sinal, o responsável, o que remete o leitor a uma significação de realce. Se para Maria Lúcia, ir ao apartamento sombrio era perigoso, para Marco Túlio, ir ao motel é que era muito mais. Enquanto “O outro gume da faca”coloca desfilar três mulheres, destas trabalhei com o discurso de apenas duas, “A nudez da verdade” põe várias na passarela, porém focaliza Marinalva, a mulher com quem Proença “desnuda a verdade”. Antes de começar a analisar o discurso feminino dessa obra, apresentarei ao leitor uma síntese. Telmo Proença se prepara para ir a um congresso, mas quando chega ao aeroporto não consegue lugar no vôo e se junta a um grupo de amigos, no Sovaco da Cobra, em que está Marinalva, a quem é apresentado. Bebem, cantam, riem, até que vão encerrar a noite no apartamento de Marinalva. A festa se acaba, todos vão e Proença fica. Acorda meio zonzo, sem saber onde está. Vai à cozinha fazer café, enquanto Marinalva cantarola no banheiro. Ela o avisa que o pão está no corredor, do lado de fora. Telmo estica-se para pegá-lo, e a porta, tocada pelo vento, fecha-se com uma pancada. Sobressaltado, aperta a campainha, chama Marinalva, baixinho e, nada. Uma moça e um senhor calvo passam pelo corredor e o vêem, em “trajes de Adão”. Daí em diante, corre pelas ruas, espantando os passantes. Antes, porém, de sair de casa, sua esposa, Carla, pergunta-lhe, num tom quase infantil: “Você...(...) Você jura que não se importa de ir sozinho?” 13
  • 14. O material lingüístico da interrogação e o comportamento do marido (este evitou responder) sugerem certa mágoa, ou mesmo certo descontentamento de ambos. A esposa porque não gostaria de não acompanhar o marido, entretanto não tinha a menor vontade de ir. Proença porque não estava com a menor vontade de ir a congresso nenhum, principalmente de folclore. O que se nota durante a tecitura de “A nudez da verdade” é a preocupação do ser humano ao expressar um pensamento, através de seus costumes e maneiras de agir. Inicialmente, é a mulher, Carla, que não quer magoar seu marido. Depois, este que prefere silenciar a dar uma resposta. Utiliza-se de outra linguagem, (o beijo) como resposta. Aqui me lembra o diz Malinowski sobre o modo de pensar de uma sociedade. Segundo ele, o pensamento está relacionado com o que a sociedade faz. As palavras e as atitudes do indivíduo são surpreendentemente entrelaçadas, que não dá para separar o homem de suas crendices – manifestações da palavra e de atitudes. Claro que o contexto em que Malinowski opina sobre a linguagem é outro, são de feitiçarias e de rituais da comunidade “de melanésios”. Mas em ambas as situações a linguagem é um artifício, um instrumento para cumprirem as leis sociais, que são teorias, portanto palavras e pensamentos que se consubstanciam na prática de todas as ações do homem. O discurso, “Esta é Marinalva, repara só: mulher de olho verde, coisa pra muito luxo!”, proferido por Eliseu, um amigo de Telmo Poença, apresentando a este Marinalva, no Sovaco da Cobra, depois de ter perdido o vôo. Ali, no Sovaco, conversaram e cantaram muito. A observação que faz Elizeu sobre as qualidades físicas de Marinalva é uma demonstração típica de que os homens vêem as mulheres como algo. As que não tiverem olhos verdes, não forem mulatas não agradam aos olhos deles. Vêem-nas como se fossem esculturas. “Pra muito luxo!” pode ser lida como “não é para qualquer um”. De certa forma, carregada de preconceito. Quer dizer que as mulheres que não forem mulatas não são sinônimo de muito luxo. Pode-se afirmar que é uma espécie de “erro lógico”. O que Frege, ao se reportar à linguagem simbólica da Análise Matemática, chama de imperfeição da linguagem, conhecida por nós como ambigüidade semântica. “Nos termos da Lógica, aponta-se a ambigüidade de expressões como uma fonte de erros lógicos” (p. 76). É mais ou menos isso que ocorre na fala do professor Telmo ao Eliseu: “Coisa fina” – falou estalando a língua. “Eu falo a moça, professor, não a cachaça”. O referente “coisa fina”, naquele contexto, ficou ambíguo. É uma espécie de erro lógico. E isso me faz pensar na linguagem como representações e como intuições. Às vezes, uma representação evocada no ouvinte por uma palavra pode ser confundida com seu sentido ou com a sua referência. Parece-me que foi isso que aconteceu com o discurso anterior. Embora não tenha sido meu propósito inicial, abordei o discurso masculino, agora, intencionalmente, por representar uma fala sobre as mulheres. Retomo a abordagem inicial. Marinalva puxando o rosto de Telmo Proença com carinho lhe diz:”Você é professor de quê, meu bem?” Nessa fala, a palavra assume uma posição particular e específica, torna-se uma sombra da realidade, um fragmento de uma dada realidade, no caso, o cenário e a situação do discurso. Um bar, amigos, bebidas. São normas sociais sendo experimentadas, de acordo com a consciência subjetiva de Marinalva. Enquanto locutora, 14
  • 15. ela serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas – Chamar a atenção do professor. (“Você é professor de quê?”) Claro que ela levou em consideração o ponto de vista do receptor. Era a única mulher do grupo. Falavam sobre mulheres e casamento. Usou do poder das palavras para seduzir o professor, que, casualmente, estava decepcionado com a esposa que não quisera lhe acompanhar na viagem. Já em casa, depois de sair do banho, Marinalva desliga o gás, volta para a sala: “Professor! Onde é que você está, meu bem?” “Onde é que você se meteu?” “Brincadeira tem hora” (Sabino, 1987, p. 35). A compreensão que se tem desses enunciados identifica uma situação em que um dos interlocutores não está no ambiente do discurso. A mulher que passara a noite com Telmo, ele, praticamente um desconhecido, depois de um banho, sente a necessidade de confirmar o que está se passando. Percebe-se falando sozinha, num monólogo, não há’reflexão lingüística. Há um eco da sua própria