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CESÁRIO VERDE




ANÁLISE DO POEMA “CRISTALIZAÇÕES
“Cristalizações”
              Localização temporal do poema



     ―Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros
     Vibra uma imensa claridade crua‖



                            Primavera

Sinestesia: referências tácteis e visuais
“Cristalizações”


De cócoras, em linha, os calceteiros, /
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
/Calçam de lado a lado a longa rua.
“Cristalizações”
De cócoras porque nem sequer tinham o banquinho de mestre calceteiro



Em linha – os calceteiros têm de trabalhar em equipa e muitos dos ajudantes
eram trazidos da prisão agrilhoados e teriam que manter forçosamente a fila
“Cristalizações”
Com lentidão – devido ao esforço dispendido, os aguilhoados teriam
forçosamente os seus movimentos muito mais lentos do que os homens
libertos, se bem que este trabalho fosse sempre moroso e penoso

Terrosos – adquiriam o tom da terra e da pedra ainda por limpar; quase que
fazem parte do próprio solo
“Cristalizações”
Grosseiros – não se trata de uma grosseria em relação a estes homens, mas
antes um libelo sobre a penosa situação em que se encontravam. Para se chegar
a mestre calceteiro era necessário começar a profissão aos sete ou oito anos de
idade dado que mais tarde as articulações das mãos já não lhes permitia
flexibilidade, tornando-se desajeitadas para o ofício
“Cristalizações”

A frialdade exige o movimento; /E
as poças de água, como em chão
vidrento, / Reflectem a molhada
casaria.
“Cristalizações”
A frialdade exige o movimento – roupas pouco adequadas em que o trabalho
era a única forma de aquecerem


E as poças de água, como em chão
vidrento – a água reflecte-se nos olhos,
como se fora um vidro colocado no chão,
assim como nas habitações
“Cristalizações”

A molhada casaria – molhada por ter chovido e,
muitas vezes, os próprios revestimentos das casas,
tantas vezes em mosaico, não serem propícios a
secarem rapidamente
“Cristalizações”
Casaria – é interessante notar que esta palavra é pouco vulgar empregando-
se o seu masculino „casario‟. Casaria são filas de casas tal como os calceteiros
são filas de homens. „Casaria‟ empregue no final da segunda estrofe liga-se
harmoniosamente a longa rua, localizada no final da primeira estrofe
ficando os calceteiros no meio, fechados por este cenário.
“Cristalizações”


Casaria e longa rua definem bem a extensão do
trabalho que está para ser realizado
“Cristalizações”

Em pé e perna, dando aos rins que a marcha
agita, / Disseminadas, gritam as peixeiras;
/Luzem, aquecem na manhã bonita, /Uns
barracões   de   gente    pobrezita   /E   uns
quintalórios velhos com parreiras.
“Cristalizações”
Cesário burila, à maneira de Baudelaire, a descrição das peixeiras




• Sinédoque (toma o todo pela parte) para destacar elementos mais
importantes para o exercício da dura profissão: pé e perna
“Cristalizações”

• Metonímia - Dando aos rins que a marcha agita – (causa/efeito) para
conseguirmos visualizar o bambolear das ancas que devido ao peso e à
caminhada provoca dores nos rins, começando a estrofe por afirmar: em pé,
ligando novamente o pé à caminhada
“Cristalizações”
Paralelamente ao trabalho dos calceteiros, as peixeiras com o seu ar gingão e
sonoro pregão espalham-se pela cidade dando brilho onde só há barracões de
gente pobre
“Cristalizações”
Luzem, aquecem na manhã bonita – Luzem, hipérbole (exagero poético)
sublinhando assim que são elas que dão luminosidade aos seres opacos do
quotidiano; aquecem porque calcorreiam as ruas vergadas ao peso da canasta
(sentido denotativo) e um outro subentendido (conotativo), aquecem o
coração dos homens. A manhã bonita interliga-se também às peixeiras que
alegram as manhãs dos pobres
“Cristalizações”

E uns quintalórios velhos com parreiras – os
únicos que podem assistir ao duro trabalho
dos calceteiros porque Não se ouvem aves;
nem o choro duma nora! /Tornam por outra
parte os viandantes
“Cristalizações”
Não se ouvem aves; nem o choro duma nora! – é Verão - perífrase



