SlideShare uma empresa Scribd logo
Daniel dos Santos Fernandes
Luis Junior Costa Saraiva
Jéssica do Socorro Leite Corrêa
Organizadores
“CÂMERAS SUBJETIVAS”
imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense
AUTORES
Alexandra Castro Conceição
Christóvam Pamplona Neto
Daniel dos Santos Fernandes
Danilo Gustavo Silveira Asp
Emanuele Nazaré da Silva
Gabriella Bianca Miuta Cavalli
Jéssica do Socorro Leite Corrêa
Jocenilda Pires de Sousa do Rosário
Luis Junior Costa Saraiva
Pedro Olaia
Samuel Antonio Silva do Rosário
Pedro & João Editores
São Carlos
2017
AUTORES
Alexandra Castro Conceição
Christóvam Pamplona Neto
Daniel dos Santos Fernandes
Danilo Gustavo Silveira Asp
Emanuele Nazaré da Silva
Gabriella Bianca Miuta Cavalli
Jéssica do Socorro Leite Corrêa
Jocenilda Pires de Sousa do Rosário
Luis Junior Costa Saraiva
Pedro Olaia
Samuel Antonio Silva do Rosário
Pinimha Universidade Federal do Pará Laboratório de Estudo Linguagem, Programa de Pós-Graduação em Linguagens
Edições Imagem e Memórias (LELIM) e Saberes na Amazônia (PPLSA/UFPA)
Copyright 2017 © dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou
arquivada desde que levado em conta os direitos dos autores.
CAPA: Jéssica do Socorro Leite Corrêa e Daniel dos Santos Fernandes
EDITORES: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Fernando Alves da Silva Júnior
REVISÃO: Daniel dos Santos Fernandes e Luis Júnior Costa Saraiva
CONSELHO CIENTÍFICO:
Augusto Ponzio (Bari/Itália)
João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil)
Nair F. Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil)
Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil)
Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil)
Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil)
Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha Catalográfica produzida pelo editor
F363
Fernandes, Daniel dos Santos. 1960-
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o
Nordeste paraense. Daniel dos Santos Fernandes; Luis
Júnior Costa Saraiva; Jéssica do Socorro Leite
Corrêa. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.
148p. : Il., Quadros.
1a ed.
ISBN 978-85-7993-449-0
1. Ensaio Etnofotográfico. 2. Fotografia. 3.
Tradição. 4. Amazônia. 5. Nordeste paraense. 6.
Saberes. I. Título.
390 CDD
39 CDU
Pedro & João Editores
www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 – São Carlos – SP
2017
S
U
M
Á
R
I
O
PREFÁCIO
Cornelia Eckert
9
APRESENTAÇÃO
Daniel dos Santos Fernandes
Luís Junior Costa Saraiva
Jéssico do Socorro Leite Corrêa
11
15 TRADIÇÃO, MATEMÁTICA E FÍSICA:
algumas reflexões sobre os saberes etnomate-
máticos e etnofísicos e suas aplicabilidades na
construção da cerâmica caeteuara
Samuel Antonio Silva do Rosário
Jocenilda Pires de Sousa do Rosário
Luis Junior Costa Saraiva
PARTEI
OObservador,aLuzeaSombra
27 AÇAÍ: tradição, identidade e saberes
Gabriella Bianca Miuta Cavalli
Luis Junior Costa Saraiva
39 SOPHIA E PALHAÇO:
dos reencontros e outras performances
Alexandra Castro Conceição
Pedro Olaia
61 PESCANDO INFÂNCIAS:
espaços de aprendizagem e interação de crianças
no contexto da pesca artesanal, Vila Tucum /
Bragança-PA
Jéssica do Socorro Leite Corrêa
Daniel dos Santos Fernandes
75 O CINEMA E A PRODUÇÃO AUDIOVISUAL EM
BRAGANÇA-PA: um panorama da cena
Danilo Gustavo Silveira Asp
Christóvam Pamplona Neto
PARTEII
Olhares,FocoeCaptura
A PERPETUAÇÃO DO IMAGINÁRIO MEDIEVAL
nas narrativas orais dos moradores da Vila Que Era
Jocenilda Pires de Sousa do Rosário
Daniel dos Santos Fernandes
97
A MATEMÁTICA DA ARGILA:
um estudo sobre a etnomatemática presente no
processo de construção da cerâmica caeteuara
Samuel Antonio Silva do Rosario
Daniel dos Santos Fernandes
109
ARARA VERMELHA:
a morte do pássaro e o (re)nascimento de uma
tradição na comunidade Vila Que Era em
Bragança-PA
Luis Junior Costa Saraiva
Samuel Antonio Silva do Rosário
Jéssica do Socorro Leite Corrêa
121
DO HE’ENALU AO SURFE:
empoderamento e participação feminina
no surfe em Salinópolis
Emanuele Nazaré da Silva
Daniel dos Santos Fernandes
133
PREFÁCIO
Cornelia Eckert1
O que as cidades brasileiras de Bragança no Pará e Porto Alegre no Rio Grande do
Sul têm em comum? Certamente muitos aspectos, mas um deles eu revelo: nestas cidades
moram antropólogos que se dedicam de forma aficionada à pesquisa social com imagens,
em antropologia para ser mais precisa. Estas duas pessoas são Daniel dos Santos
Fernandes, professor em Bragança e eu, Cornelia Eckert, professora em Porto Alegre.
Esta informação pode não ter nenhuma importância não fosse o fato de que ambos
professores coordenam núcleos de pesquisa em antropologia com imagens,
respectivamente o Laboratório de Estudo de Linguagem, Imagem e Memórias (LELIM)
e o Núcleo de Antropologia Visual (NAVISUAL), e ambos objetivam formar novas
gerações no aprendizado da antropologia audiovisual.
Estes são projetos acadêmicos que envolvem o ensino, a orientação, bem como a
parceria com colegas na pesquisa sobre abordagens plurais atendendo aos diversos temas
que compõem os programa de pós-graduação a que nos vinculamos. No que tange à
linha de pesquisa, mais uma vez, nossos projetos acadêmicos tem interesses em comum,
o estudo temático da memória coletiva, das formas sociais, das expressões identitárias,
das experiências vividas nas trajetórias biográficas e narradas pelos sujeitos interlocutores
das pesquisas.
O livro organizado por Daniel Fernandes, Luís Saraiva e Jéssica Corrêa intitulado
Câmeras Subjetivas, imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense, tem por proposta divulgar os
resultados de pesquisa de colegas e alunos dedicados a tratar de saberes, fazeres,
habilidades, práticas e narrativas de habitantes de Bragança e de outros lugares singulares
como Vila Cuéra (ou Qui-Era), Vila Tucum, Vila Castelo e também em Viseu, entre ruas,
roçados, plantações, beira rios, oficinas de argilas, etc.
Os estudos trazidos apoiam-se em campos de conhecimento diferenciados como
1 É doutora em Antropologia Social, com a tese Une ville autrefois minière: La Grand-Combe. Etude d’Anthropologie
Sociale. Tome I, II, III. Tem pós-doutorado no Laboratoire d’Anthropologie Visuelle et Sonore du Monde
Contemporaine, Université Paris VII, França, 2001 e no Lateinamerika-Institut, Freie Universität Berlin, Alemanha,
2013. No PPGAS atua nas seguintes linhas de pesquisa: antropologia visual e da imagem, urbanização, sociedade
e cultura No Brasil e meio ambiente e territorialidade. É pesquisadora CNPq. Coordena, juntamente com Ana Luiza
Carvalho da Rocha, o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais, (Biev com sede no Ilea, UFRGS), coordena o
Núcleo de Antropologia Visual (Navisual) e participa do Núcleo de Pesquisa em Estudos Contemporâneos
(Nupecs), PPGAS, UFRGS.
10
etnomatemática, história, nutrição, cinema, fotografia, sociologia ou antropologia. Neste
campo multidisciplinar, o que está colocado em alto relevo é a vida cotidiana de pessoas
simples, em suas experiências ordinárias, o cultivo, o lazer, a festa, o ritual, a pesca, de
crianças ou adultos. Mas também a produção cinematográfica ou o teatro na performance
de atores da vida social.
São produções imagéticas que revelam o ethos e o estilo de ser, de viver, de
situarem-se em contextos na relação com a ambiência urbana ou rural, como já o sugeria
Gregory Bateson em seus estudos pioneiros de etnofotografia no contexto balinês.
As imagens testemunham estas formas de viver, configuram as experiências de
pesquisa que tecem rastros de memórias, tons de práticas, cenários de experiências,
narrativas de saberes e produções locais, atos de resistência e mesmo de contestação por
injustiças.
Alguns anos se passaram desde que conheci Daniel em uma Reunião Brasileira de
Antropologia em 2014 (Natal, Rio Grande do Norte) quando conversamos sobre nossas
vocações de ensino e pesquisa em antropologia visual. É muito gratificante conhecer o
trabalho da equipe do LELIM nesta forma de livro (publicado em 2017). Entre observar
a luz e a sombra de ceramistas, de coletores de açaí, de crianças que pescam, de Sophia
em sua performance (Parte I) e entre ajustar nosso olhar no foco e na captura de cineastas
em seus dizeres, de surfitas mulheres ou brincantes do cordão do Pássaro Arara Vermelha
em suas práticas (Parte II), podemos conhecer um mundo sensível que revela pessoas
comuns, mas que constroem cotidianamente um mundo pleno de significados, de
conhecimentos, de tradições e de invenções, tornando Bragança uma cidade povoada de
imagens que vibram na memória de seus habitantes, testemunhadas pela pesquisa
realizada por uma equipe de etnógrafos e aqui divulgadas na forma de artigos e ensaios
fotográficos que compõem este livro.
APRESENTAÇÃO
Daniel dos Santos Fernandes
Luis Junior Costa Saraiva
Jéssica do Socorro Leite Corrêa
Este é um livro para pensar sobre o olhar, a câmera subjetiva, e o “eu olho” na
captura do instante fugidio em ser múltiplo de significados. Imagens de pássaros
encantados, de performances inquietantes, de sujeitos em movimento. Uma obra que
nasce do trabalho coletivo do Laboratório de Estudo de Linguagem, Imagem e
Memória (LELIM), em um esforço conjunto para captar elementos imagéticos das
várias realidades aqui analisadas.
O livro reúne cinco artigos e quatro ensaio etnofotográficos de autores com
diferentes olhares teóricos e metodológicos, o que torna possível na presente obra um
conjunto diverso que mesmo abordando temáticas diferentes, confluem para um ponto
em comum, a busca de utilizar a imagem como ferramenta fundamental para a reflexão
sobre a realidade social.
Na primeira parte da obra, “O Observador, a luz e a sombra” um conjunto de cinco
artigo que abordam saberes e práticas compartilhadas e formadoras de identidades, são
os saberes presentes na produção da cerâmica caeteuara, e as marcas de uma tradição que
luta para se manter, e que guarda conhecimentos complexos que merecem a atenção do
pesquisador. Nas panelas de barro são feitos os alimentos de muitos dos sujeitos que
ainda hoje utilizam esses utensílios, os quais agora ganham espaço nos restaurantes de
cidades como Bragança, ou mesmo de capitais como Belém.
Saindo da panela de barro, e caindo, não na frigideira, mas no alguidar, essa peça
na qual o açaí era tradicionalmente amassado com as próprias mãos, pois como
expressado em um dos artigos, “açaí de verdade, era o açaí amassado no alguidar e com
as mãos”. E mais uma vez temos todo um campo de saberes ligados ao preparo do um
dos alimentos bons para comer, mas como dizia o mestre Lévi-Strauss, melhor ainda para
pensar, pois o açaí surge enquanto elemento culinário marcador de identidades.
Deixando de lado os objetos de barro, e o fruto do açaí, nos deparamos então com
Sophia em sua performance contestadora de uma sociedade marcada pela violência
contra corpos que não se enquadram em modelos estabelecidos, e em meio a risos e
escárnios, Sophia e O Palhaço entram em um duelo no qual não se busca vencer, mas
sim definir territorialidades nômades. Mas além de adultos, temos crianças em suas
12
relações no universo da pesca, saberes do mar, saberes que surgem na relação com as
águas, com os peixes e com o brincar em sua seriedade.
Por fim, um panorama de produções cinematográficas locais, e as tensões vividas
por diferentes formas de fazer cinema na Amazônia, diferentes olhares sobre uma
variedade de temas que ainda esperam por novos olhares subjetivos. Mas o livro não se
encerra aí, na segunda parte “Olhares, foco e captura” temos um varal fotográfico no
qual se pode ver surfistas, pedras encantadas, araras vermelhas, peças de barro, objetos e
pessoas em movimento, formando um imenso mural social no qual é possível visualizar
relações de sociabilidades que marcam a formação de identidades.
Um livro nômade, aberto aos vários olhares dos autores, mas também aos olhares
dos leitores, olhares subjetivos, objetivados pelas lentes e pelas palavras dos autores.
PARTE I
O observador,
a luz e a sombra
TRADIÇÃO, MATEMÁTICA E FÍSICA:
algumas reflexões sobre os saberes etnomatemáticos
e etnofísicos e suas aplicabilidades na construção
da cerâmica caeteuara1
Samuel Antonio Silva do Rosário
Jocenilda Pires de Sousa do Rosário
Luis Junior Costa Saraiva
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A utilização dos saberes etnomatemáticos e etnofísicos presentes no cotidiano das
comunidades se tornou a motivação para muitos pesquisadores estudarem os contextos
histórico-culturais destas ciências; entre eles, Ubiratan D’Ambrosio (1998, 2005, 2010,
2011), Alexandrina Monteiro (2001) Paulus Gerdes (2007) e William Berlinghoff (2010)
na área da Etnomatemática e Renato Santos (2002), Bárbara Anacleto (2007), Thaise
Prudente (2010) e Ednilson Sousa (2013) na área da Etnofísica.
Nessa perspectiva, o dia a dia nas comunidades tradicionais2 são repletos de
saberes-fazeres, que servem de orientação para o surgimento de novas formas de
compreender noções particulares de pensar e representar a própria existência nesses
locais, bem como contribui para a compreensão de como essas comunidades se
organizam em sociedade, suas relações com o meio ambiente e suas práticas do cotidiano.
Ao estabelecer relações entre os saberes locais presentes em comunidades de
características tradicionais da Amazônia com conteúdos estudados na Matemática e na
Física, novas possibilidades surgem e um novo ambiente é criado a partir de novas
1 Nos estudos histórico-sociológicos da região amazônica brasileira na percepção dos ciclos extrativos da
economia, a sociedade CAETEUARA compõe um dos cinco mundos aquáticos (Tapajônico, Marajoara, Tocantino
