O documento analisa a obra "Um útero é do tamanho de um punho", da poeta Angélica Freitas. Em três frases, o resumo é: A obra aborda temas femininos como aborto e violência de gênero de forma irônica e subversiva. A linguagem simples e o tom humorado criticam estereótipos sobre as mulheres. A análise também discute a estilística singular da autora e sua abordagem dos temas do feminino.
1. UM ÚTERO É DO TAMANHO
DE UM PUNHO
“A mulher é uma construção
deve ser
A mulher basicamente é pra ser
Um conjunto habitacional
Tudo igual
Tudo rebocado
Só muda a cor”
...a lição da obra é
refutar justamente
esses estereótipos
femininos
pejorativos... (Angélica
2. SOBRE A OBRA...
Um útero é do tamanho de um punho publicado em 2012, pela Cosac Naify;
tematiza, em linhas gerais, a problemática feminina no mundo contemporâneo a
partir de diversos espectros, como o aborto, a homossexualidade, a opressão
estético-corporal, o estabelecimento de padrões sexuais, a autossuficiência, a
violência doméstica, dentre outros;
foi vencedora do prêmio de melhor livro de poesia de 2012 da APCA (Associação
Paulista de Críticos de Arte);
dialoga com o feminismo e aborda temáticas “do feminino”, mas não no sentido
de ser a essência única, e sim, o centro das forças que o produzem, apontando
para as múltiplas possibilidades de se viver o que se convencionou chamar de “o
feminino” ou, enfim, de “ser mulher”;
trata de temas essenciais para a atualidade, fugindo dos lugares-comuns com
ironia (e autoironia), força e coragem;
é um livro autodestrutivo, no sentido de que, enquanto constrói propostas, as faz
escorrer pelos dedos, propondo novos arranjos e novas leituras;
uma mulher incomoda
é interditada
levada para o depósito
das mulheres que incomodam
loucas louquinhas
tantãs da cabeça
ataduras banhos frios
descargas elétricas
são porcas permanentes
mas como descobrem os maridos
enriquecidos subitamente
as porcas loucas trancafiadas
são muito convenientes
era uma vez uma mulher
e ela queria falar de gênero
3. SOBRE A OBRA...
a poesia que dá nome à obra (Um útero é do tamanho de um punho) estende-se
por oito páginas seguindo o mesmo padrão subversivo e imprevisível. O
simbolismo do órgão feminino é destrinchado na contraposição que ele
resguarda: sua potência e importância se voltam contra as próprias mulheres em
forma de impotência. A forma feminina é sua prisão — seu corpo não pertence a
si. É, ao mesmo tempo, sua fraqueza e sua força;
o cotidiano feminino pesado e invisível através de linhas tortas e imprevisíveis;
é recheada de força simbólica revestida de versos inteligentes e bem humorados;
é dividida em sete partes — todas conectadas a partir do olhar sobre a mulher,
evidenciando a violência naturalizada sobre ela.
“Um útero é do tamanho de um punho
Num útero cabem capelas
Cabem bancos hóstias crucifixos
Cabem padres de pau murcho
Cabem freiras de seios inquietos
Cabem senhoras católicas
Militando diante das clínicas
Às 6h na cidade do méxico”
uma mulher gorda incomoda muita gente uma mulher
gorda e bêbada incomoda muito mais
4. SOBRE A AUTORA...
Angélica Freitas nasceu no Rio Grande do Sul em 1973.
Ela é poeta e jornalista.
Publicou na América Latina, Estados Unidos e Europa e também
tem sido publicada em inúmeras revistas eletrônicas.
Angélica é coeditora da revista Modo de usar & Co, uma revista
para amantes da literatura.
Conhecida por praticar uma literatura comprometida com causas
do feminismo, Angélica, no entanto, não vê como uma obrigação o
posicionamento político do artista. Para ela, “cada um sabe o que
consegue fazer. Acho que ativismo político é muito importante
e algumas pessoas fazem isso melhor do que outras”.