Nem o choro duma nora! – muito provavelmente os poços estavam secos
como tantas vezes aconteceu no estio lisboeta


 Tornam por outra parte os viandantes – Quem pode parte para a sua
 aldeia ou vai “a ares‖
“Cristalizações”

E o ferro e a pedra — que união
sonora! — /Retinem alto pelo
espaço fora, /Com choques rijos,
ásperos, cantantes.
“Cristalizações”

O ferro dos instrumentos do calceteiro: pá, picareta, forquilha, baldes (para
molhar a calçada), formas para os desenhos artísticos
“Cristalizações”
Pedra – basalto ou calcário empregues para a calçada




 A união áspera dos sons do ferro e da pedra criam uma harmónica
 dissonante
“Cristalizações”
Bom tempo. E os rapagões, morosos,
duros, braços, /Cuja coluna nunca se
endireita, /Partem penedos. Cruzam-se
estilhaços. /Pesam enormemente os
grossos maços, /Com que outros batem a
calçada feita.
“Cristalizações”

        Bom tempo – A marcha do tempo
        e dos calceteiros não pára.
        Chegámos ao Verão, mas a
        lentidão e a postura curvada do
        corpo continuam
“Cristalizações”
A expressão hiperbólica partem penedos mostra o trabalho duro e pesado



Cruzam-se estilhaços – os calceteiros cortam as meias-pedras (assim
denominadas) na mão, em postura de concha, de uma forma irregular, com a
face superior aparelhada saltando as lascas e quase se entrechocando no ar
com as dos outros trabalhadores. Mostra também que o trabalho não é
solitário e que é realizado numa área contígua
“Cristalizações”
Pesam enormemente os grossos maços – é o peso do instrumento e a pressão
do trabalhador sobre o maço ou marreta que faz com que as pedras se
enterrem na argamassa


Com que outros batem a calçada – frisando novamente um trabalho
colectivo
“Cristalizações”
A sua barba agreste! A lã dos seus
barretes!/ Que espessos forros! Numa das
regueiras/Acamam-se as japonas, os
coletes;/E     eles    descalçam     com     os
picaretes,/Que        ferem   lume         sobre
pederneiras.
“Cristalizações”

A sua barba agreste! – Cesário insurge-se muitas vezes ao longo da sua
vida, com o número de horas de trabalho que faz com que os trabalhadores
não tenham tempo para cuidar deles próprios. Assim a barba é descuidada e
áspera devido ao pó e a deficientes lavagens
“Cristalizações”
A lã dos seus barretes!/ Que espessos forros! – carapuços também forrados a
lã e com um debrum largo para o suor ser ensopado e não escorrer para os
olhos.


A admiração de Cesário em relação aos forros é sublinhada pelo ponto de
exclamação
“Cristalizações”
Acamam-se as japonas, os coletes – os trabalhadores dobram as jaquetas e os
coletes, colocando-os geralmente em cima de uma pedra, quase rente ao chão.
É interessante notar que este verso liga-se ao da primeira quintilha seguinte
porque japonas também significa arbustos que ficam acamados em bacelos
durante o Outono e Inverno. Este verso faz a ligação com a próxima estação
do ano que irá estar presente: o Outono
“Cristalizações”

E nesse rude mês, que não consente as
flores, /Fundeiam, como esquadra em fria
paz, /As árvores despidas. Sóbrias cores!/
Mastros, enxárcias, vergas. Valadores/
Atiram terra com as largas pás.
“Cristalizações”

E nesse rude mês, que não consente as
flores (…) As árvores despidas. Sóbrias
cores! - No Outono as árvores perdem as
folhas e as cores que elas espalham pelo
chão são verdes escuras e castanhos de
vários matizes
“Cristalizações”

         Fundeiam, como esquadra em
         fria paz – é de salientar a
         comparação entre a inércia da
         natureza com os navios parados
         durante o tempo de sossego
“Cristalizações”
Mastros, enxárcias, vergas – Cesário continua a comparar o trabalho dos
arruamentos com a frota de guerra e mais particularmente com os apetrechos
náuticos e a interdependência entre si