fala, não há alcance de um interlocutor. Não há interação verbal, pois o conteúdo interior não se apropria do conteúdo exterior. Parece complicado isso. Explico: o conteúdo interior deve mudar de aspecto e apropriar-se do conteúdo exterior. Não havendo reflexo, não há apropriação. A confusão pode ser desfeita (ou não) com o que defende Bakhtin: “A expressão comporta, portanto, duas facetas: o conteúdo (interior) e sua objetivação exterior para outrem (ou também para si mesmo). Toda teoria de expressão, por mais refinadas e complexas que sejam as formas que ela pode assumir, deve levar em conta, inevitavelmente, essas duas facetas: todo o ato expressivo move-se entre elas” (p. 111). Em estando ausente um interlocutor, a expressão enunciativa ecoa e retorna ao próprio falante. O uso da linguagem é um meio de conscientização, um reflexo de relações sociais, é sin6onimo de interação. É sinônimo de prestígio. O discurso de Marinalva, “Professor! Onde é que você está?” denota certa formalidade, representada pelo tratamento “professor “ e por que não dizer demonstra seu desprestígio em relação ao seu interlocutor. O que é interessante, nessa passagem é que embora Marinalva tenha “transado”com Telmo, a intimidade não havia ultrapassado as barreiras da linguagem. Tinha sido pouco o tempo para se desfazerem formalidades. As implicações sociais desse discurso ficam claras e me lembra Pritchard, (1993) que ao se reportar à linguagem do povo Nuer, diz que o idioma social desse povo é o idioma bovino. O volume e a variedade do vocabulário referente ao gado é impressionante. E o que tem isso a ver com o que venho tratando? O idioma social estabelecido entre homens e mulheres, no caso Telmo e Marinalva, recém conhecidos, tem referências muito formais, o volume do vocabulário e das enunciações ainda é reduzido, não se estabeleceu com a intimidade da relação extra discurso. Os interlocutores estão, “ainda”, na fase inicial de um relacionamento. O que se nota é que a linguagem e o comportamento humano nem sempre comungam. A abordagem mentalista de Marinalva (“Professor”), é controversa com a sua atitude anterior. O que não ocorreria no discurso Nuer. Percebo que o processo discursivo e a formação do discurso da personagem ressaltam fatores pragmáticos e psicológicos da língua, que se evidenciam na intenção, na situacionalidade e nos atos ilocucionais, cujas formas lingüísticas passam antes por um filtro, que analisa o antes e o depois de uma situação. 15
  • 16. Interrompo a abordagem, com as seguintes palavras: a escolha das formas de linguagem pelas mulheres de Fernando Sabino acentua e consagra o que defende Bakhtin (p. 112) a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados (...), a palavra variará dependendo da hierarquia social de seus interlocutores. A enunciação lingüística é uma estrutura sócio-ideológica. BIBLIOGRAFIA BAKHTIN, M.. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec, 1999. COULTHARD. M.. Linguagem e Sexo. São Paulo, Ática, 1991. FREGE, G. Lógica e Filosofia da Linguagem; seleção, introdução, tradução e notas de Paulo Alcoforado. São Paulo, Cultrix, EDUSP, 1987. MALINOWSKI, B. K. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos na Nova Guiné Melanésia. in Coleção: Os Pensadores São Paulo, Abril Cultural, 1978. SABINO, F. A nudez da verdade. São Paulo, Ática, 1997. ________. O outro gume da faca. São Paulo, Ática, 2000. PRITCHARD, E. E. E. Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das instituições políticas de um povo nilota. in Coleção Estudos, São Paulo, Perspectiva, 1993. 16
  • 17. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO) CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE PRIMEIRA VERSÃO PRIMEIRA VERSÃO ISSN 1517-5421 lathé biosa 147 ANO III, Nº147 - MAIO - PORTO VELHO, 2004 VOLUME X ISSN 1517-5421 EDITOR NILSON SANTOS CONSELHO EDITORIAL ALBERTO LINS CALDAS – História - UFRO CLODOMIR S. DE MORAIS – Sociologia - IATTERMUND ARTUR MORETTI – Física - UFRO CELSO FERRAREZI – Letras - UFRO HEINZ DIETER HEIDEMANN – Geografia - USP JOSÉ C. SEBE BOM MEIHY – História – USP MARIO COZZUOL – Biologia - UFRO MIGUEL NENEVÉ – Letras - UFRO ROMUALDO DIAS – Educação - UNICAMP VALDEMIR MIOTELLO – Filosofia - UFSC FLÁVIO DUTKA Os textos de até 5 laudas, tamanho de folha A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em “Word for Windows” NÃO É FÁCIL SER PROFESSOR: deverão ser encaminhados para e-mail: PROJETOS INDÍGENAS DE ESCOLA E O nilson@unir.br nilson@enter-net.com.br PAPEL DOS PROFESSORES INDÍGENAS CAIXA POSTAL 775 CEP: 78.900-970 Rosa Helena D Silva PORTO VELHO-RO TIRAGEM 200 EXEMPLARES EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA 17
  • 18. Rosa Helena D Silva Professora da Faculdade de Educação - UFAM e participante do Conselho Indigenista Missionário - CIMI rosahelena@horizon.com.br NÃO É FÁCIL SER PROFESSOR: PROJETOS INDÍGENAS DE ESCOLA E O PAPEL DOS PROFESSORES INDÍGENAS O nome ‘professor’ é bonito... mas para cumprir, é preciso muita garra. É pesado mesmo! (Maria Suzana do Carmo Kujajup, professora Kayabi). Diversidade étnica e educação indígena – o que a escola pode ter com isso? Ao agradecer a significativa oportunidade de estar participando deste Seminário, inicio por justificar minha escolha quando, numa mesa redonda que se intitula “Diversidade étnica e educação indígena”, faço a ligação desta temática mais ampla com a complexa questão da escolarização indígena. Retomo e dialogo, nesta primeira introdução, com as anotações pessoais da Conferência “Identidade étnica e educação escolar”, proferida por Bartomeu Meliá, no 13º COLE - Congresso de Leitura13 pois avalio que o problema não é a educação indígena14. O “nó” se dá quando entra na história dos povos indígenas esta nova instituição: a escola15. Como lembrou Meliá, é também um fato que a identidade indígena foi e é ameaçada de diversos modos: “é uma ameaça