e Guajarino), (...) (Contente e Contente, 2015).
2 Diegues (2008) destaca as seguintes característica sobre comunidades tradicionais: a) Dependência e até
simbiose com a natureza(...); b) Conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos(...); c) Noção de território
ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente; d) Moradia e ocupação do território por várias
gerações(...); e) Importância das atividades de subsistência(...); f) Reduzida acumulação de capital; g) Importância
dada à unidade familiar, doméstica ou comunal(...); h) Importância das simbologias, mitos e rituais associados à
caça, pesca e atividades extrativistas; i) A tecnologia utilizada é relativamente simples(...); j) Fraco poder político(...);
l) Auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras.
16
perspectivas que buscam reaproximar a concretude da vida real, afastando o
abstracionismo presente nessas ciências.
Nas comunidades tradicionais os conhecimentos que permeiam entre os variados
saberes são passados de maneira empírica pela oralidade e através da vivência dos agentes
sociais envolvidos, respeitando uma escala de gerações, assim uma geração mais
experiente (mestre) troca conhecimentos com a geração mais nova (aprendiz). Assim, o
diálogo entre o mestre e o aprendiz leva os sujeitos a estabelecer relações e a mobilizar
processos cognitivos para definir suas concepções de mundo e de processos necessários
para existência da comunidade.
Discutir sobre a Matemática e a Física, em uma perspectiva cultural, é buscar a
valorização dos saberes dos diferentes sujeitos, nos diversos cenários. Diante disso, é
oportuno definirmos nossas concepções, pois são muitos os escritos e teorias que falam
sobre o que é cultura.
Geertz (2008) define cultura como uma teia simbólica, tecida na relação entre o
ethos e a visão de mundo de um povo, que ao tecê-la estabelece vínculos e a ela se prende,
produz, socializa e atualiza seus conhecimentos. Nessa perspectiva, Monteiro (2001)
afirma que ela é entendida como o conjunto de valores, condutas, crenças, saberes que
permitem aos homens orientar e explicar seu modo de sentir e atuar no mundo. No
mesmo ponto de vista, D’Ambrosio (2011) conceitua cultura como o conjunto de mitos,
valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento compartilhados por
indivíduos vivendo num determinado tempo e espaço.
Assim, toda atividade humana é motivada pela realidade na qual os sujeitos estão
inseridos, seja por situações ou problemas impostos por esta realidade, segundo Ferreira
(1994), as habilidades cognitivas de um sujeito não podem ser avaliadas fora do espaço
cultural, uma vez que a cultura pode desenvolver certos potenciais na mente humana.
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ETNOMATEMÁTICA
Ao pensar em Matemática sempre se imagina algum conteúdo estudado no espaço
escolar, algo complexo e difícil, mas a matemática está em toda a parte, inclusive no nosso
corpo, basta olhar para o número dos dedos das mãos e as inúmeras vezes que são
utilizados para somar ou diminuir pequenas quantidades. Esse recuso é uma ferramenta
de extrema importância nas comunidades de características tradicionais, pois a relação
estabelecida entre o corpo (concreto) e quantidade (abstrata) estão diretamente
relacionadas e interligadas, ajudando a racionalizar necessidades específicas de cada grupo
social.
Levando em consideração que a matemática surge a partir das necessidades de cada
povo, cada grupo social desenvolve sua própria linguagem matemática que como
qualquer outra forma de linguagem, carrega consigo uma visão de mundo, que determina
a maneira de perceber e conceber a realidade, ajudando a concretizar o abstracionismo
17
presente no modo de sentir o mundo (Fiorin, 1998).
Para D’Ambrosio (2010) a etnomatemática busca entender ao longo da história da
humanidade o saber-fazer. Nessa ideia há também em sua concepção histórica ciclos dos
quais são necessários ao conhecimento, onde tais ciclos são os da geração, organização
intelectual, organização social e difusão de conhecimento.
D’Ambrosio propõe o Programa Etnomatemática3 o qual “tem como referências
categorias próprias de cada cultura, reconhecendo que é próprio da espécie humana a
satisfação de pulsões de sobrevivência e transcendência, absolutamente integrados, como
numa relação de simbiose” (2010, p. 45).
Segundo o autor:
etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e portanto, inclui
considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos;
matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender; e tica
vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz de arte e de técnica. Assim, poderíamos
dizer que etnomatemática é a arte ou a técnica de explicar, de conhecer, de entender nos
diversos contextos culturais (D’Ambrosio, 1998, p. 5).
A partir das definições da Etnomatemática é possível criar uma relação dos saberes
tradicionais presentes em cada comunidade com um determinado conceito da
matemática, conhecendo seus códigos e costumes, podemos atribuir relações de uma
comunidade local com outras mais distantes, criando pontes entre elas e suas origens
étnicas, ambientais, sociais e culturais.
Nessa abordagem, pautando nosso olhar pelas concepções Etnomatemáticas de
D’Ambrosio (2005) e Gerdes (2007) conseguimos estabelecer relações e interconexões
entre ideias matemáticas e outros elementos constituintes culturais, presentes na vida
cotidiana das pessoas, pois o cotidiano está impregnado de modos próprios de pensar,
organizar e expressar saberes da cultura, os quais expressam ideias matemáticas nas suas
mais variadas formas e adquirem validade quando se integram localmente em um grupo
se tornando parte do diálogo que as pessoas desenvolvem com o meio, pois nas
comunidades tradicionais o conhecimento e a tradição caminham juntos.
Dentro dessa perspectiva, cada povo desenvolve diferentes formas de expressar a
matemática com características próprias, impregnadas de necessidades e de
intencionalidade, resultado da busca de soluções das primícias cotidianas. Desse modo,
“a matemática é um produto cultural, criada por pessoas em momentos e lugares
distintos, a partir de uma necessidade, frequentemente afetados por esse
contexto”.(Berlinghoff, 2010, p. 15)
3 O Programa Etnomatemática é um programa de pesquisa em história e filosofia da Matemática, com implicações
pedagógicas, que se situa num quadro muito amplo. Seu objetivo maior é dar sentido a modos de saber e de fazer
das várias culturas e reconhecer como e por que grupos de indivíduos, organizados como famílias, comunidades,
profissões, tribos, nações e povos, executam suas práticas de natureza Matemática, tais como contar, medir,
comparar, classificar (D’Ambrosio, 2008).
18
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ETNOFÍSICA
Cada cultura tem características específicas de sua formação, exemplo disso é o
comportamento cotidiano de seus membros, as suas filosofias de vida, suas formas de
gerar e transmitir os saberes-fazeres que fazem parte do dia a dia. Esses processos são
formados diferentemente em cada sociedade e ditam comportamentos ao longo do
tempo para sua população.
Utilizando-se do programa denominado Etnomatemática, é possível estabelecer
relações dos saberes-fazeres de cada comunidade com conteúdos estudados na ciência
Matemática, porém, mesmo tendo em seu nome o eixo da matemática, sua essência é a
análise de diversas formas do conhecimento. O mesmo não está restrito apenas a estudos
matemáticos, mas a toda cultura que cerca o ambiente das Ciências. D’Ambrósio (2005,
p. 102) introduz a ideia de que o Programa Etnomatemática parte dos estudos das
ciências, das artes, da história, das religiões e das culturas locais, para demonstrar como
as Ciências Exatas foram desenvolvidas dentro de um contexto sociocultural. Uma vez
instituído o Programa, este com o passar dos anos serviu como subsídio para estudo de
novas áreas ligadas a Etnociência.
Nessa linha de pensamento a Etnofísica apropria-se da Etnomatemática para
discutir a possibilidade de uma análise dos saberes-fazeres em ambientes diversos,
fundamentada na contextualização (pelo grupo social que a compõe) do fenômeno físico
estudado sob um paradigma inclusivo, buscando revalorizar os significados dos saberes-
fazeres observados em cada comunidade em um movimento harmônico com a física
científica.
Nesse sentido, a Etnofísica torna-se um campo de estudo, que surgiu amparada,
num primeiro momento, nas contribuições da Etnomatemática. Por se tratar de um
campo da ciência relativamente novo em âmbito nacional4, o conceito de Etnofísica ainda
está em construção; entretanto, podemos nos apropriar da concepção de
Etnomatemática para apontar pistas que nos ajude a pensar o que viria ser Etnofísica.
Diante dos conceitos sobre a Etnomatemática já expostos nesse trabalho, é possível
perceber que, a partir das definições do termo, podemos criar uma relação dos saberes
tradicionais presentes em cada comunidade com as diversas racionalidades matemáticas,
e se tratando de Etnofísica, tais relações não são diferentes; nessa perspectiva, Sousa
(2013) conceitua que “um olhar etnofísico significa considerar ontologicamente o modo
de ver, de interpretar, de compreender, de explicar, de compartilhar, de trabalhar, de lidar,
de sentir os fenômenos físicos”. Sendo assim, trabalhar com a Etnofísica requer a
apropriação da memória cultural do sujeito pesquisado, de seus códigos e símbolos, de
seu universo histórico-social.
Nessa mesma linha de pensamento podemos entender Etnofísica como referência
4 Destacando como alguns de seus primeiros autores em escala nacional Santos (2002) e Anacleto (2007).
19
aos saberes populares acerca do conhecimento físico (Prudente, 2010). Considerando
ontologicamente o modo de compartilhar os fenômenos naturais de cada comunidade e
por parte de cada indivíduo pertencente a um grupo específico.
Na prática, parecem usar e conhecer muitos princípios utilizados pela Física, para a
explicação da realidade, mas não são conhecedores do jargão científico ou acadêmico
próprio desta Ciência, ora por não ter tido suficiente tempo de escolarização, ora por não
ter encontrado ligações necessárias para que, tanto a Física quanto a Matemática,
pudessem ser reveladas como parte integrante de suas vivências (Anacleto, 2007, p. 80).
O conhecimento humano evoluiu conforme a necessidade e as situações em que
desafiavam o modelo mental já existente. Sendo assim, cada povo teve sua evolução
conforme sua realidade natural, social e cultural. E, o registro desses conhecimentos,
possibilita à cada sociedade a transmissão de seus saberes e de suas culturas para futuras
gerações.
Nessas comunidades o conhecimento está diretamente ligado ao processo
cognitivo dos agentes sociais. Para Kastrup (2007, p. 152) a cognição é o ato de construir
conhecimento, de conhecer o mundo e “está enraizada na ação, na vida prática”. Implica
na mobilização de distintos processos cognitivos como a atenção, a percepção, a
memória, a emoção, o raciocínio e a linguagem. Esses processos têm grande importância
no contexto das comunidades tradicionais, pois o conhecimento gerado nesses locais é
passado de maneira empírica através da vivência dos agentes sociais envolvidos e, nesse
sentido, as operações de cognição configuram-se como formas do sujeito captar as
informações do meio, processá-las e registrá-las de algum modo em sua mente.
TRADIÇÃO, ETNOMATEMÁTICA E ETNOFÍSICA: TUDO NA MESMA
PANELA DE BARRO
Diante das abordagens conceituais supracitadas sobre a Etnomatemática e
Etnofísica e para compor a tessitura desse trabalho, foram observados os ambientes que
compõem a conjuntura do processo de construção da cerâmica caeteuara, através de uma
pesquisa participante no cotidiano de uma comunidade com características tradicionais
no município de Bragança-PA, mais especificamente, a comunidade “Vila Cuéra5”,
localizada no espaço rural do município de Bragança-Pa, às margens do rio Caeté,
aproximadamente 8 km do centro da cidade, à esquerda da BR 308 (Figura 1). A
comunidade faz parte da história da construção do município, pois segundo a história
5 Para desenvolver a Capitania, Álvaro de Souza instalou sua sede na margem direita do rio Caeté, fundando o
povoado denominado de vila Souza do Caeté, atualmente conhecida como vila Cuéra ou Qui-Era. Com uma
população quase que exclusivamente indígena, pouco prosperou. Transformado em freguesia, ressurge com o
nome de Nossa Senhora do Rosário de Bragança (Tavares, 1998).
20
oficial contada nos livros e pelos próprios moradores locais, foi neste espaço que iniciou
anos atrás o que hoje conhecemos como município de Bragança, por este motivo a
comunidade e conhecida também como “Vila Qui-Era” Bragança.
Fig. 1- Mapa de localização da “Vila Cuéra”
Fonte – Quaresma (1998)
E para estabelecer essa relação entre tradição, matemática e física, foram
selecionadas algumas narrativas construídas durante os diálogos estabelecidos na pesquisa
de campo realizada em 2017, no ambiente da oficina de cerâmica da comunidade, com o
ceramista que será chamado nesse trabalho de “Furtado”, seguindo os seguintes critérios:
A primeira narrativa descreve o ofício da construção da cerâmica caeteuara, a segunda
narrativa apresentará a forma pela qual o ceramista se relaciona com os fenômenos
naturais envolvidos no processo de construção da cerâmica caeteuara, se utilizando de
uma física própria para determinar o tempo de queima de cada peça e de como o simples