No trabalho de calcetaria os homens usam um pau a prumo ao qual está
ligado um fio que indicará o desnível do passeio
O pau atravessado como o da verga é indispensável porque faz de compasso
para a marcação dos desenhos na calçada
“Cristalizações”
Eu julgo-me no Norte, ao frio — o
grande agente! — /Carros de mão, que
chiam carregados, /Conduzem saibros,
vagarosamente;     /Vê-se   a   cidade,
mercantil, contente: /Madeiras, águas,
multidões, telhados!
“Cristalizações”
Eu julgo-me no Norte, ao frio — o grande agente!
É Inverno e duro como são os do norte do país, esta estação do ano
provoca mudanças na natureza e na vida das pessoas
“Cristalizações”
Negreiam os quintais enxuga a alvenaria; /Em arco, sem as nuvens
flutuantes, /O céu renova a tinta corredia; /E os charcos brilham tanto, que
eu diria /Ter ante mim lagoas de brilhantes!



Sinédoque: as casas abarracadas interligam-se e reagem com o tempo
atmosférico, não chove e as casas têm a oportunidade de secarem
“Cristalizações”
E os charcos brilham tanto, que eu diria /Ter ante mim lagoas de
brilhantes! - metáfora


E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos – a natureza brilha e
renova-se como nos é descrita nos últimos versos, mas o homem vai
envelhecendo, minguando, tema da mudança tão querido a Camões
“Cristalizações”
 Eu tudo encontro alegremente exacto. /Lavo, refresco, limpo os meus
 sentidos. /E tangem-me, excitados, sacudidos, /O tacto, a vista, o ouvido, o
 gosto, o olfacto! – Cesário o poeta das sinestesias, mistura as sensações
 ligadas aos cincos sentidos


Na quintilha seguinte continua a mostrar a interligação quase simbiótica
entre a natureza e o seu próprio ser
“Cristalizações”
Com ela sofres, bebes, agonizas:/ Listrões de vinho lançam-lhe divisas,/ E os
suspensórios traçam-lhe uma cruz! – o povo desfeito como as suas roupas
refugia-se no vinho; é a sua única consolação, mas também essa o leva à
agonia (morte) que se torna visível nas manchas da roupa que são as suas
“medalhas”. Os suspensórios que prendem a vestimenta têm o formato de uma
cruz, simbolizando o sofrimento da vida que têm de acarretar
“Cristalizações”
O martírio do povo denuncia poderosamente a injustiça social que está na
base “mercantil” da cidade contente, pondo em questão a própria ideologia
do progresso que nela se baseia


Como os trabalhadores são camponeses, a exploração do campo pela cidade
fica também implícita nesta cristalização
“Cristalizações”
De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca,
/Surge um perfil direito que se aguça; /E ar
matinal de quem saiu da toca, /Uma figura
fina, desemboca, /Toda abafada num casaco
à russa.
“Cristalizações”
Uma figura fina, desemboca, /Toda abafada num casaco à russa – no contexto
do poema uma figura fina tem duas leituras: fina por pertencer a uma classe
social mais privilegiada e por ser esguia
“Cristalizações”
Donde ela vem! A actriz que tanto
cumprimento /E a quem, à noite na plateia,
atraio /Os olhos lisos como polimento!
/Com seu rostinho estreito, friorento,
/Caminha agora para o seu ensaio.
“Cristalizações”
Os olhos lisos como polimento! /Com seu rostinho estreito, friorento,
/Caminha agora para o seu ensaio. – descrição da mulher amada: olhos
brilhantes e rosto magro


Esta figura feminina quebra a monotonia da pobreza, mas só por instantes
“Cristalizações”
E aos outros eu admiro os dorsos, os costados /Como lajões. Os bons
trabalhadores! /Os filhos das lezírias, dos montados: /Os das planícies,
altos, aprumados; /Os das montanhas, baixos, trepadores!


