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Escritos
Mestrandos
Luiz Guilherme Leite Amaral
Esta obra não possui qualquer licença, mas pede-
se que não seja utilizada para fins comerciais
ou citada sem dar os devidos créditos ao autor.
Utilize uma das maneiras abaixo:
1. AMARAL, L. G. L. (2018)
2. AMARAL, Luiz Guilherme Leite (2018)
3. Escritos Mestrandos (2018)
Escritos
Mestrandos
5
Prefácio
Os Escritos Mestrandos são textos que produzi durante meu
mestrado em Comunicação e Cultura na Universidade de Sorocaba
(SP), entre os anos de 2015 e 2017. Na verdade, houve um primeiro
ingresso a esta pós-graduação em 2012, mas minha permanência
só foi realmente consolidada em 2015.
A grade curricular, muito bem alinhavada pelos professores
sob a batuta do Prof. Dr. Paulo Celso da Silva, deu-me a oportuni-
dade de conhecer e me aprofundar em autores bastante profícuos,
além de poder entrar em contato com trabalhos de jovens e brilhan-
tes acadêmicos, daqueles que tenho orgulho ao pensar que, em bi-
lhões de anos de planeta Terra, nascemos na mesma época.
Meu objeto de estudo é Religião Comparada, e a dissertação
trata da Ecologia da Comunicação católica, que mostra como se deu
a transição dos sermões da igreja dentro de um espaço físico para
um aparelho eletrônico, bem como os fatores que influenciam a fé
e o fiel. Portanto, este livro fala — e muito — sobre processos reli-
giosos, como a criação de Deus e das crenças, a pluralização destas
ideias, entre vários outros aspectos. Assim, no decorrer dos textos
você se acostumará com o tema, e ele lhe poderá ser útil se seu ob-
jeto de estudo também for a religião. Se não, poderá entender como
religiões se envolvem e moldam as sociedades, seja pela estratifica-
ção social, pelo controle ou pela apropriação de ferramentas comu-
nicacionais para chegar a seus objetivos.
Os formatos são variados: ensaios, artigos e a dissertação em
si. Por doze anos exerci a profissão de redator publicitário. Imagine
passar todo este tempo escrevendo títulos com altas doses de tro-
cadilhos e três ou quatro linhas de texto e, numa virada da vida, ter
que escrever páginas e mais páginas de conteúdo acadêmico com
6
citações, formatações engessadas, referências e mais referências. É
um treinamento árduo para quem sempre teve a obrigação de ser
sucinto. Você poderá reparar que alguns textos possuem algumas
poucas páginas, mas o estilo é razoavelmente direto na maneira de
elaborar o raciocínio. Diferentemente dos autores franceses, que
dissertam exaustivamente, sobretudo com o uso de exemplos, os
Escritos Mestrandos têm a capacidade de ser objetivos e elucidativos
no que se propõem a dizer.
Se me é possível sonhar ao escrever este livro, desejo que pro-
fessores de graduação utilizem-no em suas aulas. Grande parte do
conteúdo encontrado aqui é preparatório para a dissertação, então
o livro é útil neste sentido também: servir como uma ferramenta
para desenvolver raciocínios e depois colocá-los no papel. Sendo as-
sim, podemos interpretar este livro como uma troca de gentilezas.
Espero que você também possa debater o que está neste livro, seja
em sala de aula, com amigos ou comigo mesmo, se algum dia nos
encontrarmos pessoalmente. Boa leitura!
Luiz Guilherme Leite Amaral
Janeiro de 2016
Parte 1: ensaios
9
Comunicação evolutiva
Q
uando a Universidade de Oxford, sob a liderança do
Professor Doutor Simon Baron-Cohen (o irmão me-
nos famoso porém não menos importante do ator
que interpreta Borat), apresentou a Teoria da Mente,
não revelou apenas como o cérebro chegou onde chegou em termos
de evolução e complexidade, mas como tomamos proveito dos meca-
nismos criados por estes resultados evolutivos. Estamos falando dos
subprodutos das nossas Cognições Diárias.
Podemos pensar sobre nosso corpo como uma composição de
ferramentas que resolvem problemas. O coração resolve o problema
de bombear sangue para manter nossa temperatura e carregar nu-
trientes e oxigênio; o fígado resolve o problema de separar o que é
bom para o corpo continuar em funcionamento; as mãos resolvem o
problema de manipular os alimentos que ingerimos. Notável como
tudo parece estar ligado ao propósito de sobreviver.
O Darwinismo entra não apenas como uma explicação de
como a natureza sacudiu sua batuta até que chegássemos a esta pro-
fusão de espécies — sem esquecer que mais de 90% de tudo que pas-
sou pelo planeta Terra está extinto. Podemos tomar o Darwinismo
como uma plataforma onde todos os pontos acerca do conhecimen-
to natural e de suas implicações ganhem um sentido mais amplo e
prático. Até que nos entendamos como seres humanos, precisamos
pensar todo o caminho que percorremos até chegar aqui.
Neste momento, ainda não colocávamos à prova nossa condi-
ção de ex-sistere, ou seja, não nos movimentávamos de dentro para
fora em termos comunicacionais com toda a potencialidade que pre-
cisaríamos — ou mereceríamos — já que, por conta do nosso cérebro
ainda não ter alcançado o ápice de sua capacidade, parece que estáva-
mos relegados a um limite muito básico imposto pelo nosso cérebro,
mas que já poderia ser desempenhado pelo corpo. Havia a necessida-
de de eclodirmos esta pequena casca cerebral e ganhar mais espaço
como seres sofisticados em termos biológicos e intelectuais.
10
A Teoria do Cérebro Trino, trabalhada por Paul D. McLean em
1970 no livro “The Triune Brain Evolution: Role in Paleocerebral
functions” e amplamente trabalhada por David Ogilvie e Leonard
Hamilton, da Rutgers, Nova Jérsei, EUA, conta como esta casca eclo-
diu por meio de evidências muito concretas a respeito da evolução
cerebral.
O Cérebro Trino é o resultado de estágios em que novas par-
tes do cérebro foram sobrepondo-se sem eliminar o estágio anterior.
Por mais mecanicista que possa parecer, é assim que funciona. Ainda
que Prigogine aponte que o tempo não pode ser reduzido a uma con-
cepção, certos fenômenos não se encaixam na forma de pensar de
alguns autores; trata-se aqui de um processo biológico e natural que
tem suas próprias regras. Talvez soe como um progressista-darwi-
nista do século XIX, no entanto não vemos acontecer de outra forma.
Durante processo evolutivo das espécies, inclusive a nossa, novas ca-
madas cerebrais formaram-se e garantiram-nos habilidades especí-
ficas que nos diferenciaram dos nossos ancestrais, fazendo com que
tomássemos um rumo diferente em toda a linha evolutiva. Isso sig-
nifica, portanto, que nossa espécie é capaz de ações e fenômenos que
nenhuma outra espécie consegue, ainda que carreguemos dentro de
nós semelhanças em termos de códigos genéticos.
As evidências do Cérebro Trino mostram que possuímos as
mesmas ferramentas que répteis e mamíferos inferiores, e que as
adaptações que assumimos ao longo do processo evolutivo fizeram
com que pudéssemos assumir a ex-sistere que nos faz ser quem so-
mos hoje. Desde o Australopitecos afarensis até o Homo sapiens,
corpo e cérebro conseguiram trabalhar em conjunto para que pu-
déssemos ter a autonomia necessária para nos desvincularmos de
um estado limitado de existência. Para dizer com outras palavras, a
existência é contida em sua totalidade, portanto não pode conceber
parâmetros como “limitado” ou “básico”. No entanto, utilizamos um
ponto de referência, que é o hoje. Aí, sim, podemos estabelecer estes
parâmetrosquandodizemos“comparadoaoHomosapiens,oAustra-
lopitecos afarensis era limitado em termos intelectuais e motores”.
Não quer dizer que somos melhores, mas que somos mais adaptados.
11
A primeira formação é o Cérebro Reptiliano, constituído por
mecanismos para que as funções mais básicas, como equilíbrio, res-
piração, batimentos cardíacos, os cinco sentidos e o senso de domí-
nio territorial. É a formação dos cérebro dos répteis, e por isto é for-
mado para que o animal sobreviva com a “configuração mínima” no
meio ambiente. O Cérebro dos Mamíferos Inferiores, por sua vez, traz
em sua constituição o Sistema Límbico. Assim, é o responsável por
regular funções um pouco mais específicas, como o aprendizado e a
memória em um nível mais rudimentar, emoções, repulsa, alimen-
tação e reprodução.
O Cérebro Racional, por fim, apresenta o córtex cerebral, uma
estrutura muito mais intrincada que regula funções psicológicas,
como a consciência, o planejamento e a linguagem. Nosso cérebro
chegou a tal estágio que os produtos de nossas ferramentas torna-
ram-se insuficientes para todo o potencial que passamos a possuir.
Precisávamos de mais. Começamos a gerar subprodutos de nossas
capacidades, ou seja, produtos que são derivados da coleção original
e que, por consequência, distingue-nos das outras espécies. Começa-
mos a dar novas tarefas às ferramentas que a evolução nos propor-
cionou.
A mão, que antes servia apenas para levar alimento à boca,
agora também manipula objetos: constrói ferramentas, cria adere-
ços e coberturas para o corpo. O cérebro, que deixou de ser Inferior e
tornou-se Racional com a constituição do córtex cerebral, agora não
regula apenas funções do corpo, mas ganhou a habilidade de plane-
jar, calcular, pensar adiante e comunicar-se. O sistema de fala que te-
mos hoje é o resultados de milhares de anos de sons guturais e gritos
que nossos antepassados produziam quando a comunicação corpo-
ral também dava seus sinais de insuficiência.
Surge a voz; surge a vontade de registrar em uma superfície
perene. Os objetos cognoscentes e cognoscíveis trazidos por Paulo
Freire começam a criar um contorno mais delineado a partir do mo-
mento em que surgem as pinturas dos animais que se deseja caçar e
dos alertas com sons vocais. Estes sons e formas podem ser interpre-
tados como padrões rudimentares do que se estabelece como lingua-
12
gem. Aqui é possível concordar com Davidson que “não acha possível
que exista a linguagem sem as noções de verdadeiro ou falso. Mas as
noções de falso e verdadeiro não são possíveis de serem definidas,
pois elas são da ordem prática da linguagem que só existe como pro-
cesso comunicacional” (Rorty e Vattimo). Quando se sustenta a ideia
da sobrevivência como linha para o raciocínio que é empregado nes-
te texto, entendemos qual é o papel da linguagem como um artifício
para o diálogo e a compreensão.
A necessidade da linguagem, falada ou escrita, está direta-
mente relacionada aos interesses dos interlocutores e da ambição
de se chegar a um entendimento que produza uma ação conjunta e
produtiva. Desenhar o animal que se deseja caçar ou estabelecer um
som que signifique “perigo” estão mais ligados à sobrevivência que à
vontade de debater sobre algo. “Debater”, aliás, que torna-se mais um
subproduto destas Cognições Diárias a partir da reunião de diversas
ferramentas que possuímos: a memória para armazenar informa-
ções, a fala (ou escrita) para expô-las, sendo estas próprias uma mí-
dia, de acordo com Pross, e a linguagem (um idioma) para que possa
haver a troca de experiência — o diálogo.
Passamos por outros milhares de anos estabelecendo códigos
para apreender o que o outro diz. Ao mesmo tempo em que as tribos
foram ficando mais sofisticadas e populosas, a linguagem e tudo que
advém dela — os idiomas, os códigos, a semiótica no seu estado bru-
to, sem Pierce ou Eco — também sofreram alterações a fim de fica-
rem igualmente sofisticadas. O tribalismo não é somente uma con-
sequência de haver muitas pessoas no mesmo lugar. É um artifício
para garantir a sobrevivência, a primeira e definitiva motivação para
estarmos até hoje povoando este mundo. Se não sobrevivemos, não
produzimos, não construímos, não criamos; não deixamos descen-
dentes que possam continuar de onde paramos.
Não é possível que algo tão maleável como a linguagem fique
estagnada enquanto tudo borbulha ao seu redor; é como se a soma-
tória de tudo que há criasse um sistema em que uma coisa puxa a
outra, fazendo com que todas elas se encaixem em o mesmo nível de
emprego do sentido, de uma maneira a suportar o que nasce, o que é
13
criado e o que se vai. Ao mesmo tempo em que desejamos e criamos,
também conseguimos pensar no que criamos, e entramos em um
círculo virtuoso em que tudo se impulsiona para preencher lacunas
e trazer um sentido ao que agora há.
A vida humana não parece ser tão estática aos olhos do coti-
diano, como sugere Martino em seu texto, pois pode-se interpretar
o cotidiano como o resultado conjunto das ações de todos que com-
põem a sociedade. A sociedade é efervescente, dinâmica e caótica,
e o cotidiano também o é. A própria linguagem de uma sociedade
denuncia seu dinamismo com todas as sua palavras e expressões. A
maneira de encarar o cotidiano e permitir que haja vida em todas as
atitudes, por mais corriqueiras que sejam, denotam não apenas o ca-
minho que percorremos para chegar a este estágio, mas que somos
capazes de nos revelarmos tão complexos quanto tudo que criamos
para nós.
A criação das crenças
A compreensão da linguagem também está relacionada à
compreensão da intencionalidade. A intenção de se fazer entender
e demonstrar uma ideia ou um propósito, portanto, é crucial para
que a linguagem permaneça viva. A criação das ideias metafísicas
seguem estes mesmos padrões ao analisarmos os sistemas com que
são desenvolvidas.
A crença no pós-vida existe antes de Aristóteles ou Descartes,
pois o sentimento de que a vida tem fim e de que é dolorido deixar o
que temos e quem amamos já era inteligível bem antes de ser com-
partimentada em uma teoria tão brilhante. Enterrar pessoas próxi-
mas com seus pertences mais estimados é a primeira evidência de
que o dualismo cartesiano começava a fazer parte dos costumes das
tribos e, como todos os outros produtos das sociedades, foi se modi-
ficando e ficando cada vez mais sofisticado ao ponto de se tornarem
sistemas complexos que as regem. Religiões criaram hierarquias, es-
tratificaram pessoas tornando-as menos igualitárias, mas contribuí-
ram para avanços notáveis por priorizar o planejamento a partir de
14
sistemas de recompensa ou punição.
As narrativas que formam a base das crenças, se deixarmos
de lado juízos de valor sobre seu conteúdo, utilizam muitas das fer-
ramentas que possuímos para criar a compreensão e a intenção de
onde queremos chegar. Como é possível, então, que as mesmas his-
tórias possam ter uma gama tão grande de interpretações a ponto
de criar dissidências dentro do mesmo sistema de crença? Uma das
conjecturas a respeito deste fenômeno é o fato de que a hermenêu-
tica religiosa está muito mais suscetível aos interesses dos que leem
textos sagrados que ao propósito original.
A alteridade (ou a falta dela) é um dos componentes que ge-
ram esta profusão de denominações, igrejas e pessoas compartimen-
tadas em pequenos blocos que se estruturam a partir da modifica-
ção de uma vírgula. Se Locke e Voltaire apresentaram o conceito de
tolerância, “isto é, suportar a alteridade apesar dela”, como escreve
Martino, e talvez possamos assumir que empatia está alguns passos
adiante de tolerância em termos de significado e valor, as religiões
criam uma dicotomia ao gerar dissidentes que, apesar de “irmãos”,
discordam peremptoriamente uns dos outros — a ponto de guerrea-
rem entre si.
A compreensão do texto religioso não deveria ser imbuído de
uma intencionalidade alheia a que se sujeita. Mas, apesar de tentar
esvaziar de juízo esta compreensão, conforme nos ensina Morin, é
penosa a tarefa de fazê-lo quando o próprio texto é recheado de juí-
zos. Nosso universo de significados dentro da linguagem tenta nos
conduzir para o que é “bom” ou “ruim” muitas vezes estabelecido
dentro de uma ética que é justamente produzida a partir do pensa-
mento religioso, mas é necessário que tenhamos a capacidade de
compreender sem julgar. Ainda sobre Morin, citado por Martino, “a
compreensão não acusa nem desculpa. (...) Não leva à impossibilida-
de de julgar, mas à necessidade de complexificar nosso julgamento”.
As religiões tornaram-se não apenas a sistematização de con-
ceitos éticos, recompensas e punições, mas sistematizou também o
modo como compreender uma história a partir de exemplos que re-
presentam o zeitgeist de quando foram criadas. E, apesar de soarem
15
distantes de nossa realidade atual, ainda assim são trabalhadas com
elementos que, talvez pela repetição destas histórias ou por serem
banais, fazem sentido para que sejam aplicáveis.
A Parábola do Filho Pródigo, contada na Bíblia no livro de Lu-
cas,capítulo15,versículos11a32,éumexemplodecomoelementos
comuns a dois tempos distantes podem criar um significado a partir
de uma situação alegórica. A empatia, muito mais que a tolerância da
alteridade, é o componente que faz com que uma parábola funcione.
Mais além, a empatia é um recurso utilizado dentro da comunicação
religiosa para que se crie a sensação de comprometimento com o que
é apresentado. Quando vemos a imagem de Jesus Cristo crucificado,
autoimolações ou homens-bomba, compreendemos a partir disso
que o comprometimento é alto o suficiente para que não seja uma
mentira, e por isso “calçamos os sapatos” da pessoa que está sendo
representada.
A multidisciplinaridade da comunicação talvez seja o que há
de mais atraente para que tenhamos cada vez mais trabalhos, pro-
fessores doutores e grupos de pesquisa sobre o assunto. Talvez seja
também uma das maneiras mais completas de conseguirmos falar
sobre tantos objetos que se afunilam em ideias que parecem até ób-
vias de tão simples. Neste texto ficou evidente como passeamos pela
Antropologia, Psicologia, Darwinismo e até mesmo a Neurociência
para explicar “por que fazemos o que fazemos quando o fazemos”,
como diz o Professor Doutor Julien Musolino.
O ser humano é capaz de identificar três tipos de almas (Aris-
tóteles), é capaz de desvendar estágios da formação do cérebro para
explicar como funcionamos (MacLean) e criar os mais diferentes ti-
pos de códigos para dizer o que pensa. A crise existencialista, uma
equação matemática e a placa de “dê a preferência” são todos produ-
tos de um mesmo sistema que permite reconhecer a nós mesmos e
tudo que está em nossa volta. Quando Flusser diz que nos comunica-
mos para aplacar a consciência de mortalidade que temos, é possível
que sigamos um novo caminho para dar sentido às nossas capacida-
des: nós nos comunicamos para continuar vivos.
16
O Homo faber e seus
subprodutos
S
e existe uma crença, existem símbolos para represen-
tá-la. É praticamente impossível que uma tradição de
qualquer tipo não seja representada por figuras ou ob-
jetos. Mesmo as religiões de caráter iconoclasta, mas
que utilizam símbolos gráficos para representar suas convicções,
também compartilham deste mesmo processo. Pode-se supor que
um ideograma tenha a mesma representação inteligível de uma es-
tátua quando a intenção é transmitir um conceito da crença em que
estes se inserem. Pode-se compreender, portanto, que a estátua de
um santo possui o mesmo valor simbólico de algo escrito em algu-
ma superfície quando o intuito é prender um significado sobre algo
que se crê.
Uma estátua pequenina de barro que representa a fertilida-
de feminina não é diferente de um texto bíblico, pois neles estão as
mesmas intenções da tentativa de perenização de um ideal de cren-
ça. A produção do ícone está diretamente relacionada à intenção de
eternizar seu significado dentro da crença que a representa. A ques-
tão não reside na complexidade desta determinada crença, mas no
que ela produz para criar sentidos aos que nela creem. Ou seja, des-
de a ideia mais crua e simplória de vida após a morte, passando pelo
dualismo cartesiano até as instituições religiosas poderosas e com
suas hierarquias, todas elas carregam este mesmo traço elementar
que é a representação icônica de suas ideias.
Vilém Flusser, no livro O Mundo Codificado, guia a discus-
são para o papel do ser humano marcado pelo processo fabril em
que, em função de sua capacidade de transformar a matéria-prima
que encontra na natureza, revela-se na condição de Homo faber — o
homem que fabrica. No entanto, o Homo faber não é caracterizado
como um estágio biológico dentro da evolução da espécie huma-
na. Não é uma etapa de adaptação, mas a descrição de uma condi-
ção engendrada a partir do Homo habilis. Isso implica dizer que o
17
Homo habilis, o Homo erectus, o Homem de Neandertal e o Homo
sapiens são todos Homo faber por desenvolverem suas habilidades
manuais e produzirem artefatos dentro do zeitgeist em que estão
inseridos.
Se existe uma crença, é porque existiu alguém que soube re-
presentá-la de tal forma que todos pudessem compreendê-la. A no-
ção de que, em algum momento, alguém comparará o peso de um
coração ao peso de uma pena para saber o quão justo é o dono deste
coração só pôde ser compreendida e perenizada porque houve um
processo de criação do Homo habilis, a transformação de matéria
-prima, como pigmentos e pele de animais, em um esquema visual
que representa este conceito e o torna válido para todos que com-
partilham desta mesma ideologia.
Pode-se compreender o fazer manualmente como um sub-
produto que reúne duas características: o desenvolvimento inte-
lectual e a ampliação das capacidades corporais. A união destes
dois elementos proporciona um salto em que permite que o Homo
faber não apenas utilize as mãos para se apoiar ou levar frutas à
boca, dentre outras ações, mas que possa manipular objetos sob
uma estratégia fabril que resulte em novos objetos mais complexos
que os anteriores. Afiar um osso com uma pedra torna o osso mais
complexo. Amarrar a pele de um animal ao corpo torna a pele mais
complexa. Esta manipulação, que é a habilidade anatômica mais a
análise intelectual para se chegar no resultado esperado, configura-
se como um subproduto.
Considere a ação de desenhar. Em primeiro lugar, os dedos
das mãos, com o polegar opositor, formam uma pinça que resolve
o problema de agarrar um objeto e manipulá-lo com mais destreza.
Em segundo lugar, a capacidade intelectual que se torna gradativa-
mente sofisticada — em curso de milhares de anos — permite que
se possa abstrair o pensamento a tal ponto de criar um novo pro-
duto sobre uma matéria-prima. As mãos e o intelecto conseguem
construir um objeto que seja pontiagudo e preciso o suficiente para
fazer as imagens que se pretende desenhar. As mãos e o intelecto
conseguem também construir um recipiente para armazenar o pig-
18
mento que será utilizado para criar as representações gráficas. As
mãos e o intelecto permitem que o Homo faber molhe o objeto pon-
tiagudo no pigmento contido no recipiente e comece a fazer traços,
linhas e curvas que formam representações visuais de coisas conce-
bidas mentalmente. Constata-se, nesta inter-relação de condições,
que desenhar em uma parede torna-se um subproduto advindo de
uma capacidade física primária somada a uma capacidade intelec-
tual. As mãos também servem para levar frutas à boca, mas quan-
do combinadas com um intelecto mais sofisticado, permite que se
possa criar objetos mais complexos que suas condições originais e,
assim, serem utilizados para produzir representações gráficas de
ideias.
A partir da compreensão do que são os subprodutos, é possí-
vel analisar um outro aspecto: independentemente de qual época
viva o Homo faber, o modo de fazer continuará sempre o mesmo.