enquanto não é reconhecida como diferença. É a problemática central do desconhecimento da diferença. Na década de 70 tem início o movimento indígena no Brasil. Começa-se a confrontar identidade e educação escolar”. Como se sabe, existe uma educação indígena fora e antes da escola e, “às vezes, existe apesar e/ou contra a escola”! Surge então a pergunta: “historicamente, como os povos indígenas conseguiram reproduzir seu modo de vida com tanta força? A educação indígena conseguiu reproduzir a identidade dos povos”. Mas o que é identidade? “É olharmos a nós mesmos e olhar aos que estão ao nosso lado. É escavar nas raízes da tradição”. E Meliá esclareceu: “Não é a fixação sobre o mesmo; também não é simplesmente ir para frente, tocar numa outra direção; ela é dinâmica, se constrói em trânsito. Pode se definir como o ‘nós em movimento’: encontrar-se a si mesmo em novas situações as quais eu tenho que responder”.Segundo Meliá, duas palavras-chaves são: relações e comunicação. “É reconhecer-se nas relações com os outros; é ser ‘povos da conversa’, do diálogo, ser ‘conversadores’. A identidade em movimento entra em contato com outros povos: é o chamado encontro”. 13 A Conferência era parte da programação do IV Encontro sobre leitura e escrita em sociedades indígenas. O 13º COLE, organizado pela ALB – Associação de Leitura do Brasil, realizou- se na UNICAMP, Campinas, de 16 a 20/07/2001. 14 Como disse Meliá em outra ocasião, a educação indígena pode ser solução! 15 Uma interessante e pertinente análise da história da escolarização indígena no Brasil foi produzida por Mariana Kawall Leal Ferreira em sua dissertação de mestrado (Ferreira, 1992). O capítulo IV, que trata deste tema, foi recentemente publicado como artigo - “A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil” In Silva e Ferreira (org.), 2001.
  • 19. Sobre este “encontro”, problematizou que “encontramo-nos numa situação de conflito bastante grande. Existe o contato entre os povos indígenas, que se caracteriza como intra-sistêmico, já que podemos considerar que há uma essência comum. Porém, o contato entre os povos indígenas e a sociedade envolvente é tremendamente desigual, já que são sociedades radicalmente diferentes: são lógicas próprias que se confrontam. È a economia de reciprocidade versus a economia de mercado. O que vemos é a construção de modelos de dependência”. E pensando uma saída, colocou que, em grande parte, poderia ser o bilingüismo, ou seja, relacionar os dois sistemas. “Esse bilingüismo que estamos nos referindo não é um bilingüismo individual. É o bilingüismo social: o bilingüismo radical. Este é difícil de ser equilibrado já que os cenários estão numa relação de poder desigual. O bilingüismo radical é humano, de plenos direitos. Neste sentido, é utopia: é construção; vai ser resultado de luta. É tarefa dos movimentos indígenas. É uma ação ofensiva”. Uma segunda introdução: por que o enfoque nos professores indígenas? O presente texto retoma reflexões elaboradas em minha tese de doutorado - que tratou do movimento dos professores indígenas na Amazônia no período de 1988 a 1997 (SILVA, 1998) - tendo agora como fonte e referência de análise depoimentos de participantes do Encontro Nacional de Professores Indígenas e Missionários realizado pela ANE – Articulação Nacional de Educação do Cimi, em Luziânia, de 26 a 30 de junho deste ano16. O evento contou com a participação de 96 professores e lideranças de 66 povos indígenas. Faço esta opção convencida de que, no debate e na prática da construção de projetos indígenas de escola, a figura e atuação dos professores indígenas organizados17 é (ou pode ser) central. Protagonismo, autoria e autonomia indígenas; etnodesenvolvimento, na sua relação com a educação e as pedagogias indígenas, todas essas são questões também cruciais e pertinentes ao tema. Neste sentido, focalizo minha análise e posicionamento na experiência dos professores indígenas, sentindo-me, ao mesmo tempo, questionada e instigada pelas indagações e afirmações projetadas por eles quando se debruçam sobre o tema das escolas indígenas e de seu compromisso enquanto partes desta empreitada. Segundo Lopes da Silva (2001), existe uma distância efetiva entre o plano do discurso sobre a educação escolar indígena no país e a prática escolar e educacional nas aldeias. Nas palavras desta autora, “há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada como projeto e como discussão e, de outro, a realidade das escolas indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por comunidades indígenas para suas respectivas escolas”. Avalio que, para diminuir esta distância, o papel dos professores indígenas pode ser decisivo. 16 Neste sentido, todas as citações de professores indígenas – que estão identificadas em itálico – foram registradas no referido evento. 17 Chamo de “professores indígenas organizados” aqueles que, de uma forma, ou de outra, participam de espaços de articulação e instâncias do movimento indígena. 19
  • 20. De monitor a professor: professores e projetos indígenas de escola A concepção que cada professor indígena deve desenvolver é a de que não somos propriedade do governo, do Estado, do município. Devemos compreender que o professor é instrumento do povo. Ele deve explicação ao povo! Tem espaço maior de aprendizagem do que a luta contra o poder? (José Agnaldo Gomes de Souza, professor Xukurú). Como se sabe, a figura do monitor indígena bilíngüe caracterizava-se por ser um papel intermediário entre os índios e as agências externas. Usava-se uma pessoa do próprio grupo para ser o interlocutor e repassador dos conteúdos. Neste sentido, o que vale ressaltar é que as propostas e projetos de educação eram elaborados de fora, sendo que, ao monitor restava adaptar-se e, para isso, era treinado. Para Silva e Azevedo (1995), “monitor bilíngüe” é um personagem “essencialmente problemático e