– a frágil figura feminina amada, que quebrou a monotonia da pobreza, é o
contraste em relação ao povo das diferentes regiões do país: ribatejanos,
alentejanos, estremanhos ou transmontanos
“Cristalizações”

Nesta composição, o poeta relata a azáfama citadina constatada por ele,
associando-a à injustiça que vitima as classes trabalhadoras


Através de pensamentos expressos em linguagem simbólica, surge a vida
campestre, como denunciadora da exploração dos grandes meios urbanos

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Cristalizacoes

  • 1. CESÁRIO VERDE ANÁLISE DO POEMA “CRISTALIZAÇÕES
  • 2. “Cristalizações” Localização temporal do poema ―Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros Vibra uma imensa claridade crua‖ Primavera Sinestesia: referências tácteis e visuais
  • 3. “Cristalizações” De cócoras, em linha, os calceteiros, / Com lentidão, terrosos e grosseiros, /Calçam de lado a lado a longa rua.
  • 4. “Cristalizações” De cócoras porque nem sequer tinham o banquinho de mestre calceteiro Em linha – os calceteiros têm de trabalhar em equipa e muitos dos ajudantes eram trazidos da prisão agrilhoados e teriam que manter forçosamente a fila
  • 5. “Cristalizações” Com lentidão – devido ao esforço dispendido, os aguilhoados teriam forçosamente os seus movimentos muito mais lentos do que os homens libertos, se bem que este trabalho fosse sempre moroso e penoso Terrosos – adquiriam o tom da terra e da pedra ainda por limpar; quase que fazem parte do próprio solo
  • 6. “Cristalizações” Grosseiros – não se trata de uma grosseria em relação a estes homens, mas antes um libelo sobre a penosa situação em que se encontravam. Para se chegar a mestre calceteiro era necessário começar a profissão aos sete ou oito anos de idade dado que mais tarde as articulações das mãos já não lhes permitia flexibilidade, tornando-se desajeitadas para o ofício
  • 7. “Cristalizações” A frialdade exige o movimento; /E as poças de água, como em chão vidrento, / Reflectem a molhada casaria.
  • 8. “Cristalizações” A frialdade exige o movimento – roupas pouco adequadas em que o trabalho era a única forma de aquecerem E as poças de água, como em chão vidrento – a água reflecte-se nos olhos, como se fora um vidro colocado no chão, assim como nas habitações
  • 9. “Cristalizações” A molhada casaria – molhada por ter chovido e, muitas vezes, os próprios revestimentos das casas, tantas vezes em mosaico, não serem propícios a secarem rapidamente
  • 10. “Cristalizações” Casaria – é interessante notar que esta palavra é pouco vulgar empregando- se o seu masculino „casario‟. Casaria são filas de casas tal como os calceteiros são filas de homens. „Casaria‟ empregue no final da segunda estrofe liga-se harmoniosamente a longa rua, localizada no final da primeira estrofe ficando os calceteiros no meio, fechados por este cenário.
  • 11. “Cristalizações” Casaria e longa rua definem bem a extensão do trabalho que está para ser realizado
  • 12. “Cristalizações” Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita, / Disseminadas, gritam as peixeiras; /Luzem, aquecem na manhã bonita, /Uns barracões de gente pobrezita /E uns quintalórios velhos com parreiras.
  • 13. “Cristalizações” Cesário burila, à maneira de Baudelaire, a descrição das peixeiras • Sinédoque (toma o todo pela parte) para destacar elementos mais importantes para o exercício da dura profissão: pé e perna
  • 14. “Cristalizações” • Metonímia - Dando aos rins que a marcha agita – (causa/efeito) para conseguirmos visualizar o bambolear das ancas que devido ao peso e à caminhada provoca dores nos rins, começando a estrofe por afirmar: em pé, ligando novamente o pé à caminhada
  • 15. “Cristalizações” Paralelamente ao trabalho dos calceteiros, as peixeiras com o seu ar gingão e sonoro pregão espalham-se pela cidade dando brilho onde só há barracões de gente pobre
  • 16. “Cristalizações” Luzem, aquecem na manhã bonita – Luzem, hipérbole (exagero poético) sublinhando assim que são elas que dão luminosidade aos seres opacos do quotidiano; aquecem porque calcorreiam as ruas vergadas ao peso da canasta (sentido denotativo) e um outro subentendido (conotativo), aquecem o coração dos homens. A manhã bonita interliga-se também às peixeiras que alegram as manhãs dos pobres