fato de aprender a controlar o fogo, troca de calor e temperatura lhe proporcionou
melhorias no processo de construção de suas peças. Na segunda, narrativa “Furtado”
explica com ajuda da Etnomatemática o processo de fabricação da cerâmica caeteuara
conduzindo um processo harmônico entre a peça visualizada em sua mente (abstrato) e
o objeto final que terá em suas mãos (concreto), se utilizando de maneira empírica de
conceitos da Matemática.
A narrativa exposta por “Furtado” é iniciada pela descrição de seu ofício, minha mãe
já trabalha e arrumou um pessoal ai, cerca de 16 pessoas, aí eu ainda não tava lá, só que dessas 16
pessoas, nós tinha dificuldade nessa queima, porque a gente não dominava o fogo do forno, queimava as
panelas só na fogueira, aí era muito pai de família e não teve como manter esses caras, ai foi desmontando
todo o grupo e acabou ficando só eu. Aí eu consegui ajustar esse tempo de queima, essa secagem, que era
21
nossa dificuldade, então é isso, conseguimo chegar a quase 100%, né. Porque antigamente nós perdia na
secagem e na queima e era só prejuízo.
Em seguida, menciona alguns processos relacionados à queima da peça, (...)Para a
queima eu deixo o forno esquentar do final da tarde, a noite toda e queimo no outro dia, porque aí, ele
fica quente por completo e ar quente passa por todas as peças. O tempo no forno é de acordo com a peça,
olho a grossura dela e já tenho uma noção de quanto tempo ela vai ficar lá, porque o fogo vem de baixo
pra cima e, aí o fogo começa a entrar em contato com as peças, vai esquentando o material que está mais
perto do fogo, aí depois vai passando a quentura pras outras peças que estão em cima, até o ponto que as
peças ficam na mesma temperatura.
Observando a explicação do ceramista sobre o processo de queima é perceptível
que “Furtado” expõe saberes que podem ser facilmente relacionados aos conhecimentos
científicos pertencentes à Física: Noções de tempo, temperatura, equilíbrio térmico e
troca de calor são apenas alguns exemplos dos saberes Etnofísicos que Furtado detém.
Na Física, sabe-se que todo corpo possui uma temperatura e que quando
aproximado a outro corpo com temperatura diferente, ocorre o trânsito de calor, em
busca de um equilíbrio térmico e que a transferência de calor, ocorre por três modos:
condução, convecção e radiação. Em cada processo de troca de calor são exigidos tempos
diferentes, e com seus saberes e sentidos o ceramista sabe o tempo de queima de cada
peça e com o tempo descobriu a maneira mais eficiente de utilizar o fogo ao seu favor.
Segundo Hewitt (2011) “condução” é a “transferência de energia térmica pelas
colisões eletrônicas e moleculares no interior da substância” (especialmente se for sólida).
O autor ainda conceitua que “convecção” é a “transferência de energia térmica em um
líquido ou gás por meio de correntes no interior do fluido aquecido” e que “radiação” é
a “transferência de energia por meio de ondas eletromagnéticas”.
Mostrando que a explicação dada por “Furtado” tem seu valor científico ao
exemplificar todos esses fenômenos no processo de fabricação da cerâmica caeteuara,
onde é possível perceber a transferência de energia térmica entre as peças dentro do
mesmo forno, assim como a forma na qual essas peças são colocadas para que o ar quente
possa passar entre elas e a necessidade de gerar uma fonte de calor, para o cozimento
das peças, podendo ser observados os raios luminosos que incidem das chamas por todo
o interior do forno, na forma de ondas eletromagnéticas.
Em relação à criação das peças o ceramista diz, tudo começa na escolha da argila, a argila
é tirada aqui da margem do rio caeté, a gente vai de canoa até o barreiro e traz pra cá, ai depois a gente
vamo pegar essa argila e vamo usar os materiais que vão ser acrescentadas nessa mistura que é pra ela se
tornar uma panela retratada, porque se não tiver essas misturas ela não vai segurar o fogo e vai
rachar.(...) Aí a gente usa o caripé que é a casca de uma árvore, que nós estamos tendo dificuldade de
encontrar hoje em dia, pelo desmatamento e a taicica que é a lagrima da árvore, nós usa só um tanto de
uma árvore e deixa, pra não morrer.
Eu mesmo tiro o barro, mesmo que eu peça pro cara cavar, eu mesmo tenho que tá lá presente pra
saber, é uma questão visual, eu escolho a argila, primeiro olhando, se a cor agradar, eu provo também,
porque se tiver com muito sal não presta, aí tem outra técnica de pedir pra mãe do barro, aí é só deixar
22
uma peça pra ela lá no rio que as todas as peças ficam boa.
(...)Às vezes eu sonho e quando acordo vou cedinho pra oficina, pego o barro e faço a peça, algumas
dificuldades que aparecem na peça as vezes eu tiro no sonho, mas elas sempre saem certinho, o tamanho
que é de um lado, também é do outro. (...) Na hora de modelar eu gosto de trabalhar com círculos e
quadrados, pois são mais fácil de modelar, mas agora estou fazendo com outros formatos, de peixe, de
barco e até de bicho, ai eu uso outras figuras, algumas eu nem conheço, mas vi em algum lugar. (...) a
quantidade de barro que leva cada peça, eu já sei de cabeça, só de pensar já consigo ver ela pronta, ai vou
só montando com as minhas mãos, ai olhando eu sei se ela tá torta ou certinha.
Fig. 2 – Algumas peças de formatos variados
Fonte: Arquivo pessoal 2016
É perceptível na fala de “Furtado” que conceitos da Matemática estão muito
presentes em seu cotidiano como ceramista, mesmo de maneira empírica, ele consegue
determinar figuras geométricas planas como triângulos, quadrados e círculos e espaciais
como pirâmides, cilindros e esferas, assim como construir objetos com simetrias quase
perfeitas. Mesmo desconhecendo conceitos e termos próprios da Matemática científica
suas peças possuem formas extremamente bem elaboradas (figura 2).
23
Segundo Gaspar e Mauro (2003, p. 11) a palavra simetria possui o seguinte
significado:
Harmonia resultante de certas combinações e proporções regulares. Alguma coisa bem
proporcional, harmônica, balanceada. (...) Disposição de duas figuras que se correspondem
ponto por ponto de tal sorte que dois pontos correspondentes de uma e da outra estejam
em igual distância de um ponto, uma reta ou de um plano dado.
De acordo com a definição acima, as explicações de “Furtado” sobre suas peças,
mostram que o ceramista busca essa harmonia própria da simetria, afim de construir uma
peça que tenha a mesma distância do centro para as laterais, se preocupando com as
combinações perfeitas tanto de largura como de altura.
O ceramista ainda expressa noções de proporção, e cálculos mentais bem
elaborados, pois apenas se utilizando da visão e do tato consegue determinar a quantidade
de argila que cada peça necessita, assim como a quantidade de peças que uma porção de
argila pode se transformar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas comunidades tradicionais os conhecimentos que permeiam entre os variados
saberes são passados de maneira empírica pela oralidade e através da vivência dos agentes
sociais envolvidos, respeitando uma escala de gerações, assim uma geração mais
experiente (mãe) troca conhecimentos com a geração mais nova (filho). Nessa
perspectiva, o diálogo entre o mestre do saber e o aprendiz leva os sujeitos a estabelecer
relações e a mobilizar processos cognitivos para definir suas concepções de mundo e de
processos necessários para existência da comunidade.
Nessa perspectiva, se faz necessário refutar a dissociação entre o saber popular e o
conhecimento científico, dando sentido e significado para muitas coisas que ocorrem em
nosso cotidiano (D’Ambrosio, 2011). As relações entre as teorias (saber) e práticas (fazer)
devem estar sempre juntas, levando em consideração a visão de todos sobre o uso da
Matemática e da Física em seu cotidiano e de que forma praticam e desenvolvem os
saberes Etnomatemáticos e Etnofísicos no seu dia a dia.
Segundo Furtado as peças são criadas primeiro eu sua mente, no abstracionismo
que permeia o cognitivo, para posteriormente serem concretizadas no barro, e o mesmo
se utiliza de uma matemática própria para determinar quantidade, formas geométricas,
simetria, ângulos trigonométricos, assim como outros saberes Etnomatemáticos para que
sua peça possa ser construída o mais próximo do que foi visto em sua mente. Furtado
ainda se apropria de conceitos sobre o tempo, temperatura, equilíbrio térmico e troca de
calor oriundos da Física científica, mas que na sua forma de construir a peça de barro,
são apenas perceptíveis ao tato, visão e paladar. Mostrando assim, que mesmo sem o
24
conhecimento científico, é possível construir saberes Etnomatemáticos e Etnofísicos que
servem de material teórico científico, reaproximando a ciência das práticas do cotidiano.
REFERÊNCIAS
ANACLETO, Bárbara da Silva. Etnofísica na lavoura de arroz. 2007. 101 f. Dissertação
(Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Luterana do Brasil.
Canoas, 2007.
BERLINGHOFF, William P; GOUVEA, Fernando Q. A matemática através dos tempos. 2ª ed.
São Paulo: Blucher, 2010.
CONTENTE, Flavio. CONTENTE, Ariadne. O legado histórico na produção da cerâmica
caeteuara. Revista Visagem, v. 1, n. 01, p. 43-48, 2015.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Editora Ática, 1998.
______. Sociedade, cultura, matemática e seu ensino. São Paulo: Educação e Pesquisa,
2005.
______. Etnomatemática e Educação. In: KNIJNIK, Gelsa. et all (orgs). Etnomatemática:
currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2010.
______. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2011.
DIEGUES, Antônio Carlos. O Mito moderno da natureza intocada. 6ª edição. São Paulo:
HUCITEC, 2008.
FERREIRA, Mariana Kawall Leal. Com quantos paus se faz uma canoa!. A matemática na
vida cotidiana e na experiência escolar indígena. Brasília: MEC, 1994.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. 6º Edição, São Paulo: Editora Ática, 1998.
GASPAR, M. T.; MAURO, S. Explorando a geometria através da história da matemática e
da etnomatemática. Rio Claro, SP: [s.n.], abr. 2003. (Coleção História da Matemática
para Professores).
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. 1ª ed., reimpr. Rio de Janeiro - LTC, 2008.
GERDES, Paulus. Etnomatemática: reflexões sobre Matemática e diversidade cultural.
Ribeirão: Edição Húmus, 2007.
HEWIIT, Paul G. Física conceitual. Tradução: Trieste Freire Ricci; revisão: Maria Helena
Gravina. -11. Ed. Porto Alegre: Bookmam, 2011.
KASTRUP, V. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo
da cognição. São Paulo: Autêntica, 2007.
MONTEIRO, Alexandrina; JUNIOR, Geraldo Pompeu. A Matemática e os Temas
Transversais. São Paulo: Editora Moderna, 2001.
PRUDENTE, Thaise Cristiane de Abreu. Etnofísica: uma estratégia de ação pedagógica
possível para o ensino de física em turmas de EJA. Centro Científico Conhecer,
Goiânia, v. 06, n. 10, p. 01-13, 2010.
QUARESMA, JOÃO BITENCOURT. Estudo e Proposta para Tratamento dos Resíduos
Sólidos. Cidade de Bragança. Estado do Pará: CPRM/ PRIMAZ,
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE BELÉM, 1998.
25
SANTOS, Renato P. dos. A Parábola no Oriente: Etnofísica, Psicogénese e
Multiculturalidade. In: Atas do 1º Colóquio Intercultural – “A Comunicação entre
Culturas", Almada, Portugal. Almada, Portugal: ADECI – Associação Portuguesa para
a Formação e a Investigação em Comunicação Intercultural, 2002.
SOUZA, E. S. R. Etnofísica, modelagem matemática, geometria...tudo no mesmo manzuá.
Amazônia Revista de Educação em Ciências e Matemática, v. 9, n. 18, p. 99-112, 2013.
TAVARES, Margarida M. R. et al. Diagnóstico do Potencial Turístico. Municípios de
Bragança, Augusto Corrêa e Tracuateua. Estado do Pará: CPRM/ Primaz, Seicom,
1998.
AÇAÍ:
tradição, identidade e saberes
Gabriella Bianca Miuta Cavalli1
Luis Junior Costa Saraiva2
CARACTERÍSTICAS VEGETAIS, NUTRICIONAIS
E SOCIAIS DO AÇAÍ
O fruto do açaí, encontra-se em dois tipos de palmeiras: a Euterpe oleracea típica do
estado do Pará e a Euterpe precatória, também conhecida como açaí solteiro, nativa da zona
do Acre. A diferença entre as duas palmeiras está essencialmente na estrutura: a Euterpe
oleracea alcança mais de 25 metros com troncos de 9 a 16 centímetros de diâmetro,
possuindo em média de 4 a 9 filhos; a Euterpe precatória chega numa altura de 23 metros e
se caracteriza para ser um açaí solteiro, que possui apenas 1 estipe (tronco) (Cymerys e
Shanley, 2005).
O açaizeiro é originaria da Amazônia Oriental, com maior ocorrência no estuário
do rio Amazonas onde ocupa aproximadamente 10.000km2, conforme apresentado
Cymerys e Shanley (2005), tem incidências também no Amapá, Amazonas, Maranhão,
Guiana e Venezuela. Os frutos florescem o ano todo, mas será no período mais quente
que a safra é mais abundante.
O Pará é o maior produtor de “vinho” de açaí; só em 1997 produziu mais de 1 milhão de
litros. Um açaizeiro produz 4 a 8 cachos por anos. Cada cacho pesa 4 quilos de fruto, e 1
trouceira produz cerca de 120 quilos de fruto por safra. Na ilha das Onças, onde ribeirinhos
manejam açaí para os mercados de Belém, a produção média é de 1.158 quilos por hectare
por ano. Em açaizais manejados com capina e poda dos filhos, a produção por hectare pode
chegar a 10.000 ou 12.000 quilos por ano, na terra firme, e até 15.000 quilos na várzea,
Mas cuidado com o açaí “parau”, ele não rende muito porque muitos frutos ainda estão
verdes. (Cymerys; Shanley, 2005, p. 164)
1 Mestranda do programa de Pós-graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia. Correio eletrônico:
gabriella.cavalli85@gmail.com
2 Doutor em Antropologia. Correio eletrônicol: luisjsaraiva@gmail.com