ambíguo”. Explicam, “não é outra coisa senão um professor indígena domesticado e subalterno. (...) É muito menos alguém que monitora do que alguém que é monitorado por outro”. E complementam sua análise dizendo que, desta forma, “(...) estão sempre prontos a servir a seus superiores civilizados”. Já o conceito de professor indígena está ligado, como parte integrante, a uma definição mais ampla: a proposta de uma escola indígena. Significa que seu trabalho só pode realizar-se eficazmente, segundo os ideais afirmados, num modelo realmente indígena de escola e que esse só pode ser construído com a participação efetiva de todos: professores, lideranças, alunos e comunidade indígena. Conforme Monserrat (1993), “professor indígena é categoria em estruturação na sociedade atual, a partir de variadas experiências, necessidades e expectativas tanto das sociedades indígenas em contato permanente (ou freqüente) com a sociedade majoritária, como dos grupos e entidades de apoio envolvidos em ações de educação escolarizada (para) indígena”. Acrescentaria que, além de categoria teórica, a qual figura já oficialmente em documentos do MEC (1994), como as “Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena” e, mais recentemente, a Resolução 03/1999, do Conselho Nacional de Educação, “professor indígena” é categoria prática e organizativa em plena construção pelos próprios povos indígenas, no bojo das discussões sobre novos papéis sociais, como é o caso também dos agentes indígenas de saúde. Escola e comunidade indígena: uma ligação necessária e desejada. Nas discussões que se têm travado, em especial pelos próprios professores indígenas, há uma ênfase e uma concordância quanto à questão da necessidade da participação da comunidade no processo da educação escolar, sendo que a construção da escola indígena é entendida como um empreendimento coletivo. Neste sentido, uma primeira questão que se sobressai é a valorização do aspecto educativo de todo cotidiano vivido junto à família e a comunidade, assim como o intercâmbio entre os saberes tradicionais e os novos conhecimentos. É o que podemos perceber na fala a seguir: Ensinar o resgate da nossa cultura é preparar o povo, principalmente as crianças, para o amanhã. Não podemos ser empresários. Portanto, não devemos esquecer as nossas origens. É preciso ter jogo de cintura para fazer as duas coisas: a tradição da cultura e a parte não-índia. A nossa identidade é um conjunto. O nosso objetivo é pelo nosso povo, nossa luta (Valmor Vehrá Mendes de Paula, professor Kaingang). 20
  • 21. Mosonyi (1996), em seu texto “Familia indígena y Educación Intercultural Bilingüe”, trabalha esse aspecto fundamental da discussão afirmando que, “nem a Educação Intercultural Bilíngüe, nem outros mecanismos de vitalização das características profundas da identidade poderão prosperar por tempo indefinido, senão pela via de um ataque à problemática de conjunto que, em dada conjuntura, atravessa uma comunidade ou etnia. É imperativo emoldurar qualquer esforço em um projeto comunal ou regional de alcance integral, que leve em conta parâmetros como as terras ancestrais e recém adquiridas, uma economia que conjugue a auto- subsistência com o mercado de alguns produtos, uma organização participativa nos níveis de decisão, principalmente a resolução dos problemas angustiantes da saúde, serviços e direitos humanos elementares. Se, de alguma maneira, não se contemplam todas essas vertentes, qualquer programação isolada está destinada ao fracasso”. Santos (1975), em seu livro Educação e Sociedades Tribais, com objetivo de avaliar a possibilidade da escolarização com ensino bilíngüe - implantada em alguns postos da FUNAI no sul do país - identificou que um dos limites deste processo foi justamente a idéia de que a educação escolar por si só introduziria mudanças substanciais na vida indígena. Concluiu, na época, que os programas de escolarização deveriam fazer parte de um projeto mais amplo, valorizando os índios e sua cultura. Na análise deste autor, a problemática indígena tem causa num quadro sociopolítico, cultural e ideológico, e é neste âmbito de complexidade que deverá ser equacionada. Considero que tal concepção abre caminho para a reflexão atual, na perspectiva de que as escolas indígenas são concebidas como parte de um projeto mais amplo de futuro dos povos a quem elas servem (ou deveriam servir). Depoimento de Rosenildo Barbosa de Carvalho, professor Guarani, nos mostra uma iniciativa concreta que tem sido construída e consolidada com esse entendimento: Quase tudo já acabou, a destruição do meio-ambiente, mas a gente conseguiu pelo menos a escola fazer esse trabalho, reflorestar a bacia. A nossa riqueza é que as nascentes dos rios são todas de dentro da aldeia para as fazendas, não tem o veneno, o agrotóxico. Quando a educação diferenciada corresponde às necessidades da comunidade, ela trabalha com os problemas da comunidade. Com relação à auto- sustentação, é importante cada comunidade se organizar e dizer: “é isso que a gente quer”. E dessa forma a gente vai conseguir chegar onde a gente quer. E começar o trabalho. Segundo Lopes da Silva (2001), “a educação em contextos interculturais é pensada, então, como fluxos de conhecimentos que transitam entre fronteiras móveis e sempre recriadas”. Escola e prática político-pedagógica: concepções, estratégias e iniciativas indígenas “Nós pesquisamos para não errar. A educação está precária, está no mundo dos brancos. Mas a gente está reagindo agora” (Arão, professor Oro Waram Xijien). Uma das forças que se sobressai nas experiências construídas pelos professores indígenas, relatadas e discutidas no Encontro Nacional de Professores Indígenas e Missionários é a avaliação que fazem, de que, mesmo frente a uma situação não ideal, repleta de problemas e contradições, é possível agir, nem que seja, 21