Que ele esteja no ano de 560 a. C. ou em 1849 d. C., se quiser fazer
uma estátua de argila, ele utilizará suas habilidades manuais para
manipular a matéria-prima e seu intelecto para moldá-la até que
se chegue ao resultado esperado. Se for um pintor, não importa de
qual período, ele utilizará suas mãos para trabalhar com os pincéis,
as tintas e seu intelecto para conseguir transpor de sua cabeça para
a tela o que deseja representar. Os pincéis foram previamente pro-
duzidos por mãos e intelecto, assim como as tintas e a tela. O Homo
faber não deixa de utilizar suas mãos para tarefas mais elementa-
res, mas a união da anatomia com o intelecto é o que o faz ser um fa-
bricante. Flusser, no mesmo livro, revela em quatros estágios como
é o processo de desenvolvimento destes subprodutos: apropriação
de algo da natureza (Entwenden), conversão deste algo (Umwen-
den), dá-lo uma aplicação (Anwenden) e a utilização da ferramenta
que foi criada (Verwenden) .
É possível entender como as religiões utilizam a condição do
Homo faber para construir suas redes de símbolos, criar vínculos
entre os que compartilham do mesmo pensamento e, assim, pere-
nizar tais convicções. Na aurora do pensamento mágico, quando
nossos antepassados deixaram de ser nômades, enterrar os mor-
19
tos junto a seus pertences mais valiosos cria um sentido que trazia
ao mesmo tempo acalanto e esperança. Por conta desta mudança
de comportamento, algo que não se via no nomadismo, devido ao
desapego como quesito básico para esta forma de viver, passa-se a
fabricar objetos que servem especialmente para representar estes
pensamentos mágicos que estavam surgindo. Isto era inicialmente
feito esculpindo pequenos pedaços de pedra ou madeira, que ser-
viam para idealizar uma figura antropomórfica que tinha uma fun-
ção especial — cuidar da plantação, das chuvas, dos raios e trovões,
etc.
À medida em que as crenças vão se tornando cada vez mais
elaboradas, também se tornam suas representações gráficas ou ob-
jetos. Deuses com corpo de homem e cabeça de ave possuem a mes-
ma intenção representativa da grafia (Allah), ainda que as cren-
ças estejam separadas por milhares de anos. A formalidade criada
pela Igreja Católica para criar suas representações gráficas ou a geo-
metria perfeita das construções muçulmanas passam pelo proces-
so do Homo faber como um agente que fabrica algo que produzirá
sentido. O zeitgeist também se torna um fator determinante para
que estas representações sejam cada vez mais enraizadas na cultura
de um povo. Isto explica, por exemplo, a representação renascentis-
ta de Jesus Cristo, com olhos azuis e longos cabelos louros, algo que
não faria qualquer sentido em outra época ou parte do planeta que
não fossem influenciadas por esta vertente artística.
Nota-se, portanto, que os subprodutos destas cognições são
exatamente os mesmos, por isso produzem o mesmo efeito e são
baseados nas mesmas intenções. Quando se pensa no ato de escre-
ver ou desenhar, lembra-se dos livros sagrados, das gravuras e ou-
tras formas de arte que são o resultado imediato destes subprodu-
tos gerados entre anatomia e intelecto. O ato de esculpir imagens de
santos, anjos ou personagens de qualquer outra crença também é
resultado da união entre as mãos que fazem e a mente que imagina.
20
O proselitismo religioso e o
jornalismo internacional
U
m dos pilares do estabelecimento de uma religião
é a disseminação de suas ideias. Durante séculos,
adeptos das mais diversas crenças se apoiaram nas
mídias disponíveis para divulgar ideias e códigos
para outros povos e, assim, fortalecer suas convicções. O “engaja-
mento”, palavra tão utilizada na publicidade do século XXI, já era
uma noção bastante forte entre estes povos: quanto mais pessoas
estiverem dispostas a passar a mensagem adiante, e quanto mais
pessoas forem persuadidas, muito melhor.
A lista de religiões e tradições espirituais é longa, e envolve
diferentes aspectos: teístas, monoteístas, politeístas, não-teístas.
Todas elas, entretanto, possuem elementos muito similares que,
por este exato motivo, definem-nas como tais. Em primeiro lugar,
toda crença possui um líder, alguém que é inspirado seja por um
profundo conhecimento do comportamento humano ou alguém
que “tenha contato” com uma entidade superior. No primeiro caso
podemos citar o budismo, que é a coleção de ensinamentos de um
líder que não possui poderes extrassensíveis mas é muito hábil na
área da filosofia. Já o segundo caso é o retrato de religiões abraãmi-
cas, cujos líderes afirmam terem recebido ensinamentos de entida-
des superiores, como anjos ou seu único deus, que é a figura central
desta forma de ver o mundo.
No monoteísmo abraãmico — judaísmo, cristianismo e isla-
mismo — Deus (ou um de seus mensageiros) fala com um homem
que acaba se tornando o líder de um determinado povo. O líder dos
judeus é Moisés, que, de acordo com a Torá, o livro sagrado desta
tradição, guia-os durante a travessia no deserto. Mas não apenas
isso: Moisés é a interface entre Deus (Yahweh, Javé) e seus seguido-
res. É ele quem recebe as tábuas do 10 Mandamentos e estabelece a
fundação desta crença.
O cristianismo, por sua vez, herda quase que a totalidade das
21
tradições judaicas, modificando-as a seu bel prazer, criando uma
nova vertente de crença. Neste caso, o líder é Jesus Cristo, que é con-
siderado o filho de Deus com o propósito de livrar a humanidade
dos pecados e restaurar a fé nas pessoas. O conceito de salvação é
algo que se torna um objeto de desejo para os cristãos, ao passo que
no judaísmo é um destino inerente à própria existência — judeus
serão salvos e ponto final.
Oislamismo,porúltimo,éainstituiçãodacrençadequeMao-
mé recebe pelo anjo Gabriel os ensinamentos de Alá. É interessante
que o islamismo também herda tradições dos judeus e dos cristãos,
como alguns códigos de conduta e muitos personagens que estão
na Torá e na Bíblia. Quando verificamos esta cadeia de informações
que são passadas a diferentes povos em épocas distintas, mas que
mantém grande força a ponto de organizar sociedades numerosas e
complexas, surge a pergunta: como é possível?
O modelo utilizado por religiosos é muito similar ao jornalis-
mo internacional, que surge a partir do Século XVI, em um período
em que as negociações de mercadorias entre diferentes povos já es-
tavam em ebulição. A noção de que obter informações implica em
um determinado controle já era corrente muito antes da imprensa.
Quando falamos de sociedades organizadas em torno de uma cren-
ça, não podemos negar que, dentre os mais diferentes propósitos, o
poder e o controle também estão presentes.
A disseminação de ideias religiosas foi uma ferramenta efi-
caz. Assim é possível unir tribos, absorver conceitos que eram com-
preendidos por outros e fazer alianças. Porém, o proselitismo re-
ligioso antecede a escrita. A homilética era a tradição. Reunir um
grupo de pessoas, ficar em pé em um ponto mais alto e usar de mui-
ta eloquência para persuadir era a maneira eficaz. Quando vemos a
Speaker’s Corner, em Londres, onde qualquer pessoa pode subir em
um ponto mais alto e discursar, estamos presenciando uma tradi-
ção de milhares de anos — sem qualquer exagero.
Falar sempre teve um grande peso pois a palavra, tanto quan-
to a flecha, não voltam atrás. Mas existe algo, que inclusive foi bas-
tante trabalhado no artigo Para administrar a fé em Deus: interfa-
22
ces entre mídia, business e religião, que escrevi em parceria com
os Professores Doutores Miriam Cristina Carlos Silva e Paulo Celso
da Silva: o papel tem uma função fundamental como chancela. Isto
se deve por sua principal característica, que é prender o tempo e o
espaço nele. Isto quer dizer que perenizar uma informação dá-lhe
valor — se não, estas ideias não estariam escritas em um livro! De-
senvolver a escrita tornou-se determinante para que a palavra fosse
valorizada.
A voz possui curto alcance, e viajar custa recursos que nem
sempre estavam à disposição. O papiro, folhas de vegetais e pare-
des tornaram-se mídias para armazenar informações. Em alguns
casos, até mesmo improvisos eram aceitos e tidos como atos de
perseverança, como os ensinamentos islâmicos que foram escritos
em omoplatas de camelos para que não se perdessem mesmo com a
forte tradição oral.
O jornalismo internacional tem como ensaio da sua origem o
surgimento de escribas, pessoas cuja função era documentar even-
tos e determinações dos regentes. Estas informações, depois de es-
critas, eram oficializadas e estavam disponíveis ao conhecimento
geral. Não é difícil imaginar que algum mercador interessado no
cotidiano de algum povo pudesse ter acesso a estes documentos
também, já que eles podiam tratar de legislações e outros costumes
que poderiam ser determinantes para o sucesso mercantil.
Os copistas da Idade Média herdam esta representatividade
mas com a função de replicar textos que podiam ser distribuídos
entre as (poucas) pessoas que sabiam ler. A expansão do cristianis-
mo está fortemente calcada no trabalho destes copistas, que ofe-
reciam uma grande quantidade de cópias da Bíblia às populações.
O papel, então, torna-se um aliado da voz para que os ensinamen-
tos cristãos fossem alastrados pela Europa, muito mais do que um
substitutivo. Tanto é que os cultos religiosos até os dias de hoje são
uma mescla da voz com a escrita.
Na Holanda do século XVII, os corantos eram populares. Tra-
ta-se do que originou a atual newsletter. Eram jornais que tinham
como principal assunto a conjuntura econômica e política dos paí-
23
ses, e esta publicação tornou-se muito popular, sendo, inclusive,
subsidiada por muitos comerciantes interessados nestas notícias.
Veja que estamos dando saltos no tempo mas o modelo de se comu-
nicar permanece o mesmo! Ainda que os materiais de cunhos reli-
giosos fossem pagos pela igreja, já que era a instituição que detinha
altíssimo poder — a ponto de ser confundida com o próprio Estado
—, toda a produção dos copistas não eram meramente documen-
tais; também tinham aspecto proselitista.
O que se chama de “internacional” neste texto, no entanto,
guarda a total acepção da palavra. Um documento que viaja do Bra-
sil ao Uruguai, por exemplo, possui tal aspecto porque atravessou a
fronteira de dois países. Então, qual é a diferença se, no século XIII,
um documento cristão fosse transmitido da França para o Reino
de Aragão com propósitos proselitistas? Em ambos os casos, esta-
mos lidando com informações que atravessam fronteiras e que têm
notória função. Portanto, a produção (ou cópia) de textos que são
enviados a diferentes locais, quando atravessam fronteiras, podem
ser classificados como internacionais. Quando olhamos para a im-
prensa escrita do século XIX, entendemos que este conceito, na ver-
dade, deve ter em sua conta o aspecto proporcional, quer dizer, a
partir do momento em que se atravessa uma fronteira, não importa
necessariamente qual é a distância, pois a viagem de qualquer do-
cumento passa a ser internacional.
Se continuarmos saltando entre diferentes épocas históri-
cas, não cessaremos em fazer comparações e analogias. Outra que
é identificável em todo este contexto é o papel do correspondente.
Nos dias atuais, este é o profissional que viaja, temporária ou per-
manentemente, a outro local e abastece seu país de origem com no-
tícias que são pertinentes. No caso dos copistas existe mais de uma
maneira de analisar esta situação, mas ainda assim traçar um para-
lelo. Podemos nos referir a um copista que emite um texto em um
determinado idioma que se destina a conterrâneos que vivem em
outro país, ou copistas que viajam a outro país para aprender o idio-
ma e fazer uma tradução. Esta última opção é talvez mais complexa
que a primeira, mas não menos importante. Quando observamos
24
a evolução do cristianismo pela Europa, notamos que o período de
maior adesão é justamente quanto surge a Vulgata, a Bíblia traduzi-
da para o latim no século V.
O sistema do jornalismo internacional já estava estabelecido
antes mesmo do jornalismo existir. A possibilidade de reproduzir
um texto e disponibilizá-lo para além das cercanias de sua origem
é o marco zero do que se tem hoje com agências internacionais,
publicações com edições especiais para diferentes países e públi-
cos — como a edição latino-americana de um jornal — e os diversos
elementos que compõem uma rede de notícias de alcance global. É
impossível analisar todo o contexto atual do jornalismo sem anali-
sar suas origens. E igualmente impossível analisar a comunicação
religiosa sem levar em conta os métodos que antes eram próprios
de alguns e se tornaram universais, muito provavelmente pela ne-
cessidade de se ter acesso à informação, independentemente da
complexidade de uma sociedade.
25
Ensaio sobre O mito e o Mundo
Moderno (Joseph Campbell)
É
do ser humano criar, mitos deuses e fábulas, espe-
cialmente para explicar o que não se entende e para
reforçar um ponto de vista sob determinado assun-
to. As parábolas dos livros religiosos são exatamen-
te isso. E esta ânsia está ligada diretamente a dois aspectos: 1) a
busca por um agente — ao invés de perguntar “o que” pergunta-se
“quem” — e 2) a curiosidade de saber por que as coisas são como são.
Torna-se comum procurarmos a resposta na própria resposta.
Os mitos são a representação do que gostaríamos de ser. Eles
cobrem as nossas falhas e são os juízes das leis que implantamos
dentro das seitas que criamos. Uma religião é, então, uma compi-
lação de costumes que tem um mito central como legislador quan-
do, na verdade, os legisladores são os próprios fundadores desta
religião. Mitos são modelos de vida e, como diferentes culturas an-
seiam por representações similares — como, por exemplo, o Hilflo-
sigkeit de Freud — é compreensível que haja tantas coincidências.
Mitos não existem somente para explicar os ciclos da vida e
as transformações do ser humano durante sua existência; servem
também para estabelecer uma ordem, para que o próprio compor-
tamento do ser humano seja revelado através destas representa-
ções míticas. É importante entender, no entanto, que moralidade
não tem nada a ver com religião. Nossa sociedade é moderna o su-
ficiente para não comportar mais dogmas tão antiquados. Porém
a necessidade de ser subserviente a um legislador faz com que re-
ligiões se modifiquem e se adaptem (na medida do possível) para
suprir as falhas morais que não existiam em sua época de fundação.
É interessante, contudo, pensar que a Mitologia Comparada,
área de Campbell, pode ter a função de ajudar a escolher um mito
que caiba dentro de suas convicções ou não escolher qualquer um.
Vale lembrar que a relação entre pessoas e suas religiões é a de um
cliente de restaurante com o cardápio aberto. Quer dizer, há a subje-
26
tividade do querer até no dogmático. Um dos processos de se tornar
ateu, por outro lado, é exatamente compreender a função dos mitos
nas religiões. Religião Comparada é o campo que coloca em pé de
igualdade os mitos e doutrinas, mostrando que não há verdade ab-
soluta tampouco verdade soberana.
Dentro deste escopo, podemos lidar com vários assuntos. O
primeiro deles é a perfeição do deus cristão. Ele não é apenas imper-
feito como carrega todos os defeitos tão comumente humanos: é sá-
dico, arrepende-se, é ciumento, tirano e in- transigente. Mas, claro,
estamos lidando aqui com a deturpação de um mito, já que “deus”
é um conceito, uma ideia. Estas falhas são reveladas na própria Bí-
blia:
“Por exemplo, os 10 Mandamentos dizem ‘não matarás’. Aí
no capítulo seguinte diz ‘Vai a Canaã e mata a todos que encontrar’”.
É preciso ler textos sagrados com olhos neutros e críticos,
não apaixonados se quisermos uma interpretação acurada sobre o
que estes mitos significam. Então, vivemos em um mundo de possi-
bilidades finitas de “superpoderes” para deuses porque nossos dese-
jos (ou falhas) também são um repertório finito. Por isso há tantos
deuses com a mesma trajetória e feitos de Jesus Cristo, por exemplo.
A história de Javé é muito bem documentada no livro “A History of
God”, de Karen Armstrong. A derrocada do panteão cananeu e a as-
censão de Javé a deus único cria uma nova ideia de legislador e ver-
dade absoluta — quer dizer, esta é a fundamentação do monoteísmo
judaico após o monoteísmo egípcio.
“Um deus é a personificação de um poder motivador ou de
um sistema de valores que funciona para a vida humana e para o
universo — os poderes do seu próprio corpo e da natureza. Os mi-
tos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, e os
mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mun-
do”.
Quando se alcança uma explicação clara e objetiva sobre o
que é um deus, torna-se difícil sustentar alguma crença em alguma
religião. O componente que mantém esta crença em pé chama-se fé.
E aí todas as questões fundamentais das doutrinas não se abalam,
27
como a questão da morte e a recompensa que supostamente viria
após ou a ideia de energia. Consciência não é energia porque “ener-
gia” neste caso tende ao mágico — que não é empírico. Consciência,
por outro lado, significa reconhecer-se e saber-se humano, ainda
que haja dilemas existenciais e filosóficos — aliás, só conseguimos
filosofar sobre nossa própria existência exatamente por causa de
nossa consciência.
Como gostamos de mitos e deuses, também gostamos de en-
deusar outras coisas. Marcas são deuses, atletas são deuses, músicos
são deuses… É toda uma sorte de elementos e pessoas que podemos
endeusar que já não há mais limites. Estes mitos constroem peque-
nas partes de nosso repertório e transformam-se, assim, em toda
nossa complexidade a respeito do que gostamos, do que desejamos
e do que somos. Isto significa que um mito apenas não é suficiente.
28
Ensaio sobre O Caçado sabendo
Caçar (Edgar Morin)
A
visão de Morin sobre a evolução humana preenche
muitas lacunas no que diz respeito à maneira com
que nós nos adaptamos a este mundo quando ain-
da éramos hominídeos. Se o homem é produto do
meio, então conseguimos atingir um estágio onde, apesar dos pesa-
res, sobrevivemos muito bem. O hominídeo com o polegar opositor
e os pés plantados no chão é o começo da aventura para sua liberta-
ção. E, apesar do fato de que ficar em pé significa deixar vulnerável
partes vitais, como os órgãos sexuais e o pescoço, esta posição per-
mitiu inovações, como a liberação do sistema vocal.
Estar em pé também significa que a caixa craniana sofre me-
nos pressão. O corpo se prepara para uma evolução que levará a di-
versos caminhos. Entre eles, a aurora do pensamento mágico. Isso
não acontece, porém, antes dos hominídeos começarem a enterrar
seus mortos — com seus objetos de valor —, o que incita que os ho-
minídeos começam a se preocupar com a morte e, sobretudo, o que
vem depois dela.
Esta multidimensão a qual o ser humano está exposto — ge-
nética, ecologia, expansão da caixa craniana e interação social — é
o que realmente molda o caminho de sua evolução enquanto espé-
cie. E em meio a todos estes elementos está a práxis, quer dizer, os
afazeres e o cotidiano deste hominídeo. Ainda nesta fase, resume-
se a caçar e a se proteger, pois o ócio que resultará na admiração e
conjectura virá com a agricultura de subsistência. Mas vale lembrar
também que o conjunto de interferências ao qual o hominídeo é
submetido pode ajudar a construir o pensamento religioso.
Um outro instrumento que torna-se crucial para esta “pre-
paração” do hominídeo em se tornar homo sapiens é o fogo. Com a
dominação deste elemento natural, alguns dos principais hábitos
se modificam. Deixar de ficar em estado de alerta significa um sono
29
mais profundo, que também habilita a sonhar. Cozinhar a caça é
também um fator de extrema importância, já que permite moldar
o sistema mastigatório e digestivo, fazendo com que sejamos, ainda
que de uma estrutura mais frágil, mais ágil e versátil.
Agora o hominídeo está pronto para atuar na área em que
vive e começar a tirar suas conclusões. Os mais jovens estão apren-
dendo com os mais velhos. As fêmeas têm um papel definido de
proteção da prole. Todos estes elementos por onde o hominídeo
perambula é o que dá o início ao sentido de cultura. Como tudo na
natureza, algo mais simples gera algo mais complexo, e não o con-
trário. Desta forma, a cultura é transformada em infraestrutura da
sociedade uma vez que ela se retroalimenta e se modifica tornando-
se mais complexa.
O learning, atribuído por Morin, é o sistema pelo qual as so-
ciedades aprendem sobre si próprias e determinando os limites de
sua própria cultura. Este mesmo sistema pode ser utilizado por di-
ferentes grupos ou tribos para que haja um intercâmbio de culturas
e conhecimento. Assim, elas aprendem diferentes valores e podem
repensar alguns aspectos de suas culturas e adicionar novos ele-
mentos.
Sendo a caça o instrumento socializador do homem, a comu-
nicação surge como um recurso bastante eficaz. E neste momento
em que alertar e apontar é vital, sobretudo quando os hominídeos
estão embrenhados em mata alta, mais uma vez todas as variáveis
proporcionam que comecem a surgir linguagens. Em um primeiro
momento tratava-se de um repertório limitado, quase que somente
para chamar uns aos outros — que Morin batiza de call system —,
mas mais tarde evolui para idiomas mais complexos.
O sistema vocal e os músculos da cabeça passam a ser movi-
mentados de maneira a criar sons mais complexos. Percebe-se mais
tarde, já com idiomas e sociedades mais estruturadas que o poder
do debate proporcionado pela linguagem é o que vai ramificar ele-
mentos das culturas. Daí podemos concluir por que há ramificações
de uma mesma religião. Com a linguagem, o homem passa a deter
mais controle sobre suas atividades diárias, o que também contri-
30
bui para a fundamentação da cultura.
A caça também permite que outro senso se desenvolva: a so-
lidariedade. Esta noção “socialista” de que todos têm direito a uma
parte igual ajuda a unir os grupos porque todos acabam entendo
que há uma recompensa pelo trabalho desenvolvido independen-
temente do grau de participação. Mas não apenas a recompensa: há
também a certeza de que todos estão protegidos contra qualquer
ação externa que possa desequilibrar aquele status quo. Isto im-
plica também em uma cumplicidade maior com o grupo, tornan-
do-o cada vez mais coeso. Quando transportamos isso para a soli-
dariedade religiosa, percebemos o mesmo padrão: a recompensa, o
status quo, o grupo coeso. Percebe-se, portanto, que por este viés
o altruísmo é utópico, principalmente pela “fraternidade viril” que
Morin descreve.
Esta camaradagem que está arraigada no relacionamento
masculino por conta do histórico de “aventuras” e divisão da caça
acaba por criar um machismo exatamente também pelo homem
ter o papel de provedor enquanto a mulher se ocupa com atividades
ditas de “menor importância”. O interessante é que as instituições
religiosas sequestram este mesmo modelo social e colocam a figu-
ra feminina como inferior enquanto o homem é o senhor de tudo,
prostrando-se somente diante da figura de seu deus.
31
Ensaio sobre A Fundação e os
Fundamentos das novas
Cidades (Marshall Berman)
O
espaço público é a representação de uma cultura
que, independentemente do nível, exprime os va-
lores do seu povo. Na Atenas do século VI a.C., a ci-
dade fervilhava com seus mercados e artistas que
buscavam um espaço para resolver os problemas dos seus cotidia-
nos sempre interagindo uns com os outros.
É no espaço público que também acontece a manifestação re-
ligiosa. A influência histórica destas instituições e a permissão do
povo, que é adepto delas, faz com que edifícios sejam construídos
para reverenciar seus deuses. Estas construções, em um primeiro
momento, são feitas longe da concentração popular e servia como
um demonstrativo de sua pujança. O Partenon, por exemplo, foi
construído na acrópole (na parte alta) de Atenas e podia ser visto a
milhas de distância pelos barcos que chegavam à costa.
Tão importante quanto a religiosidade eram os mercados. As
pessoas tinham que ir diariamente a estes locais para comprarem
alimentos já que não havia métodos eficazes de estocagem de ali-
mentos. Portanto, é nos mercados que esta confluência de ideias e
anseios acontece. Não havia distinção social porém sempre houve
pessoas que queriam se comunicar, sobretudo, sobre os problemas
sociais que identificavam em suas rotinas como cidadãos.