28
A partir das contribuições das autoras já conseguimos verificar a alta produtividade
na região paraense que também é uma das maiores exportadoras do fruto. Além do
interesse externo, o fruto é muito apreciado pelos moradores da região e sua alta
produtividade também é uma das muitas opções de fonte de renda dos paraenses, que
além do “vinho” também podem comercializar o palmito, utilizar as palhas, os cachos e
os caroços para artesanatos e adubo ou seus derivados como: os sorvetes, geleias,
bombons.
Imagem 1- Euterpe olaracea. Imagem 2 – Ilustração Euterpe olaracea
‘
Fonte: autores / 2017 Fonte: Cymerys e Shanley (2005, p. 163)
29
Imagem 3 – Euterpe precatoria. Imagem 4 – Ilustração Euterpe precatoria.
Fonte: autores / 2017 Fonte: Ferreira (2005, p. 171)
A diferença entre as duas espécies de açaizeiro, além das características visíveis e
sua incidência também é válido destacar o que Ferreira (2005) aponta que a espécie
dificilmente se desenvolve em áreas desmatadas e é menos resistente ao fogo.
Apresentam uma sazonalidade diferenciada também sua floração não acontece durante o
ano todo, apenas nos meses de fevereiro e março e junho e julho, sua produção também
é inferior.
O açaí é um fruto consumido constantemente pelas famílias paraenses, em qualquer
hora do dia, durante as refeições principais (almoço e janta), é geralmente acompanhado
com peixe frito, charque ou camarões segundo o gosto e o lugar. Além de ser uma comida
de sabor atraente e essencial na mesa dos paraenses, o açaí apresenta fatores nutricionais
surpreendentes: é considerado com uma das maiores quantidades de antioxidantes do
30
mundo, devido à presença elevada de vitamina A, junto com cálcio, fósforo e vitamina
B1.
O açaí (Euterpe Oleracea Mart.), fruto da região amazônica é um alimento funcional cuja
polpa apresenta elevado valor energético por conter alto teor de lipídeos como Omegas 6 e
9, além de carboidratos, fibras, vitamina E, proteínas, minerais (Mn, Fe, Zn, Cu, Cr) e grande
quantidade de antioxidantes. Antocianinas, proantocianidina e outros flavonóides são os
fitoquímicos predominantes, mas as antocianinas são os compostos que contribuem com a
maior capacidade antioxidante da polpa do açaí. (Portinho; Zimmermann; Bruck, 2012, p.
15)
Com o crescimento do mercado consumidor e com o conhecimento de seus
benefícios o fruto é comercializado em várias regiões do país e também para outros
países, mas fora da região amazônica é consumido em forma de energético, sucos ou com
misturas particulares. O que difere do estilo de consumo dos maiores produtores, que é
considerado como essencial na alimentação de alguns grupos sociais da região amazônica,
considerado até mesmo o prato principal das refeições.
AÇAÍ: SINÔNIMO DE PARÁ
“Chegando em qualquer aeroporto do Brasil, podemos perceber a presença de um
paraense não pelo sotaque, mas sim pelo isopor que está no nastro das bagagens”, essa é
uma das frases que mais ouvi da boca dos paraenses, uma boa descrição que alguns
paraenses pesquisados dizem de si mesmos. Com isso, é possível entender a importância
que os paraenses dão a essa comida, identificando-se com ela e atribuindo-lhe a máxima
importância, e se torna uma forte referência tanto na tradição culinária, como no
sentimento de pertencimento às raízes indígenas.
Para alguém externo a esse costume culinário e alimentício, a primeira vez que
experimentam o “vinho”, a reação na maioria das vezes é de estranhamento: a cor e a
consistência do fruto batido podem lembrar vários outros alimentos, até mesmo um
chocolate quente, devido sua coloração e cor. Mas é no primeiro momento, no contato
direto com o paladar de quem experimenta pela primeira vez, é possível conhecer e
entender que não existe outro sabor que pudesse ser comparado com essa bebida de
combinações tão pertinentes e variadas. Se forçarmos uma interpretação e/ou
comparação mais próxima de sabor que se percebe, alguém que não está acostumado a
esse gosto, poderá responder que inusitadamente poderia ter um sabor de terra. E
metaforicamente poderíamos considerar a resposta pertinente por se tratar da
identificação da terra paraense, das terras da Amazônia a grande protagonista da
existência de tal fruto.
31
O poder do açaí na cultura paraense não se limita simplesmente as propriedades e
características benéficas do fruto elencadas anteriormente, na realidade quotidiana o fruto
e seus derivados são o símbolo de pertinência, de cultura e identidade de uma população
inteira. A surpreendente descoberta etnogastronômica de uns dos alimentos chave da
cozinha paraense abrange um inteiro mundo, que culmina na preparação do “vinho”. O
que esse alimento representa é a herança de tradições indígenas e a característica particular
de pertencer a um lugar e uma terra de riquezas, na Amazônia paraense.
32
Para alguém que não conhece de perto a produção de açaí e seu ciclo desde a
colheita talvez não perceba o que é necessário para que seus derivados cheguem ao
mercado consumidor. Coletar e bater o açaí requer uma grande força física e toda uma
organização social de trabalho. Subir no açaizeiro com os pés apoiados em uma peconha,
que trata-se de um círculo feito de saco amarrado, impulsionando o corpo para cima com
a força dos braços e com o apoio das pernas é uma prática muita das vezes aprendida na
infância, sendo mais comum na fase da adolescência. Ao chegar embaixo do cacho de
açaí, o apanhador pega a faca que levou e corta a ligação entre o cacho e a árvores, assim
ele desce do açaizeiro com o cacho na mão, a exemplo dos jovens catadores de açaí na
comunidade do Japim∕Viseu-PA. Mas esse subir e descer com o cacho, embora
fundamental ação, apenas inicia o processo, é somente a primeira parte.
Após a coleta é o momento em que começa aquela dinâmica de tradição ligada á
cultura de organização social do trabalho dos povos da Amazônia. O mecanismo de
organização e preparação acaba sendo um “trabalho” de equipe, onde os participantes
colaboram para poder ao final também compartilhar e usufruir do “vinho”. Nas
comunidades tradicionais, e geralmente nos lugares onde a energia elétrica chegou há
pouco tempo e poucas pessoas possuem a máquina para bater açaí, é ainda muito forte a
preparação do “vinho” de mão, momento em que os moradores machucam o fruto com
algum objeto um pouco mais pesado.
Após ter tirado os caroços do cacho, coloca-se a fruta na água morna. Esse
processo serve para que a água possa matar e tirar eventuais insetos no meio dos frutos,
além de amolecer os caroços. O momento torna-se mais enriquecedor ainda quando
durante o processor de fazer o “vinho” Dona Graça resolve contar a lenda do açaí na
comunidade do Japim / Viseu-PA. Ela fazendo o “vinho” do açaí e narrando que a
origem do fruto deriva de uma tribo indígena paraense que ficou sem comida e que para
suprir a essa falta o cacique mandou matar as crianças da aldeia, inclusive a neta dele, filha
de sua filha Iaça. A filha do cacique ficou muito triste com toda aquela situação, e um dia
andando no mato viu a imagem da filha perto de uma palmeira, a índia abraçou a planta,
e quando o pai dela chegou viu-a chorando, abraçada a essa palmeira que tinha pequenos
frutos pretos. Então o cacique decidiu cortar esse fruto e fazer um suco para dar ao seu
povo para que não morressem de fome. E para homenagear a filha decidiu colocar o
nome da palmeira de açaí, invertendo as letras do nome de Iaça, que achou a palmeira,
permitindo a sobrevivência do grupo.
O conto que foi repassado durante a atividade de bater açaí, se encaixa
perfeitamente em que Fernandes e Fernandes (2015, p. 141 e 142) chamam de modus
operandi do repasse do saber:
Exemplo de que existe uma sistematização implícita no saber-fazer do praticante do saber
tradicional é a tendência que este apresenta de construir textos “explicativos”, de sua
realidade e expectativas, mediante o uso de gêneros narrativos, tais como os relatos de
experiência, os contos e causos e os mitos, que conferem relação mimética e verossímil
entre o sujeito-narrador e a realidade focada. [...] Ao observarmos a natureza privilegiada
33
da narrativa como modus operandi de repasse do saber, pode-se concluir que o uso da
linguagem entre os povos tradicionais, além de sistêmica, contém elementos da concepção
de mundo destas na mesma proporção que nos diz muito acerca da complexidade dessa
concepção. (Fernandes; Fernandes, 2015, p. 141-142)
A vida quotidiana vê-se construída e classificada dentro de um conjunto de
aprendizagens, de saberes que são parte constituinte da realidade totalitária. Focando a
atenção no modus operandi, das comunidades tradicionais, o que mais chama a atenção do
observador consiste na capacidade de interação entre os sujeitos que cumprem a tarefa
de bater os frutos para a retida do “vinho” e o objeto (o açaí), o envolvimento é
semelhante a prática de uma atividade rotineira ou cotidiana, como se fosse o que mais
sabem fazer.
O que Sena, Santos e Barros (2014) chamam de axé dos componentes naturais da
vida, interação total entre a prática quotidiana e a narrativa, destacamos que o açaí é parte
constituinte da formação, da cultura e da sobrevivência de uma grande região, não apenas
de um grupo social, mas de vários grupos que compartilham do mesmo interesse
gastronômico. Realmente, ao perguntarmos o que o açaí representa na vida de um
34
paraense, além da resposta óbvia de um fruto, a maioria das pessoas identifica o açaí
como umas das principais fontes de autossubsistência dentro de um sistema sociocultural
que está em constante mudança.
A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DO SABOR
Tantos os índios como os negros eram, de fato, realidades tão amplas e diversificadas que
muito se perdeu ou deixou de lado na construção da imagem culinária nacional. Como
exemplo, vejamos o caso do tão apreciado tucupi de nossos dias, segundo informações que
nos chegam por intermédio de conde Ermano Strandelli, uma das principais fontes de
Câmara Cascudo para a culinária amazônica. Sua variedade no século XIX era bem maior
que hoje. Havia vários tucupis: o tycupy curado ao sol e aquele que resultava da cocção do
sumo da mandioca ralada; o isátaia, temperado com formigas e pimenta; e o tycupy pixuna,
apurado ao fogo até alcançar a cor de mel de cana. O que nos chega hoje é apenas o tucupi
que resulta da cocção do caldo da mandioca-brava, ao qual se acresce pimenta de cheiro;
as demais formas se perderam pelo caminho e, mesmo na Amazônia, não parece existir
memória delas. Assim, está claro que a construção do que se chama de identidade nacional
é algo que além de reunir, suprimi muita coisa. (Dória, 2009, p. 67)
Em referência aos aspectos pontuados pelo autor podemos constatar que muita
coisa se perde ao longo dos anos, principalmente nas influencias e contribuições
culinárias, permanece aqueles aspectos mais usáveis e atualmente os economicamente
mais viáveis. O açaí sofreu alterações históricas e culturais, principalmente em outras
regiões que na atualidade consomem, entretanto é válido destacar que o fruto do açaí é
um elemento que insiste em permanecer na prática culinária amazônica, o que nos faz
refletir sobre o grau de sua importância. Pois trata-se de uma planta de fácil cultivo e com
um curto período de amadurecimento, além de outros motivos que exigiriam um
mergulho mais profundo na construção da identidade gastronômica de uma população.
Existem ainda relações simbólicas que insistem em permanecer na pratica do
cultivo e do processo de elaboração do vinho, por exemplo, algumas pessoas não
consomem o açaí batido em máquina, pois justificam que este perde seu sabor. O açaí
pode ainda estar no centro da organização familiar e/ou comunitária, em que todos
contribuem com as atividades que envolvem o ritual de produção do vinho.
35
36
De acordo com Freyre (2007, p. 56-57) “No extremo Norte do país, as doceiras
tradicionais se considerariam indignas se sua arte se fossem obrigadas a usar na feitura de
açaí, por exemplo, outras vasilhas que não fossem a panela ou o alguidar de barro”, a
ligação aos objetos interligados a feitura do açaí e seus derivados também modifica-se
com o passar do tempo, na verdade, acreditamos que essas ligações readéquam-se,
adquirem uma nova roupagem e novos significados.
Não são mais os alguidares de barro que compõe o cenário da preparação do açaí,
mas panela de alumínio e baldes de plástico, novos objetos e novos e velhos sentidos
para o fruto tão presente no cotidiano de muitas comunidades tradicionais amazônicas,
mas não só, pois o açaí ganhou espaço nas grandes capitais, se reconfigurando em novos
usos e novos sentidos sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão podemos dizer que o açaí é o rastro de uma cultura indígena viva e
ativa no Pará. A tradição ligada a este fruto é forte, e muitas comunidades ainda
aproveitam da forma mais natural, apesar de que os tempos tenham mudado muitos
costumes.
As relações simbólicas do homem com a natureza permanecem forte dentro das
comunidades a quais através desse “rito” conseguem fortalecer a própria cultura e os
ligações familiares, dando continuidade àquele “axe” que pode ser vivido na experiência
quotidiana das comunidades tradicionais, depositarias de saberes preservado como
tradição e imagem das raízes de um povo.
Segundo Castells (1999),
A construção de identidade vale-se de matéria prima fornecida pela história, geografia,
biologia instituições produtiva e reprodutiva pela memória coletiva e fantasias pessoais,
pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são
processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu
significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura
social bem como em sua visão de tempo/espaço. (p. 23)
Se por um lado o açaí ganhou espaço em outras partes do Brasil, como Rio de
Janeiro e São Paulo, em locais especializados em bebidas energéticas que visam suprir
demandas oriundas de frequentadores de academias, o fruto ainda marca a identidade de
muitas comunidades tradicionais amazônicas, pois continua por ser o principal alimento,
mas também o símbolo culinário que marca não só um modo de se alimentar, mas um
modo de estar em sociedade, o modo amazônico de vida.
37
REFERÊNCIAS
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Vol. II. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CYMERYS, Margaret; SHANLEY, Patrícia. Açaí: Euterpe oleracea Mart. In: SHANLEY, Patrícia.
Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, 2005.
DÓRIA, Carlos Alberto. A culinária materialista: construção racional do alimento e do prazer
gastronômico. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.
FERNANDES, Daniel dos Santos; FERNANDES, Guilherme dos Santos, “A experiência
próxima”: saber e conhecimento em povos tradicionais”. Espaço Ameríndio, Porto
Alegre, v. 9, n. 1, p. 127-150, jan./jun. 2015.
FERREIRA, Evandro. Açaí: Euterpe precatoria Mart. In: SHANLEY, Patrícia. Frutíferas e
Plantas Úteis na Vida Amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, 2005.
FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do nordeste
do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Global, 2007.
PORTINHO. José Alexandre; ZIMMERMANN, Livia Maria; BRUCK, Mirian Rotnes. Efeitos
Benéficos do Açaí. International Journal of Nutrology, v. 5, n. 1, p. 15-20, jan./abr.
2012.
SENA Cleve; SANTO, Rita de Cassia S. Azavedo; BARROS, Flávio Bezerra. A biodiversidade
tem axé? Sobre apropriações de animais e plantas no candomblé. Fragmentos de
Cultura, Goiânia, v. 24, n. 2, p. 221-222, abr./jun. 2014.
SOPHIA E PALHAÇO:
dos Reencontros e Outras Performances
Alexandra Castro Conceição1
Pedro Olaia2
INTRODUÇÃO
Este artigo, como afirma Clifford Geertz (1989, p. 19) é “piscadelas de piscadelas
de piscadelas...”. Explicações das explicações, instantes em que se propõem análises da
obra em áudio e vídeo, que é resultado do registro da ação artística do Poeta Palhaço,
que antes era público da cena de Sophia, e posteriormente “roubou” a cena com uma
rima de improviso, logo passando de espectador a artista.
Pretende-se também, neste texto, perceber fusões e fissuras da obra quanto objeto
artístico no meio social em que Sophia se insere, é inserida e também rejeitada. As
performances de Sophia são obras em criação, como descritas por Cecília Salles, em seu
livro sobre a construção da obra de arte.
A obra em criação como um sistema aberto que troca informações com seu meio ambiente.
Nesse sentido, as interações envolvem também as relações entre espaço e tempo social e
individual, em outras palavras, envolvem as relações do artista com a cultura, na qual está
inserido e com aquelas que ele sai em busca. A criação alimenta-se e troca informações
com seu entorno em sentido bastante amplo. (Salles, 2016, p. 32)
E é exatamente isto o que aconteceu com Sophia, durante sua performance, ao
estar aberta à interação com o meio, foi surpreendida pelo outro, permitindo a troca de
informações e transformando a sua obra, e a resignificando ao relacionar-se com o meio
e com a cultura. Considera-se que uma obra, quanto objeto artístico, é feita de
desdobramentos de outras dobraduras do espaço e do tempo, que fogem do criador e
tem vida própria. Isto pode ser percebido nas obras de Sophia.
1 Mestra em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará
(PPGARTES/UFPA). Correio eletrônico: alexandracastro_ac@yahoo.com.br
2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia da Universidade Federal do
Pará (PPLSA/UFPA - Campus Bragança). Correio eletrônico: pedrolaia@gmail.com.
40
Imagem 1: Detalhe de Sophia na rua no dia do evento “Égua de 4”
41
Sophia é a identidade adotada por Pedro Olaia, ou seja, Pedro se “monta” de
Sophia, constrói um corpo, identidade, ações e reações que não são próprias dele, mas
dela para ações poético-políticas em performances que Sophia “desce causando”, como
projeto estético não-binárix subversivx de resistência.
Como afirma Stuart Hall:
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente estas coisas que agora estão “mudando”. O
sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando
fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias ou não-resolvidas (…) O próprio processo de identificação, através do qual
nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e
problemático. (Hall, 2005, p. 12)
Sophia, outra identidade de Olaia, é principalmente utilizada em ações
performáticas na rua, e para isto, Sophia se apropria, como diz Renato Cohen, “do espaço
urbano, dos contextos cotidianos, a partir do efeito da espetacularidade do mundo e do
espalhamento da artisticidade enquanto olhar estetizante” (Cohen, 2004, p. 101).
Neste artigo descrevemos e analisamos a ação imersiva na rua realizada por Sophia
ex amigx Byxa do Mato, durante o evento “Égua de 4” nas ruas da cidade de Bragança-
PA, sendo que no meio desta ação Sophia encontra outro artista que no improviso entra
no jogo da performance e faz uma rima, e Sophia com uma câmera de celular registra a
ação performática do intérprete e Olaia edita o vídeo e disponibiliza online. Desta forma,
situamos a performance como obra artística no contexto social e histórico-social,
relacionando-a com teóricos da performance e performatividade de gênero;
posteriormente apresentamos a interação entre artistas e público, que se confundem na
ação performativa; e por fim, apresentamos a obra em áudio e vídeo como reverberação
das obras anteriores.
Além disso, cabe ressaltar que neste artigo o uso da letra “x”, ao final de algumas
palavras tem como objetivo a não definição binária de gênero na linguagem escrita a fim
de não determinar entre masculino e feminino a identidade fluida de corpos não-binárixs.
A CELEBRAÇÃO, OU O CORTEJO FÚNEBRE,
OU O “NÃO QUERO CHORO NEM VELA”
A performance cujas imagens (registros fotográficos) são vistas ao longo desta
narrativa, foi realizada por Sophia, com a participação de Byxa do Mato, que é a
identidade adotada por Wellington Romário, nas redes sociais e na vida para ações
performativas do cotidiano dx artistx.
42
Imagem 2: Byxa do Mato na ação imersiva na rua durante o evento “Égua de 4”.
43
Esta performance foi realizada no “Égua: Sarau do Corpo Poelytico”,
evento que dialoga sobre o corpo amazônico e as suas possíveis práticas
de resistência política através da arte. A “Égua: Sarau!” em sua quarta
edição, ou “Égua de 4”, como os artistas que participaram preferem
chamar, aconteceu no dia 04 de agosto de 2017, na cidade de Bragança,
no Estado do Pará, pelas ruas da cidade e no bar “Viúva Negra”, que é um
espaço cultural de resistência com festas destinadas ao publico LGBT e
afins, e com programações abertas a propostas de encontros e eventos
organizados por artistas independentes.
Imagem3: Sophia e Byxa do Mato, pelas ruas de Bragança, carregando a amiga travesti assassinada
dentro da rede de dormir de estampa camuflada.
44
Esta performance nasceu da vontade de Sophia e Byxa falarem sobre a violência e
os crimes de homofobia e transfobia que corpos não-binárixs sofrem, e para isto xs
artistxs propuseram um cortejo fúnebre-festivo, um ritual de “passagem” de uma amiga
travesti assassinada, que não fosse carregado de tristeza e dor, mas festivo e alegre.
No dia 04 de agosto de 2017, Sophia e Byxa saíram às ruas de Bragança no cortejo
com um percurso que se iniciou na esquina da rua do Colégio Bordallo com a rua do
Colégio Yolanda Chaves, desceu até a Praça da Aldeia, e foi em direção ao Cruzeiro,
atravessando as ruas laterais da Feira, subindo até a Orla e continuando até o bar “Viúva
Negra”.
Para esta celebração, Byxa vestiu um maiô e short curtinho, enquanto que sophia
propôs sair às ruas com o corpo seminu em uma calcinha e um cinturão com terços de
silicone que caem sobre o sexo não identificado e a bunda.
Sophia e Byxa do Mato durante o percurso da celebração carregaram uma rede de
dormir e dentro colocaram outras roupas que iam utilizar no bar “Viúva Negra”. Ao
carregarem a rede, tinha-se a impressão que estavam carregando um corpo, e afirmavam
que este corpo era de umx travesti assassinadx, morta por violência transfóbica nas ruas.
A estampa camuflada da rede de dormir remete à camuflagem usada por militares
em suas fardas e corpos, e além do mais esta rede de dormir é o objeto que carrega um
corpo que sofreu crime de intolerância. Estas mensagens transmitidas durante a
performance, através de signos, textos e imagens, são reinterpretadas pelo outro,
possibilitando o surgimento de diferentes narrativas e resignificações dos objetos. Como
Cohen afirma:
Na cena contemporânea, os procedimentos que operam com o uso da relativística, de
narrativas superpostas e simultâneas, a incorporação de texto/imagens e signagem
subliminar, a possibilidade de legibilidade do fragmento estão consonantes com os
encadeamentos mentais de nossa época e com aquilo que Beckett nomeia como uma nova
consciência contemporânea. Estamos diante de uma nova epistemia, em que “harmonia,
balanço e proporção dão lugar a desarmonia e narrativas sem significado fechado” (Cohen,
p. 22)
Durante o cortejo uma caixa de som portátil tocava músicas agitadas e elxs
cantavam, dançavam, carregando x mortx, bebendo x mortx, e em alguns lugares, que
determinaram como estações, estabeleciam uma relação com o local e as pessoas que
estavam presentes e ritualizavam uma despedida fúnebre com velas, flores, cachaça e
frases escritas em papel branco, algumas eram largadas ao chão, outras lidas e enfatizadas.
Estas frases eram mensagens linguísticas, para reforçar o discurso de combate às
violências e crimes sofridos diariamente por corpos não-binárixs, e que de acordo com
Barthes (1990, p. 32) essas mensagens escritas são para “combater o terror dos signos
incertos”, uma descrição denotada da conotação imagética, ou seja, a “amarra” no texto
do que se quer dizer com a imagem. São exemplos de mensagens escritas e deixadas no
45
meio do caminho: “…uma amiga travesti que foi assassinada”; “teu corpo tuas regras,
meu corpo minhas regras”.
Imagem 4: Frase deixada na rua no trajeto do cortejo “não quero choro nem vela”
Segundo Carlson (2010, p. 163) e Goldberg (2007, p. 268), no fim dos anos 1980 e
início dos anos 1990, as performances em sua maioria abordam temáticas sociais e
políticas com discussões que envolvem os excluídos por raça, classe e gênero. A
performance politicamente engajada possibilita grupos silenciados gritarem por seus
direitos e incômodos cotidianos através de uma guerrilha estética, que é apresentada por
Carlson (2010, p. 187 a 210) como performance de resistência.
Cada um desses performers e comunidades representando posições diferentes das
dominantes na cultura é forçado de alguma maneira, a negociar a mesma tensão que vemos
na performance feminista entre o desejo de fornecer uma base para a ação política efetiva,
afirmando uma identidade específica e uma posição de sujeito, e o desejo de destruir as
46
certezas essencialistas de todas as construções culturais. Esse é o dilema no centro da
obra de Butler – o problema de que o self em ação vem à tona apenas por meio de
construções culturais opressivas e preexistentes. A intervenção nas operações dos
sistemas simbólicos dominantes – linguistico, teatral, político, psicológico, performático –
parece exigir, nas palavras de Elin Diamond (1989, p. 58-72) “que se assuma uma posição
de sujeito, mesmo que provisória, e que se façam afirmações da verdade que, apesar de
flexíveis, se preocupem com suas próprias representações” (Carlson, 2010, p. 206)
Imagem 5: Mensagem escrita deixada no caminho durante a performance.
Judith Butler em seu livro “Problemas de Gênero” (Butler, 2003) escreve para além
da performance como linguagem artística em direção à performatividade do cotidiano,
onde o gênero é construção social, e que a partir de novas identidades fragmentadas o
corpo é reconfigurado em citações, arremedos, repetições de performances de gênero
que nunca repetem exatamente o original ausente. Como Geertz (1989, p. 21) afirma: “a
47
cultura é composta de estruturas psicológicas por meio das quais os indivíduos ou grupos
de indivíduos guiam seu comportamento”; e Butler concorda.
Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais são performativos, no sentido
de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações
manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de o
corpo gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico
separado dos vários atos que constituem sua realidade. Isso também sugere que se a
realidade é fabricada como uma essência interna, essa própria interioridade e efeito e
função de um discurso decididamente social e público, da regulação pública da fantasia pela
política de superfície do corpo, do controle da fronteira do gênero que diferencia interno de
externo e, assim, institui a “integridade” do sujeito. Em outra palavra os atos e gestos, os
desejos articulados e postos em ato criam a ilusão mantida discursivamente com o propósito
de regular a sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da heterossexualidade
reprodutora (…), a antropóloga Esther Newton sugere que a estrutura do travestimento