  • 22. como dizem, realizando trabalhos “paralelos”. O termo paralelo é usado no sentido de que, mesmo não abandonando totalmente o modelo de escola de nossa sociedade, introduzem práticas e conteúdos próprios de suas culturas. Outros aspectos que se destacam são: a criatividade; a crítica e contestação às antigas práticas; a não dependência de material didático de fora; a humildade para assumir a pouca experiência e a vontade de exercitá-la. O saber é entendido como processo contínuo, que não se esgota, mas se constrói e reconstrói sempre. Valoriza-se assim o que é próprio de cada povo, o que contribui no processo da auto-estima e afirmação de identidade, partindo dos etnoconhecimentos para então, acrescentar novas noções e conceitos. O conhecimento é visto como forma de ampliação do mundo, reafirmando primeiramente a própria cultura, sem se fechar em sua experiência. O professor indígena é visto não como o único portador do saber, valorizando-se muito o aspecto do aprendizado mútuo, presente na relação professor-aluno- comunidade. Sua tarefa é ser multiplicador, repassador dos novos conhecimentos, sendo que, desta forma, o saber é partilhado e não apenas apropriado individualmente. Sua responsabilidade é ser aquele que “transita” nos dois mundos: o do indígena e o do “branco”, segundo suas próprias palavras. O desafio é conseguir manter um certo equilíbrio nesse complexo processo de inter-relação entre as diferentes culturas. Quando falam do contato pedagógico diário com seus alunos, percebe-se um profundo respeito pela criança e uma sensibilidade às suas motivações, levando- se sempre em conta a sua curiosidade. A paciência parece ser um dos valores pedagógicos importantes na relação professor-aluno. Nosso jeito de ensinar é com muita paciência sempre usando a própria palavra. Não forçar muito a criança na hora de dar aula. Contando história da comunidade. Continuando a participar dos trabalhos da comunidade e das lideranças. Respeitando as regras de acordo com a comunidade. Nosso jeito de avaliar é manter a paciência. Professor pode repetir várias vezes com o aluno, conversar bastante durante a aula, voltar sempre, lembrar o que foi dado ontem. Também a comunidade participa da avaliação (professor Guarani). Quanto à prática pedagógica e autonomia, sobressai o papel central dos professores indígenas, como um dos principais envolvidos nos diversos processos de construção das escolas indígenas. Observando relatos que fazem de sua prática pedagógica diária, podemos perceber que estão buscando resolver e encaminhar satisfatoriamente as questões mais amplas e complexas, trazidas em grande parte pela burocratização embutida no processo da escola, enquanto espaço institucional. Destacam-se aí problemas como, oficialização das escolas, remuneração dos professores, currículos e regimentos, infra-estrutura. Como lembra Mosonyi (1996), “ainda segue predominando uma concepção institucional e formalizada da Educação Intercultural Bilíngüe: fundar escolas, formar ou reciclar professores, fazer programas, publicar textos pedagógicos, desenhar metodologias, e inclusive ganhar batalhas frente às autoridades nacionais, para essa iniciativa. Tudo isso é de suma importância, e estamos longe de haver cumprido sequer todos esses passos, nem mesmo nos lugares mais favoráveis. Porém, há outra série de problemas que 22
  • 23. precisam ser enfrentados, senão, é impossível avançar (...). Trata-se da relação entre este tipo de educação e a vida familiar cotidiana, dentro da comunidade, já que a infância escolarizada, pertence, em primeiro lugar, a suas famílias de origem”. Como estratégias escolhidas, observamos a busca por se fazerem conhecer, procurando respaldo nas regiões através do reconhecimento local e oficial, que resulta em conquista de respeitabilidade interna e frente à sociedade envolvente. Inúmeros são os exemplos de articulações indígenas e também de ocupação dos espaços não-indígenas, como ilustra o caso da COPIPE - Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco, relatado por Pretinha, professora Truká: A COPIPE foi fruto de um encontro em Pé de Serra, no povo Xukuru, e o objetivo dessa organização é a articulação entre os nove povos de Pernambuco, promovendo encontrões entre os professores, onde só quem participa são os professores indígenas. Não tem ninguém do governo porque são discussões internas do povo que a gente faz. A gente discute a política de educação escolar indígena. Os encontros são pra gente discutir as estratégias de como se organizar, como agir com o governo. A partir da organização da COPIPE, nós começamos a discutir a nossa política de educação. Já começamos a participar do núcleo, NEEI, que foi criado em 1994 e não tinha nossa participação. Começamos a participar de todas as instâncias - na área de educação - que falam sobre a questão indígena. E o que a gente está sempre colocando pras entidades, pro governo federal e municipal é que qualquer projeto, qualquer ação que se pense em desenvolver na área de educação indígena em Pernambuco, terá que passar pela avaliação e aprovação da COPIPE. Do contrário, os projetos não vão ser aceitos, porque a COPIPE é a representação indígena na área de educação em Pernambuco. Educação, interculturalidade e solidariedade interétnica: para além das próprias fronteiras Dentre as tendências que polarizam o pensamento educacional na América Latina e Caribe, Octavio Ianni (1994) destaca três orientações principais, ligadas à noção de modernização, emancipação e identidade. Segundo ele, “se distinguem pela maneira de diagnosticar os problemas sociais, compreendendo os econômicos, políticos e culturais, assim como pelas diretrizes que formulam. Combinam o diagnóstico crítico da realidade social com o prognóstico acerca de soluções possíveis ou ideais”. Vejamos com mais profundidade o que Ianni diz sobre a tese da identidade, já que entendemos que tais idéias são bastante pertinentes à temática aqui tratada.“A tese da identidade está presente e ativa principalmente nas formulações teóricas e ideológicas dos movimentos sociais indo-americano e afro-americanos. É claro que a problemática da identidade envolve também a da emancipação: uma implica na outra. Os movimentos sociais indo-americanos e afro-americanos organizam-se e desenvolvem-se tendo como objetivo a reconquista ou recriação das suas identidades reais ou imaginárias, como indivíduos, famílias, grupos, coletividades ou nações. Mas essas identidades, em suas dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas, envolvem necessariamente a emancipação. Há um mínimo de emancipação sem o que não se constitui a identidade possível ou sonhada.” 23