Porém, na Grécia, o homem comum não exprimia sua opin-
ião, seja por tolhimento ou por falta de oportunidade para tal. É
também no século VI a.C. que a sociedade faz força para ser ouvida
pelos representantes da aristocracia, e a partir disso difundem-se
as Assembleias públicas. Nelas, destacavam-se os bons oradores, os
que chamavam a atenção e eram requisitados para falarem em pú-
blico. Se há pessoas influentes para falar sobre posições políticas,
há também pessoas influentes nas religiões para transmitir suas
32
convicções. As assembleias são o princípio da homilética, princi-
palmente a cristã.
A diferença entre o judeu e o cristão neste caso é que jude-
us são mais que uma religião: são praticamente uma etnia, uma
análise de Shayne D. Cohen. Por isso, não há o conceito de arreban-
har fiéis; quem é judeu é judeu e quem não é não é, por mais separat-
ista que isso possa parecer. A homilética cristã, por outro lado, tem
a função de convencer mais pessoas para que se unam a esta ver-
tente religiosa. Talvez pelo fato de, em seu início, ser uma religião
marginal, mas sempre com o espírito de ser libertadora — seja lá do
que ela liberta.
A influência cristã também está no imaginário grego com a
apresentação de um vocabulário que expressa sentimentos diver-
sos — mais notadamente o da solidão. Esta palavra inexistia no con-
texto ateniense por ser algo estranho: gregos não se sentem — ou se
sentiam — sós exatamente por causa da sociedade altamente pro-
dutiva e ativa onde viviam. Foi a retórica cristã que difundiu este
conceito com suas passagens bíblicas e seus exemplos de como es-
tar só é doloroso. Jesus, pregado na cruz, interpela Deus: “Pai, Pai,
por que me abandonastes?”. Antes disso, solidão fazia pouco ou
nenhum sentido.
Por outro lado, o conceito de aplacar a solidão comunican-
do-se (também visto com Vilém Flusser) está presente na solidão
cristã. No entanto, por mais recluso que um sacerdote cristão es-
teja em seu mosteiro, ainda há a companhia de Deus e, portanto,
não é uma solidão absoluta. As cidades, portanto, contêm pessoas
dos mais variados tipos e com propósitos distintos ou em comum.
Apesar da mudança das sociedades, alguns comportamentos se
mantiveram inalterados. Desde sempre existiram artistas, políti-
cos, matemáticos e até mesmo bêbados cruzando caminhos e con-
tribuindo para o dinamismo do espaço público.
Sócrates era uma figura que andava pela cidade e se mistura-
va aos mais diversos níveis encontrados nela. Ele era participante
ativo de assembleias e de outros discursos populares, inquirindo
e sendo inquirido por muitas pessoas sobre problemas políticos e
33
filosóficos. Não à toa, funda sua Escola de Filosofia para canalizar
seus pensamentos de uma maneira prática e produtiva. O que salta
aos olhos, entretanto, é como a reputação de Sócrates é muito pare-
cida com as descrições atribuídas a Jesus Cristo. Ambos são pessoas
simples e que viviam entre outras pessoas de qualquer distinção
social, por vezes constrangendo os mais abastados com suas falas
e atitudes.
A separação da cidade por zonas de influência cria a sepa-
ração social. É a transformação de bairros ricos e bairros pobres, de
pessoas ricas e pessoas pobres, de guetos que podem se confrontar
ideologicamente. Por outro lado, a divisão em zonas — que também
pode ser chamada de bairros — faz com que cidadãos passem a ter
uma escolha sobre onde querem morar baseado nas suas necessi-
dades, no custo que implicará em suas vidas e sob qual influência
sua família pode ser submetida. Obviamente é impossível controlar
todos estes fatores com sucesso, mas torna-se uma alternativa para
a decisão sobre que tipo de vida uma pessoa, bem como sua família,
quer ter.
A rua é o canal por onde passam os mais diversos interesses.
E é o que traz mais vida à cidade, o que faz as pessoas se deslocarem
por maiores distâncias e promove encontros. A rua acaba por fazer
parte do imaginário popular e da poesia tornando-se uma referên-
cia para o que a cidade tem de mais cativante. Ao mesmo tempo, a
separação da cidade cria guetos onde pessoas “diferentes” se estra-
nham, o que cria um grande preconceito. Só que este preconceito é
sempre gerado de cima para baixo, ou seja, do rico para o pobre, algo
que inexiste em um sistema socialista.
Em face deste problema, a administração começa a repensar
a estruturação da sua cidade para afastar (lê-se proteger) o rico do
pobre. Mas sem este contato, há brutalidade por não se reconhecer-
em iguais — o que difere é o status social, mas até onde isso é impor-
tante quando vivemos em sociedade?
34
Ensaio sobre O que é
Comunicação (Vilém Flusser)
Q
uando Flusser encontra o propósito da comunica-
ção, que é o afastamento da morte e da solidão de
saber-se humano, ao mesmo tempo reconfortamo-
nos com tal ideia que, lúcida, é-nos palpável e, ao
mesmo tempo, passível de inquirições quando relevamos outras
frentes de pensamento. Talvez aqui não seja o caso de desconstruir
Flusser em sua obra, mas também não seria lícito furtar-se a imagi-
nar que esta mesma ânsia do ser humano em se comunicar pode vir
de algo mais abrangente.
O primeiro ponto a se observar é o de que comunicar-se não
é necessariamente um subterfúgio para a finitude da vida. Há tam-
bém aspectos primordiais de sobrevivência nas relações com pares.
Quando ainda éramos hominídeos, viver em grupo sempre certifi-
cou que um poderia cuidar do outro e que todos poderiam cuidar
de todos — Alexandre Dumas talvez tenha escrito o “um por todos e
todos por um” baseado neste mesmo entendimento.
Flusser não vê a comunicação como algo natural, e isso é
demonstrado claramente quando ele articula que “na fala não são
produzidos sons naturais como, por exemplo, no canto dos pássa-
ros, e a escrita não é um gesto natural como a dança das abelhas”.
Irrefutavelmente não o é, especialmente quando levamos em con-
sideração os estudos sobre Cognições Sociais propostos por Fiske e
Taylor. Estes estudos fazem parte de um estudo mais amplo chama-
do de Teoria da Mente desenvolvido desde a década de 1950.
As Cognições Sociais implicam que certas habilidades são
subprodutos de mecanismos existentes. As mãos, por exemplo, não
foram feitas para escrever, mas o treino aperfeiçoou esta habilidade
nos seres humanos. Se fosse algo nato, sairíamos escrevendo como
bezerros recém nascidos já saem caminhando. Quanto a isso há o
ponto pacífico. No entanto, o sistema vocal na garganta é, sim, de-
35
senvolvido para emitir som. É natural de um bebê emitir som assim
que nasce, da mesma forma que era natural nos hominídeos cria-
rem certos padrões sonoros — ainda que grunhidos — para comu-
nicar algo.
Podemos pensar a comunicação como resultado da nossa
adaptação uma vez que partes do nosso corpo com funções primá-
rias satisfeitas abrem novas possibilidades. Pés que foram feitos
para equilibrar o corpo também servem para chutar, mãos que fo-
ram feitas para manipular objetos também constroem. O que há de
comum em todas estas situações é a interferência do intelecto, e aí
a comunicação começa a ter um propósito mais complexo do que
simplesmente ser comparada a uma abelha ou um pássaro.
O “brutal sentido da vida” de Flusser é aos poucos eclipsado
pelo sentido de esperança, sobretudo quando inicia-se o pensamen-
to mágico, que desembocará na criação das religiões. Porém, antes
disso, há de se conjecturar sobre a solidão, aparentemente a condi-
ção humana tão implacável quanto a própria morte. Neste caso, o
autor talvez se deixa levar pela lógica que tece em sua proposição,
mas pode esquecer de outros aspectos que se mostram evidentes
quando se olha para o cenário da vida.
É difícil concordar que o homem seja um ser solitário quando
entendemos que viver em grupo é a estratégia mais antiga para ga-
rantir a sobrevivência. Desde o ser mais primordial a dar origem ao
homo sapiens, todos eles se organizavam em pequenos ou grandes
grupos para executar tarefas, proteger a prole. Mais tarde, quando
entendem a cultura de subsistência como um meio de vida prós-
pero, continuam em grupos e ampliam o conceito de comunidade.
Por todo este cenário a comunicação também se torna fun-
damental, seja para a distribuição de tarefas, seja para disseminar
o conhecimento adquirido através de alguma prática diária ou sim-
plesmente pela observação de um fenômeno. O que o ser humano
faz, portanto, é inverter o sentido de solidão que por ventura po-
deria ser primário e essencial como Flusser prega. A comunicação
não pesará para o lado anatômico ou sociológico do ser humano; os
dois lados se completam tanto na necessidade de exprimir quanto
36
na possibilidade de utilizar o próprio corpo como meio de comuni-
cação.
A religião nos mostra que este processo é verificável. O pen-
samento mágico de uma vida que já não é mais finita uma vez que
se estabelece o conceito de recompensa após a morte incentiva que
pessoas se unam mais ainda frente a este propósito. Quando em
Marcos 16:15 lemos “Ide e pregai o evangelho a toda criatura”, ve-
mos aí o estopim para que a comunicação religiosa tenha seu efeito
mais natural em essência. A mensagem é clara: reúna cada vez mais
pessoas transmitindo a mensagem de que elas não estão sozinhas e
que há um propósito para esta vida.
Mesmo anteriormente ao cristianismo, o conceito de coleti-
vidade em função da comunicação para arrebanhar pares é igual-
mente verificável no judaísmo. Basta lembrar que judeus fecharam-
se em guetos na Itália para poder emprestar dinheiro a cristãos à
época de Medici e a instauração da instituição bancária — a lógica
por trás disso, verifica-se, é a de que tornar-se-ia lícito cobrar juros
deles, já que não faria parte do mesmo povo (Êxodo, 22:24). Mais
uma vez o conceito de coletivo se estende a outros fatores que são
subprodutos de comportamentos sociais.
Mas, bem anteriormente a este episódio, judeus sempre se
organizaram coletivamente para proteger seus interesses próprios,
e isso é feito a ponto de não reconhecer sequer judeus convertidos
como iguais. O termo “jewishness”, cunhado por Shayne Cohen no
livro The beginnings of Jewishness mostra com clareza como agru-
par-se por um ideal transcende a ideia de ser solitário.
A ideia de que a comunicação serve mais para agregar do que
aplacar algum sofrimento reside no fato de que o acúmulo de co-
nhecimento em algum ponto permite a liderança. O detentor do
conhecimento é um doutrinador, um organizador. Será esta figura
quem ajuda a transformar o ambiente por onde anda proporcio-
nando mudanças que tornar-se-ão significativas para todos que es-
tão contidos. Em um plano mais sofisticado, o acúmulo de conhe-
cimento serve para se criar um legado, onde todos terão acesso e
moldarão constantemente suas próprias capacidades cognitivas e
37
intelectuais.
Em cima deste conceito de acúmulo de conhecimento e a
transmissão dele por meio da comunicação, Flusser trabalha a dua-
lidade entre “diálogo” e “discurso”. Vejamos: um índio interpreta a
chuva como um castigo de Tupã, ao passo que um meteorologista
explicará como uma etapa do ciclo das águas na natureza. Portanto,
pergunta-se: qual é o valor da informação para cada contexto? Tal-
vez a diferença entre “interpretar” e “explicar” resida nos estágios
do processo de comunicação. Explicar está relacionado ao mecanis-
mo enquanto a mensagem é o produto deste mecanismo. Em fun-
ção do raciocínio deste texto, ainda não é pertinente discutir a qua-
lidade da mensagem envolvida no conceito de comunicação. Apesar
de sabermos que a diferença entre “diálogo” e “discurso” cabe muito
bem quando entramos no mérito da qualidade, a esquemática da
interdependência parece ser uma nova etapa em todo o processo.
Ela pode ser abordada se discutirmos a alienação proposta por Gu-
temberg ou até mesmo o campo da hermenêutica.
38
Religião como amálgama das
sociedades
Este texto foi escrito originalmente em Inglês para
o curso de Religião Comparada da Rutgers College
(EUA) e traduzido para o Português para esta edição.
C
ompreende-se por alguns acadêmicos e outros auto-
res que a religião é, no mínimo, um dos componen-
tes decisivos na formação das sociedades. Ao cruzar
matérias como História, Sociologia e Antropologia,
é-nos possível compreender com profundidade o conceito de como
tribos tornaram-se vizinhanças, e vizinhanças tornaram-se cidades
divididas por bairros, e como a religião tornou-se um amálgama de
todo este processo.
A principal tarefa da religião é manter pessoas unidas e dire-
cionadas a propósitos comuns, como justiça e estabilidade, e estas
são operadas por sistemas de obediência e recompensa, desdobran-
do-se aí uma forma de controle que justificaria esta busca por equilí-
brio. Por outro lado, as tribos sempre souberam que se um elemento
rouba dentro deste grupo, causando prejuízo a quem quer que seja,
isto causará instabilidade que comprometerá todos os outros inte-
grantes. Em outras palavras, o senso de sobrevivência é colocado
em jogo já que a justiça por si só perde seu significado mais básico. O
papel da religião, neste caso, é restaurar o senso de justiça fazendo
com que estes indivíduos introjetem a ideia de que há uma punição
invisível e fora do controle dos seres humanos, então o sistema de
obediência e recompensa passa a ser moldado, determinante para o
comportamento em sociedade, uma vez que equilíbrio está direta-
mente relacionado à sobrevivência.
Um dos resultados da religião é que ela acaba por denunciar
falhas humanas e ignorância sobre os mais variados aspectos. Isto
é fácil de reconhecer quando você entende como a mente religiosa
39
funciona. Por exemplo, acreditar que o Sol e a Lua são deuses que
vivem em constante disputa, ou que a chuva é um sinal de que estes
deuses estão descontentes, ao passo que, quando a chuva se vai, é
um sinal de perdão. Fixar-se em um pedaço de terra permite o reco-
nhecimento de padrões da natureza, mas estes padrões não podem
ser compreendidos e explicados já que não há desenvolvimento
científico para tal. Então, um deus feliz ou triste faz mais sentido
quando se é impossível explicar fenômenos naturais. Uma mulher
que sai da costela de um homem — incrivelmente — faz mais senti-
do dentro deste mesmo raciocínio. Morrer e encontrar os parentes
que também morreram faz mais sentido. Tudo isso é desejo, ou, a
maneira que nossos ancestrais queriam que pensássemos.
As sociedades hoje são mais estruturadas, assim como nosso
próprio conhecimento sobre o que nos cerca. Sabemos que a chu-
va é parte de um processo natural, o ciclo da água. Sabemos como
uma pessoa nasce, ou como as espécies chegaram a este ponto pela
seleção natural. Chegamos ao ponto em que ciência e religião não
são nem dois lados da mesma moeda, e também chegamos a uma
irrevogável constatação: religiões não são fortes o suficiente para
manter o equilíbrio social. Hoje somos mais complexos do que os
dogmas religiosos conseguem suportar, e isto pode nos fazer repen-
sar a maneira de nos relacionarmos com o pensamento mágico.
40
Descartes, Bloom e o duelo do
dualismo
Este texto foi escrito originalmente em Inglês para
o curso de Religião Comparada da Rutgers College
(EUA) e traduzido para o Português para esta edição.
Q
uando Descartes trabalhou o conceito de dualismo,
havia a convicção de que a ideia respondia muito
sobre suas aflições tanto quanto definia uma solu-
ção para a questão entre corpo e mente. Sabido que
são pensamentos especulativos, já que não há evidência científica
para tais afirmações, ainda assim o dualismo cartesiano tornou-se
uma das bases do pensamento religioso estruturado.
Corpo e mente tornam-se entidades separadas porém inte-
rinfluenciáveis, e isto cria uma base para outras estruturas, como a
consciência, arbítrio e demais elementos da natureza humana. Há
também o fato de que, se há algo em nós que perdura, então deve
existir um lugar para onde vamos após morrermos. Se possuímos
uma mente que se destaca e flana pela eternidade, só podemos as-
sumir que estas ideias surgiram para abrandar crises existenciais.
”Para onde vamos”, “por que estamos aqui” são perguntas que, pelo
princípio do dualismo, podem ser respondidas.
Paul Bloom, por outro lado, dá-nos uma concepção um pouco
diferente sobre a proposta do dualismo cartesiano. Enquanto Des-
cartes dirige suas ideias para o existencial, Bloom preocupa-se mais
em como diferenciamos corpo e mente e em qual estágio de nossas
vidas. Não significa, no entanto, que Bloom confronta Descartes; ele
na verdade apresenta mais um passo na investigação. Bloom ofere-
ce a noção de que, sim, humanos tem a habilidade de pensar por si
próprios pela combinação de dois grandes elementos: um corpo e
um espírito. Além disso, é evidente que humanos compreendem a
complexidade estrutural entre mente e corpo.
No experimento do rato que vive dentro da barriga do jaca-
41
ré, é perguntado a crianças se o roedor sente falta dos pais. Mesmo
sem ter sido expostas a pensamentos mágicos, como Deus, Jesus ou
almas, elas respondem que sim, o que nos mostra que estes con-
ceitos estão mais próximos de um “senso comum” do que algo que
se é doutrinado. Não significa, porém, que há um “DNA divino” ou
algo do tipo; é apenas o que se presume pelo fato de haver a noção
do corpo. Podemos dizer, baseando-se nesta análise, que Descartes
e Bloom trouxeram-nos noções que se intercalam mais do que coli-
dem. Descartes mantém o foco na crise existencial do ser humano,
enquanto Bloom fixa-se no como, quando e por quê tais pensamen-
tos são ativados. É-nos lícito lembrar que o dualismo cartesiano en-
contra-se no campo especulativo. Só porque a maioria acredita na
existência de um Deus ou almas não significa que seja realmente
assim. Esta é uma falácia bastante conhecida nos argumentos reli-
giosos chamada Argumentum ad populum.
42
Darwinismo hoje
Este texto foi escrito originalmente em Inglês para
o curso de Religião Comparada da Rutgers College
(EUA) e traduzido para o Português para esta edição.
H
á um constante equívoco ao abordar a Teoria da
Evolução de Charles Darwin. Antes de mais nada,
um fato científico continua sendo um fato cientí-
fico, pois independe de ser algo em que se acredite.
Isto posto, podemos corrigir a frase “é só uma teoria”. É uma teoria
e pronto. Criacionistas confundem teoria com hipótese, e isto faz
uma enorme diferença quando o assunto é ciência. Uma hipótese é
uma ideia ainda a ser investigada. Ela precisa passar por uma série
de observações, testes de falseabilidade e estudos até que se torne
uma teoria aceita de acordo com a comunidade científica e os prin-
cípios de pesquisa. Se a hipótese é confirmada e se enquadra dentro
de um paradigma, torna-se uma teoria. Então, quando falamos de
Darwinismo ou evolução, falamos sobre um fato.
A “descendência por modificação” darwiniana nos dá uma
compreensão bastante completa de quem somos, de onde viemos
e, por vezes, para onde vamos em termos de espécies. A teoria de-
monstra como espécies espalham-se em grande variedade mas
somente algumas destas variações sobrevivem. Isto é mais do que
adaptar-se; é estar munido de uma estrutura que te faz suportar o
ambiente em que está inserido e ter a possibilidade de perpetuar
seu código genético. Se uma variação específica não se adapta ou
não cria possibilidades de crescer, caçar, proteger-se e copular, en-
tão esta variação está muito propensa a desaparecer em detrimen-
to de outras. Apesar de parecer sorte, não é. O Darwinismo mos-
tra que é mais uma questão de quem (ou o que) possui design mais
apropriado para sobreviver, e não quais espécies estão subjugadas a
qualquer criador.
Este foi sem dúvida o grande dilema da vida de Darwin. Casa-
43
do com sua prima, ambos pertenciam a uma família extremamente
religiosa. Esta alteração de valores — de um criador para um proces-
so natural — fê-lo suportar uma pressão ao ponto de postergar sua
publicação por anos. O século XIX tinha fundamentos religiosos
muito estritos e, mesmo com uma comunidade científica frutífera
na Grã-Bretanha, ainda assim Darwin temia de ter o mesmo fim de
Giordano Bruno ou Copérnico. Todo o esforço foi pago quando ele
publicou sua pesquisa e o Darwinismo foi rapidamente exortado
pela comunidade científica.
Este brilhante trabalho permanece irretocável, sendo a base
de novas pesquisas igualmente necessárias nos últimos 150 anos.
Fósseis, evolução de bactérias e muitos outros eventos mostram o
poder das ideias de Darwin, assim como o poder da natureza. In-
sisto que dogmas religiosos não mais cabem em nossas sociedades
haja vista a quantidade de conhecimento que acumulamos e o quão
intrincada nossas sociedades se tornaram. Isto significa que reli-
gião não debate com ciência. Elucubra-se, porém, se a mão de Deus
interveio durante o processo de tal forma a fazer-nos crer que é
tudo pela seleção natural, se tudo é um plano divino mesmo assim.
O Darwinismo, no entanto, não é determinista e seu único plano
resume-se a um ponto: sobrevivência.
Parte 2: artigos
46
Blue Screen of Death:
A Experiência Comunicacional
da Tela Azul do Windows2
Luiz Guilherme Leite Amaral3
Miriam Cristina Carlos Silva4
Paulo Celso da Silva5
Introdução
A Blue Screen of Death (“Tela Azul da Morte”, Tela de Erro ou,
no Brasil, simplesmente “Tela Azul”) é um dos maiores ícones da
informática moderna. Em termos de hardware, seria tão significa-
tiva quanto o próprio mouse. Ela aparece nos sistemas operacionais
Windows desenvolvidos pela Microsoft Corporation desde 1977.
Ela foi pensada como uma saída encontrada pela IBM no desenvol-
vimento do sistema operacional OS/2 em conjunto com a Lattice
Inc. (MICROSOFT, 1996). Durante a compilação dos programas —
2	 Publicado originalmente: Ano XI, n. 06 - Junho/2015 - NAMID/UFPB -
http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica
3	 Graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Administra-
ção, Marketing e Comunicação de Sorocaba (2007). Mestrando em Comunicação e
Cultura pela Universidade de Sorocaba.
4	 Graduação em Licenciatura Plena em Letras - Português / Inglês pela Uni-
versidade de Sorocaba (1990); mestrado em Comunicação e Semiótica pela Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e doutorado em Comunicação e Se-
miótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Pós doutorado
em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(2012).
5	 Graduação em Geografia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Sorocaba (1988), graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Sorocaba (1989), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Uni-
versidade de São Paulo (1995) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela
Universidade de São Paulo (2000). Pós doutoramento pela Universitat de Barcelo-
na (2001-2)
47
a transformação da linguagem de programação em linguagem de
máquina —, seria necessária uma tela que mostrasse um determi-
nado erro de programação ou uma dissonância entre o software e
o hardware, mais precisamente quando alguma instrução é mal
interpretada. Assim, a Tela Azul tornou-se um ponto de parada no
sistema e que traz informações sobre o erro (ou bug) a fim de que o
código-fonte do sistema seja corrigido.
No entanto, além de alertar, ela também tem a função de
proteger dados. Quando um erro é identificado, e a Tela Azul surge,
o sistema executa um procedimento chamado core dump, em que
os dados contidos na memória RAM são salvos no disco rígido para
evitar a corrupção de arquivos utilizados naquele exato momento.
Quando o sistema é restabelecido, tais arquivos voltam ao seu está-
gio original e, teoricamente, o sistema se normaliza (VENKATES-
WARAN. 2008).