revela um dos principais mecanismos de fabricação através dos quais se dá a construção
social do gênero. Eu sugeriria, igualmente que o travesti subverte inteiramente a distinção
entre os espaços psíquicos interno e externo, e zomba efetivamente do modelo expressivo
do gênero e da ideia de uma verdadeira identidade de gênero. (Butler, 2003, p. 194-195)
Imagem 6: Parada durante o percurso para a celebração ritual dx amigx travesti mortx.
48
Sophia propõe um gênero “não-binárix”, fora do padrão heteronormativo e traz
para a performance o corpo com questões do dia a dia de travestis, transexuais, gays e
lésbicas que são agredidas, violentadas e muitas vezes mortas devido à intolerância
fundamentada em discursos de regulação e controle do corpo. Ela usa o corpo, na
performance, como meio de resistência ao controle hegemônico realizado sobre os
corpos. Também interage com as relações de poder e discurso através da transgressão do
imaginário depreciativo que se tem sobre os corpos, que fogem dos “padrões normais”
socialmente estabelecidos. Para isto, Sophia busca o “lugar da interação”, a “instância da
interlocução”, (Orlandi, 1996, p. 150), entre locutor e ouvinte, performer e platéia, artista e
público, rua e rua, onde tudo se mistura e resulta na polissemia aberta, e em que a
interação social é próxima do discurso lúdico, pois o “lúdico é o que “vaza”, é a ruptura”.
(Orlandi, 1996, p. 154).
Para Carlson:
O movimento de performance lésbica e gay, separado das audiências identificadas com
essas subculturas em situações de recepção mais heterogêneas, colocou questões muito
mais concretas sobre como negociar a apropriação, a exibição e a representação social e
politicamente responsáveis. A atividade do performer não é mais a preocupação central da
especulação sobre esse fenômeno. E sim a interação entre performer e público. (Carlson,
2010, p. 210)
Pois, não se deve levar em consideração apenas a atividade performática, mas
também a troca entre o performer e o meio, a mensagem que este passa ao espectador, a
forma como é recebido pelo outro, pois como afirma Salles (2016, p. 24), os artistas estão
“preocupados com as interações, tanto internas como externas aos processos,
responsáveis pela construção de obras, pois são sistemas abertos que interagem também
com o meio ambiente” e assim, constroem uma obra em constante movimento.
Um exemplo dessa interação e receptividade do outro a uma performance, no caso
a de Sophia e Byxa, é o relato de Fernanda Luz, colhido por Arthur Leandro, no dia
seguinte ao evento:
“A princípio eu fiquei assustada, né, e aí os meninos, os meus filhos começaram a rir: - mãe
olha ele dançando, mãe olha ele dançando. O Miguel pequenininho, né: - mãe, por que ele
tá dançando? mãe pra que serve essas velas? Por que que eles tão aí? mãe e o que é isso,
o que que está escrito nesse negócio que tem na mão deles? E a população assim toda
parada, filmando, rindo na verdade, né, impressionada… Eles estavam dançando, os dois
rapazes, não sei quem são, um de short meio curtinho e o outro de maiô, de maiô com
maquiagem e tudo mais, e eles acendiam umas velas, e ai o pessoal dizia: Ei esse pessoal
tá fazendo macumba aí no meio da rua (risos)… Entendeu? E assim eles dois muito bem
obrigada dançando lá.” (Leandro, 2017)3
3Transcrição do registro em áudio do depoimento de Fernanda Luz feito por Arthur Leandro, em Bragança, no dia
05/08/2017. Disponível em: <https://soundcloud.com/egua-sarau/relato-de-fernanda-sobre-a-ega-de-4>.
49
Para Barthes:
as possibilidades de leitura de uma mesma lexia (uma imagem) é variável segundo os
indivíduos. (…) A diversidade das leituras não é, no entanto, anárquica, depende do saber
investido na imagem (saber prático, nacional, cultural, estético) (…) A imagem em sua
conotação, seria, assim, constituída por uma arquitetura de signos provindos de uma
profundidade variável de léxicos (de idioletos) (Barthes, 1990, p. 38)
E por a cultura ser pública, como explicita Geertz (1989, p. 20), deve-se indagar
qual a importância das performances de Sophia, “o que está sendo transmitido com a sua
ocorrência e através da sua agência, seja ela um ridículo ou um desafio, uma ironia ou má
zanga, um deboche ou um orgulho.” (Ibdem, p. 20-21).
No entanto, mesmo que o público a recepcione como algo engraçado e ria da
performance, no presente caso, é importante perceber, que as crianças do relato, por
exemplo, não compreendiam o que estava acontecendo e perguntavam a mãe o que era
aquilo e ela era a intermediária entre a performance e elas, que daria a elas uma resposta
plausível ou não, mas que estava dentro do seu campo de compreensão do mundo. Para
Salles (2016, p. 33), a interação com o meio, leva o artista a “criar um sistema a partir de
determinadas características que vai atribuindo em um processo de apropriações,
transformações e ajustes; que vai ganhando complexidade à medida que novas relações
vão sendo estabelecidas”. E assim, constrói uma obra que dialoga com a cultura local,
criando múltiplas conexões com o outro.
“Égua Sarau” é um evento em que o artista e público se misturam em um
diálogo aberto, jogo cênico imperceptível ao outro, onde pode ocorrer a inferência de
qualquer ato, gesto ou palavra na direção do performer que ao mesmo instante, de
improviso, responde com outra ação ou palavra, logo um jogo é estabelecido e é essencial
para o trabalho em processo, coletivo, que acontece na rua. Neste jogo cênico, como
Orlandi afirma:
Há tensão entre interlocutores: tomar a palavra é um ato social com todas suas implicações
(…), mas gostaríamos de incorporar a essa visão da linguagem como modo de ação o fato
de que esse modo é interacional e a ação, ou então a interação de que se fala, é social e,
logo, com características próprias mas que se relacionam com as ações sociais em geral.
(Orlandi, 1996, p. 151)
50
Imagem 7: Sophia tirando de dentro do “corpo” fragmentos de texto
51
Além disso, Turner esclarece, estas interações que provocam experiências:
Essas experiências que interrompem o comportamento rotinizado e repetitivo – do qual elas
irrompem –, iniciam-se com choques de dor ou prazer. Tais choques são evocativos: eles
invocam precedentes e semelhanças de um passado consciente ou inconsciente – porque
o incomum tem suas tradições, assim como o comum. Então, as emoções de experiências
passadas dão cor às imagens e esboços revividos pelo choque no presente. Em seguida
ocorre uma necessidade ansiosa de encontrar significado naquilo que se apresentou de
modo desconcertante, seja através da dor ou do prazer, e que converteu a mera experiência
em uma experiência. Tudo isso acontece quando tentamos juntar passado e presente.
(Turner, 2005, p. 179)
A performance de Sophia e Byxa nas ruas de Bragança, em um ritual fúnebre-
festivo que remete aos grupos marginalizados e à violência que estes sofrem, provocam
experiências no outro, no espectador. É o jogo lúdico em que o outro, em um instante
se torna espectador, e em outro, já está tão envolvido com a ação que passa de público
para ator, artista, intérprete.
Para que as interações com o outro se estabeleçam da melhor forma Augusto Boal
(1982) em seu livro “Jogos Teatrais para Atores e não atores” argumenta que o jogo
cênico de improviso é estudado e teorizado, porém este jogo está intrinsicamente em nós
quando agimos nas nossas interações sociais cotidianas. E Marcelo Lazzaratto, ator,
diretor e pesquisador teatral, afirma ser impossível descrever um método de
improvisação, pois o método por si acaba, e a improvisação está em processo.
Assim, nunca se falou e nem é possível falar em um método de Improvisação, pois traria
em si uma contradição incontornável. Um método traz em sua essência uma ideia de
finitude, acabada, uma fórmula pela qual se chega a um resultado já comprovado e
verificado. Ora, a Improvisação é exatamente o oposto. Ela nunca será um fim e sim um
meio. Não é possível dizer que se você fizer de tal e tal maneira num improviso você chegará
a tal resultado, pois ela abre, durante seu acontecer, inúmeras possibilidades, que uma vez
desenvolvidas, podem chegar a resultados diversos, tantas vezes quantas for realizada.
Nunca se saberá ao certo qual será o fim de um Improviso. Ele dependerá de inúmeras
variantes subjetivas que dizem respeito somente aos artistas que o executam. (Lazzaratto,
2012, p. 33-34)
Logo, dos choques de dor e prazer, do jogo cênico invisível e de improviso, das
interações na rua com o outro, no dia da “Égua de 4”, Sophia, que até então era a artista,
intérprete, se tornou público-artista e conheceu o Artista Intérprete e sua Obra.
52
O PASSISTA OU O INTÉRPRETE OU O CURINGA
Imagem 8: O Poeta Palhaço na primeira interação com a performance de Sophia e Byxa
53
Durante a performance fúnebre-festiva, da Égua de 4, ao chegarem próximo ao
ponto da feira em que à noite se vende cigarros e que normalmente tem uma
concentração de pessoas, Sophia e Byxa foram surpreendidas com um senhor que sem
perceberem já estava lá ao lado delxs. Primeiro aproximou-se meio agressivo querendo
chutar x mortx (o bolo de bolsas e figurinos que estavam dentro da rede, junto com as
flores, que representavam uma pessoa morta), e depois fez um gesto carinhoso, deitou
sua cabeça sobre o “corpo”. Era perceptível que ele já estava um pouco embriagado, e
incentivado pela turba entrou em ação, de forma que Sophia, como projeto artístico ficou
em segundo plano para o discurso do artista, que apresentou-se em rima e ações
simbólicas, e alterou a relação de jogo, tempo e espaço proposta por sophia e Byxa, pois
como afirma Bauman (2003, p. 132): “a relação entre tempo e espaço deveria ser de agora
em diante processual, mutável e dinâmica, não predeterminada e estagnada”.
Para Salles o artista tem que estar aberto ao imprevisto, e aquilo que poderia ser
colocado como um “erro” passa a fazer parte da obra. Ele deve permitir-se o jogar com
o outro, aceitar a interferência deste e estabelecer redes para a sua criação, e quantas mais
relações são estabelecidas, seu processo se torna mais complexo. De acordo com Salles
(2016, p. 144) para muitos artistas “o erro, ao ser avaliado, é recebido como acaso criador
que leva a descobertas”. E “o acaso é, algumas vezes, associado pelos artistas aos
acontecimentos sobre os quais eles não sentem seu total controle consciente”.
Rapidamente, ao indício do poeta iniciar a declamação de seus versos, Sophia tirou
seu celular e filmou o instante único de inspiração efêmera em que o curinga da
caminhada lê e interpreta a partir de suas experiências “formativas e transformativas”
(Turner, 2005, p. 179) a tradução, a performance, feita por Sophia e Byxa, das agressões
e violências sofridas por corpos trans e/ou fora dos padrões heteronormativos. Neste
exato momento, Sophia diante do impreciso, do novo jogo proposto, aceita a inferência
do outro como parte de sua performance, pois, “o artista aciona determinados princípios
que balizam essa avaliação e faz cortes, adições, substituições, deslocamentos, ou seja,
qualquer tipo de modificação” em sua obra. (Salles, 2016, p. 133). E como Renato Cohen
concorda: “A inserção do ‘erro’, do elemento de risco, do fugidio – no momento da
apresentação é premissa da cena do work in process”.
Além disso, o senhor que era público tornou-se artista em um instante
imperceptível de interação, pois para Turner:
O pensador tem seu momento estético quando suas idéias deixam de ser meras idéias e
transformam-se em significados corporificados, em objetos. O artista tem seus problemas e
pensa enquanto trabalha. Mas seu pensamento é mais imediatamente incorporado no
objeto. Por conta do distanciamento comparativo de seu fim, o cientista opera com símbolos,
palavras e signos matemáticos. O artista realiza seu pensamento nos próprios meios
qualitativos com quais ele trabalha, e os termos situam-se tão próximos ao objeto que ele
está produzindo que se fundem diretamente neste. (Turner, 2005, p. 181)
54
Quando mostrado o vídeo4 do Palhaço para um amigo, morador de Bragança, este
reconheceu o artista que se apresenta rimando no registro de áudio e vídeo, e afirmou
que o artista é conhecido, na feira, como Palhaço, é natural de Viseu-PA e não gosta do
apelido de palhaço. Em conversa com outro bragantino, este me confirmou que o senhor
de apelido palhaço é o Poeta Palhaço e é publicitário das ruas, com ações midiáticas em
bocas de ferro e bike som.
A partir da conceituação dos tipos de discurso definidos por Orlandi (1996), pode-
se dizer que tanto o discurso de Sophia e Byxa do Mato, quanto o discurso do Palhaço
permanecem na classificação de discurso lúdico, pois a função poética é próxima do non
sense, “o dizer lúdico diz: isto é um jogo” (Orlandi, 1996, p. 155). É um jogo cênico de
improviso, que é invisível ao transeunte que se torna público e artista, pois sem perceber
as teorias que fundamentam a construção deste jogo cênico, o publico-artista já está
envolvido nele. O Poeta Palhaço sente, aceita e participa do jogo, reinterpretando a cena,
interage com o meio e traduz em uma outra performance a performance que está
acontecendo, pois de acordo com Claudia de Lima Costa:
A virada tradutória, por assim dizer, mostra que a tradução excede o processo linguístico
de transferências de significados de uma linguagem para outra e busca abarcar o próprio
ato de enunciação – quando falamos estamos sempre já engajadas na tradução, tanto para
nós mesmas/os quanto para a/o outra/o. Se falar já implica traduzir e se a tradução é um