  • 24. Outro ponto de destaque para pensar o tema das escolas indígenas é o desafio da interculturalidade. Envolve pelo menos duas situações extremamente complexas. Uma, na maioria das vezes, é de caráter conflitivo e está ligada à questão do contato, envolvendo as relações entre sociedades indígenas e sociedade envolvente. Entram em cena questões como: de que forma se articula a questão do saber tradicional de cada grupo e os novos saberes e necessidades? A outra situação diz respeito às relações internas, ou seja, da diversidade de povos e culturas indígenas. Aqui, os desafios estão ligados à questão da busca de conhecimento recíproco e da construção da solidariedade interétnica. Como bem analisou Bonin (1997), “o fato de um determinado povo passar a participar de uma organização responde a suas necessidades mais específicas: demarcar a sua área, resolver problemas de saúde em sua aldeia, conseguir escola para sua comunidade, expulsar invasores de seu território. No entanto, a participação parece tecer os fios que dão sentido às lutas mais amplas. Gesta-se um processo de re-conhecimento (conhecer em outros termos) das relações estabelecidas pela sociedade envolvente e pelo Estado com estas populações. Esse processo torna evidente para os índios que não é somente o seu próprio povo ou a sua aldeia que é desrespeitada, vítima de omissão e/ou atuação inadequada do Estado, mas todos os povos indígenas, e justamente porque, para a cultura dominante, não há lugar para a diferença. Parece surgir, assim, um sentido coletivo mais abrangente, uma identidade no ‘ser índio’, mas que envolve um sentido sociocultural no plural”. Pensando o lugar social da escola indígena, poderíamos dizer que “(...) é o espaço privilegiado de afirmação e revitalização da cultura, de desenvolvimento da consciência crítica e de análise do contexto político global” (ANE/CIMI, 1993). Nas palavras de Rosenildo Barbosa de Carvalho, professor Guarani, do Mato Grosso do Sul.Antes as lideranças eram as pessoas que lutavam pelo direito da escola indígena. O apoio deles hoje é muito importante dentro do movimento dos professores, eles nos apóiam bastante e eles vêem que o professor tem uma responsabilidade muito grande, de buscar conhecimento, de lutar pelos seus valores, pelos seus direitos. O papel da escola não é só ensinar dentro do período de aula, mas mostrar para a população indígena que aquele é o território deles, que eles têm que cuidar. Lopes da Silva (2001) reconhece a escola como “lugar de manutenção de confrontos interétnicos, mas também como espaço privilegiado para a criação de novas formas de convívio e reflexão no campo da alteridade”. Escola e direito à diferença: superando preconceitos e ambigüidades A discriminação contra o índio por parte da Secretaria de Educação não é só quando é chamado de caboclo. É quando os recursos não são repassados para a educação, quando o Estado não constrói prédios, é quando o pagamento não é em dia (Francisca Oliveira de Lima, professora Arara, do Acre). 24
  • 25. O direito à diferença é tema que tem merecido constantes reflexões de nossa parte, seja por sua própria complexidade, seja pelo elenco de tantas outras discussões que a ele se somam18. Uma primeira diz respeito à forma de como nossa sociedade olha para os índios, incluindo a questão de qual o lugar que reserva para eles. João Pacheco de Oliveira (1993) nos fala sobre isso, ao identificar que “há um uso muito difuso e generalizado do termo índio, materializado nas definições do dicionário, expresso na fala cotidiana, no imaginário popular, na literatura e nas falas eruditas, enraizando-se inclusive no pensamento científico. Nesses domínios, ‘índio’ corresponde sempre a alguém com características radicalmente distintas daquelas com que o brasileiro costuma se fazer representar.(...) Os elementos fixos que compõem tal representação propiciam tanto a articulação de um discurso romântico, onde a natureza humana aflora com mais propriedade no homem primitivo, quanto na visão do selvagem, cruel e repulsivo”. Continuando sua análise, assinala-nos outra perspectiva de relações, ao colocar que “melhor seria pensá-los como povos indígenas, como objetos de direitos e como sujeitos políticos coletivos, distanciando-se do mito da primitividade e das improcedentes cobranças que o senso comum instiga a cada momento”. Carneiro da Cunha (1995) nos mostra como, historicamente, a noção de direito à igualdade foi utilizada para justificar a homogeneização/dominação cultural. Vejamos: “os novos instrumentos internacionais, como a Convenção 169 da OIT (de 1989), a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (na sua versão atual) baseiam-se numa revisão, operada nos anos 70 e sobretudo 80, das noções de progresso, desenvolvimento, integração e discriminação ou racismo. Em poucas palavras, as versões pós-guerra dos instrumentos de direitos humanos baseavam-se essencialmente no 'direito à igualdade'. Mas esse direito, que brotava de uma ideologia liberal, e respondia a situações do tipo 'apartheid', foi largamente entendido como um dever; e a igualdade, que era de essência política, foi entendida como