Em níveis mais específicos, uma tela azul geralmente surge
quando há uma incompatibilidade de DLL — dynamic link library,
um conjunto de instruções agregado ao sistema Windows — com o
hardware que está sendo utilizado, ou ainda quando há device dri-
vers — controladores de dispositivos — mal programados atuando
junto ao sistema. Um erro na DLL de um software como o Adobe
Photoshop,porexemplo,podecausaralgumamáinterpretaçãopelo
processador, e o sistema “cai”, utilizando um jargão popular neste
universo. A Tela Azul, então, mostra qual foi o erro no mapeamento
de memória e exige (nos sistemas Windows 9.x) o reinício a partir
das teclas Control + Alt + Delete pressionadas simultaneamente.
Originalmente, o Control + Alt + Delete foi um recurso criado
por David Bradley, engenheiro de software que integrava a equipe
que desenvolveu o IBM PC, o primeiro computador pessoal da IBM
(SMITH, 2007). Em uma conferência encontrada no YouTube, Bra-
dley explica por que inventou esta sequência:
Na verdade tentamos resolver um problema de
desenvolvimento de software. O hardware era
novo, o software era novo; qualquer erro e o sis-
48
tema caía o tempo todo. Então, a única solução
seria desligar o computador da tomada, religá-lo
e esperar alguns instantes até que tudo estivesse
pronto novamente. Então, tive a ideia de escrever
uma rotina que servisse como um atalho para dar
conta desta situação. E não era para criar algo que
hoje chamamos de easter egg, que é algo usado no
desenvolvimento e depois em mais nenhum outro
lugar, mas algumas pessoas descobriram e aí ensi-
namos a elas qual era o truque: coloque o disquete
com algum software no drive, aperte a sequência
e, como num passe de mágica, tudo estaria fun-
cionando. Foi um trabalho de cinco minutos e ja-
mais imaginei que estaria criando um ícone cul-
tural. Mas eu devo compartilhar o crédito porque
eu inventei [o Control + Alt + Delete] mas Bill [Ga-
tes] o fez famoso6
.
Quando Lotman define cultura como memória (LOTMAN
apud SILVA, 2010), entendemos qual é a intenção de David Bradley
em se isentar de ter influenciado uma geração a partir de algo tão
inusitado quanto um tratamento de erro computacional. No en-
tanto é compreensível que a Tela Azul torne-se um elemento cultu-
ral, pois ela representa um evento repetido e massificado.
A “memória” de Lotman pode ser analisada sob o ponto de
vista de Valverde (2007) quando se discute o sentido, forma e valor
da obra. Entende-se que estas três instâncias da fruição do espec-
tador são interdependentes, ou seja, os elementos que compõem a
forma são decisivos para o sentido e o valor. Já o sentido é produto
do que a forma e o valor trazem ao espectador. Por fim, o valor só é
reconhecido quando a forma e o sentido se completam dentro, in-
clusive, de um esquema semiótico.
Faz pensar, também, que o não-sentido também cria um sen-
6	 Tradução livre
49
tido, pois o estranhamento também faz parte da fruição. Quando
observamos a Tela Azul representada pela Figura 1, sabemos que
se trata de uma linguagem de máquina e que está distante da com-
preensão humana — por mais que humanos tenham desenvolvi-
do a linguagem de máquina. É o mesmo que acontece com quem é
analfabeto em um idioma que utiliza ideogramas, por exemplo.
Pode-se, portanto, subdividir a “memória” proposta por Lot-
man entre quatro elementos: valores, padrões, contexto e ação. “Va-
lores” representa tudo que uma obra carrega e como ela se apropria
para formar sua aura. Neste contexto podemos incluir o tempo em
que se vive, a visão que se tem do mundo ou o que se pretende afir-
mar com tal expressão artística. Este valores podem ou não ser pe-
renizados de acordo com a trajetória das sociedades e de como ela
será percebida em gerações futuras. Apesar de não poder ser con-
siderada uma obra artística, a Tela Azul do Windows carregou-se
de sentidos ao provocar sensações e perenizou-se exatamente por
se tornar um elemento constante no mundo computacional e tam-
bém por ser um recurso de alerta para um problema. Como o mun-
do computacional permeia o cotidiano, a linguagem dos computa-
dores alimenta a linguagem do dia a dia e vice-versa.
Os Padrões carregados na memória são aqueles inteligíveis
pelos espectadores, o que depende primariamente do repertório.
Ainda que fosse utilizada linguagem de máquina, entende-se a Tela
Azul como a suspensão do cotidiano, não tanto por seu fundo azul
com caracteres brancos, mas pela maneira como ela surge. Este pa-
drão foi aprimorado, portanto, e continuou a ser co-ator de toda a
estrutura computacional proposta pela Microsoft.
O Contexto está ligado ao evento em que a Tela Azul torna-se
presente. Quando há o erro de processamento de dados e ela sur-
ge, o usuário rapidamente entende que se trata de algo errado que
ocorreu — seja por culpa dele ou não. A experiência comunicacio-
nal acontece porque entende-se a interrupção ainda que não se en-
tenda o erro descrito no monitor. Esta conexão entre o usuário e a
Tela Azul é o que o envolve no universo da computação e o faz ter
uma nova experiência sobre como trabalhar com a máquina.
50
A Ação, finalmente, induz a um comportamento que antes
era inexistente ou dissimulado / escondido. A ordem “Pressione
Control + Alt + Delete para reiniciar o computador” faz parte desta
ação. Seguramente, quando a Tela Azul ainda não havia tomado a
cena, o usuário não precisou apertar esta sequência de teclas. É sen-
sato, portanto, que a Ação faça parte do conjunto de elementos da
memória quando seu papel é o de reprimir um comportamento que
possa levar novamente à suspensão do cotidiano.
A tela Azul tornou-se algo temido na informática porque re-
presenta um ponto sem volta. Durante a década de 1990, nada esta-
va tão “à mão” quanto hoje: não havia repositórios de artigos cientí-
ficos tão eficientes, os livros eram — e ainda são — caros e descobrir
algo relacionado à programação era uma informação valiosa.
Em sistemas Windows mal configurados, a Tela Azul chega a
ser frequente ainda na fase de início, quando todas as partes estão
sendo agrupadas — controladores, bibliotecas, etc. — para tornar o
computador útil em sua total capacidade. A saída, então, é reinsta-
lar e reconfigurar todo o sistema para torná-lo estável.
A última frase dita por Bradley na citação anterior é clara-
mente uma provocação por conta da instabilidade do Windows e
pelas incansáveis Telas Azuis que apareciam em uma sessão. No
mesmo vídeo, Bradley tenta amenizar a provocação quando com-
pleta: “When you use it for NT log on!7
That’s what I meant!”8
. A
evolução de sistemas informatizados aliada à onipresença do Win-
dows em todas as suas versões tornou a Tela Azul muito famosa. É
muito comum que locais públicos, como aeroportos, cafés e super-
mercados, tenham um computador ou totem com o Windows exe-
cutando algum software. Um terminal de aeroporto, por exemplo,
possui telas que informam horários de embarque e desembarque
ou atrasos nos voos. Em um totem de universidade, um aluno pode
7	 Windows NT (NT significa network, ou, redes de trabalho) é uma versão
especial do Microsoft Windows para redes corporativas ou domésticas. Para que
um usuário possa acessar o sistema com sua devida credencial, é necessário utili-
zar a sequência Control + Alt + Delete para entrar na tela de log on (acesso).
8	 Quando você usa para fazer log on no NT! Foi isso que quis dizer!
51
consultar o boletim ou o número de faltas. Toda essa facilidade
também gera problemas com sistemas Windows mal configurados.
O website Windows Crash, que já não está operante, mas foi
muito acessado no início dos anos 2000, engajava-se na curadoria
de imagens de Tela Azul em locais públicos. Pessoas registravam os
erros em suas câmeras digitais e enviavam ao administrador, que os
publicava com os devidos créditos, mostrando o dia e o local onde o
erro havia ocorrido.
Mas o ponto culminante foi realmente em 1997, quando da
introdução do Windows 98. Bill Gates, fundador da Microsoft, e um
funcionário, apresentavam o novo sistema para uma audiência nos
Estados Unidos9
. Àquela época introduzia-se um conceito chamado
Plug and Play, onde o sistema reconhecia automaticamente o peri-
férico que era conectado ao computador — mouse, impressora ou
scanner — e fazia a instalação dos drivers. No meio da apresenta-
ção, a Tela Azul surge devido a um conflito entre o periférico que
estava sendo instalado e o status atual do sistema, culminando no
que a linguagem de programação chama de null pointer (VENKA-
TESWARAN. 2008). Esta situação embaraçosa gerou uma resposta
altamente inflamada da plateia, que ao mesmo tempo aplaudiu e
vaiou por entender que aquilo era um erro sério e que a instabili-
dade do Windows continuava presente. Era como se fosse óbvio
que tal erro ocorreria e, quando efetivamente ocorreu, todos aplau-
diram jocosamente. Ou seja, a aparição da tela proporcionou uma
experiência comunicacional resultante de um repertório comum
acumulado pelo público, em que linguagem cotidiana, linguagem
tecnológica, linguagem não verbal, verbal e corporal misturam-se,
ocasionado um evento comunicacional.
Outro fator que explica a temeridade à Tela Azul é o fato da
concorrente da Microsoft, a Apple, possuir um sistema operacional
mais estável, com uma arquitetura de software mais confiável e
que, por isso, não possui tal mensagem de erro. Durante toda a ri-
validade entre Microsoft e Apple, entre Windows e Mac OS, todos os
9	http://www.youtube.com/watch?v=vzFUcDKC64E
52
pontos eram discutidos e comparados, fazendo com que a Tela Azul
prevalecesse como uma das piores coisas que existem no sistema
de Bill Gates.
Se no início dos anos 80 possuir um Macintosh era estar ilha-
do, já que a compatibilidade com sistemas Windows que estavam
por todo canto era ínfima, por outro lado a supremacia do Mac OS
em termos de estabilidade não deixava nenhuma dúvida sobre qual
era o melhor. Mas, como sempre, este é um jogo corporativo e a Mi-
crosoft ganhou por décadas por conta de seu modelo de negócios de
extremo sucesso. Até bem pouco tempo, ela era a empresa de maior
valor de mercado no mundo inteiro, superando, inclusive, a IBM e
a Apple.
O cotidiano e sua suspensão
As mídias, de uma forma geral, e as tecnologias digitais, em
particular, compõem o cotidiano de forma indissolúvel, auxiliando
na construção de narrativas, que são modos de percepção, organiza-
ção, identificação e entendimento da existência.
Bretas (2006) afirma que o cotidiano encerra um saber enco-
berto, que requer uma epistemologia, ou seja, a ambiência do coti-
diano abriga as expressões ordinárias e as expressões midiáticas em
constante intercâmbio. Partindo-se da autora, seria válido afirmar
que, como parte integrante do corriqueiro, conjugando o papel de
diversas mídias, ao serem utilizadas, as tecnologias da informação
promovem trocas culturais, potencializam a produção de sentidos e
fornecem pistas para se compreender as práticas comunicacionais
diárias. Além disto, por sua dinâmica interativa, podem promover
uma hibridização entre esferas distintas deste mesmo cotidiano,
tais como a da ciência e a da arte que, embora não se excluam, fo-
ram apartadas e alocadas em territórios distintos durante muito
tempo. Na contemporaneidade, e com grande auxilio das novas tec-
nologias da comunicação, cada vez mais estas áreas se demonstram
em processos colaborativos. Portanto, no contato com as tecnolo-
gias digitais, recebe-se e devolve-se uma parcela de cotidiano com-
53
posto por ciência, arte e religiosidade, enfim, por textos da cultura.
Operam-se trocas de linguagem nas quais se mesclam estruturas
sígnicas distintas e significados diversos.
Ao se utilizar as tecnologias da informação, ocorrem proces-
sos quase inconscientes de operação de dados, práticas estas ine-
rentes ao dia a dia, como componentes da rotina. Abrir o computa-
dor, ligá-lo, acessar o e-mail e responder às questões mais urgentes,
separar o que é considerado “lixo eletrônico”, escrever e editar tex-
tos, dialogar a partir de mensagens instantâneas, baixar imagens
ou músicas são atividades realizadas de forma irrefletida, cuja
normalidade só é questionada a partir de um eventual problema,
a ocorrência de um erro, como é o caso da aparição da “Tela Azul”.
Embora o cotidiano se caracterize pela repetição, que fornece
uma ilusão de segurança, há momentos para a invenção, o novo, a
transformação da rotina, cujas práticas podem ser recorrentes mas
diferenciadas por pequenas alterações. Esta quebra da rotina tam-
bém pode ser compreendida como uma suspensão do cotidiano,
que faz pensar ou ainda experimentar o diverso por meio da arte,
da religiosidade ou dos grandes acontecimentos como a doença,
acidentes, tragédias e, como ponto culminante desta suspensão no
rotineiro, a morte, que significa o fim do cotidiano. Experimentar
a suspensão da rotina pode fornecer novas energias para dar conti-
nuidade ao próprio cotidiano, ou pode permitir que se questione o
hábito ao se constatar que a repetição promove uma ilusão de segu-
rança. Bretas (2006) expõe o fato de que o indivíduo constrói mo-
delos mentais, paradigmas, perspectivas, crenças e pontos de vista
constituídos de elementos cognitivos que funcionam como ferra-
mentas capazes de promover interpretações das situações enfren-
tadas. Para se tornar conhecimento, esse processo deve passar por
uma explicitação — deve materializar-se em formas expressivas
que deem conta de apresentá-lo e a partir daí possibilitar a crítica e
seu desenvolvimento. A “Tela Azul” seria, portanto, a explicitação
visível, simbólica, de um problema invisível, implícito. Ao materia-
lizar o erro, ela torna simples, legível, algo que pode ser revestido
por uma complexidade maior: um erro cuja solução não será possí-
54
vel a priori, por exemplo.
Ao expandir-se a ideia de rotina para a experiência com as
tecnologias digitais, pode-se pensar na utilização do computador
para escrever e editar um texto. Enquanto se escreve, a ilusão de
que tudo está a salvo pode alimentar uma falsa segurança que se
materializará na atitude de não salvar continuamente o texto. Bas-
tará um erro qualquer para alertar sobre a ilusão, geralmente acom-
panhada de uma quebra na rotina: a perda de todo o texto, ou de
parte dele. O que restará será um recomeço mais consciente.
Flusser (2007) destaca o fato de que a comunicação é um
processo artificial. Enquanto o homem e a natureza tendem à en-
tropia, a comunicação é neguentrópica por tentar organizar as in-
formações produzidas pelo homem. Ao armazenar, acessar e com-
partilhar dados digitais, o que se realiza é uma tentativa de negar
a entropia, que não caracteriza apenas a natureza, mas também a
cultura contemporânea, consumidora e acumuladora. A presença
da “Tela Azul” faz lembrar esta tendência entrópica e, como parte
dos atos comunicacionais cotidianos, que permitem mudanças nas
formas de ver o mundo mediante regularidades e padrões compar-
tilhados socialmente, configura-se como um estado de suspensão,
como irrupção na normalidade das coisas.
A palavra “Morte” contida no nome “Blue Screen of Death”
também carrega uma ambiguidade que pode ser discutida. Se tra-
tarmos cada processo como finito — iniciar a tarefa, desempenhar
a tarefa, concluir a tarefa — então o conceito de morte na aparição
da Tela Azul é válido, porém, o software trabalha em uma cama-
da mais superficial do que o hardware, apesar de seu papel funda-
mental na computação. Sem um programa de computador, as pe-
ças montadas dentro da carcaça não têm uma função. E o hardware,
mais especificamente o botão Ligar/Desligar, é o que transgride este
conceito de “Morte”, fazendo-o assemelhar-se mais com o conceito
de “Ressurreição”.
Para que haja validação para o nome “Blue Screen of Death”,
temos que nos ater, portanto, ao nível do software, onde cada etapa
deve ser concluída de maneira lógica e em sequência. Quando há
55
o rompimento desta sequência, pelos vários motivos já discutidos,
vem à tona a morte, representada pela Tela Azul.
Experiência Comunicacional da Tela Azul
A “Tela Azul” é dicotômica. Ela não deveria existir porque se
espera que o sistema Windows seja livre de erros mas, uma vez que
estes erros acontecem, a Tela Azul torna-se necessária. E, como tal,
deve ser desenhada de forma a amenizar um problema de proces-
samento do computador. A imagem da tela azul, comparada à lin-
guagem verbal, pode ser considerada um eufemismo. No entanto,
como em muitos episódios na área da informática, a escolha da cor
azul para a tela é baseada em uma provocação.
Em 1987, durante o desenvolvimento do OS/2 — sistema
operacional proprietário da IBM —, a equipe da Lattice Inc. não fez
o tratamento de erro adequado em um dos módulos, o que causou
uma pane geral no sistema quando este era testado pela IBM. Em
resposta, a IBM apontou o erro e, a partir daí, a Lattice Inc. criou a
tela de tratamento de erro — o objeto deste artigo.
A Tela Azul não representa uma experiência comunicacio-
nal completa em sua origem. Foi somente através dos anos, e das
versões diferentes de Windows, que ela foi pensada para comuni-
car de uma maneira mais humana. O jornalista Jeffrey L. Wilson
lembra: “The seemingly indecipherable Matrix-like code (at least to
laymen) can prove quite intimidating to those who have never seen
a BSDOD”10
.
Por um lado, isso acontece pela profusão de novos dispositi-
vos que são acoplados ao computador e não têm a assistência téc-
nica necessária. Sistema operacional de uma fabricante, device dri-
vers de outra... A chance de problemas era enorme.
O segundo ponto que provoca a “banalização” da Tela Azul é
10	 Tradução Livre: “O código aparentemente indecifrável que mais
parece uma Matrix (ao menos para um leigo) torna-se intimidante para aqueles
que nunca viram uma Tela Azul da Morte”. — http://www.pcmag.com/
article2/0,2817,2393070,00.asp
56
a engenharia de software empregada pela Microsoft. Desde sua pri-
meira versão, a hierarquia de arquivos e a maneira com que eles são
acionados sempre gerou problemas de estabilidade. A solução, por-
tanto, é tornar a Tela Azul cada vez mais amigável visualmente para
que se inicie um novo processo de relacionamento entre o sistema e
o usuário. Isso significa abrandar o trauma, uma vez que a rotina de
reiniciar a tarefa permanece a mesma.
A Tela Azul carrega sentidos que, na maioria das vezes, está
distante da linguagem cotidiana e facilmente assimilável pelo ser
humano. A isso se soma a maneira abrupta com que ela surge, o que
produz uma sensação ainda mais alarmante no desenrolar da sus-
pensão do cotidiano. É abrupta pela velocidade de processamento
dos computadores. Ao usuário de Windows cabe entender sua fun-
ção a partir da suspensão de seu cotidiano e tomar a providência
necessária. Não se trata, porém, de algo contemplativo; é um sinal
para que se tome um novo rumo no processo que estava sendo exe-
cutado — ou que este processo seja reiniciado.
A experiência comunicacional do usuário de Windows não
tem um parâmetro amplo de fruição exatamente por significar
uma parada brusca. Os que não estão familiarizados com a lingua-
gem tendem a pedir ajuda para outras pessoas; os que já estão fa-
miliarizados não tem o que fazer a não ser lamentar o fato — já que
a Tela Azul também significa um recomeço — e executam a ordem
dada pelo texto na tela.
Hoje a Tela Azul do Windows é composta por uma linguagem
muito mais humana. Há um emoticon sugerindo tristeza seguido
da frase “Your PC ran into a problem and needs to restart. We’re just
collecting some error info, and then we’ll restart for you”11
.
Portanto, conforme SILVA (2010), podemos entender que a
forma da Tela Azul do Windows pode estipular um valor, e que isto
cria um sentido. Ou seja, diferentes formas geram diferentes valo-
res e que resultam em diferentes sentidos. Dentro da computação
11	 Seu PC encontrou um problema e precisa reiniciar. Estamos coletando as
informações do erro, e então reiniciaremos para você.
57
— enquanto cultura —, a Tela Azul ganha sentido por representar
um ponto sem volta. Sua forma, porém, foi alterada para que fosse
aprimorada e, assim, se aproximar do usuário do computador, al-
terando seu valor. Esta experiência comunicacional, apesar de re-
presentar uma suspensão, tornou-se mais branda por conta da sua
forma.
Considerações finais
Quando entendemos o que a Tela Azul provoca ao usuário de
computador, por um prisma entendemos como o mundo da com-
putação se desenvolveu, consequentemente, sua linguagem em re-
lação com a linguagem do cotidiano. A premissa de uma máquina é
a de que ela execute tarefas de maneira automatizada e com maior
velocidade do que o ser humano pode fazê-las. A complexidade que
existe entre processadores, memórias e placas lógicas também é o
impulsionador para programas de computador mais sofisticados.
Isso requer, portanto, que se utilize técnicas de engenharia mais
avançadas para que tais tarefas sejam concluídas.
Dentro da computação, enquanto cultura, a Tela Azul ganha
sentido por representar a interrupção de uma sequência lógica den-
tro de uma tarefa. Sua forma, no entanto, foi aprimorada para que
fosse inteligível para o ser humano, e isto significa que as falhas
lógicas dentro da arquitetura de software da Microsoft ainda serão
presentes, independentemente da destreza do usuário ao utilizar
qualquer um destes sistemas ou da própria evolução da engenharia.
Seja ela parte de uma cultura ou a Moby Dick da Microsoft,
a Tela Azul é um exemplo de como a experiência comunicacional
pode estar velada em lugares onde nem sempre se pensa comuni-
cação ou em linguagem. E, ainda que seja um recurso primário, sua
representatividade para o mundo da computação, e seu impacto
como experiência para o usuário, é extremamente forte.
58
Referências
SILVA. Míriam Cristina Carlos. Contribuições de Iuri Lotman para a
comunicação: sobre a complexidade do signo poético. In: FERREIRA,
Giovandro Marcus et al. (Org.) Teorias da comunicação: trajetórias
investigativas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. p. 273-291.
VENKATESWARAN, Sreekrishnan. Essential Linux Device Drivers.
Boston: Prentice Hall, 2008.
VALVERDE, Monclar. Estética da Comunicação: sentido, forma e valor nas
cenas da cultura. Salvador: Quarteto, 2007. p. 239-294;
Windows 98 crashes live on CNN. Disponível em <https://www.youtube.
com/watch?v=eKy9fV_zX_o>. Acesso em: 02 mai. 2015.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da
comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
BARROS, Laan Mendes de. Experiência Estética e Experiência Poética: A
questão da produção de sentidos. IN: XXI Encontro Anual da Compós.
Anais GT Comunicação e Experiência Estética. Juiz de Fora: UFJF /
Compós, 2012.
SMITH, Gina. Unsung Innovators: David Bradley, inventor of the “three-
finger salute”. ComputerWorld, Estados Unidos, 3 dez. 2007. Disponível
em < http://www.computerworld.com/article/2540049/computer-
hardware/unsung-innovators--david-bradley--inventor-of-the--three-
finger-salute-.html>. Acesso em: 2 mai. 2015.
MICROSOFT. Microsoft Windows NT Workstation Resource Kit.
Redmond, Washington: Microsoft Press, 1996.
CONTROL-ALT-DELETE: David Bradley & Bill Gates. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=K_lg7w8gAXQ>. Acesso em: 30
abr. 2015.