  • 17. “Cristalizações” E uns quintalórios velhos com parreiras – os únicos que podem assistir ao duro trabalho dos calceteiros porque Não se ouvem aves; nem o choro duma nora! /Tornam por outra parte os viandantes
  • 18. “Cristalizações” Não se ouvem aves; nem o choro duma nora! – é Verão - perífrase Nem o choro duma nora! – muito provavelmente os poços estavam secos como tantas vezes aconteceu no estio lisboeta Tornam por outra parte os viandantes – Quem pode parte para a sua aldeia ou vai “a ares‖
  • 19. “Cristalizações” E o ferro e a pedra — que união sonora! — /Retinem alto pelo espaço fora, /Com choques rijos, ásperos, cantantes.
  • 20. “Cristalizações” O ferro dos instrumentos do calceteiro: pá, picareta, forquilha, baldes (para molhar a calçada), formas para os desenhos artísticos
  • 21. “Cristalizações” Pedra – basalto ou calcário empregues para a calçada A união áspera dos sons do ferro e da pedra criam uma harmónica dissonante
  • 22. “Cristalizações” Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, braços, /Cuja coluna nunca se endireita, /Partem penedos. Cruzam-se estilhaços. /Pesam enormemente os grossos maços, /Com que outros batem a calçada feita.
  • 23. “Cristalizações” Bom tempo – A marcha do tempo e dos calceteiros não pára. Chegámos ao Verão, mas a lentidão e a postura curvada do corpo continuam
  • 24. “Cristalizações” A expressão hiperbólica partem penedos mostra o trabalho duro e pesado Cruzam-se estilhaços – os calceteiros cortam as meias-pedras (assim denominadas) na mão, em postura de concha, de uma forma irregular, com a face superior aparelhada saltando as lascas e quase se entrechocando no ar com as dos outros trabalhadores. Mostra também que o trabalho não é solitário e que é realizado numa área contígua
  • 25. “Cristalizações” Pesam enormemente os grossos maços – é o peso do instrumento e a pressão do trabalhador sobre o maço ou marreta que faz com que as pedras se enterrem na argamassa Com que outros batem a calçada – frisando novamente um trabalho colectivo
  • 26. “Cristalizações” A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!/ Que espessos forros! Numa das regueiras/Acamam-se as japonas, os coletes;/E eles descalçam com os picaretes,/Que ferem lume sobre pederneiras.
  • 27. “Cristalizações” A sua barba agreste! – Cesário insurge-se muitas vezes ao longo da sua vida, com o número de horas de trabalho que faz com que os trabalhadores não tenham tempo para cuidar deles próprios. Assim a barba é descuidada e áspera devido ao pó e a deficientes lavagens
  • 28. “Cristalizações” A lã dos seus barretes!/ Que espessos forros! – carapuços também forrados a lã e com um debrum largo para o suor ser ensopado e não escorrer para os olhos. A admiração de Cesário em relação aos forros é sublinhada pelo ponto de exclamação
  • 29. “Cristalizações” Acamam-se as japonas, os coletes – os trabalhadores dobram as jaquetas e os coletes, colocando-os geralmente em cima de uma pedra, quase rente ao chão. É interessante notar que este verso liga-se ao da primeira quintilha seguinte porque japonas também significa arbustos que ficam acamados em bacelos durante o Outono e Inverno. Este verso faz a ligação com a próxima estação do ano que irá estar presente: o Outono
  • 30. “Cristalizações” E nesse rude mês, que não consente as flores, /Fundeiam, como esquadra em fria paz, /As árvores despidas. Sóbrias cores!/ Mastros, enxárcias, vergas. Valadores/ Atiram terra com as largas pás.
  • 31. “Cristalizações” E nesse rude mês, que não consente as flores (…) As árvores despidas. Sóbrias cores! - No Outono as árvores perdem as folhas e as cores que elas espalham pelo chão são verdes escuras e castanhos de vários matizes
  • 32. “Cristalizações” Fundeiam, como esquadra em fria paz – é de salientar a comparação entre a inércia da natureza com os navios parados durante o tempo de sossego