5. linguagem simples, um tanto informal e às vezes comicamente didática, num tom constantemente
ironizante.
no âmbito da construção estética, Freitas se revela manipuladora exímia dos instrumentos poéticos de que
dispõe, transcendendo a arte engajada que se atém ao conteúdo e, por vezes, revela mais engajamento
que labor artístico.
construção metafórica de um discurso irônico.
não desconsidera as questões de gênero intrínsecas à obra.
a poetisa não se torna monotemática ou limitada, pois consegue abordar as questões do feminino sob
diversos aspectos e de modos sempre inovadores e contundentes – às vezes um pouco sem “modos”, em
“desacordo com a educação formal burguesa tradicional”.
Angélica Freitas, ao fazer a opção por “útero”, acentua essa associação metonimicamente, colocando no
mesmo plano sintático e semântico o coração (por ausência) e o útero: ambos são órgãos do corpo
humano, ambos têm função cinética; ambos têm ligação direta com a vida – o coração mantém a vida; o
útero guarda uma vida. Ambos são também ligados ao feminino: o coração é feminino no plano
sociocultural; o útero é feminino no fisiológico-científico.
SOBRE A ESTILÍSTICA DA AUTORA...
Um colega de aula, que acompanhava a minha “carreira”
de poeta, chegou e disse assim: “Olha, tem uma poeta
aqui que eu acho que tu tem que ler, tu vai gosta dela.”
Ele me entregou A teus pés, da Ana Cristina César. Eu
tinha 15 anos. Nunca tinha lido nada parecido e
imediatamente comecei a imitar a Ana Cristina Cesar.
Nos anos 1960 havia uma coleção bastante
popular, que se chamava “O mundo da criança”. Era uma
enciclopédia e, como a minha prima já estava grande, ela
me deu esse livro. Comecei a ler o primeiro volume, que
era justamente de poesia. E aí foi aquela emoção: “Oh,
meu Deus, o que é isso?” Não tinha lido poesia antes. E
nessa enciclopédia americana, que foi traduzida para o
português, tinham muitos autores de língua inglesa, entre
eles o Robert Louis Stevenson e o Edward Lear, este
último de poesia nonsense. E lembro que tinha bastante
coisa engraçada. Meu primeiro contato com a poesia foi
via essa poesia engraçada para crianças, com bastante
brincadeiras de palavras. E daí para escrever foi um pulo.
(Angélica Freitas)
[...] um (é bom destacar o uso desse artigo indefinido no título) útero [...] é
do tamanho de um punho, um punho cerrado, um punho pronto para o
soco, o murro. Punho é uma metáfora (gasta) da ideia de luta e de força –
comumente masculina, viril –, mas se associa também a “pulso”, que é
parte de outra expressão muito comum: é preciso ter pulso (firmeza,
coragem) para fazer algo. Com isso, as dicotomias sexuais e de gênero são
borradas. Mulher tem pulso. É forte, é firme. É mulher, tem útero. Tem
coração (PIETRANI, 2013, p. 30).
6. UMA ANÁLISE SOBRE A OBRA...
UMA MULHER LIMPA
Para iniciar sua luta, a mulher se mostra limpa; preparada. Quase todos os poemas desta seção
apresentam, desde os títulos, o vocábulo “mulher” ligado a uma caracterização ou a uma ação – exaltada
quando compreendida, tradicionalmente, como positiva e criticada quando entendida pelo senso comum
como negativa. Vale dizer que esses posicionamentos não refletem as opiniões da autora, mas sim uma
crítica irônica a tais ideias.
“e se ela é uma mulher limpa/ ela é uma mulhe
MULHER DE
Todos os poemas desta seção refletem, igualmente, expressões engessadas e lugares-comuns
relacionados à figura da mulher. No poema “mulher depois”, por mais de metade do texto, o gênero do
sujeito lírico é indeterminado – e, aliás, irrelevante, valorizando mais a forma do que o conteúdo, uma
premissa do respeito às diferenças.
pai, lembra quando você dizia
que eu parecia uma guria
e a mãe pedia: deixem disso?