59
Para Administrar a Fé em Deus:
Ofertas de Interfaces entre Mídia,
Business e Religião no Brasil2
Paulo Celso da Silva3
Miriam Cristina Carlos Silva4
Luiz Guilherme Leite Amaral5
Introdução
	
Em 1989, no esforço de compreender o momento pelo qual
passava o mundo, David Harvey afirma a condição pós-moderna
em curso desde inícios da década de 1970, a qual configurava e re-
configurava não apenas a economia política (em sentido estrito)
mas toda vida cultural do globo. A maneira como indivíduos pas-
saram a se relacionar com coisas e pessoas vai acumulando outras
possibilidades com a inclusão, cada vez maior, de aparatos tecno-
lógicos à vida cotidiana. O mesmo autor analisa, assim, como es-
2	 Publicado originalmente: Comun. & Inf., Goiânia, GO, v. 19, n. 2, p. 19-34,
jul./dez. 2016. - https://www.revistas.ufg.br/ci
3	 Graduação em Geografia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Sorocaba (1988), graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Sorocaba (1989), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Uni-
versidade de São Paulo (1995) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela
Universidade de São Paulo (2000). Pós doutoramento pela Universitat de Barcelo-
na (2001-2). E-mail: paulo.silva@prof.uniso.br
4	 Graduação em Licenciatura Plena em Letras - Português / Inglês pela Uni-
versidade de Sorocaba (1990); mestrado em Comunicação e Semiótica pela Ponti-
fícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e doutorado em Comunicação e Se-
miótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Pós doutorado
em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(2012). E-mail: miriam.silva@prof.uniso.br
5	 Graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Administra-
ção, Marketing e Comunicação de Sorocaba (2007). Mestrando em Comunicação e
Cultura pela Universidade de Sorocaba. E-mail: luiz.amaral.mestrado@gmail.com
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Escritos Mestrandos

  • 2. Esta obra não possui qualquer licença, mas pede- se que não seja utilizada para fins comerciais ou citada sem dar os devidos créditos ao autor. Utilize uma das maneiras abaixo: 1. AMARAL, L. G. L. (2018) 2. AMARAL, Luiz Guilherme Leite (2018) 3. Escritos Mestrandos (2018)
  • 4.
  • 5. 5 Prefácio Os Escritos Mestrandos são textos que produzi durante meu mestrado em Comunicação e Cultura na Universidade de Sorocaba (SP), entre os anos de 2015 e 2017. Na verdade, houve um primeiro ingresso a esta pós-graduação em 2012, mas minha permanência só foi realmente consolidada em 2015. A grade curricular, muito bem alinhavada pelos professores sob a batuta do Prof. Dr. Paulo Celso da Silva, deu-me a oportuni- dade de conhecer e me aprofundar em autores bastante profícuos, além de poder entrar em contato com trabalhos de jovens e brilhan- tes acadêmicos, daqueles que tenho orgulho ao pensar que, em bi- lhões de anos de planeta Terra, nascemos na mesma época. Meu objeto de estudo é Religião Comparada, e a dissertação trata da Ecologia da Comunicação católica, que mostra como se deu a transição dos sermões da igreja dentro de um espaço físico para um aparelho eletrônico, bem como os fatores que influenciam a fé e o fiel. Portanto, este livro fala — e muito — sobre processos reli- giosos, como a criação de Deus e das crenças, a pluralização destas ideias, entre vários outros aspectos. Assim, no decorrer dos textos você se acostumará com o tema, e ele lhe poderá ser útil se seu ob- jeto de estudo também for a religião. Se não, poderá entender como religiões se envolvem e moldam as sociedades, seja pela estratifica- ção social, pelo controle ou pela apropriação de ferramentas comu- nicacionais para chegar a seus objetivos. Os formatos são variados: ensaios, artigos e a dissertação em si. Por doze anos exerci a profissão de redator publicitário. Imagine passar todo este tempo escrevendo títulos com altas doses de tro- cadilhos e três ou quatro linhas de texto e, numa virada da vida, ter que escrever páginas e mais páginas de conteúdo acadêmico com
  • 6. 6 citações, formatações engessadas, referências e mais referências. É um treinamento árduo para quem sempre teve a obrigação de ser sucinto. Você poderá reparar que alguns textos possuem algumas poucas páginas, mas o estilo é razoavelmente direto na maneira de elaborar o raciocínio. Diferentemente dos autores franceses, que dissertam exaustivamente, sobretudo com o uso de exemplos, os Escritos Mestrandos têm a capacidade de ser objetivos e elucidativos no que se propõem a dizer. Se me é possível sonhar ao escrever este livro, desejo que pro- fessores de graduação utilizem-no em suas aulas. Grande parte do conteúdo encontrado aqui é preparatório para a dissertação, então o livro é útil neste sentido também: servir como uma ferramenta para desenvolver raciocínios e depois colocá-los no papel. Sendo as- sim, podemos interpretar este livro como uma troca de gentilezas. Espero que você também possa debater o que está neste livro, seja em sala de aula, com amigos ou comigo mesmo, se algum dia nos encontrarmos pessoalmente. Boa leitura! Luiz Guilherme Leite Amaral Janeiro de 2016
  • 7.
  • 9. 9 Comunicação evolutiva Q uando a Universidade de Oxford, sob a liderança do Professor Doutor Simon Baron-Cohen (o irmão me- nos famoso porém não menos importante do ator que interpreta Borat), apresentou a Teoria da Mente, não revelou apenas como o cérebro chegou onde chegou em termos de evolução e complexidade, mas como tomamos proveito dos meca- nismos criados por estes resultados evolutivos. Estamos falando dos subprodutos das nossas Cognições Diárias. Podemos pensar sobre nosso corpo como uma composição de ferramentas que resolvem problemas. O coração resolve o problema de bombear sangue para manter nossa temperatura e carregar nu- trientes e oxigênio; o fígado resolve o problema de separar o que é bom para o corpo continuar em funcionamento; as mãos resolvem o problema de manipular os alimentos que ingerimos. Notável como tudo parece estar ligado ao propósito de sobreviver. O Darwinismo entra não apenas como uma explicação de como a natureza sacudiu sua batuta até que chegássemos a esta pro- fusão de espécies — sem esquecer que mais de 90% de tudo que pas- sou pelo planeta Terra está extinto. Podemos tomar o Darwinismo como uma plataforma onde todos os pontos acerca do conhecimen- to natural e de suas implicações ganhem um sentido mais amplo e prático. Até que nos entendamos como seres humanos, precisamos pensar todo o caminho que percorremos até chegar aqui. Neste momento, ainda não colocávamos à prova nossa condi- ção de ex-sistere, ou seja, não nos movimentávamos de dentro para fora em termos comunicacionais com toda a potencialidade que pre- cisaríamos — ou mereceríamos — já que, por conta do nosso cérebro ainda não ter alcançado o ápice de sua capacidade, parece que estáva- mos relegados a um limite muito básico imposto pelo nosso cérebro, mas que já poderia ser desempenhado pelo corpo. Havia a necessida- de de eclodirmos esta pequena casca cerebral e ganhar mais espaço como seres sofisticados em termos biológicos e intelectuais.
  • 10. 10 A Teoria do Cérebro Trino, trabalhada por Paul D. McLean em 1970 no livro “The Triune Brain Evolution: Role in Paleocerebral functions” e amplamente trabalhada por David Ogilvie e Leonard Hamilton, da Rutgers, Nova Jérsei, EUA, conta como esta casca eclo- diu por meio de evidências muito concretas a respeito da evolução cerebral. O Cérebro Trino é o resultado de estágios em que novas par- tes do cérebro foram sobrepondo-se sem eliminar o estágio anterior. Por mais mecanicista que possa parecer, é assim que funciona. Ainda que Prigogine aponte que o tempo não pode ser reduzido a uma con- cepção, certos fenômenos não se encaixam na forma de pensar de alguns autores; trata-se aqui de um processo biológico e natural que tem suas próprias regras. Talvez soe como um progressista-darwi- nista do século XIX, no entanto não vemos acontecer de outra forma. Durante processo evolutivo das espécies, inclusive a nossa, novas ca- madas cerebrais formaram-se e garantiram-nos habilidades especí- ficas que nos diferenciaram dos nossos ancestrais, fazendo com que tomássemos um rumo diferente em toda a linha evolutiva. Isso sig- nifica, portanto, que nossa espécie é capaz de ações e fenômenos que nenhuma outra espécie consegue, ainda que carreguemos dentro de nós semelhanças em termos de códigos genéticos. As evidências do Cérebro Trino mostram que possuímos as mesmas ferramentas que répteis e mamíferos inferiores, e que as adaptações que assumimos ao longo do processo evolutivo fizeram com que pudéssemos assumir a ex-sistere que nos faz ser quem so- mos hoje. Desde o Australopitecos afarensis até o Homo sapiens, corpo e cérebro conseguiram trabalhar em conjunto para que pu- déssemos ter a autonomia necessária para nos desvincularmos de um estado limitado de existência. Para dizer com outras palavras, a existência é contida em sua totalidade, portanto não pode conceber parâmetros como “limitado” ou “básico”. No entanto, utilizamos um ponto de referência, que é o hoje. Aí, sim, podemos estabelecer estes parâmetrosquandodizemos“comparadoaoHomosapiens,oAustra- lopitecos afarensis era limitado em termos intelectuais e motores”. Não quer dizer que somos melhores, mas que somos mais adaptados.
  • 11. 11 A primeira formação é o Cérebro Reptiliano, constituído por mecanismos para que as funções mais básicas, como equilíbrio, res- piração, batimentos cardíacos, os cinco sentidos e o senso de domí- nio territorial. É a formação dos cérebro dos répteis, e por isto é for- mado para que o animal sobreviva com a “configuração mínima” no meio ambiente. O Cérebro dos Mamíferos Inferiores, por sua vez, traz em sua constituição o Sistema Límbico. Assim, é o responsável por regular funções um pouco mais específicas, como o aprendizado e a memória em um nível mais rudimentar, emoções, repulsa, alimen- tação e reprodução. O Cérebro Racional, por fim, apresenta o córtex cerebral, uma estrutura muito mais intrincada que regula funções psicológicas, como a consciência, o planejamento e a linguagem. Nosso cérebro chegou a tal estágio que os produtos de nossas ferramentas torna- ram-se insuficientes para todo o potencial que passamos a possuir. Precisávamos de mais. Começamos a gerar subprodutos de nossas capacidades, ou seja, produtos que são derivados da coleção original e que, por consequência, distingue-nos das outras espécies. Começa- mos a dar novas tarefas às ferramentas que a evolução nos propor- cionou. A mão, que antes servia apenas para levar alimento à boca, agora também manipula objetos: constrói ferramentas, cria adere- ços e coberturas para o corpo. O cérebro, que deixou de ser Inferior e tornou-se Racional com a constituição do córtex cerebral, agora não regula apenas funções do corpo, mas ganhou a habilidade de plane- jar, calcular, pensar adiante e comunicar-se. O sistema de fala que te- mos hoje é o resultados de milhares de anos de sons guturais e gritos que nossos antepassados produziam quando a comunicação corpo- ral também dava seus sinais de insuficiência. Surge a voz; surge a vontade de registrar em uma superfície perene. Os objetos cognoscentes e cognoscíveis trazidos por Paulo Freire começam a criar um contorno mais delineado a partir do mo- mento em que surgem as pinturas dos animais que se deseja caçar e dos alertas com sons vocais. Estes sons e formas podem ser interpre- tados como padrões rudimentares do que se estabelece como lingua-
  • 12. 12 gem. Aqui é possível concordar com Davidson que “não acha possível que exista a linguagem sem as noções de verdadeiro ou falso. Mas as noções de falso e verdadeiro não são possíveis de serem definidas, pois elas são da ordem prática da linguagem que só existe como pro- cesso comunicacional” (Rorty e Vattimo). Quando se sustenta a ideia da sobrevivência como linha para o raciocínio que é empregado nes- te texto, entendemos qual é o papel da linguagem como um artifício para o diálogo e a compreensão. A necessidade da linguagem, falada ou escrita, está direta- mente relacionada aos interesses dos interlocutores e da ambição de se chegar a um entendimento que produza uma ação conjunta e produtiva. Desenhar o animal que se deseja caçar ou estabelecer um som que signifique “perigo” estão mais ligados à sobrevivência que à vontade de debater sobre algo. “Debater”, aliás, que torna-se mais um subproduto destas Cognições Diárias a partir da reunião de diversas ferramentas que possuímos: a memória para armazenar informa- ções, a fala (ou escrita) para expô-las, sendo estas próprias uma mí- dia, de acordo com Pross, e a linguagem (um idioma) para que possa haver a troca de experiência — o diálogo. Passamos por outros milhares de anos estabelecendo códigos para apreender o que o outro diz. Ao mesmo tempo em que as tribos foram ficando mais sofisticadas e populosas, a linguagem e tudo que advém dela — os idiomas, os códigos, a semiótica no seu estado bru- to, sem Pierce ou Eco — também sofreram alterações a fim de fica- rem igualmente sofisticadas. O tribalismo não é somente uma con- sequência de haver muitas pessoas no mesmo lugar. É um artifício para garantir a sobrevivência, a primeira e definitiva motivação para estarmos até hoje povoando este mundo. Se não sobrevivemos, não produzimos, não construímos, não criamos; não deixamos descen- dentes que possam continuar de onde paramos. Não é possível que algo tão maleável como a linguagem fique estagnada enquanto tudo borbulha ao seu redor; é como se a soma- tória de tudo que há criasse um sistema em que uma coisa puxa a outra, fazendo com que todas elas se encaixem em o mesmo nível de emprego do sentido, de uma maneira a suportar o que nasce, o que é
  • 13. 13 criado e o que se vai. Ao mesmo tempo em que desejamos e criamos, também conseguimos pensar no que criamos, e entramos em um círculo virtuoso em que tudo se impulsiona para preencher lacunas e trazer um sentido ao que agora há. A vida humana não parece ser tão estática aos olhos do coti- diano, como sugere Martino em seu texto, pois pode-se interpretar o cotidiano como o resultado conjunto das ações de todos que com- põem a sociedade. A sociedade é efervescente, dinâmica e caótica, e o cotidiano também o é. A própria linguagem de uma sociedade denuncia seu dinamismo com todas as sua palavras e expressões. A maneira de encarar o cotidiano e permitir que haja vida em todas as atitudes, por mais corriqueiras que sejam, denotam não apenas o ca- minho que percorremos para chegar a este estágio, mas que somos capazes de nos revelarmos tão complexos quanto tudo que criamos para nós. A criação das crenças A compreensão da linguagem também está relacionada à compreensão da intencionalidade. A intenção de se fazer entender e demonstrar uma ideia ou um propósito, portanto, é crucial para que a linguagem permaneça viva. A criação das ideias metafísicas seguem estes mesmos padrões ao analisarmos os sistemas com que são desenvolvidas. A crença no pós-vida existe antes de Aristóteles ou Descartes, pois o sentimento de que a vida tem fim e de que é dolorido deixar o que temos e quem amamos já era inteligível bem antes de ser com- partimentada em uma teoria tão brilhante. Enterrar pessoas próxi- mas com seus pertences mais estimados é a primeira evidência de que o dualismo cartesiano começava a fazer parte dos costumes das tribos e, como todos os outros produtos das sociedades, foi se modi- ficando e ficando cada vez mais sofisticado ao ponto de se tornarem sistemas complexos que as regem. Religiões criaram hierarquias, es- tratificaram pessoas tornando-as menos igualitárias, mas contribuí- ram para avanços notáveis por priorizar o planejamento a partir de
  • 14. 14 sistemas de recompensa ou punição. As narrativas que formam a base das crenças, se deixarmos de lado juízos de valor sobre seu conteúdo, utilizam muitas das fer- ramentas que possuímos para criar a compreensão e a intenção de onde queremos chegar. Como é possível, então, que as mesmas his- tórias possam ter uma gama tão grande de interpretações a ponto de criar dissidências dentro do mesmo sistema de crença? Uma das conjecturas a respeito deste fenômeno é o fato de que a hermenêu- tica religiosa está muito mais suscetível aos interesses dos que leem textos sagrados que ao propósito original. A alteridade (ou a falta dela) é um dos componentes que ge- ram esta profusão de denominações, igrejas e pessoas compartimen- tadas em pequenos blocos que se estruturam a partir da modifica- ção de uma vírgula. Se Locke e Voltaire apresentaram o conceito de tolerância, “isto é, suportar a alteridade apesar dela”, como escreve Martino, e talvez possamos assumir que empatia está alguns passos adiante de tolerância em termos de significado e valor, as religiões criam uma dicotomia ao gerar dissidentes que, apesar de “irmãos”, discordam peremptoriamente uns dos outros — a ponto de guerrea- rem entre si. A compreensão do texto religioso não deveria ser imbuído de uma intencionalidade alheia a que se sujeita. Mas, apesar de tentar esvaziar de juízo esta compreensão, conforme nos ensina Morin, é penosa a tarefa de fazê-lo quando o próprio texto é recheado de juí- zos. Nosso universo de significados dentro da linguagem tenta nos conduzir para o que é “bom” ou “ruim” muitas vezes estabelecido dentro de uma ética que é justamente produzida a partir do pensa- mento religioso, mas é necessário que tenhamos a capacidade de compreender sem julgar. Ainda sobre Morin, citado por Martino, “a compreensão não acusa nem desculpa. (...) Não leva à impossibilida- de de julgar, mas à necessidade de complexificar nosso julgamento”. As religiões tornaram-se não apenas a sistematização de con- ceitos éticos, recompensas e punições, mas sistematizou também o modo como compreender uma história a partir de exemplos que re- presentam o zeitgeist de quando foram criadas. E, apesar de soarem
  • 15. 15 distantes de nossa realidade atual, ainda assim são trabalhadas com elementos que, talvez pela repetição destas histórias ou por serem banais, fazem sentido para que sejam aplicáveis. A Parábola do Filho Pródigo, contada na Bíblia no livro de Lu- cas,capítulo15,versículos11a32,éumexemplodecomoelementos comuns a dois tempos distantes podem criar um significado a partir de uma situação alegórica. A empatia, muito mais que a tolerância da alteridade, é o componente que faz com que uma parábola funcione. Mais além, a empatia é um recurso utilizado dentro da comunicação religiosa para que se crie a sensação de comprometimento com o que é apresentado. Quando vemos a imagem de Jesus Cristo crucificado, autoimolações ou homens-bomba, compreendemos a partir disso que o comprometimento é alto o suficiente para que não seja uma mentira, e por isso “calçamos os sapatos” da pessoa que está sendo representada. A multidisciplinaridade da comunicação talvez seja o que há de mais atraente para que tenhamos cada vez mais trabalhos, pro- fessores doutores e grupos de pesquisa sobre o assunto. Talvez seja também uma das maneiras mais completas de conseguirmos falar sobre tantos objetos que se afunilam em ideias que parecem até ób- vias de tão simples. Neste texto ficou evidente como passeamos pela Antropologia, Psicologia, Darwinismo e até mesmo a Neurociência para explicar “por que fazemos o que fazemos quando o fazemos”, como diz o Professor Doutor Julien Musolino. O ser humano é capaz de identificar três tipos de almas (Aris- tóteles), é capaz de desvendar estágios da formação do cérebro para explicar como funcionamos (MacLean) e criar os mais diferentes ti- pos de códigos para dizer o que pensa. A crise existencialista, uma equação matemática e a placa de “dê a preferência” são todos produ- tos de um mesmo sistema que permite reconhecer a nós mesmos e tudo que está em nossa volta. Quando Flusser diz que nos comunica- mos para aplacar a consciência de mortalidade que temos, é possível que sigamos um novo caminho para dar sentido às nossas capacida- des: nós nos comunicamos para continuar vivos.
  • 16. 16 O Homo faber e seus subprodutos S e existe uma crença, existem símbolos para represen- tá-la. É praticamente impossível que uma tradição de qualquer tipo não seja representada por figuras ou ob- jetos. Mesmo as religiões de caráter iconoclasta, mas que utilizam símbolos gráficos para representar suas convicções, também compartilham deste mesmo processo. Pode-se supor que um ideograma tenha a mesma representação inteligível de uma es- tátua quando a intenção é transmitir um conceito da crença em que estes se inserem. Pode-se compreender, portanto, que a estátua de um santo possui o mesmo valor simbólico de algo escrito em algu- ma superfície quando o intuito é prender um significado sobre algo que se crê. Uma estátua pequenina de barro que representa a fertilida- de feminina não é diferente de um texto bíblico, pois neles estão as mesmas intenções da tentativa de perenização de um ideal de cren- ça. A produção do ícone está diretamente relacionada à intenção de eternizar seu significado dentro da crença que a representa. A ques- tão não reside na complexidade desta determinada crença, mas no que ela produz para criar sentidos aos que nela creem. Ou seja, des- de a ideia mais crua e simplória de vida após a morte, passando pelo dualismo cartesiano até as instituições religiosas poderosas e com suas hierarquias, todas elas carregam este mesmo traço elementar que é a representação icônica de suas ideias. Vilém Flusser, no livro O Mundo Codificado, guia a discus- são para o papel do ser humano marcado pelo processo fabril em que, em função de sua capacidade de transformar a matéria-prima que encontra na natureza, revela-se na condição de Homo faber — o homem que fabrica. No entanto, o Homo faber não é caracterizado como um estágio biológico dentro da evolução da espécie huma- na. Não é uma etapa de adaptação, mas a descrição de uma condi- ção engendrada a partir do Homo habilis. Isso implica dizer que o
  • 17. 17 Homo habilis, o Homo erectus, o Homem de Neandertal e o Homo sapiens são todos Homo faber por desenvolverem suas habilidades manuais e produzirem artefatos dentro do zeitgeist em que estão inseridos. Se existe uma crença, é porque existiu alguém que soube re- presentá-la de tal forma que todos pudessem compreendê-la. A no- ção de que, em algum momento, alguém comparará o peso de um coração ao peso de uma pena para saber o quão justo é o dono deste coração só pôde ser compreendida e perenizada porque houve um processo de criação do Homo habilis, a transformação de matéria -prima, como pigmentos e pele de animais, em um esquema visual que representa este conceito e o torna válido para todos que com- partilham desta mesma ideologia. Pode-se compreender o fazer manualmente como um sub- produto que reúne duas características: o desenvolvimento inte- lectual e a ampliação das capacidades corporais. A união destes dois elementos proporciona um salto em que permite que o Homo faber não apenas utilize as mãos para se apoiar ou levar frutas à boca, dentre outras ações, mas que possa manipular objetos sob uma estratégia fabril que resulte em novos objetos mais complexos que os anteriores. Afiar um osso com uma pedra torna o osso mais complexo. Amarrar a pele de um animal ao corpo torna a pele mais complexa. Esta manipulação, que é a habilidade anatômica mais a análise intelectual para se chegar no resultado esperado, configura- se como um subproduto. Considere a ação de desenhar. Em primeiro lugar, os dedos das mãos, com o polegar opositor, formam uma pinça que resolve o problema de agarrar um objeto e manipulá-lo com mais destreza. Em segundo lugar, a capacidade intelectual que se torna gradativa- mente sofisticada — em curso de milhares de anos — permite que se possa abstrair o pensamento a tal ponto de criar um novo pro- duto sobre uma matéria-prima. As mãos e o intelecto conseguem construir um objeto que seja pontiagudo e preciso o suficiente para fazer as imagens que se pretende desenhar. As mãos e o intelecto conseguem também construir um recipiente para armazenar o pig-
  • 18. 18 mento que será utilizado para criar as representações gráficas. As mãos e o intelecto permitem que o Homo faber molhe o objeto pon- tiagudo no pigmento contido no recipiente e comece a fazer traços, linhas e curvas que formam representações visuais de coisas conce- bidas mentalmente. Constata-se, nesta inter-relação de condições, que desenhar em uma parede torna-se um subproduto advindo de uma capacidade física primária somada a uma capacidade intelec- tual. As mãos também servem para levar frutas à boca, mas quan- do combinadas com um intelecto mais sofisticado, permite que se possa criar objetos mais complexos que suas condições originais e, assim, serem utilizados para produzir representações gráficas de ideias. A partir da compreensão do que são os subprodutos, é possí- vel analisar um outro aspecto: independentemente de qual época viva o Homo faber, o modo de fazer continuará sempre o mesmo. Que ele esteja no ano de 560 a. C. ou em 1849 d. C., se quiser fazer uma estátua de argila, ele utilizará suas habilidades manuais para manipular a matéria-prima e seu intelecto para moldá-la até que se chegue ao resultado esperado. Se for um pintor, não importa de qual período, ele utilizará suas mãos para trabalhar com os pincéis, as tintas e seu intelecto para conseguir transpor de sua cabeça para a tela o que deseja representar. Os pincéis foram previamente pro- duzidos por mãos e intelecto, assim como as tintas e a tela. O Homo faber não deixa de utilizar suas mãos para tarefas mais elementa- res, mas a união da anatomia com o intelecto é o que o faz ser um fa- bricante. Flusser, no mesmo livro, revela em quatros estágios como é o processo de desenvolvimento destes subprodutos: apropriação de algo da natureza (Entwenden), conversão deste algo (Umwen- den), dá-lo uma aplicação (Anwenden) e a utilização da ferramenta que foi criada (Verwenden) . É possível entender como as religiões utilizam a condição do Homo faber para construir suas redes de símbolos, criar vínculos entre os que compartilham do mesmo pensamento e, assim, pere- nizar tais convicções. Na aurora do pensamento mágico, quando nossos antepassados deixaram de ser nômades, enterrar os mor-
  • 19. 19 tos junto a seus pertences mais valiosos cria um sentido que trazia ao mesmo tempo acalanto e esperança. Por conta desta mudança de comportamento, algo que não se via no nomadismo, devido ao desapego como quesito básico para esta forma de viver, passa-se a fabricar objetos que servem especialmente para representar estes pensamentos mágicos que estavam surgindo. Isto era inicialmente feito esculpindo pequenos pedaços de pedra ou madeira, que ser- viam para idealizar uma figura antropomórfica que tinha uma fun- ção especial — cuidar da plantação, das chuvas, dos raios e trovões, etc. À medida em que as crenças vão se tornando cada vez mais elaboradas, também se tornam suas representações gráficas ou ob- jetos. Deuses com corpo de homem e cabeça de ave possuem a mes- ma intenção representativa da grafia (Allah), ainda que as cren- ças estejam separadas por milhares de anos. A formalidade criada pela Igreja Católica para criar suas representações gráficas ou a geo- metria perfeita das construções muçulmanas passam pelo proces- so do Homo faber como um agente que fabrica algo que produzirá sentido. O zeitgeist também se torna um fator determinante para que estas representações sejam cada vez mais enraizadas na cultura de um povo. Isto explica, por exemplo, a representação renascentis- ta de Jesus Cristo, com olhos azuis e longos cabelos louros, algo que não faria qualquer sentido em outra época ou parte do planeta que não fossem influenciadas por esta vertente artística. Nota-se, portanto, que os subprodutos destas cognições são exatamente os mesmos, por isso produzem o mesmo efeito e são baseados nas mesmas intenções. Quando se pensa no ato de escre- ver ou desenhar, lembra-se dos livros sagrados, das gravuras e ou- tras formas de arte que são o resultado imediato destes subprodu- tos gerados entre anatomia e intelecto. O ato de esculpir imagens de santos, anjos ou personagens de qualquer outra crença também é resultado da união entre as mãos que fazem e a mente que imagina.