processo de abertura à/ao outra/o, nele a identidade e a alteridade se misturam, tornando
o ato tradutório um processo de des-locamento. (Costa, 2012, p. 44)
E a partir de Lukács, pode-se confirmar que em toda a contextualização da
performance de resistência que Sophia desenvolve em seu trabalho coletivo, em
processo, desenvolvido na rua:
Não existe uma "maestria" separada e independente de condições históricas, sociais e
pessoais que sejam adversas a uma rica, vívida e ampla reprodução da realidade objetiva.
A inclemência social dos pressupostos e condições exteriores da criação artística exerce
necessariamente uma ação deformadora sobre as próprias formas essenciais da
representação. (Lukács, 1965, p. 59)
O Intérprete Palhaço em sua ação transforma a obra de Sophia e Byxa do Mato –
que fala sobre a violência sofrida por travestis, transexuais e homossexuais –, pois ele
aceita o jogo e interage, provocando o desdobramento e a mudança de interpretes da
ação, ou seja, as interações de sophia e Byxa na feira provocam a reação das pessoas que
consequentemente reinterpretam o que está sendo interpretado por sophia e Byxa, e desta
forma surge outra obra, como objeto artístico, a partir da primeira performance proposta.
4O resultado em vídeo ao qual me refiro neste artigo está disponível no canal do youtube da Égua Sarau:
https://youtu.be/0RvadDRowZY. Segue também em anexo a este artigo um dvd contendo o vídeo.
55
A OBRA DA OBRA DA OBRA OU AS PISCADELAS
O registro em áudio e vídeo da performance do Poeta Palhaço é o terceiro
desdobramento da ação proposta por sophia e Byxa do Mato, pois primeiramente
apresentou-se uma performance nas ruas de Bragança; mas que ao chegar na feira, foi
visivelmente alterada para uma outra obra, uma outra performance, cujo intérprete é o
Poeta Palhaço; e quando esta performance foi registrada em áudio e vídeo, surgiu outra
“obra de arte”, que será “lida” e reinterpretada (retraduzida) novamente por quem acessá-
la, como Geertz sustenta: estamos “explicando explicações” (1989, p. 19).
Imagem 9: Poeta Palhaço e Sophia interagindo com o público-artista na feira
56
Além disso, este registro apresenta-se como a fixação etnográfica do discurso social
do Artista Palhaço, e é a documentação de sua tradução feita a partir de choques de dor
e/ou prazer provocados pela performance de Sophia no evento “Égua de 4”, pois:
Antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas
colocar à nossa disposição as respostas que outros deram – apascentando outros carneiros
em outros vales – e assim, incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou.
(Geertz, 1989, p. 41)
Dizem que esse morto é de viado
Garante que é legal com os outro pensando que a gente é
abestado
Todo mundo tá vendo que é só o filé
Que isso é um monte de flor ou se ele for homem ou mulher
Pensando que Deus tá lembrando do Caeté
E mano eu gostei de ti tu é muito experiente
Tu tem um bocado de coisa butado aqui na frente
Tu não bate palma pro remo nem pro payssandu
Eu não gostei disso aqui.
Será que vale ao menos dez centavos teu cu?
Meu irmão isso aí é muito bacana todo modo de pensar
Essa cá a caixinha que tu bota pra tocar
Aí bota esse papel na cabeça pro pessoal se intimidar
Ai tem um bumbum buraco deste tamanho. Quem é que não
quer enfiar?
Todo mundo fica olhando, e tu não pode pensar pra minha vida
bacana e não é conforto
Todo mundo sabe pode pegar teu payssandu que tá morto
Pra mim é muito bacana olhei pro céu tava azul
Mas foi muito bacana eu não sou de sururu
(ininteligível) …
Todo mundo tá vendo que é original
Ai calma devag…
Calma Satanás
Calma! Calma em nome dele
Calma Satan..
E todo mundo tá vendo que o bicho é enjoado
Todo trabalho de versar tem um rebolado
Aí todo mundo tá vendo que tá tremendo
57
Eu sei o que ele tá merecendo
Eu não vou botar
Porque eu cherei e tá fedendo (Palhaço, 2017)
Esta é a transcrição da rima feita de improviso por Palhaço, quando este encontra
Sophia e Byxa durante a ritualização da morte de uma amiga travesti; provocado pelo
público que se encontrava na feira, Palhaço cria uma cena de improviso em rimas
versadas que remetem à cultura local e à sua visão de mundo.
A decisão de transcrever o texto acima sem as pontuações de intenção e a descrição
dos gestos do Poeta Palhaço ao recitar a rima, nem tão pouco as respostas da platéia
animada, que correspondia eufórica a cada ação e/ou frase dada pelo jogo cênico de
improviso, estabelecido, tem o objetivo de criar interesse, para que as pessoas assistam
ao vídeo, registro desta performance, que se tornou a outra “obra de arte”; e também
para valorizar a oralidade em rimas criada espontaneamente por Palhaço, e que também
pode considerar como sendo uma obra artística, pois quando lida adentrará o imaginário
das pessoas, que recriarão em sua imaginação os gestos, a fala, o sotaque, as sonoridades
e entonações.
O registro em vídeo é a outra obra onde se pode observar a performance com mais
proximidade do espaço e do tempo únicos vividos naqueles instantes na rua. O video
editado do registro tornou-se a própria obra, o outro desdobramento da performance-
obra, que não pertence mais ao Palhaço, nem a Sophia, pertence às pessoas que tem
acesso e estão conectadas digitalmente, e desta forma pode tornar-se um vídeo viral, ou
um vídeo-obra-registro de ações performáticas na rua, ou até mesmo um video
etnográfico, por mostrar registros de pessoas que permeiam a feira, e a cena artística e
cultural de Bragança.
Segundo Roland Barthes, o vídeo, assim como toda “arte imitativa”, comporta duas
mensagens: uma analogia (mensagem denotada) e uma mensagem conotada através de
uma “reserva de estereótipos” (Barthes, 1990, p. 13), de uma “teia de significados”
(Geertz, 1989, p. 15), de “resultados cumulativos de experiências passadas (Turner, 2005,
p. 179). Logo, o vídeo, registro da performance do Poeta Palhaço, é a “vivacidade” da
performance contemporânea, a “suspensão do tempo” (Goldberg, 2007, p. 281), que
poderia se perder no espaço e no tempo caso o jogo efêmero de improviso entre o poeta
e Sophia não tivesse sido registrado.
CONCLUSÃO
As performances de Sophia são re(des)construções de percursos histórico-
temporais em processo no imaginário coletivo (experiências) das pessoas que constróem
conjuntamente a performance com Sophia. E é a partir deste imaginário que Sophia
transforma o espaço e o tempo do local em que a performance acontece. Diferentes
58
corpos se conectam, interagem entre si, e realizam uma imersão em outros planos, outros
mundos possíveis de imaginação e em outras propostas de jogo cênico invisível de
improviso.
A performance contemporânea característica do projeto Sophia possibilita
reproduções, desdobramentos, retraduções em diferentes linguagens e contextos
históricos-sociais específicos, que buscam a interrelação, a intersubjetividade entre
corpos midiáticos, que resistem aos discursos polêmicos e autoritários e extravasam
ludicidade e interação dialógica onde o discurso lúdico é reinterpretado para além do
amarrado pela escrita, num jogo cênico onde “real” e “mítico” e “moral” e “amoral” se
misturam, suplementam-se, liquefazem as durezas de espírito e acalentam a alma.
Sophia, é corpo de resistência poética política, composta de derivações inefáveis
das nossas tramas de significados, nossas redes de afetos, desejos e repulsas, trava rua
conectada para além da teoria no corpo, onde a teoria está reescrita a ferro fogo, é Paz
mundial, é desdobramentos de diversão e de conforto, de se sentir segura fazendo o que
quiser.
O encontro de Sophia com o Artista Palhaço prossegue desde outros mundos e
conexões, pois as artes são fruição de sentidos, estão em nós, fluem vivas e pulsantes,
liquefazendo corpos e discursos em uma alinearidade que foge à nossa percepção de
espaço tempo real, são desconstruções de fronteiras por meio de um diálogo que interage,
em que realmente se compartilham sensações.
Por fim, Sophia é uma forma de empoderar-se de uma identidade fluida de gênero,
é automaticamente estar de encontro às rochas, batendo firme, todo dia em volumosas
ondas, perfurando pedras, e mudando praias de lugar, alterando o espaço e o tempo
tradicionais, que estamos acostumados a carregar, e Sophia transmuta novos espaços e
tempos em busca de outras interações possíveis em que obra de arte, artista e público se
“com-fundem” (fundem confundindo, confundem fundindo com) em um trabalho em
processo, que está fora do alcance das mãos e tem vida própria.
59
Imagem 10: Sophia ritualizando a morte de sua amiga na esquina do Bar Viuva Negra em Bragança-PA
60
REFERÊNCIAS
Video Obra da rima do Poeta Palhaço. Disponível no canal do youtube da Égua Sarau:
<https://youtu.be/0RvadDRowZY>.
Áudio registro do Relato de Fernanda Sobre a Égua de 4 realizado por Arthur Leandro no dia
05/08/2017. Disponível no canal do soundcloud da "Égua de 4"
<https://soundcloud.com/egua-sarau/relato-de-fernanda-sobre-a-ega-de-4>.
BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso: ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1990.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BOAL, Augusto. 200 Exercícios e Jogos para o Ator e o Não-Ator Com Vontade de Dizer
Algo Através do Teatro. ed. 4. Rio nde Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subverão da identidade. Trad. Renato
Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CARLSON, Marvin. Performance: Uma Introdução Crítica. Trad. Maria Antonieta Pereira e
Thais Flores Nogueira Diniz. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
COHEN, Renato. Work in Progress na Cena Contemporânea: criação, encenação e recepção.
São Paulo: Perspectiva, 2004.
COSTA, Claudia de Lima. Feminismo e Tradução Cultural: Sobre a Colonialidade do Gênero e
a Descolonização do Saber. In: SANTOS, Emanuelle. SCHOR, P., eds. P: Portuguese
Cultural Studies: Brazilian Postcolonialities, n. 4, Fall 2012, p. 41-65.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
GOLDBERG, Roselee. A Arte da Performance: do futurismo ao presente. Trad. Jefferon Luiz
Camargo. Liboa: Orfeu Negro, 2007.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. ed. 10. DP&A Editora, 2005.
LAZZARATTO, Marcelo. Improvisação, uma necessidade. Pitágoras, 500 – vol. 2 – Abr. 2012.
LUKÁCS, G. Narrar ou Descrever? In: Ensaios sobre Literatura. ed.2. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1965. 43-94.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso. ed. 4.
Campinas, SP: Pontes, 1996.
SALLES, Cecilia Almeida. Redes da Criação - Construção da obra de arte. ed. 2. São Paulo:
Editora Horizonte, 2016.
TURNER, Victor. Dewey, Dilthey e Drama: um ensaio em Antropologia da Experiência In:
Cadernos de Campo v. 13, n. 13. Trad. Herbert Rodrigues. Revista dos Alunos de Pós-
Graduação em Antropologia Social da USP., 2005, p. 177-185.
PESCANDO INFÂNCIAS:
espaços de aprendizagem e interação de crianças no
contexto da pesca artesanal, Vila Tucum / Bragança-PA
Jéssica do Socorro Leite Corrêa1
Daniel dos Santos Fernandes2
A pesquisa realizada com crianças no contexto da pesca artesanal nos aproximou
de aspectos sociais, culturais, ambientais e educacionais do contexto pesqueiro na Vila
Tucum3, na cidade de Bragança-PA, mas especificamente da maneira como pescadores
de camarão de forma intencional ou não aproximam seus filhos dos saberes que
envolvem a pesca. Com relação ao espaço de pesquisa é válido destacar que o nome da
Vila que apresentamos no decorrer desse artigo surge a partir da forma como os
moradores envolvidos na pesquisa identificam o espaço em que vivem, que tem origem
a partir da explicação do surgimento da vila ou para alguns do seu crescimento, pois a
Vila Tucum originou-se com a expansão da Vila do Castelo. De acordo com Barraca4
(pescador), 39 anos, com o crescimento populacional não havia mais terreno para a
construção de casas, foi quando doaram um terreno anterior a Vila do Castelo que tinha
muitas árvores de tucumã, esse espaço foi ocupado principalmente por pessoas vindas
de outros lugares, que é o caso da família de Barraca, que veio com os pais e os irmãos
da extinta Praia do Picanço.
Os principais enfoques da pesquisa foram as representatividades construídas
pelas crianças dos espaços de convivência e também seus saberes no contexto da pesca
artesanal. Quais os mecanismos e os espaços construídos à aproximação dessas crianças
nos movimentos de pesca? Quais as maneiras que essas crianças constroem suas
representatividades dos espaços em que vivem? Esses questionamentos nos direcionaram
1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia / UFPA. Membro do grupo
de Pesquisa Laboratório de Estudo Linguagem, Imagem e Memórias (LELIM). Correio eletrônico:
etieljessica@gmail.com
2 Professor Doutor em Antropologia, Coordenador do grupo de Pesquisa Laboratório de Estudo Linguagem,
Imagem e Memórias (LELIM). Correio eletrônico: dasafe@msn.com
3 A Vila Tucum corresponde a área de extensão da Vila do Castelo, localizada a aproximadamente 15km do centro
da cidade de Bragança-PA.
4 Barraca é um dos pescadores que acompanhamos na Vila Tucum, destacamos o nome Tucum, pois durante as
primeiras pesquisas de campo, o pescador com 35 anos de profissão, nos apresentou a comunidade, sua história,
expansão e principais características.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.
“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Relato da Prática Pedagógica _ Artes Visuais
Relato da Prática Pedagógica _ Artes VisuaisRelato da Prática Pedagógica _ Artes Visuais
Relato da Prática Pedagógica _ Artes Visuais
Patrícia Fernanda da Costa Santos
 