  • 33. “Cristalizações” Mastros, enxárcias, vergas – Cesário continua a comparar o trabalho dos arruamentos com a frota de guerra e mais particularmente com os apetrechos náuticos e a interdependência entre si No trabalho de calcetaria os homens usam um pau a prumo ao qual está ligado um fio que indicará o desnível do passeio O pau atravessado como o da verga é indispensável porque faz de compasso para a marcação dos desenhos na calçada
  • 34. “Cristalizações” Eu julgo-me no Norte, ao frio — o grande agente! — /Carros de mão, que chiam carregados, /Conduzem saibros, vagarosamente; /Vê-se a cidade, mercantil, contente: /Madeiras, águas, multidões, telhados!
  • 35. “Cristalizações” Eu julgo-me no Norte, ao frio — o grande agente! É Inverno e duro como são os do norte do país, esta estação do ano provoca mudanças na natureza e na vida das pessoas
  • 36. “Cristalizações” Negreiam os quintais enxuga a alvenaria; /Em arco, sem as nuvens flutuantes, /O céu renova a tinta corredia; /E os charcos brilham tanto, que eu diria /Ter ante mim lagoas de brilhantes! Sinédoque: as casas abarracadas interligam-se e reagem com o tempo atmosférico, não chove e as casas têm a oportunidade de secarem
  • 37. “Cristalizações” E os charcos brilham tanto, que eu diria /Ter ante mim lagoas de brilhantes! - metáfora E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos – a natureza brilha e renova-se como nos é descrita nos últimos versos, mas o homem vai envelhecendo, minguando, tema da mudança tão querido a Camões
  • 38. “Cristalizações” Eu tudo encontro alegremente exacto. /Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. /E tangem-me, excitados, sacudidos, /O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto! – Cesário o poeta das sinestesias, mistura as sensações ligadas aos cincos sentidos Na quintilha seguinte continua a mostrar a interligação quase simbiótica entre a natureza e o seu próprio ser
  • 39. “Cristalizações” Com ela sofres, bebes, agonizas:/ Listrões de vinho lançam-lhe divisas,/ E os suspensórios traçam-lhe uma cruz! – o povo desfeito como as suas roupas refugia-se no vinho; é a sua única consolação, mas também essa o leva à agonia (morte) que se torna visível nas manchas da roupa que são as suas “medalhas”. Os suspensórios que prendem a vestimenta têm o formato de uma cruz, simbolizando o sofrimento da vida que têm de acarretar
  • 40. “Cristalizações” O martírio do povo denuncia poderosamente a injustiça social que está na base “mercantil” da cidade contente, pondo em questão a própria ideologia do progresso que nela se baseia Como os trabalhadores são camponeses, a exploração do campo pela cidade fica também implícita nesta cristalização
  • 41. “Cristalizações” De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca, /Surge um perfil direito que se aguça; /E ar matinal de quem saiu da toca, /Uma figura fina, desemboca, /Toda abafada num casaco à russa.
  • 42. “Cristalizações” Uma figura fina, desemboca, /Toda abafada num casaco à russa – no contexto do poema uma figura fina tem duas leituras: fina por pertencer a uma classe social mais privilegiada e por ser esguia
  • 43. “Cristalizações” Donde ela vem! A actriz que tanto cumprimento /E a quem, à noite na plateia, atraio /Os olhos lisos como polimento! /Com seu rostinho estreito, friorento, /Caminha agora para o seu ensaio.
  • 44. “Cristalizações” Os olhos lisos como polimento! /Com seu rostinho estreito, friorento, /Caminha agora para o seu ensaio. – descrição da mulher amada: olhos brilhantes e rosto magro Esta figura feminina quebra a monotonia da pobreza, mas só por instantes
  • 45. “Cristalizações” E aos outros eu admiro os dorsos, os costados /Como lajões. Os bons trabalhadores! /Os filhos das lezírias, dos montados: /Os das planícies, altos, aprumados; /Os das montanhas, baixos, trepadores! – a frágil figura feminina amada, que quebrou a monotonia da pobreza, é o contraste em relação ao povo das diferentes regiões do país: ribatejanos, alentejanos, estremanhos ou transmontanos
  • 46. “Cristalizações” Nesta composição, o poeta relata a azáfama citadina constatada por ele, associando-a à injustiça que vitima as classes trabalhadoras Através de pensamentos expressos em linguagem simbólica, surge a vida campestre, como denunciadora da exploração dos grandes meios urbanos