  • 20. 20 O proselitismo religioso e o jornalismo internacional U m dos pilares do estabelecimento de uma religião é a disseminação de suas ideias. Durante séculos, adeptos das mais diversas crenças se apoiaram nas mídias disponíveis para divulgar ideias e códigos para outros povos e, assim, fortalecer suas convicções. O “engaja- mento”, palavra tão utilizada na publicidade do século XXI, já era uma noção bastante forte entre estes povos: quanto mais pessoas estiverem dispostas a passar a mensagem adiante, e quanto mais pessoas forem persuadidas, muito melhor. A lista de religiões e tradições espirituais é longa, e envolve diferentes aspectos: teístas, monoteístas, politeístas, não-teístas. Todas elas, entretanto, possuem elementos muito similares que, por este exato motivo, definem-nas como tais. Em primeiro lugar, toda crença possui um líder, alguém que é inspirado seja por um profundo conhecimento do comportamento humano ou alguém que “tenha contato” com uma entidade superior. No primeiro caso podemos citar o budismo, que é a coleção de ensinamentos de um líder que não possui poderes extrassensíveis mas é muito hábil na área da filosofia. Já o segundo caso é o retrato de religiões abraãmi- cas, cujos líderes afirmam terem recebido ensinamentos de entida- des superiores, como anjos ou seu único deus, que é a figura central desta forma de ver o mundo. No monoteísmo abraãmico — judaísmo, cristianismo e isla- mismo — Deus (ou um de seus mensageiros) fala com um homem que acaba se tornando o líder de um determinado povo. O líder dos judeus é Moisés, que, de acordo com a Torá, o livro sagrado desta tradição, guia-os durante a travessia no deserto. Mas não apenas isso: Moisés é a interface entre Deus (Yahweh, Javé) e seus seguido- res. É ele quem recebe as tábuas do 10 Mandamentos e estabelece a fundação desta crença. O cristianismo, por sua vez, herda quase que a totalidade das
  • 21. 21 tradições judaicas, modificando-as a seu bel prazer, criando uma nova vertente de crença. Neste caso, o líder é Jesus Cristo, que é con- siderado o filho de Deus com o propósito de livrar a humanidade dos pecados e restaurar a fé nas pessoas. O conceito de salvação é algo que se torna um objeto de desejo para os cristãos, ao passo que no judaísmo é um destino inerente à própria existência — judeus serão salvos e ponto final. Oislamismo,porúltimo,éainstituiçãodacrençadequeMao- mé recebe pelo anjo Gabriel os ensinamentos de Alá. É interessante que o islamismo também herda tradições dos judeus e dos cristãos, como alguns códigos de conduta e muitos personagens que estão na Torá e na Bíblia. Quando verificamos esta cadeia de informações que são passadas a diferentes povos em épocas distintas, mas que mantém grande força a ponto de organizar sociedades numerosas e complexas, surge a pergunta: como é possível? O modelo utilizado por religiosos é muito similar ao jornalis- mo internacional, que surge a partir do Século XVI, em um período em que as negociações de mercadorias entre diferentes povos já es- tavam em ebulição. A noção de que obter informações implica em um determinado controle já era corrente muito antes da imprensa. Quando falamos de sociedades organizadas em torno de uma cren- ça, não podemos negar que, dentre os mais diferentes propósitos, o poder e o controle também estão presentes. A disseminação de ideias religiosas foi uma ferramenta efi- caz. Assim é possível unir tribos, absorver conceitos que eram com- preendidos por outros e fazer alianças. Porém, o proselitismo re- ligioso antecede a escrita. A homilética era a tradição. Reunir um grupo de pessoas, ficar em pé em um ponto mais alto e usar de mui- ta eloquência para persuadir era a maneira eficaz. Quando vemos a Speaker’s Corner, em Londres, onde qualquer pessoa pode subir em um ponto mais alto e discursar, estamos presenciando uma tradi- ção de milhares de anos — sem qualquer exagero. Falar sempre teve um grande peso pois a palavra, tanto quan- to a flecha, não voltam atrás. Mas existe algo, que inclusive foi bas- tante trabalhado no artigo Para administrar a fé em Deus: interfa-
  • 22. 22 ces entre mídia, business e religião, que escrevi em parceria com os Professores Doutores Miriam Cristina Carlos Silva e Paulo Celso da Silva: o papel tem uma função fundamental como chancela. Isto se deve por sua principal característica, que é prender o tempo e o espaço nele. Isto quer dizer que perenizar uma informação dá-lhe valor — se não, estas ideias não estariam escritas em um livro! De- senvolver a escrita tornou-se determinante para que a palavra fosse valorizada. A voz possui curto alcance, e viajar custa recursos que nem sempre estavam à disposição. O papiro, folhas de vegetais e pare- des tornaram-se mídias para armazenar informações. Em alguns casos, até mesmo improvisos eram aceitos e tidos como atos de perseverança, como os ensinamentos islâmicos que foram escritos em omoplatas de camelos para que não se perdessem mesmo com a forte tradição oral. O jornalismo internacional tem como ensaio da sua origem o surgimento de escribas, pessoas cuja função era documentar even- tos e determinações dos regentes. Estas informações, depois de es- critas, eram oficializadas e estavam disponíveis ao conhecimento geral. Não é difícil imaginar que algum mercador interessado no cotidiano de algum povo pudesse ter acesso a estes documentos também, já que eles podiam tratar de legislações e outros costumes que poderiam ser determinantes para o sucesso mercantil. Os copistas da Idade Média herdam esta representatividade mas com a função de replicar textos que podiam ser distribuídos entre as (poucas) pessoas que sabiam ler. A expansão do cristianis- mo está fortemente calcada no trabalho destes copistas, que ofe- reciam uma grande quantidade de cópias da Bíblia às populações. O papel, então, torna-se um aliado da voz para que os ensinamen- tos cristãos fossem alastrados pela Europa, muito mais do que um substitutivo. Tanto é que os cultos religiosos até os dias de hoje são uma mescla da voz com a escrita. Na Holanda do século XVII, os corantos eram populares. Tra- ta-se do que originou a atual newsletter. Eram jornais que tinham como principal assunto a conjuntura econômica e política dos paí-
  • 23. 23 ses, e esta publicação tornou-se muito popular, sendo, inclusive, subsidiada por muitos comerciantes interessados nestas notícias. Veja que estamos dando saltos no tempo mas o modelo de se comu- nicar permanece o mesmo! Ainda que os materiais de cunhos reli- giosos fossem pagos pela igreja, já que era a instituição que detinha altíssimo poder — a ponto de ser confundida com o próprio Estado —, toda a produção dos copistas não eram meramente documen- tais; também tinham aspecto proselitista. O que se chama de “internacional” neste texto, no entanto, guarda a total acepção da palavra. Um documento que viaja do Bra- sil ao Uruguai, por exemplo, possui tal aspecto porque atravessou a fronteira de dois países. Então, qual é a diferença se, no século XIII, um documento cristão fosse transmitido da França para o Reino de Aragão com propósitos proselitistas? Em ambos os casos, esta- mos lidando com informações que atravessam fronteiras e que têm notória função. Portanto, a produção (ou cópia) de textos que são enviados a diferentes locais, quando atravessam fronteiras, podem ser classificados como internacionais. Quando olhamos para a im- prensa escrita do século XIX, entendemos que este conceito, na ver- dade, deve ter em sua conta o aspecto proporcional, quer dizer, a partir do momento em que se atravessa uma fronteira, não importa necessariamente qual é a distância, pois a viagem de qualquer do- cumento passa a ser internacional. Se continuarmos saltando entre diferentes épocas históri- cas, não cessaremos em fazer comparações e analogias. Outra que é identificável em todo este contexto é o papel do correspondente. Nos dias atuais, este é o profissional que viaja, temporária ou per- manentemente, a outro local e abastece seu país de origem com no- tícias que são pertinentes. No caso dos copistas existe mais de uma maneira de analisar esta situação, mas ainda assim traçar um para- lelo. Podemos nos referir a um copista que emite um texto em um determinado idioma que se destina a conterrâneos que vivem em outro país, ou copistas que viajam a outro país para aprender o idio- ma e fazer uma tradução. Esta última opção é talvez mais complexa que a primeira, mas não menos importante. Quando observamos
  • 24. 24 a evolução do cristianismo pela Europa, notamos que o período de maior adesão é justamente quanto surge a Vulgata, a Bíblia traduzi- da para o latim no século V. O sistema do jornalismo internacional já estava estabelecido antes mesmo do jornalismo existir. A possibilidade de reproduzir um texto e disponibilizá-lo para além das cercanias de sua origem é o marco zero do que se tem hoje com agências internacionais, publicações com edições especiais para diferentes países e públi- cos — como a edição latino-americana de um jornal — e os diversos elementos que compõem uma rede de notícias de alcance global. É impossível analisar todo o contexto atual do jornalismo sem anali- sar suas origens. E igualmente impossível analisar a comunicação religiosa sem levar em conta os métodos que antes eram próprios de alguns e se tornaram universais, muito provavelmente pela ne- cessidade de se ter acesso à informação, independentemente da complexidade de uma sociedade.
  • 25. 25 Ensaio sobre O mito e o Mundo Moderno (Joseph Campbell) É do ser humano criar, mitos deuses e fábulas, espe- cialmente para explicar o que não se entende e para reforçar um ponto de vista sob determinado assun- to. As parábolas dos livros religiosos são exatamen- te isso. E esta ânsia está ligada diretamente a dois aspectos: 1) a busca por um agente — ao invés de perguntar “o que” pergunta-se “quem” — e 2) a curiosidade de saber por que as coisas são como são. Torna-se comum procurarmos a resposta na própria resposta. Os mitos são a representação do que gostaríamos de ser. Eles cobrem as nossas falhas e são os juízes das leis que implantamos dentro das seitas que criamos. Uma religião é, então, uma compi- lação de costumes que tem um mito central como legislador quan- do, na verdade, os legisladores são os próprios fundadores desta religião. Mitos são modelos de vida e, como diferentes culturas an- seiam por representações similares — como, por exemplo, o Hilflo- sigkeit de Freud — é compreensível que haja tantas coincidências. Mitos não existem somente para explicar os ciclos da vida e as transformações do ser humano durante sua existência; servem também para estabelecer uma ordem, para que o próprio compor- tamento do ser humano seja revelado através destas representa- ções míticas. É importante entender, no entanto, que moralidade não tem nada a ver com religião. Nossa sociedade é moderna o su- ficiente para não comportar mais dogmas tão antiquados. Porém a necessidade de ser subserviente a um legislador faz com que re- ligiões se modifiquem e se adaptem (na medida do possível) para suprir as falhas morais que não existiam em sua época de fundação. É interessante, contudo, pensar que a Mitologia Comparada, área de Campbell, pode ter a função de ajudar a escolher um mito que caiba dentro de suas convicções ou não escolher qualquer um. Vale lembrar que a relação entre pessoas e suas religiões é a de um cliente de restaurante com o cardápio aberto. Quer dizer, há a subje-
  • 26. 26 tividade do querer até no dogmático. Um dos processos de se tornar ateu, por outro lado, é exatamente compreender a função dos mitos nas religiões. Religião Comparada é o campo que coloca em pé de igualdade os mitos e doutrinas, mostrando que não há verdade ab- soluta tampouco verdade soberana. Dentro deste escopo, podemos lidar com vários assuntos. O primeiro deles é a perfeição do deus cristão. Ele não é apenas imper- feito como carrega todos os defeitos tão comumente humanos: é sá- dico, arrepende-se, é ciumento, tirano e in- transigente. Mas, claro, estamos lidando aqui com a deturpação de um mito, já que “deus” é um conceito, uma ideia. Estas falhas são reveladas na própria Bí- blia: “Por exemplo, os 10 Mandamentos dizem ‘não matarás’. Aí no capítulo seguinte diz ‘Vai a Canaã e mata a todos que encontrar’”. É preciso ler textos sagrados com olhos neutros e críticos, não apaixonados se quisermos uma interpretação acurada sobre o que estes mitos significam. Então, vivemos em um mundo de possi- bilidades finitas de “superpoderes” para deuses porque nossos dese- jos (ou falhas) também são um repertório finito. Por isso há tantos deuses com a mesma trajetória e feitos de Jesus Cristo, por exemplo. A história de Javé é muito bem documentada no livro “A History of God”, de Karen Armstrong. A derrocada do panteão cananeu e a as- censão de Javé a deus único cria uma nova ideia de legislador e ver- dade absoluta — quer dizer, esta é a fundamentação do monoteísmo judaico após o monoteísmo egípcio. “Um deus é a personificação de um poder motivador ou de um sistema de valores que funciona para a vida humana e para o universo — os poderes do seu próprio corpo e da natureza. Os mi- tos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mun- do”. Quando se alcança uma explicação clara e objetiva sobre o que é um deus, torna-se difícil sustentar alguma crença em alguma religião. O componente que mantém esta crença em pé chama-se fé. E aí todas as questões fundamentais das doutrinas não se abalam,
  • 27. 27 como a questão da morte e a recompensa que supostamente viria após ou a ideia de energia. Consciência não é energia porque “ener- gia” neste caso tende ao mágico — que não é empírico. Consciência, por outro lado, significa reconhecer-se e saber-se humano, ainda que haja dilemas existenciais e filosóficos — aliás, só conseguimos filosofar sobre nossa própria existência exatamente por causa de nossa consciência. Como gostamos de mitos e deuses, também gostamos de en- deusar outras coisas. Marcas são deuses, atletas são deuses, músicos são deuses… É toda uma sorte de elementos e pessoas que podemos endeusar que já não há mais limites. Estes mitos constroem peque- nas partes de nosso repertório e transformam-se, assim, em toda nossa complexidade a respeito do que gostamos, do que desejamos e do que somos. Isto significa que um mito apenas não é suficiente.
  • 28. 28 Ensaio sobre O Caçado sabendo Caçar (Edgar Morin) A visão de Morin sobre a evolução humana preenche muitas lacunas no que diz respeito à maneira com que nós nos adaptamos a este mundo quando ain- da éramos hominídeos. Se o homem é produto do meio, então conseguimos atingir um estágio onde, apesar dos pesa- res, sobrevivemos muito bem. O hominídeo com o polegar opositor e os pés plantados no chão é o começo da aventura para sua liberta- ção. E, apesar do fato de que ficar em pé significa deixar vulnerável partes vitais, como os órgãos sexuais e o pescoço, esta posição per- mitiu inovações, como a liberação do sistema vocal. Estar em pé também significa que a caixa craniana sofre me- nos pressão. O corpo se prepara para uma evolução que levará a di- versos caminhos. Entre eles, a aurora do pensamento mágico. Isso não acontece, porém, antes dos hominídeos começarem a enterrar seus mortos — com seus objetos de valor —, o que incita que os ho- minídeos começam a se preocupar com a morte e, sobretudo, o que vem depois dela. Esta multidimensão a qual o ser humano está exposto — ge- nética, ecologia, expansão da caixa craniana e interação social — é o que realmente molda o caminho de sua evolução enquanto espé- cie. E em meio a todos estes elementos está a práxis, quer dizer, os afazeres e o cotidiano deste hominídeo. Ainda nesta fase, resume- se a caçar e a se proteger, pois o ócio que resultará na admiração e conjectura virá com a agricultura de subsistência. Mas vale lembrar também que o conjunto de interferências ao qual o hominídeo é submetido pode ajudar a construir o pensamento religioso. Um outro instrumento que torna-se crucial para esta “pre- paração” do hominídeo em se tornar homo sapiens é o fogo. Com a dominação deste elemento natural, alguns dos principais hábitos se modificam. Deixar de ficar em estado de alerta significa um sono
  • 29. 29 mais profundo, que também habilita a sonhar. Cozinhar a caça é também um fator de extrema importância, já que permite moldar o sistema mastigatório e digestivo, fazendo com que sejamos, ainda que de uma estrutura mais frágil, mais ágil e versátil. Agora o hominídeo está pronto para atuar na área em que vive e começar a tirar suas conclusões. Os mais jovens estão apren- dendo com os mais velhos. As fêmeas têm um papel definido de proteção da prole. Todos estes elementos por onde o hominídeo perambula é o que dá o início ao sentido de cultura. Como tudo na natureza, algo mais simples gera algo mais complexo, e não o con- trário. Desta forma, a cultura é transformada em infraestrutura da sociedade uma vez que ela se retroalimenta e se modifica tornando- se mais complexa. O learning, atribuído por Morin, é o sistema pelo qual as so- ciedades aprendem sobre si próprias e determinando os limites de sua própria cultura. Este mesmo sistema pode ser utilizado por di- ferentes grupos ou tribos para que haja um intercâmbio de culturas e conhecimento. Assim, elas aprendem diferentes valores e podem repensar alguns aspectos de suas culturas e adicionar novos ele- mentos. Sendo a caça o instrumento socializador do homem, a comu- nicação surge como um recurso bastante eficaz. E neste momento em que alertar e apontar é vital, sobretudo quando os hominídeos estão embrenhados em mata alta, mais uma vez todas as variáveis proporcionam que comecem a surgir linguagens. Em um primeiro momento tratava-se de um repertório limitado, quase que somente para chamar uns aos outros — que Morin batiza de call system —, mas mais tarde evolui para idiomas mais complexos. O sistema vocal e os músculos da cabeça passam a ser movi- mentados de maneira a criar sons mais complexos. Percebe-se mais tarde, já com idiomas e sociedades mais estruturadas que o poder do debate proporcionado pela linguagem é o que vai ramificar ele- mentos das culturas. Daí podemos concluir por que há ramificações de uma mesma religião. Com a linguagem, o homem passa a deter mais controle sobre suas atividades diárias, o que também contri-
  • 30. 30 bui para a fundamentação da cultura. A caça também permite que outro senso se desenvolva: a so- lidariedade. Esta noção “socialista” de que todos têm direito a uma parte igual ajuda a unir os grupos porque todos acabam entendo que há uma recompensa pelo trabalho desenvolvido independen- temente do grau de participação. Mas não apenas a recompensa: há também a certeza de que todos estão protegidos contra qualquer ação externa que possa desequilibrar aquele status quo. Isto im- plica também em uma cumplicidade maior com o grupo, tornan- do-o cada vez mais coeso. Quando transportamos isso para a soli- dariedade religiosa, percebemos o mesmo padrão: a recompensa, o status quo, o grupo coeso. Percebe-se, portanto, que por este viés o altruísmo é utópico, principalmente pela “fraternidade viril” que Morin descreve. Esta camaradagem que está arraigada no relacionamento masculino por conta do histórico de “aventuras” e divisão da caça acaba por criar um machismo exatamente também pelo homem ter o papel de provedor enquanto a mulher se ocupa com atividades ditas de “menor importância”. O interessante é que as instituições religiosas sequestram este mesmo modelo social e colocam a figu- ra feminina como inferior enquanto o homem é o senhor de tudo, prostrando-se somente diante da figura de seu deus.