7. UMA ANÁLISE SOBRE A OBRA...
A MULHER É UMA CONSTRUÇÃO
Partindo da dubiedade da palavra “construção”, que pode ser tanto uma construção social, um código de
conduta, quanto uma edificação concreta de engenharia civil, a autora particulariza -se, colocando-se
biograficamente, demarcando-se como jornalista – e apesar de sua posição social no mínimo confortável,
simbolicamente se coloca como marginalizada frente à ditadura do embelezamento. Freitas se coloca
como indivíduo defeituoso para as convenções sociais estabelecidas
“a mulher é uma construção/ com
buracos demais/ vaza”
UM ÚTERO É DO TAMANHO DE UM PUNHO
composição que nos faz lembrar a estética dadaísta, do princípio do século XX, ao elencar diversos
elementos de forma aparentemente aleatória ou pueril. A própria infantilização do discurso é já a crítica
sutil e irônica de Angélica introduzida em seus poemas.
[Jogos como o “piri qui” são] a língua do i, que é como a língua do p. Consiste em trocar as vogais por
i. É uma brincadeira da minha infância. [...] Acho que, de uma forma intuitiva, quis infantilizar partes
dos poemas. [...] Aconteceu. Depois de pronto, fez sentido. Porque realmente acho que a sociedade
trata a mulher assim, de forma infantilizada, inferiorizada. O tratamento com a mulher permite essas
gracinhas, miudezas; com o homem não (FREITAS apud CORTÊZ, 2012).
8. UMA ANÁLISE SOBRE A OBRA...
3 POEMAS COM O AUXÍLIO DO GOOGLE
Nesta parte do livro, Angélica Freitas leva adiante o que parece ser um projeto inspirado, de fato, nos
ideais dadaístas, que mantinham relação íntima com o aleatório. A aleatoriedade do que provém da
internet, como neste caso, é relativa. Estes resultados de pesquisa se adéquam ao projeto irônico-satírico
de Angélica Freitas para a condição social feminina também porque revelam, afinal, o que os internautas
procuram ou pensam a respeito da mulher.
“a mulher pensa com o coração”, “a mulher pensa
por metáforas”, “a mulher pensa em engravidar”
ARGENTINA
O tema que desenvolve é o churrasco, típico dos argentinos e dos gaúchos, o que talvez faça Freitas
sentir-se parte de ambas as partes. Esta seção tem importância biográfica da Argentina para Angélica
Freitas. “às mulheres as alfaces” – ideia reforçada pela inversão dos sintagmas nessa estrutura, trocada
então por “às alfaces as mulheres” refuta e ironiza um modelo de pensamento determinista, que parece
ainda vigorar no que tange à posição social da mulher.
“que suem as lindas na frente da churrasqueira/
e que piquem eles as folhas verdes”
9. UMA ANÁLISE SOBRE A OBRA...
O LIVRO ROSA DO CORAÇÃO DOS TROUXAS
Com sutileza e elegância, por meio de um artifício muito simples, Angélica Freitas outra vez reconfigura as
estruturas sociais no que tange às relações de gênero. A mera substituição da expressão “os homens” por
“as mulheres” em três pontos-chave do texto – que qualquer leitor é capaz de identificar quais sejam –
provocam um processo reflexivo que fatalmente conduz à seguinte conclusão: as diferenças entre homens
e mulheres são absolutamente culturais, impositivas e artificiais.
É possível ainda dizer, e com o endosso de Freitas, que qualquer mulher é capaz de tornar-se homem,
caso assim o deseje – sem alusões a procedimentos cirúrgicos na Tailândia, neste caso.
“eu tive uma namorada
Que não queria
Me convencer de que
A vida era uma merda”
10. REFERÊNCIAS...
JORNALISMO JÚNIOR – USP – Samantha Prado em: http://jornalismojunior.com.br/um-
utero-e-do-tamanho-de-um-punho-e-o-que-mais-cabe-dizer-sobre-a-mulher-em-
linhas-tortas/
https://notaterapia.com.br/2018/03/12/5-poemas-e-1-video-poema-de-um-utero-e-
tamanho-de-um-punho-de-angelica-freitas/ - vídeo-poesia (fragmento da obra “Um
útero é do tamanho de um punho”)
PIETRANI, Anélia Montechiari. Questões de gênero e política da imaginação na poesia de
Angélica Freitas. Revista Fórum Identidades. Itabaiana – UFS, v. 14, jul/dez 2013.
FREITAS, Angélica. Rilke shake. São Paulo: Cosac Naify, 2007. ______. Um útero é do
tamanho de um punho. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
https://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=03222 - Angélica Freitas
Biblioteca Pública do Paraná -
http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1574