homogeneidade cultural. O direito à igualdade redundava pois em um dever de assimilação. (...) O anti-racismo liberal, como tão bem analisou Sartre (na sua reflexão sobre a ‘questão judia’), só é generoso com o indivíduo, nunca com o grupo. (...) Por supor uma igualdade básica, exige uma assimilação geral”. Roberto Cardoso de Oliveira (1988) já falava nessa necessidade, ao identificar nas relações entre Estado e povos indígenas um “colonialismo interno” que, a seu ver, deveria ser substituído por uma “diplomacia interna”. Trazendo essas idéias para a reflexão sobre as escolas indígenas, perguntamos, quem poderá garantir a “especificidade e diferenciação” – características oficializadas nos diversos textos da legislação da educação escolar indígena - senão os próprios povos indígenas? Refletindo sobre essa questão, e fundamentando-se no texto constitucional, a Procuradora da República, Debora Duprat (2000) afirma que “(...) a par de lhes reconhecer o direito a uma existência diferenciada, a Constituição outorgou aos próprios índios o direito a dizer em que consiste essa diferença” . O conflito entre o reconhecimento/oficialização das escolas indígenas, ou seja, sua incorporação no sistema nacional de educação versus a garantia do direito a modelos e formas próprias de fazer escola – escolas como partes integrantes dos sistemas indígenas de educação, é uma outra polêmica. Penso que o excesso de 18 Esclareço que entendo o “direito à diferença” - “acoplado a uma igualdade de direitos e de dignidade”, conforme CARNEIRO DA CUNHA, 1995. 25
  • 26. normas legais, embora avançadas, em termos de um novo discurso - que respeita a diversidade cultural - confronta-se com a dura realidade das escolas em áreas indígenas. Há necessidade também de se aprofundar o debate acerca da(s) “cidadania(s) indígena(s)”, ou seja de uma cidadania plural e da construção de políticas públicas que dêem conta desta diversidade e que respeitem a decisão dos povos indígenas, inclusive quanto à questão de se querem (ou não) escola e que escola será esta. O que se percebe é que há uma forte tensão entre o direito à diferença e os direitos da chamada cidadania “brasileira”. Da apropriação à inovação: a “indianização” da instituição escolar O ideal de escola indígena que está sendo forjado pelo movimento de professores indígenas não entra em competição, nem substitui a educação tradicional de cada grupo. Ela tem, sim, um espaço e um tempo de atuação bem definidos, que vêm responder às novas necessidades, à realidade das situações históricas vividas. Problemas de diversos tipos e dimensões se colocam no dia-a-dia dos professores, exigindo que estejam sempre atentos e mobilizados para enfrentá-los. Apesar de todo contexto de violência e invasão cultural ao qual foram expostos os povos indígenas, um processo de resistência e oposição sempre foi desenvolvido por estes. Felizmente, vemos que algo está mudando e são os próprios índios e suas organizações que procuram influir e tomar em suas mãos os processo de educação escolar, inclusive criando novas alternativas. Por entender a escola indígena como uma intermediação, um instrumental que se coloca entre as diferentes culturas, não sendo assim um mecanismo apenas interno, mas sim uma necessidade criada “pós-contato” com a sociedade envolvente, trago algumas idéias acerca da dinâmica das relações interétnicas. Guilhermo Bonfil Batalha (1989) é um dos autores que se preocupou com essa questão, trazendo análises pertinentes e elucidativas à problemática em estudo. Após discorrer sobre o que chamou de “os quatro âmbitos da cultura em função do controle cultural”19, enuncia alguns processos que, segundo o autor, permitem compreender a dinâmica das relações interétnicas. Três deles se originam no interior do (ou dos) grupo étnico que se toma como foco de análise. São eles: Resistência - “O grupo dominado ou subalterno atua no sentido de preservar os conteúdos concretos do âmbito de sua cultura autônoma. A resistência pode ser explícita ou implícita (consciente ou inconsciente). A defesa legal ou armada do território ameaçado é explícita e consciente; a manutenção do costume, qualquer que seja este, pode ser uma forma de resistência implícita e inconsciente. Em todo caso, o exercício de ações culturais autônomas, em forma aberta ou clandestina, é objetivamente uma prática de resistência cultural, assim como sua contraparte: a recusa de elementos e iniciativas alheios (o chamado conservadorismo de muitas comunidades: sua atitude refratária às inovações alheias)”. 19 BATALHA (1989) fala em quatro categorias distintas: “cultura autônoma; cultura imposta; cultura apropriada; cultura alienada”. 26
  • 27. Apropriação - “É o processo mediante o qual o grupo adquire capacidade de decisão sobre elementos culturais alheios. Quando o grupo não só pode decidir sobre o uso de tais elementos, senão também que é capaz de produzi-los, o processo de apropriação culmina, e os elementos passam a ser elementos próprios”. Inovação - “Através da inovação, um grupo étnico cria novos elementos culturais próprios, que em primeira instância passam a formar parte de sua cultura autônoma”. Podemos constatar a pertinência desses conceitos e idéias elaboradas por Batalha, também quanto à questão da inovação e criatividade. “A criatividade que se expressa nos processos de inovação não se dá no vazio, mas sim no contexto da cultura própria e, mais particularmente, da cultura autônoma. Este é o marco que possibilita e ao mesmo tempo põe limites às capacidades de inovação: seus componentes específicos são o plano e a matéria para a criação cultural”. No que tenho podido compreender, a perspectiva de escola que os povos indígenas têm projetado e se empenhado em conquistar, é um exemplo concreto, real e atual de inovação. Representam pequenas grandes mudanças construídas cotidianamente. É preciso estar atento e sensível para enxergá-las e interpretá-las com toda sua força e significação. Pois como nos diz esse autor: “as inovações culturais são, por uma parte, mais freqüentes do que comumente se pensa: há muito novo em baixo do sol. Sobretudo, se não se pensa somente nas grandes invenções capazes de marcar por si mesmas um momento da história, se não se repara também, e sobretudo, nas mudanças cotidianas aparentemente insignificantes”. Neste paciente e demorado processo de “indianização” da instituição escolar, ou seja, da construção de escolas próprias – escola Guarani, escola Terena, escola Yanomami...