  • 31. 31 Ensaio sobre A Fundação e os Fundamentos das novas Cidades (Marshall Berman) O espaço público é a representação de uma cultura que, independentemente do nível, exprime os va- lores do seu povo. Na Atenas do século VI a.C., a ci- dade fervilhava com seus mercados e artistas que buscavam um espaço para resolver os problemas dos seus cotidia- nos sempre interagindo uns com os outros. É no espaço público que também acontece a manifestação re- ligiosa. A influência histórica destas instituições e a permissão do povo, que é adepto delas, faz com que edifícios sejam construídos para reverenciar seus deuses. Estas construções, em um primeiro momento, são feitas longe da concentração popular e servia como um demonstrativo de sua pujança. O Partenon, por exemplo, foi construído na acrópole (na parte alta) de Atenas e podia ser visto a milhas de distância pelos barcos que chegavam à costa. Tão importante quanto a religiosidade eram os mercados. As pessoas tinham que ir diariamente a estes locais para comprarem alimentos já que não havia métodos eficazes de estocagem de ali- mentos. Portanto, é nos mercados que esta confluência de ideias e anseios acontece. Não havia distinção social porém sempre houve pessoas que queriam se comunicar, sobretudo, sobre os problemas sociais que identificavam em suas rotinas como cidadãos. Porém, na Grécia, o homem comum não exprimia sua opin- ião, seja por tolhimento ou por falta de oportunidade para tal. É também no século VI a.C. que a sociedade faz força para ser ouvida pelos representantes da aristocracia, e a partir disso difundem-se as Assembleias públicas. Nelas, destacavam-se os bons oradores, os que chamavam a atenção e eram requisitados para falarem em pú- blico. Se há pessoas influentes para falar sobre posições políticas, há também pessoas influentes nas religiões para transmitir suas
  • 32. 32 convicções. As assembleias são o princípio da homilética, princi- palmente a cristã. A diferença entre o judeu e o cristão neste caso é que jude- us são mais que uma religião: são praticamente uma etnia, uma análise de Shayne D. Cohen. Por isso, não há o conceito de arreban- har fiéis; quem é judeu é judeu e quem não é não é, por mais separat- ista que isso possa parecer. A homilética cristã, por outro lado, tem a função de convencer mais pessoas para que se unam a esta ver- tente religiosa. Talvez pelo fato de, em seu início, ser uma religião marginal, mas sempre com o espírito de ser libertadora — seja lá do que ela liberta. A influência cristã também está no imaginário grego com a apresentação de um vocabulário que expressa sentimentos diver- sos — mais notadamente o da solidão. Esta palavra inexistia no con- texto ateniense por ser algo estranho: gregos não se sentem — ou se sentiam — sós exatamente por causa da sociedade altamente pro- dutiva e ativa onde viviam. Foi a retórica cristã que difundiu este conceito com suas passagens bíblicas e seus exemplos de como es- tar só é doloroso. Jesus, pregado na cruz, interpela Deus: “Pai, Pai, por que me abandonastes?”. Antes disso, solidão fazia pouco ou nenhum sentido. Por outro lado, o conceito de aplacar a solidão comunican- do-se (também visto com Vilém Flusser) está presente na solidão cristã. No entanto, por mais recluso que um sacerdote cristão es- teja em seu mosteiro, ainda há a companhia de Deus e, portanto, não é uma solidão absoluta. As cidades, portanto, contêm pessoas dos mais variados tipos e com propósitos distintos ou em comum. Apesar da mudança das sociedades, alguns comportamentos se mantiveram inalterados. Desde sempre existiram artistas, políti- cos, matemáticos e até mesmo bêbados cruzando caminhos e con- tribuindo para o dinamismo do espaço público. Sócrates era uma figura que andava pela cidade e se mistura- va aos mais diversos níveis encontrados nela. Ele era participante ativo de assembleias e de outros discursos populares, inquirindo e sendo inquirido por muitas pessoas sobre problemas políticos e
  • 33. 33 filosóficos. Não à toa, funda sua Escola de Filosofia para canalizar seus pensamentos de uma maneira prática e produtiva. O que salta aos olhos, entretanto, é como a reputação de Sócrates é muito pare- cida com as descrições atribuídas a Jesus Cristo. Ambos são pessoas simples e que viviam entre outras pessoas de qualquer distinção social, por vezes constrangendo os mais abastados com suas falas e atitudes. A separação da cidade por zonas de influência cria a sepa- ração social. É a transformação de bairros ricos e bairros pobres, de pessoas ricas e pessoas pobres, de guetos que podem se confrontar ideologicamente. Por outro lado, a divisão em zonas — que também pode ser chamada de bairros — faz com que cidadãos passem a ter uma escolha sobre onde querem morar baseado nas suas necessi- dades, no custo que implicará em suas vidas e sob qual influência sua família pode ser submetida. Obviamente é impossível controlar todos estes fatores com sucesso, mas torna-se uma alternativa para a decisão sobre que tipo de vida uma pessoa, bem como sua família, quer ter. A rua é o canal por onde passam os mais diversos interesses. E é o que traz mais vida à cidade, o que faz as pessoas se deslocarem por maiores distâncias e promove encontros. A rua acaba por fazer parte do imaginário popular e da poesia tornando-se uma referên- cia para o que a cidade tem de mais cativante. Ao mesmo tempo, a separação da cidade cria guetos onde pessoas “diferentes” se estra- nham, o que cria um grande preconceito. Só que este preconceito é sempre gerado de cima para baixo, ou seja, do rico para o pobre, algo que inexiste em um sistema socialista. Em face deste problema, a administração começa a repensar a estruturação da sua cidade para afastar (lê-se proteger) o rico do pobre. Mas sem este contato, há brutalidade por não se reconhecer- em iguais — o que difere é o status social, mas até onde isso é impor- tante quando vivemos em sociedade?
  • 34. 34 Ensaio sobre O que é Comunicação (Vilém Flusser) Q uando Flusser encontra o propósito da comunica- ção, que é o afastamento da morte e da solidão de saber-se humano, ao mesmo tempo reconfortamo- nos com tal ideia que, lúcida, é-nos palpável e, ao mesmo tempo, passível de inquirições quando relevamos outras frentes de pensamento. Talvez aqui não seja o caso de desconstruir Flusser em sua obra, mas também não seria lícito furtar-se a imagi- nar que esta mesma ânsia do ser humano em se comunicar pode vir de algo mais abrangente. O primeiro ponto a se observar é o de que comunicar-se não é necessariamente um subterfúgio para a finitude da vida. Há tam- bém aspectos primordiais de sobrevivência nas relações com pares. Quando ainda éramos hominídeos, viver em grupo sempre certifi- cou que um poderia cuidar do outro e que todos poderiam cuidar de todos — Alexandre Dumas talvez tenha escrito o “um por todos e todos por um” baseado neste mesmo entendimento. Flusser não vê a comunicação como algo natural, e isso é demonstrado claramente quando ele articula que “na fala não são produzidos sons naturais como, por exemplo, no canto dos pássa- ros, e a escrita não é um gesto natural como a dança das abelhas”. Irrefutavelmente não o é, especialmente quando levamos em con- sideração os estudos sobre Cognições Sociais propostos por Fiske e Taylor. Estes estudos fazem parte de um estudo mais amplo chama- do de Teoria da Mente desenvolvido desde a década de 1950. As Cognições Sociais implicam que certas habilidades são subprodutos de mecanismos existentes. As mãos, por exemplo, não foram feitas para escrever, mas o treino aperfeiçoou esta habilidade nos seres humanos. Se fosse algo nato, sairíamos escrevendo como bezerros recém nascidos já saem caminhando. Quanto a isso há o ponto pacífico. No entanto, o sistema vocal na garganta é, sim, de-
  • 35. 35 senvolvido para emitir som. É natural de um bebê emitir som assim que nasce, da mesma forma que era natural nos hominídeos cria- rem certos padrões sonoros — ainda que grunhidos — para comu- nicar algo. Podemos pensar a comunicação como resultado da nossa adaptação uma vez que partes do nosso corpo com funções primá- rias satisfeitas abrem novas possibilidades. Pés que foram feitos para equilibrar o corpo também servem para chutar, mãos que fo- ram feitas para manipular objetos também constroem. O que há de comum em todas estas situações é a interferência do intelecto, e aí a comunicação começa a ter um propósito mais complexo do que simplesmente ser comparada a uma abelha ou um pássaro. O “brutal sentido da vida” de Flusser é aos poucos eclipsado pelo sentido de esperança, sobretudo quando inicia-se o pensamen- to mágico, que desembocará na criação das religiões. Porém, antes disso, há de se conjecturar sobre a solidão, aparentemente a condi- ção humana tão implacável quanto a própria morte. Neste caso, o autor talvez se deixa levar pela lógica que tece em sua proposição, mas pode esquecer de outros aspectos que se mostram evidentes quando se olha para o cenário da vida. É difícil concordar que o homem seja um ser solitário quando entendemos que viver em grupo é a estratégia mais antiga para ga- rantir a sobrevivência. Desde o ser mais primordial a dar origem ao homo sapiens, todos eles se organizavam em pequenos ou grandes grupos para executar tarefas, proteger a prole. Mais tarde, quando entendem a cultura de subsistência como um meio de vida prós- pero, continuam em grupos e ampliam o conceito de comunidade. Por todo este cenário a comunicação também se torna fun- damental, seja para a distribuição de tarefas, seja para disseminar o conhecimento adquirido através de alguma prática diária ou sim- plesmente pela observação de um fenômeno. O que o ser humano faz, portanto, é inverter o sentido de solidão que por ventura po- deria ser primário e essencial como Flusser prega. A comunicação não pesará para o lado anatômico ou sociológico do ser humano; os dois lados se completam tanto na necessidade de exprimir quanto
  • 36. 36 na possibilidade de utilizar o próprio corpo como meio de comuni- cação. A religião nos mostra que este processo é verificável. O pen- samento mágico de uma vida que já não é mais finita uma vez que se estabelece o conceito de recompensa após a morte incentiva que pessoas se unam mais ainda frente a este propósito. Quando em Marcos 16:15 lemos “Ide e pregai o evangelho a toda criatura”, ve- mos aí o estopim para que a comunicação religiosa tenha seu efeito mais natural em essência. A mensagem é clara: reúna cada vez mais pessoas transmitindo a mensagem de que elas não estão sozinhas e que há um propósito para esta vida. Mesmo anteriormente ao cristianismo, o conceito de coleti- vidade em função da comunicação para arrebanhar pares é igual- mente verificável no judaísmo. Basta lembrar que judeus fecharam- se em guetos na Itália para poder emprestar dinheiro a cristãos à época de Medici e a instauração da instituição bancária — a lógica por trás disso, verifica-se, é a de que tornar-se-ia lícito cobrar juros deles, já que não faria parte do mesmo povo (Êxodo, 22:24). Mais uma vez o conceito de coletivo se estende a outros fatores que são subprodutos de comportamentos sociais. Mas, bem anteriormente a este episódio, judeus sempre se organizaram coletivamente para proteger seus interesses próprios, e isso é feito a ponto de não reconhecer sequer judeus convertidos como iguais. O termo “jewishness”, cunhado por Shayne Cohen no livro The beginnings of Jewishness mostra com clareza como agru- par-se por um ideal transcende a ideia de ser solitário. A ideia de que a comunicação serve mais para agregar do que aplacar algum sofrimento reside no fato de que o acúmulo de co- nhecimento em algum ponto permite a liderança. O detentor do conhecimento é um doutrinador, um organizador. Será esta figura quem ajuda a transformar o ambiente por onde anda proporcio- nando mudanças que tornar-se-ão significativas para todos que es- tão contidos. Em um plano mais sofisticado, o acúmulo de conhe- cimento serve para se criar um legado, onde todos terão acesso e moldarão constantemente suas próprias capacidades cognitivas e
  • 37. 37 intelectuais. Em cima deste conceito de acúmulo de conhecimento e a transmissão dele por meio da comunicação, Flusser trabalha a dua- lidade entre “diálogo” e “discurso”. Vejamos: um índio interpreta a chuva como um castigo de Tupã, ao passo que um meteorologista explicará como uma etapa do ciclo das águas na natureza. Portanto, pergunta-se: qual é o valor da informação para cada contexto? Tal- vez a diferença entre “interpretar” e “explicar” resida nos estágios do processo de comunicação. Explicar está relacionado ao mecanis- mo enquanto a mensagem é o produto deste mecanismo. Em fun- ção do raciocínio deste texto, ainda não é pertinente discutir a qua- lidade da mensagem envolvida no conceito de comunicação. Apesar de sabermos que a diferença entre “diálogo” e “discurso” cabe muito bem quando entramos no mérito da qualidade, a esquemática da interdependência parece ser uma nova etapa em todo o processo. Ela pode ser abordada se discutirmos a alienação proposta por Gu- temberg ou até mesmo o campo da hermenêutica.
  • 38. 38 Religião como amálgama das sociedades Este texto foi escrito originalmente em Inglês para o curso de Religião Comparada da Rutgers College (EUA) e traduzido para o Português para esta edição. C ompreende-se por alguns acadêmicos e outros auto- res que a religião é, no mínimo, um dos componen- tes decisivos na formação das sociedades. Ao cruzar matérias como História, Sociologia e Antropologia, é-nos possível compreender com profundidade o conceito de como tribos tornaram-se vizinhanças, e vizinhanças tornaram-se cidades divididas por bairros, e como a religião tornou-se um amálgama de todo este processo. A principal tarefa da religião é manter pessoas unidas e dire- cionadas a propósitos comuns, como justiça e estabilidade, e estas são operadas por sistemas de obediência e recompensa, desdobran- do-se aí uma forma de controle que justificaria esta busca por equilí- brio. Por outro lado, as tribos sempre souberam que se um elemento rouba dentro deste grupo, causando prejuízo a quem quer que seja, isto causará instabilidade que comprometerá todos os outros inte- grantes. Em outras palavras, o senso de sobrevivência é colocado em jogo já que a justiça por si só perde seu significado mais básico. O papel da religião, neste caso, é restaurar o senso de justiça fazendo com que estes indivíduos introjetem a ideia de que há uma punição invisível e fora do controle dos seres humanos, então o sistema de obediência e recompensa passa a ser moldado, determinante para o comportamento em sociedade, uma vez que equilíbrio está direta- mente relacionado à sobrevivência. Um dos resultados da religião é que ela acaba por denunciar falhas humanas e ignorância sobre os mais variados aspectos. Isto é fácil de reconhecer quando você entende como a mente religiosa
  • 39. 39 funciona. Por exemplo, acreditar que o Sol e a Lua são deuses que vivem em constante disputa, ou que a chuva é um sinal de que estes deuses estão descontentes, ao passo que, quando a chuva se vai, é um sinal de perdão. Fixar-se em um pedaço de terra permite o reco- nhecimento de padrões da natureza, mas estes padrões não podem ser compreendidos e explicados já que não há desenvolvimento científico para tal. Então, um deus feliz ou triste faz mais sentido quando se é impossível explicar fenômenos naturais. Uma mulher que sai da costela de um homem — incrivelmente — faz mais senti- do dentro deste mesmo raciocínio. Morrer e encontrar os parentes que também morreram faz mais sentido. Tudo isso é desejo, ou, a maneira que nossos ancestrais queriam que pensássemos. As sociedades hoje são mais estruturadas, assim como nosso próprio conhecimento sobre o que nos cerca. Sabemos que a chu- va é parte de um processo natural, o ciclo da água. Sabemos como uma pessoa nasce, ou como as espécies chegaram a este ponto pela seleção natural. Chegamos ao ponto em que ciência e religião não são nem dois lados da mesma moeda, e também chegamos a uma irrevogável constatação: religiões não são fortes o suficiente para manter o equilíbrio social. Hoje somos mais complexos do que os dogmas religiosos conseguem suportar, e isto pode nos fazer repen- sar a maneira de nos relacionarmos com o pensamento mágico.
  • 40. 40 Descartes, Bloom e o duelo do dualismo Este texto foi escrito originalmente em Inglês para o curso de Religião Comparada da Rutgers College (EUA) e traduzido para o Português para esta edição. Q uando Descartes trabalhou o conceito de dualismo, havia a convicção de que a ideia respondia muito sobre suas aflições tanto quanto definia uma solu- ção para a questão entre corpo e mente. Sabido que são pensamentos especulativos, já que não há evidência científica para tais afirmações, ainda assim o dualismo cartesiano tornou-se uma das bases do pensamento religioso estruturado. Corpo e mente tornam-se entidades separadas porém inte- rinfluenciáveis, e isto cria uma base para outras estruturas, como a consciência, arbítrio e demais elementos da natureza humana. Há também o fato de que, se há algo em nós que perdura, então deve existir um lugar para onde vamos após morrermos. Se possuímos uma mente que se destaca e flana pela eternidade, só podemos as- sumir que estas ideias surgiram para abrandar crises existenciais. ”Para onde vamos”, “por que estamos aqui” são perguntas que, pelo princípio do dualismo, podem ser respondidas. Paul Bloom, por outro lado, dá-nos uma concepção um pouco diferente sobre a proposta do dualismo cartesiano. Enquanto Des- cartes dirige suas ideias para o existencial, Bloom preocupa-se mais em como diferenciamos corpo e mente e em qual estágio de nossas vidas. Não significa, no entanto, que Bloom confronta Descartes; ele na verdade apresenta mais um passo na investigação. Bloom ofere- ce a noção de que, sim, humanos tem a habilidade de pensar por si próprios pela combinação de dois grandes elementos: um corpo e um espírito. Além disso, é evidente que humanos compreendem a complexidade estrutural entre mente e corpo. No experimento do rato que vive dentro da barriga do jaca-
  • 41. 41 ré, é perguntado a crianças se o roedor sente falta dos pais. Mesmo sem ter sido expostas a pensamentos mágicos, como Deus, Jesus ou almas, elas respondem que sim, o que nos mostra que estes con- ceitos estão mais próximos de um “senso comum” do que algo que se é doutrinado. Não significa, porém, que há um “DNA divino” ou algo do tipo; é apenas o que se presume pelo fato de haver a noção do corpo. Podemos dizer, baseando-se nesta análise, que Descartes e Bloom trouxeram-nos noções que se intercalam mais do que coli- dem. Descartes mantém o foco na crise existencial do ser humano, enquanto Bloom fixa-se no como, quando e por quê tais pensamen- tos são ativados. É-nos lícito lembrar que o dualismo cartesiano en- contra-se no campo especulativo. Só porque a maioria acredita na existência de um Deus ou almas não significa que seja realmente assim. Esta é uma falácia bastante conhecida nos argumentos reli- giosos chamada Argumentum ad populum.
  • 42. 42 Darwinismo hoje Este texto foi escrito originalmente em Inglês para o curso de Religião Comparada da Rutgers College (EUA) e traduzido para o Português para esta edição. H á um constante equívoco ao abordar a Teoria da Evolução de Charles Darwin. Antes de mais nada, um fato científico continua sendo um fato cientí- fico, pois independe de ser algo em que se acredite. Isto posto, podemos corrigir a frase “é só uma teoria”. É uma teoria e pronto. Criacionistas confundem teoria com hipótese, e isto faz uma enorme diferença quando o assunto é ciência. Uma hipótese é uma ideia ainda a ser investigada. Ela precisa passar por uma série de observações, testes de falseabilidade e estudos até que se torne uma teoria aceita de acordo com a comunidade científica e os prin- cípios de pesquisa. Se a hipótese é confirmada e se enquadra dentro de um paradigma, torna-se uma teoria. Então, quando falamos de Darwinismo ou evolução, falamos sobre um fato. A “descendência por modificação” darwiniana nos dá uma compreensão bastante completa de quem somos, de onde viemos e, por vezes, para onde vamos em termos de espécies. A teoria de- monstra como espécies espalham-se em grande variedade mas somente algumas destas variações sobrevivem. Isto é mais do que adaptar-se; é estar munido de uma estrutura que te faz suportar o ambiente em que está inserido e ter a possibilidade de perpetuar seu código genético. Se uma variação específica não se adapta ou não cria possibilidades de crescer, caçar, proteger-se e copular, en- tão esta variação está muito propensa a desaparecer em detrimen- to de outras. Apesar de parecer sorte, não é. O Darwinismo mos- tra que é mais uma questão de quem (ou o que) possui design mais apropriado para sobreviver, e não quais espécies estão subjugadas a qualquer criador. Este foi sem dúvida o grande dilema da vida de Darwin. Casa-
  • 43. 43 do com sua prima, ambos pertenciam a uma família extremamente religiosa. Esta alteração de valores — de um criador para um proces- so natural — fê-lo suportar uma pressão ao ponto de postergar sua publicação por anos. O século XIX tinha fundamentos religiosos muito estritos e, mesmo com uma comunidade científica frutífera na Grã-Bretanha, ainda assim Darwin temia de ter o mesmo fim de Giordano Bruno ou Copérnico. Todo o esforço foi pago quando ele publicou sua pesquisa e o Darwinismo foi rapidamente exortado pela comunidade científica. Este brilhante trabalho permanece irretocável, sendo a base de novas pesquisas igualmente necessárias nos últimos 150 anos. Fósseis, evolução de bactérias e muitos outros eventos mostram o poder das ideias de Darwin, assim como o poder da natureza. In- sisto que dogmas religiosos não mais cabem em nossas sociedades haja vista a quantidade de conhecimento que acumulamos e o quão intrincada nossas sociedades se tornaram. Isto significa que reli- gião não debate com ciência. Elucubra-se, porém, se a mão de Deus interveio durante o processo de tal forma a fazer-nos crer que é tudo pela seleção natural, se tudo é um plano divino mesmo assim. O Darwinismo, no entanto, não é determinista e seu único plano resume-se a um ponto: sobrevivência.
  • 44.
