Escrito originalmente em 2013 baseado no texto “O mito e o mundo moderno”, de Joseph Campbell, acerca da relação dos seres com seus mitos, os símbolos que regem o pensamento e as características religiosas destes elementos.
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Ensaio sobre O mito e o Mundo Moderno (Joseph Campbell)
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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA ACADÊMICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
Ensaio sobre O mito e o Mundo Moderno (Joseph Campbell)
Escrito originalmente em 2013 baseado no texto “O mito e o mundo moderno”, de Joseph
Campbell, acerca da relação dos seres com seus mitos, os símbolos que regem o pensamento
e as características religiosas destes elementos.
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É do ser humano criar, mitos deuses e fábulas, especialmente para
explicar o que não se entende e para reforçar um ponto de vista sob
determinado assunto. As parábolas dos livros religiosos são exatamente
isso. E esta ânsia está ligada diretamente a dois aspectos: 1) a busca por
um agente — ao invés de perguntar “o que” pergunta-se “quem” — e 2) a
curiosidade de saber por que as coisas são como são. Torna-se comum
procurarmos a resposta na própria resposta.
Os mitos são a representação do que gostaríamos de ser. Eles
cobrem as nossas falhas e são os juízes das leis que implantamos dentro
das seitas que criamos. Uma religião é, então, uma compilação de
costumes que tem um mito central como legislador quando, na verdade,
os legisladores são os próprios fundadores desta religião. Mitos são
modelos de vida e, como diferentes culturas anseiam por representações
similares — como, por exemplo, o Hilflosigkeit de Freud — é
compreensível que haja tantas coincidências.
Mitos não existem somente para explicar os ciclos da vida e as
transformações do ser humano durante sua existência; servem também
para estabelecer uma ordem, para que o próprio comportamento do ser
humano seja revelado através destas representações míticas. É
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importante entender, no entanto, que moralidade não tem nada a ver
com religião. Nossa sociedade é moderna o suficiente para não
comportar mais dogmas tão antiquados. Porém a necessidade de ser
subserviente a um legislador faz com que religiões se modifiquem e se
adaptem (na medida do possível) para suprir as falhas morais que não
existiam em sua época de fundação.
É interessante, contudo, pensar que a Mitologia Comparada, área
de Campbell, pode ter a função de ajudar a escolher um mito que caiba
dentro de suas convicções ou não escolher qualquer um. Vale lembrar
que a relação entre pessoas e suas religiões é a de um cliente de
restaurante com o cardápio aberto. Quer dizer, há a subjetividade do
querer até no dogmático. Um dos processos de se tornar ateu, por outro
lado, é exatamente compreender a função dos mitos nas religiões.
Religião Comparada é o campo que coloca em pé de igualdade os mitos e
doutrinas, mostrando que não há verdade absoluta tampouco verdade
soberana.
Dentro deste escopo, podemos lidar com vários assuntos. O
primeiro deles é a perfeição do deus cristão. Ele não é apenas imperfeito
como carrega todos os defeitos tão comumente humanos: é sádico,
arrepende-se, é ciumento, tirano e in- transigente. Mas, claro, estamos
lidando aqui com a deturpação de um mito, já que “deus” é um conceito,
uma ideia. Estas falhas são reveladas na própria Bíblia:
“Por exemplo, os 10 Mandamentos dizem ‘não matarás’. Aí no
capítulo seguinte diz ‘Vai a Canaã e mata a todos que encontrar’”.
É preciso ler textos sagrados com olhos neutros e críticos, não
apaixonados se quisermos uma interpretação acurada sobre o que estes
mitos significam. Então, vivemos em um mundo de possibilidades
finitas de “superpoderes” para deuses porque nossos desejos (ou falhas)
também são um repertório finito. Por isso há tantos deuses com a
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mesma trajetória e feitos de Jesus Cristo, por exemplo. A história de Javé
é muito bem documentada no livro “A History of God”, de Karen
Armstrong. A derrocada do panteão cananeu e a ascensão de Javé a deus
único cria uma nova ideia de legislador e verdade absoluta — quer dizer,
esta é a fundamentação do monoteísmo judaico após o monoteísmo
egípcio.
“Um deus é a personificação de um poder motivador ou de um
sistema de valores que funciona para a vida humana e para o universo —
os poderes do seu próprio corpo e da natureza. Os mitos são metáforas
da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que
animam nossa vida animam a vida do mundo”.
Quando se alcança uma explicação clara e objetiva sobre o que é
um deus, torna-se difícil sustentar alguma crença em alguma religião. O
componente que mantém esta crença em pé chama-se fé. E aí todas as
questões fundamentais das doutrinas não se abalam, como a questão da
morte e a recompensa que supostamente viria após ou a ideia de energia.
Consciência não é energia porque “energia” neste caso tende ao
mágico — que não é empírico. Consciência, por outro lado, significa
reconhecer-se e saber-se humano, ainda que haja dilemas existenciais e
filosóficos — aliás, só conseguimos filosofar sobre nossa própria
existência exatamente por causa de nossa consciência.
Como gostamos de mitos e deuses, também gostamos de endeusar
outras coisas. Marcas são deuses, atletas são deuses, músicos são
deuses… É toda uma sorte de elementos e pessoas que podemos
endeusar que já não há mais limites. Estes mitos constroem pequenas
partes de nosso repertório e transformam-se, assim, em toda nossa
complexidade a respeito do que gostamos, do que desejamos e do que
somos. Isto significa que um mito apenas não é suficiente.