- é fundamental que o professor indígena possa reencontrar-se com sua própria comunidade educativa, já que, na maioria dos casos, ele foi formado fora desta. Tornando-se parte da comunidade educativa, poderá contribuir na busca de novas respostas, colocando a escrita a serviço de uma nova expressão; procurando inspiração nos sábios da comunidade; colocando-se como ouvinte - aquele que domina novas técnicas modernas, mas coloca-as em continuidade do saber indígena, como forma de ampliação do mundo, como expansão cultural, nunca como substituição. Nesta ótica, o professor pode ser participante de um projeto que vai além da própria educação, ou seja, que trabalhe com uma noção ampliada de educação. Para isso, irá, necessariamente, envolver-se com questões fundamentais como a defesa e garantia das terras indígenas; construção de alternativas de subsistência (auto-sustentação). Nesse sentido, conforme analisou Mosonyi (1996), as comunidades educativas indígenas hoje precisam pensar em pelo menos dois tipos de programas, que necessitam andar juntos: lingüístico-cultural e econômico-político. Para Lopes da Silva (2001), uma tal concepção de educação “supõe atenção a aspectos socioculturais e lingüísticos da vida indígena, nunca isolados da discussão crítica e própria, travada pelos próprios índios sobre o que querem para si e para os seus”. Trago, como encerramento deste diálogo sobre a possibilidade de construção de projetos indígenas de escola e o papel dos professores indígenas, trechos de recente documento elaborado pelos professores e lideranças presentes no Encontro Nacional de Professores Indígenas e Missionários, citado no início do trabalho. 27
  • 28. Intitulado de Carta Compromisso20, o texto expressa sentimentos, desejos e proposições dos participantes frente a este desafio. Sua leitura poderá ser uma contribuição ao debate e fazer-nos refletir sobre a afirmação de Lopes da Silva (2001): “pode-se dizer que há, de fato, ‘escolas indígenas’ – ainda que não realizem o ideal de ‘educação diferenciada” almejado”. Estamos convictos que a educação que queremos tem que estar a serviço das lutas dos nossos povos, sendo formadora de guerreiros (novas lideranças), rompendo com o modelo centralizador do Estado brasileiro, que teve como objetivo, durante esses 500 anos, integrar os povos indígenas na sociedade nacional, não respeitando assim, todo o nosso passado de conhecimento e nossas diferenças adquiridas através dos mais velhos. A nossa luta é no sentido de garantir a nossa autonomia como povos diferentes e para isso estamos nos unindo através dos nossos movimentos, para que os nossos direitos sejam respeitados, independente de quem esteja no poder. Continuaremos nos articulando para garantir o fortalecimento das lutas, através dos nossos movimentos em busca de uma educação específica, diferenciada e de qualidade, lutando para que as propostas advindas das assembléias indígenas, tendo como exemplo o Estatuto dos Povos Indígenas, sejam aprovadas. Iremos lutar conjuntamente para que a formação dos indígenas se dê em todos os níveis, abrangendo as necessidades dos nossos povos, respeitando as especificidades. Lutaremos para que todos os conhecimentos próprios de cada povo sejam valorizados, tanto quanto aqueles que têm maior formação escolar. BIBLIOGRAFIA ANE/CIMI (1993).Concepção e prática da educação escolar indígena. Cadernos do CIMI nº 2, Brasília. BATALHA, Guilhermo Bonfil (1989). La teoria del control cultural en estudio de procesos étnicos. In: Arinsana, nº 10, Caracas. BONIN, Iara (1997). Refletindo sobre Movimentos Sociais e Movimento Indígena no Brasil, trabalho final da disciplina Estado, Sociedade e Educação - Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação UnB. CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (1995). O futuro da questão indígena. In: LOPES DA SILVA, Aracy e GRUPIONI, Luis Donisete. A temática indígena na escola - novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO. DUPRAT, Débora (2000). O direito de ser índio e o seu significado. In: Porantim, nº 231, dezembro, p.3, Brasília: CIMI. FERREIRA, Mariana Kawall Leal (1992). Da origem dos homens à conquista da escrita: um estudo sobre povos indígenas e educação escolar no Brasil. Dissertação de Mestrado, Deptº Antropologia, USP. IANNI, Otavio (1994). Educação e Sociedade na América Latina. Conferência inaugural do II Congresso Ibero-Americano de História da Educação na América Latina, Campinas: UNICAMP. LOPES DA SILVA, Aracy (1988). Índios. São Paulo: Editora Ática. ________(2001). A educação indígena entre diálogos interculturais e multidisciplinares: introdução. In: LOPES DA SILVA, Aracy e FERREIRA, Mariana Kawall Leal (org) Antropologia, História e Educação – A questão indígena e a escola. São Paulo: FAPESP/Global Editora/MARI. MONSERRAT, Ruth (1993). Professores indígenas versus índios professores. In: Boletim da ABA, nº 16. MOSONYI, Estaban Emilio (1996). Familia indígena y Educación Intercultural Bilíngüe. Palestra proferida no II Congresso Latinoamericano de Educación Intercultural Bilingüe, Santa Cruz, Bolívia. OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (1988). A crise do indigenismo, Campinas: Editora da UNICAMP. 20 Leitura do documento na íntegra pode ser feita no site www.cimi.org.br 28