  • 46. 46 Blue Screen of Death: A Experiência Comunicacional da Tela Azul do Windows2 Luiz Guilherme Leite Amaral3 Miriam Cristina Carlos Silva4 Paulo Celso da Silva5 Introdução A Blue Screen of Death (“Tela Azul da Morte”, Tela de Erro ou, no Brasil, simplesmente “Tela Azul”) é um dos maiores ícones da informática moderna. Em termos de hardware, seria tão significa- tiva quanto o próprio mouse. Ela aparece nos sistemas operacionais Windows desenvolvidos pela Microsoft Corporation desde 1977. Ela foi pensada como uma saída encontrada pela IBM no desenvol- vimento do sistema operacional OS/2 em conjunto com a Lattice Inc. (MICROSOFT, 1996). Durante a compilação dos programas — 2 Publicado originalmente: Ano XI, n. 06 - Junho/2015 - NAMID/UFPB - http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica 3 Graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Administra- ção, Marketing e Comunicação de Sorocaba (2007). Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba. 4 Graduação em Licenciatura Plena em Letras - Português / Inglês pela Uni- versidade de Sorocaba (1990); mestrado em Comunicação e Semiótica pela Ponti- fícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e doutorado em Comunicação e Se- miótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Pós doutorado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2012). 5 Graduação em Geografia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Sorocaba (1988), graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Sorocaba (1989), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Uni- versidade de São Paulo (1995) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2000). Pós doutoramento pela Universitat de Barcelo- na (2001-2)
  • 47. 47 a transformação da linguagem de programação em linguagem de máquina —, seria necessária uma tela que mostrasse um determi- nado erro de programação ou uma dissonância entre o software e o hardware, mais precisamente quando alguma instrução é mal interpretada. Assim, a Tela Azul tornou-se um ponto de parada no sistema e que traz informações sobre o erro (ou bug) a fim de que o código-fonte do sistema seja corrigido. No entanto, além de alertar, ela também tem a função de proteger dados. Quando um erro é identificado, e a Tela Azul surge, o sistema executa um procedimento chamado core dump, em que os dados contidos na memória RAM são salvos no disco rígido para evitar a corrupção de arquivos utilizados naquele exato momento. Quando o sistema é restabelecido, tais arquivos voltam ao seu está- gio original e, teoricamente, o sistema se normaliza (VENKATES- WARAN. 2008). Em níveis mais específicos, uma tela azul geralmente surge quando há uma incompatibilidade de DLL — dynamic link library, um conjunto de instruções agregado ao sistema Windows — com o hardware que está sendo utilizado, ou ainda quando há device dri- vers — controladores de dispositivos — mal programados atuando junto ao sistema. Um erro na DLL de um software como o Adobe Photoshop,porexemplo,podecausaralgumamáinterpretaçãopelo processador, e o sistema “cai”, utilizando um jargão popular neste universo. A Tela Azul, então, mostra qual foi o erro no mapeamento de memória e exige (nos sistemas Windows 9.x) o reinício a partir das teclas Control + Alt + Delete pressionadas simultaneamente. Originalmente, o Control + Alt + Delete foi um recurso criado por David Bradley, engenheiro de software que integrava a equipe que desenvolveu o IBM PC, o primeiro computador pessoal da IBM (SMITH, 2007). Em uma conferência encontrada no YouTube, Bra- dley explica por que inventou esta sequência: Na verdade tentamos resolver um problema de desenvolvimento de software. O hardware era novo, o software era novo; qualquer erro e o sis-
  • 48. 48 tema caía o tempo todo. Então, a única solução seria desligar o computador da tomada, religá-lo e esperar alguns instantes até que tudo estivesse pronto novamente. Então, tive a ideia de escrever uma rotina que servisse como um atalho para dar conta desta situação. E não era para criar algo que hoje chamamos de easter egg, que é algo usado no desenvolvimento e depois em mais nenhum outro lugar, mas algumas pessoas descobriram e aí ensi- namos a elas qual era o truque: coloque o disquete com algum software no drive, aperte a sequência e, como num passe de mágica, tudo estaria fun- cionando. Foi um trabalho de cinco minutos e ja- mais imaginei que estaria criando um ícone cul- tural. Mas eu devo compartilhar o crédito porque eu inventei [o Control + Alt + Delete] mas Bill [Ga- tes] o fez famoso6 . Quando Lotman define cultura como memória (LOTMAN apud SILVA, 2010), entendemos qual é a intenção de David Bradley em se isentar de ter influenciado uma geração a partir de algo tão inusitado quanto um tratamento de erro computacional. No en- tanto é compreensível que a Tela Azul torne-se um elemento cultu- ral, pois ela representa um evento repetido e massificado. A “memória” de Lotman pode ser analisada sob o ponto de vista de Valverde (2007) quando se discute o sentido, forma e valor da obra. Entende-se que estas três instâncias da fruição do espec- tador são interdependentes, ou seja, os elementos que compõem a forma são decisivos para o sentido e o valor. Já o sentido é produto do que a forma e o valor trazem ao espectador. Por fim, o valor só é reconhecido quando a forma e o sentido se completam dentro, in- clusive, de um esquema semiótico. Faz pensar, também, que o não-sentido também cria um sen- 6 Tradução livre
  • 49. 49 tido, pois o estranhamento também faz parte da fruição. Quando observamos a Tela Azul representada pela Figura 1, sabemos que se trata de uma linguagem de máquina e que está distante da com- preensão humana — por mais que humanos tenham desenvolvi- do a linguagem de máquina. É o mesmo que acontece com quem é analfabeto em um idioma que utiliza ideogramas, por exemplo. Pode-se, portanto, subdividir a “memória” proposta por Lot- man entre quatro elementos: valores, padrões, contexto e ação. “Va- lores” representa tudo que uma obra carrega e como ela se apropria para formar sua aura. Neste contexto podemos incluir o tempo em que se vive, a visão que se tem do mundo ou o que se pretende afir- mar com tal expressão artística. Este valores podem ou não ser pe- renizados de acordo com a trajetória das sociedades e de como ela será percebida em gerações futuras. Apesar de não poder ser con- siderada uma obra artística, a Tela Azul do Windows carregou-se de sentidos ao provocar sensações e perenizou-se exatamente por se tornar um elemento constante no mundo computacional e tam- bém por ser um recurso de alerta para um problema. Como o mun- do computacional permeia o cotidiano, a linguagem dos computa- dores alimenta a linguagem do dia a dia e vice-versa. Os Padrões carregados na memória são aqueles inteligíveis pelos espectadores, o que depende primariamente do repertório. Ainda que fosse utilizada linguagem de máquina, entende-se a Tela Azul como a suspensão do cotidiano, não tanto por seu fundo azul com caracteres brancos, mas pela maneira como ela surge. Este pa- drão foi aprimorado, portanto, e continuou a ser co-ator de toda a estrutura computacional proposta pela Microsoft. O Contexto está ligado ao evento em que a Tela Azul torna-se presente. Quando há o erro de processamento de dados e ela sur- ge, o usuário rapidamente entende que se trata de algo errado que ocorreu — seja por culpa dele ou não. A experiência comunicacio- nal acontece porque entende-se a interrupção ainda que não se en- tenda o erro descrito no monitor. Esta conexão entre o usuário e a Tela Azul é o que o envolve no universo da computação e o faz ter uma nova experiência sobre como trabalhar com a máquina.
  • 50. 50 A Ação, finalmente, induz a um comportamento que antes era inexistente ou dissimulado / escondido. A ordem “Pressione Control + Alt + Delete para reiniciar o computador” faz parte desta ação. Seguramente, quando a Tela Azul ainda não havia tomado a cena, o usuário não precisou apertar esta sequência de teclas. É sen- sato, portanto, que a Ação faça parte do conjunto de elementos da memória quando seu papel é o de reprimir um comportamento que possa levar novamente à suspensão do cotidiano. A tela Azul tornou-se algo temido na informática porque re- presenta um ponto sem volta. Durante a década de 1990, nada esta- va tão “à mão” quanto hoje: não havia repositórios de artigos cientí- ficos tão eficientes, os livros eram — e ainda são — caros e descobrir algo relacionado à programação era uma informação valiosa. Em sistemas Windows mal configurados, a Tela Azul chega a ser frequente ainda na fase de início, quando todas as partes estão sendo agrupadas — controladores, bibliotecas, etc. — para tornar o computador útil em sua total capacidade. A saída, então, é reinsta- lar e reconfigurar todo o sistema para torná-lo estável. A última frase dita por Bradley na citação anterior é clara- mente uma provocação por conta da instabilidade do Windows e pelas incansáveis Telas Azuis que apareciam em uma sessão. No mesmo vídeo, Bradley tenta amenizar a provocação quando com- pleta: “When you use it for NT log on!7 That’s what I meant!”8 . A evolução de sistemas informatizados aliada à onipresença do Win- dows em todas as suas versões tornou a Tela Azul muito famosa. É muito comum que locais públicos, como aeroportos, cafés e super- mercados, tenham um computador ou totem com o Windows exe- cutando algum software. Um terminal de aeroporto, por exemplo, possui telas que informam horários de embarque e desembarque ou atrasos nos voos. Em um totem de universidade, um aluno pode 7 Windows NT (NT significa network, ou, redes de trabalho) é uma versão especial do Microsoft Windows para redes corporativas ou domésticas. Para que um usuário possa acessar o sistema com sua devida credencial, é necessário utili- zar a sequência Control + Alt + Delete para entrar na tela de log on (acesso). 8 Quando você usa para fazer log on no NT! Foi isso que quis dizer!
  • 51. 51 consultar o boletim ou o número de faltas. Toda essa facilidade também gera problemas com sistemas Windows mal configurados. O website Windows Crash, que já não está operante, mas foi muito acessado no início dos anos 2000, engajava-se na curadoria de imagens de Tela Azul em locais públicos. Pessoas registravam os erros em suas câmeras digitais e enviavam ao administrador, que os publicava com os devidos créditos, mostrando o dia e o local onde o erro havia ocorrido. Mas o ponto culminante foi realmente em 1997, quando da introdução do Windows 98. Bill Gates, fundador da Microsoft, e um funcionário, apresentavam o novo sistema para uma audiência nos Estados Unidos9 . Àquela época introduzia-se um conceito chamado Plug and Play, onde o sistema reconhecia automaticamente o peri- férico que era conectado ao computador — mouse, impressora ou scanner — e fazia a instalação dos drivers. No meio da apresenta- ção, a Tela Azul surge devido a um conflito entre o periférico que estava sendo instalado e o status atual do sistema, culminando no que a linguagem de programação chama de null pointer (VENKA- TESWARAN. 2008). Esta situação embaraçosa gerou uma resposta altamente inflamada da plateia, que ao mesmo tempo aplaudiu e vaiou por entender que aquilo era um erro sério e que a instabili- dade do Windows continuava presente. Era como se fosse óbvio que tal erro ocorreria e, quando efetivamente ocorreu, todos aplau- diram jocosamente. Ou seja, a aparição da tela proporcionou uma experiência comunicacional resultante de um repertório comum acumulado pelo público, em que linguagem cotidiana, linguagem tecnológica, linguagem não verbal, verbal e corporal misturam-se, ocasionado um evento comunicacional. Outro fator que explica a temeridade à Tela Azul é o fato da concorrente da Microsoft, a Apple, possuir um sistema operacional mais estável, com uma arquitetura de software mais confiável e que, por isso, não possui tal mensagem de erro. Durante toda a ri- validade entre Microsoft e Apple, entre Windows e Mac OS, todos os 9 http://www.youtube.com/watch?v=vzFUcDKC64E
  • 52. 52 pontos eram discutidos e comparados, fazendo com que a Tela Azul prevalecesse como uma das piores coisas que existem no sistema de Bill Gates. Se no início dos anos 80 possuir um Macintosh era estar ilha- do, já que a compatibilidade com sistemas Windows que estavam por todo canto era ínfima, por outro lado a supremacia do Mac OS em termos de estabilidade não deixava nenhuma dúvida sobre qual era o melhor. Mas, como sempre, este é um jogo corporativo e a Mi- crosoft ganhou por décadas por conta de seu modelo de negócios de extremo sucesso. Até bem pouco tempo, ela era a empresa de maior valor de mercado no mundo inteiro, superando, inclusive, a IBM e a Apple. O cotidiano e sua suspensão As mídias, de uma forma geral, e as tecnologias digitais, em particular, compõem o cotidiano de forma indissolúvel, auxiliando na construção de narrativas, que são modos de percepção, organiza- ção, identificação e entendimento da existência. Bretas (2006) afirma que o cotidiano encerra um saber enco- berto, que requer uma epistemologia, ou seja, a ambiência do coti- diano abriga as expressões ordinárias e as expressões midiáticas em constante intercâmbio. Partindo-se da autora, seria válido afirmar que, como parte integrante do corriqueiro, conjugando o papel de diversas mídias, ao serem utilizadas, as tecnologias da informação promovem trocas culturais, potencializam a produção de sentidos e fornecem pistas para se compreender as práticas comunicacionais diárias. Além disto, por sua dinâmica interativa, podem promover uma hibridização entre esferas distintas deste mesmo cotidiano, tais como a da ciência e a da arte que, embora não se excluam, fo- ram apartadas e alocadas em territórios distintos durante muito tempo. Na contemporaneidade, e com grande auxilio das novas tec- nologias da comunicação, cada vez mais estas áreas se demonstram em processos colaborativos. Portanto, no contato com as tecnolo- gias digitais, recebe-se e devolve-se uma parcela de cotidiano com-
  • 53. 53 posto por ciência, arte e religiosidade, enfim, por textos da cultura. Operam-se trocas de linguagem nas quais se mesclam estruturas sígnicas distintas e significados diversos. Ao se utilizar as tecnologias da informação, ocorrem proces- sos quase inconscientes de operação de dados, práticas estas ine- rentes ao dia a dia, como componentes da rotina. Abrir o computa- dor, ligá-lo, acessar o e-mail e responder às questões mais urgentes, separar o que é considerado “lixo eletrônico”, escrever e editar tex- tos, dialogar a partir de mensagens instantâneas, baixar imagens ou músicas são atividades realizadas de forma irrefletida, cuja normalidade só é questionada a partir de um eventual problema, a ocorrência de um erro, como é o caso da aparição da “Tela Azul”. Embora o cotidiano se caracterize pela repetição, que fornece uma ilusão de segurança, há momentos para a invenção, o novo, a transformação da rotina, cujas práticas podem ser recorrentes mas diferenciadas por pequenas alterações. Esta quebra da rotina tam- bém pode ser compreendida como uma suspensão do cotidiano, que faz pensar ou ainda experimentar o diverso por meio da arte, da religiosidade ou dos grandes acontecimentos como a doença, acidentes, tragédias e, como ponto culminante desta suspensão no rotineiro, a morte, que significa o fim do cotidiano. Experimentar a suspensão da rotina pode fornecer novas energias para dar conti- nuidade ao próprio cotidiano, ou pode permitir que se questione o hábito ao se constatar que a repetição promove uma ilusão de segu- rança. Bretas (2006) expõe o fato de que o indivíduo constrói mo- delos mentais, paradigmas, perspectivas, crenças e pontos de vista constituídos de elementos cognitivos que funcionam como ferra- mentas capazes de promover interpretações das situações enfren- tadas. Para se tornar conhecimento, esse processo deve passar por uma explicitação — deve materializar-se em formas expressivas que deem conta de apresentá-lo e a partir daí possibilitar a crítica e seu desenvolvimento. A “Tela Azul” seria, portanto, a explicitação visível, simbólica, de um problema invisível, implícito. Ao materia- lizar o erro, ela torna simples, legível, algo que pode ser revestido por uma complexidade maior: um erro cuja solução não será possí-
  • 54. 54 vel a priori, por exemplo. Ao expandir-se a ideia de rotina para a experiência com as tecnologias digitais, pode-se pensar na utilização do computador para escrever e editar um texto. Enquanto se escreve, a ilusão de que tudo está a salvo pode alimentar uma falsa segurança que se materializará na atitude de não salvar continuamente o texto. Bas- tará um erro qualquer para alertar sobre a ilusão, geralmente acom- panhada de uma quebra na rotina: a perda de todo o texto, ou de parte dele. O que restará será um recomeço mais consciente. Flusser (2007) destaca o fato de que a comunicação é um processo artificial. Enquanto o homem e a natureza tendem à en- tropia, a comunicação é neguentrópica por tentar organizar as in- formações produzidas pelo homem. Ao armazenar, acessar e com- partilhar dados digitais, o que se realiza é uma tentativa de negar a entropia, que não caracteriza apenas a natureza, mas também a cultura contemporânea, consumidora e acumuladora. A presença da “Tela Azul” faz lembrar esta tendência entrópica e, como parte dos atos comunicacionais cotidianos, que permitem mudanças nas formas de ver o mundo mediante regularidades e padrões compar- tilhados socialmente, configura-se como um estado de suspensão, como irrupção na normalidade das coisas. A palavra “Morte” contida no nome “Blue Screen of Death” também carrega uma ambiguidade que pode ser discutida. Se tra- tarmos cada processo como finito — iniciar a tarefa, desempenhar a tarefa, concluir a tarefa — então o conceito de morte na aparição da Tela Azul é válido, porém, o software trabalha em uma cama- da mais superficial do que o hardware, apesar de seu papel funda- mental na computação. Sem um programa de computador, as pe- ças montadas dentro da carcaça não têm uma função. E o hardware, mais especificamente o botão Ligar/Desligar, é o que transgride este conceito de “Morte”, fazendo-o assemelhar-se mais com o conceito de “Ressurreição”. Para que haja validação para o nome “Blue Screen of Death”, temos que nos ater, portanto, ao nível do software, onde cada etapa deve ser concluída de maneira lógica e em sequência. Quando há
  • 55. 55 o rompimento desta sequência, pelos vários motivos já discutidos, vem à tona a morte, representada pela Tela Azul. Experiência Comunicacional da Tela Azul A “Tela Azul” é dicotômica. Ela não deveria existir porque se espera que o sistema Windows seja livre de erros mas, uma vez que estes erros acontecem, a Tela Azul torna-se necessária. E, como tal, deve ser desenhada de forma a amenizar um problema de proces- samento do computador. A imagem da tela azul, comparada à lin- guagem verbal, pode ser considerada um eufemismo. No entanto, como em muitos episódios na área da informática, a escolha da cor azul para a tela é baseada em uma provocação. Em 1987, durante o desenvolvimento do OS/2 — sistema operacional proprietário da IBM —, a equipe da Lattice Inc. não fez o tratamento de erro adequado em um dos módulos, o que causou uma pane geral no sistema quando este era testado pela IBM. Em resposta, a IBM apontou o erro e, a partir daí, a Lattice Inc. criou a tela de tratamento de erro — o objeto deste artigo. A Tela Azul não representa uma experiência comunicacio- nal completa em sua origem. Foi somente através dos anos, e das versões diferentes de Windows, que ela foi pensada para comuni- car de uma maneira mais humana. O jornalista Jeffrey L. Wilson lembra: “The seemingly indecipherable Matrix-like code (at least to laymen) can prove quite intimidating to those who have never seen a BSDOD”10 . Por um lado, isso acontece pela profusão de novos dispositi- vos que são acoplados ao computador e não têm a assistência téc- nica necessária. Sistema operacional de uma fabricante, device dri- vers de outra... A chance de problemas era enorme. O segundo ponto que provoca a “banalização” da Tela Azul é 10 Tradução Livre: “O código aparentemente indecifrável que mais parece uma Matrix (ao menos para um leigo) torna-se intimidante para aqueles que nunca viram uma Tela Azul da Morte”. — http://www.pcmag.com/ article2/0,2817,2393070,00.asp
  • 56. 56 a engenharia de software empregada pela Microsoft. Desde sua pri- meira versão, a hierarquia de arquivos e a maneira com que eles são acionados sempre gerou problemas de estabilidade. A solução, por- tanto, é tornar a Tela Azul cada vez mais amigável visualmente para que se inicie um novo processo de relacionamento entre o sistema e o usuário. Isso significa abrandar o trauma, uma vez que a rotina de reiniciar a tarefa permanece a mesma. A Tela Azul carrega sentidos que, na maioria das vezes, está distante da linguagem cotidiana e facilmente assimilável pelo ser humano. A isso se soma a maneira abrupta com que ela surge, o que produz uma sensação ainda mais alarmante no desenrolar da sus- pensão do cotidiano. É abrupta pela velocidade de processamento dos computadores. Ao usuário de Windows cabe entender sua fun- ção a partir da suspensão de seu cotidiano e tomar a providência necessária. Não se trata, porém, de algo contemplativo; é um sinal para que se tome um novo rumo no processo que estava sendo exe- cutado — ou que este processo seja reiniciado. A experiência comunicacional do usuário de Windows não tem um parâmetro amplo de fruição exatamente por significar uma parada brusca. Os que não estão familiarizados com a lingua- gem tendem a pedir ajuda para outras pessoas; os que já estão fa- miliarizados não tem o que fazer a não ser lamentar o fato — já que a Tela Azul também significa um recomeço — e executam a ordem dada pelo texto na tela. Hoje a Tela Azul do Windows é composta por uma linguagem muito mais humana. Há um emoticon sugerindo tristeza seguido da frase “Your PC ran into a problem and needs to restart. We’re just collecting some error info, and then we’ll restart for you”11 . Portanto, conforme SILVA (2010), podemos entender que a forma da Tela Azul do Windows pode estipular um valor, e que isto cria um sentido. Ou seja, diferentes formas geram diferentes valo- res e que resultam em diferentes sentidos. Dentro da computação 11 Seu PC encontrou um problema e precisa reiniciar. Estamos coletando as informações do erro, e então reiniciaremos para você.
  • 57. 57 — enquanto cultura —, a Tela Azul ganha sentido por representar um ponto sem volta. Sua forma, porém, foi alterada para que fosse aprimorada e, assim, se aproximar do usuário do computador, al- terando seu valor. Esta experiência comunicacional, apesar de re- presentar uma suspensão, tornou-se mais branda por conta da sua forma. Considerações finais Quando entendemos o que a Tela Azul provoca ao usuário de computador, por um prisma entendemos como o mundo da com- putação se desenvolveu, consequentemente, sua linguagem em re- lação com a linguagem do cotidiano. A premissa de uma máquina é a de que ela execute tarefas de maneira automatizada e com maior velocidade do que o ser humano pode fazê-las. A complexidade que existe entre processadores, memórias e placas lógicas também é o impulsionador para programas de computador mais sofisticados. Isso requer, portanto, que se utilize técnicas de engenharia mais avançadas para que tais tarefas sejam concluídas. Dentro da computação, enquanto cultura, a Tela Azul ganha sentido por representar a interrupção de uma sequência lógica den- tro de uma tarefa. Sua forma, no entanto, foi aprimorada para que fosse inteligível para o ser humano, e isto significa que as falhas lógicas dentro da arquitetura de software da Microsoft ainda serão presentes, independentemente da destreza do usuário ao utilizar qualquer um destes sistemas ou da própria evolução da engenharia. Seja ela parte de uma cultura ou a Moby Dick da Microsoft, a Tela Azul é um exemplo de como a experiência comunicacional pode estar velada em lugares onde nem sempre se pensa comuni- cação ou em linguagem. E, ainda que seja um recurso primário, sua representatividade para o mundo da computação, e seu impacto como experiência para o usuário, é extremamente forte.
  • 58. 58 Referências SILVA. Míriam Cristina Carlos. Contribuições de Iuri Lotman para a comunicação: sobre a complexidade do signo poético. In: FERREIRA, Giovandro Marcus et al. (Org.) Teorias da comunicação: trajetórias investigativas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. p. 273-291. VENKATESWARAN, Sreekrishnan. Essential Linux Device Drivers. Boston: Prentice Hall, 2008. VALVERDE, Monclar. Estética da Comunicação: sentido, forma e valor nas cenas da cultura. Salvador: Quarteto, 2007. p. 239-294; Windows 98 crashes live on CNN. Disponível em <https://www.youtube. com/watch?v=eKy9fV_zX_o>. Acesso em: 02 mai. 2015. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007. BARROS, Laan Mendes de. Experiência Estética e Experiência Poética: A questão da produção de sentidos. IN: XXI Encontro Anual da Compós. Anais GT Comunicação e Experiência Estética. Juiz de Fora: UFJF / Compós, 2012. SMITH, Gina. Unsung Innovators: David Bradley, inventor of the “three- finger salute”. ComputerWorld, Estados Unidos, 3 dez. 2007. Disponível em < http://www.computerworld.com/article/2540049/computer- hardware/unsung-innovators--david-bradley--inventor-of-the--three- finger-salute-.html>. Acesso em: 2 mai. 2015. MICROSOFT. Microsoft Windows NT Workstation Resource Kit. Redmond, Washington: Microsoft Press, 1996. CONTROL-ALT-DELETE: David Bradley & Bill Gates. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=K_lg7w8gAXQ>. Acesso em: 30 abr. 2015.
  • 59. 59 Para Administrar a Fé em Deus: Ofertas de Interfaces entre Mídia, Business e Religião no Brasil2 Paulo Celso da Silva3 Miriam Cristina Carlos Silva4 Luiz Guilherme Leite Amaral5 Introdução Em 1989, no esforço de compreender o momento pelo qual passava o mundo, David Harvey afirma a condição pós-moderna em curso desde inícios da década de 1970, a qual configurava e re- configurava não apenas a economia política (em sentido estrito) mas toda vida cultural do globo. A maneira como indivíduos pas- saram a se relacionar com coisas e pessoas vai acumulando outras possibilidades com a inclusão, cada vez maior, de aparatos tecno- lógicos à vida cotidiana. O mesmo autor analisa, assim, como es- 2 Publicado originalmente: Comun. & Inf., Goiânia, GO, v. 19, n. 2, p. 19-34, jul./dez. 2016. - https://www.revistas.ufg.br/ci 3 Graduação em Geografia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Sorocaba (1988), graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Sorocaba (1989), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Uni- versidade de São Paulo (1995) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2000). Pós doutoramento pela Universitat de Barcelo- na (2001-2). E-mail: paulo.silva@prof.uniso.br 4 Graduação em Licenciatura Plena em Letras - Português / Inglês pela Uni- versidade de Sorocaba (1990); mestrado em Comunicação e Semiótica pela Ponti- fícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e doutorado em Comunicação e Se- miótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Pós doutorado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2012). E-mail: miriam.silva@prof.uniso.br 5 Graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Administra- ção, Marketing e Comunicação de Sorocaba (2007). Mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade de Sorocaba. E-mail: luiz.amaral.mestrado@gmail.com