Planificação afetos 2013-2014
Planificação afetos  2013-2014Planificação afetos  2013-2014
Planificação afetos 2013-2014mvaznunes
 
Planificação 10 a 21 novembro
Planificação   10 a 21 novembroPlanificação   10 a 21 novembro
Planificação 10 a 21 novembro
mvaznunes
 
Planificação inverno 2013-2014
Planificação inverno  2013-2014Planificação inverno  2013-2014
Planificação inverno 2013-2014mvaznunes
 
Jornada de Literatura Afro-Brasileira Contemporânea
Jornada de Literatura Afro-Brasileira ContemporâneaJornada de Literatura Afro-Brasileira Contemporânea
Jornada de Literatura Afro-Brasileira ContemporâneaLaeticia Jensen Eble
 
Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...
Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...
Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...Grupo Educação, Mídias e Comunidade Surda
 
Planificação quinta 2013-2014
Planificação quinta   2013-2014Planificação quinta   2013-2014
Planificação quinta 2013-2014mvaznunes
 
Planificação halloween 2013-2014
Planificação  halloween 2013-2014Planificação  halloween 2013-2014
Planificação halloween 2013-2014mvaznunes
 
Para uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
Para uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo CruzPara uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
Para uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo Cruzinstitutobrincante
 
Planificação espanta! 2013-2014
Planificação espanta!   2013-2014Planificação espanta!   2013-2014
Planificação espanta! 2013-2014mvaznunes
 
Programa provisorio polo_portugal_vf
Programa provisorio polo_portugal_vfPrograma provisorio polo_portugal_vf
Planificação 11 a 31 de maio - 2014-2015
Planificação   11 a 31 de maio  - 2014-2015Planificação   11 a 31 de maio  - 2014-2015
Planificação 11 a 31 de maio - 2014-2015
mvaznunes
 
A literatura retratada na arte da fotonovela
A literatura retratada na arte da fotonovelaA literatura retratada na arte da fotonovela
A literatura retratada na arte da fotonovela
Dirce Cristiane Camilotti
 
Plano de aula orquestra - Indaiatuba/SP
Plano de aula orquestra - Indaiatuba/SPPlano de aula orquestra - Indaiatuba/SP
Plano de aula orquestra - Indaiatuba/SPDenise Lamas
 
INFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIA
INFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIAINFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIA
INFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIA
trupedetruoes
 
Newsletter nº13 a
Newsletter nº13 aNewsletter nº13 a
Newsletter nº13 aPeroVaz
 
Monografia alice registro fonseca 2009
Monografia alice registro fonseca 2009Monografia alice registro fonseca 2009
Monografia alice registro fonseca 2009
Alice Fonseca
 
Atps de artes, criatividade e recreação
Atps de artes, criatividade e recreaçãoAtps de artes, criatividade e recreação
Atps de artes, criatividade e recreaçãoleticiamenezesmota
 
Proposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºA
Proposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºAProposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºA
Proposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºA
Rose Silva
 

Mais procurados (20)

Relato da Prática Pedagógica _ Artes Visuais
Relato da Prática Pedagógica _ Artes VisuaisRelato da Prática Pedagógica _ Artes Visuais
Relato da Prática Pedagógica _ Artes Visuais
 
Planificação afetos 2013-2014
Planificação afetos  2013-2014Planificação afetos  2013-2014
Planificação afetos 2013-2014
 
Planificação 10 a 21 novembro
Planificação   10 a 21 novembroPlanificação   10 a 21 novembro
Planificação 10 a 21 novembro
 
Planificação inverno 2013-2014
Planificação inverno  2013-2014Planificação inverno  2013-2014
Planificação inverno 2013-2014
 
Jornada de Literatura Afro-Brasileira Contemporânea
Jornada de Literatura Afro-Brasileira ContemporâneaJornada de Literatura Afro-Brasileira Contemporânea
Jornada de Literatura Afro-Brasileira Contemporânea
 
Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...
Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...
Comunicação Alternativa e Ampliada, Letramento Visual e os obstáculos na aqui...
 
Planificação quinta 2013-2014
Planificação quinta   2013-2014Planificação quinta   2013-2014
Planificação quinta 2013-2014
 
Planificação halloween 2013-2014
Planificação  halloween 2013-2014Planificação  halloween 2013-2014
Planificação halloween 2013-2014
 
Para uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
Para uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo CruzPara uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
Para uma educação da sensibilidade | Por: Maria Cristina Meirelles Toledo Cruz
 
Planificação espanta! 2013-2014
Planificação espanta!   2013-2014Planificação espanta!   2013-2014
Planificação espanta! 2013-2014
 
Programa provisorio polo_portugal_vf
Programa provisorio polo_portugal_vfPrograma provisorio polo_portugal_vf
Programa provisorio polo_portugal_vf
 
Planificação 11 a 31 de maio - 2014-2015
Planificação   11 a 31 de maio  - 2014-2015Planificação   11 a 31 de maio  - 2014-2015
Planificação 11 a 31 de maio - 2014-2015
 
A literatura retratada na arte da fotonovela
A literatura retratada na arte da fotonovelaA literatura retratada na arte da fotonovela
A literatura retratada na arte da fotonovela
 
Programa final polo_portugal
Programa final polo_portugalPrograma final polo_portugal
Programa final polo_portugal
 
Plano de aula orquestra - Indaiatuba/SP
Plano de aula orquestra - Indaiatuba/SPPlano de aula orquestra - Indaiatuba/SP
Plano de aula orquestra - Indaiatuba/SP
 
INFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIA
INFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIAINFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIA
INFORMATIVO #1 - TRUPE DE TRUÕES EM GOIÂNIA
 
Newsletter nº13 a
Newsletter nº13 aNewsletter nº13 a
Newsletter nº13 a
 
Monografia alice registro fonseca 2009
Monografia alice registro fonseca 2009Monografia alice registro fonseca 2009
Monografia alice registro fonseca 2009
 
Atps de artes, criatividade e recreação
Atps de artes, criatividade e recreaçãoAtps de artes, criatividade e recreação
Atps de artes, criatividade e recreação
 
Proposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºA
Proposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºAProposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºA
Proposições de Arte Escola Azarias Leite 1ºA
 

Semelhante a “Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.

Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014
Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014
Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014
Proler Joinville
 
0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf
0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf
0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf
paulo viana
 
Congresso de Blumenau
Congresso de BlumenauCongresso de Blumenau
Congresso de Blumenauffkuster
 
Congresso de blumanau
Congresso de blumanauCongresso de blumanau
Congresso de blumanauffkuster
 
Congresso de blumanau
Congresso de blumanauCongresso de blumanau
Congresso de blumanauffkuster
 
A voz do ceja, Fevereiro 2014
A voz do ceja, Fevereiro 2014A voz do ceja, Fevereiro 2014
A voz do ceja, Fevereiro 2014
Antonio Barreto
 
Relat Oficinas
Relat OficinasRelat Oficinas
Relat Oficinas
Eduarda Bonora Kern
 
Projeto educação patrimonial espno pps
Projeto educação patrimonial espno ppsProjeto educação patrimonial espno pps
Projeto educação patrimonial espno pps
MARCIA GOMES FREIRE
 
Onde se mora não é onde se trabalha
Onde se mora não é onde se trabalhaOnde se mora não é onde se trabalha
Onde se mora não é onde se trabalha
Luciana Tubello
 
A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃOA CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃOJusemara
 
Compreender o mundo.pdf
Compreender o mundo.pdfCompreender o mundo.pdf
Compreender o mundo.pdf
LucianaGobi
 
Práticas de Linguagens - Volume 5.pdf
Práticas de Linguagens - Volume 5.pdfPráticas de Linguagens - Volume 5.pdf
Práticas de Linguagens - Volume 5.pdf
AngeloMendesFerreira1
 
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
claumoreira
 
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...
+ Aloisio Magalhães
 
Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)
Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)
Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)
DafianaCarlos
 
Tesis strobel 2008
Tesis strobel 2008Tesis strobel 2008
Tesis strobel 2008Mônica Leal
 
Brincando de Arqueologia em Pelotas
Brincando de Arqueologia em PelotasBrincando de Arqueologia em Pelotas
Brincando de Arqueologia em Pelotas
Giullia Anjos
 
Livro Olhares da História par o ensino médio
Livro Olhares da História  par o ensino médioLivro Olhares da História  par o ensino médio
Livro Olhares da História par o ensino médio
LuzimaryAmorim1
 
Modelo de projeto em Diversidade
Modelo de projeto em DiversidadeModelo de projeto em Diversidade
Modelo de projeto em Diversidade
Nonata50
 

Semelhante a “Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense. (20)

Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014
Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014
Anais 5º Seminário de Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura - 2014
 
0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf
0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf
0216P21013-MULT-LING-PORT-MT-EM-VU-MANUAL-001-416-PNLD22.pdf
 
Congresso de Blumenau
Congresso de BlumenauCongresso de Blumenau
Congresso de Blumenau
 
Congresso de blumanau
Congresso de blumanauCongresso de blumanau
Congresso de blumanau
 
Congresso de blumanau
Congresso de blumanauCongresso de blumanau
Congresso de blumanau
 
A voz do ceja, Fevereiro 2014
A voz do ceja, Fevereiro 2014A voz do ceja, Fevereiro 2014
A voz do ceja, Fevereiro 2014
 
Relat Oficinas
Relat OficinasRelat Oficinas
Relat Oficinas
 
Projeto educação patrimonial espno pps
Projeto educação patrimonial espno ppsProjeto educação patrimonial espno pps
Projeto educação patrimonial espno pps
 
Onde se mora não é onde se trabalha
Onde se mora não é onde se trabalhaOnde se mora não é onde se trabalha
Onde se mora não é onde se trabalha
 
A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃOA CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
A CONTRIBUIÇÃO DOS CLÁSSICOS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
 
Compreender o mundo.pdf
Compreender o mundo.pdfCompreender o mundo.pdf
Compreender o mundo.pdf
 
Práticas de Linguagens - Volume 5.pdf
Práticas de Linguagens - Volume 5.pdfPráticas de Linguagens - Volume 5.pdf
Práticas de Linguagens - Volume 5.pdf
 
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
 
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...
Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Br...
 
Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)
Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)
Anais_IV Encontro de Educação e Visualidade 2016 vf (1)
 
Tesis strobel 2008
Tesis strobel 2008Tesis strobel 2008
Tesis strobel 2008
 
Brincando de Arqueologia em Pelotas
Brincando de Arqueologia em PelotasBrincando de Arqueologia em Pelotas
Brincando de Arqueologia em Pelotas
 
Livro Olhares da História par o ensino médio
Livro Olhares da História  par o ensino médioLivro Olhares da História  par o ensino médio
Livro Olhares da História par o ensino médio
 
Modelo de projeto em Diversidade
Modelo de projeto em DiversidadeModelo de projeto em Diversidade
Modelo de projeto em Diversidade
 
Artigo sonia helena et al(2)
Artigo sonia helena et al(2)Artigo sonia helena et al(2)
Artigo sonia helena et al(2)
 

Mais de Daniel S Fernandes

ETNOMETODOLOGIA.ppt
ETNOMETODOLOGIA.pptETNOMETODOLOGIA.ppt
ETNOMETODOLOGIA.ppt
Daniel S Fernandes
 
JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...
JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...
JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...
Daniel S Fernandes
 
Saberes tradicionais, memória e o cotidiano infantil
Saberes tradicionais, memória e o cotidiano infantilSaberes tradicionais, memória e o cotidiano infantil
Saberes tradicionais, memória e o cotidiano infantil
Daniel S Fernandes
 
Argila, rio, pontes e narrativas gestalt1 social
Argila, rio, pontes e narrativas gestalt1 socialArgila, rio, pontes e narrativas gestalt1 social
Argila, rio, pontes e narrativas gestalt1 social
Daniel S Fernandes
 
O jantar do santo rituais de visitação da comitiva de
O jantar do santo   rituais de visitação da comitiva deO jantar do santo   rituais de visitação da comitiva de
O jantar do santo rituais de visitação da comitiva de
Daniel S Fernandes
 
Devoções no jurussaca: da louvação aos caminhos
Devoções no jurussaca: da louvação aos caminhosDevoções no jurussaca: da louvação aos caminhos
Devoções no jurussaca: da louvação aos caminhos
Daniel S Fernandes
 
Memória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristas
Memória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristasMemória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristas
Memória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristas
Daniel S Fernandes
 
MINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidade
MINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidadeMINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidade
MINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidade
Daniel S Fernandes
 
Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos. a experi...
Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos.  a experi...Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos.  a experi...
Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos. a experi...
Daniel S Fernandes
 
Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...
Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...
Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...
Daniel S Fernandes
 
Fernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche relações interpesca
Fernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche   relações interpescaFernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche   relações interpesca
Fernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche relações interpesca
Daniel S Fernandes
 
Fernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico - Domingo no Trapichão
Fernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico -  Domingo no TrapichãoFernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico -  Domingo no Trapichão
Fernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico - Domingo no Trapichão
Daniel S Fernandes
 
Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...
Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...
Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...
Daniel S Fernandes
 
Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...
Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...
Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...
Daniel S Fernandes
 
O mangal fica muito batido visão da utilização do manguezal pelo pescador e...
O mangal fica muito batido   visão da utilização do manguezal pelo pescador e...O mangal fica muito batido   visão da utilização do manguezal pelo pescador e...
O mangal fica muito batido visão da utilização do manguezal pelo pescador e...
Daniel S Fernandes
 
Canonautas do rio pratiquara no rasto do pusal. revista iluminuras 35
Canonautas do rio pratiquara   no rasto do pusal. revista iluminuras 35Canonautas do rio pratiquara   no rasto do pusal. revista iluminuras 35
Canonautas do rio pratiquara no rasto do pusal. revista iluminuras 35
Daniel S Fernandes
 
Iakuruarú na trilha da terra fértil
Iakuruarú na trilha da terra fértilIakuruarú na trilha da terra fértil
Iakuruarú na trilha da terra fértil
Daniel S Fernandes
 
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid...
 Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid... Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid...
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid...
Daniel S Fernandes
 
Bourdieu, pierre. você disse popular
Bourdieu, pierre. você disse popularBourdieu, pierre. você disse popular
Bourdieu, pierre. você disse popular
Daniel S Fernandes
 
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...
Daniel S Fernandes
 

Mais de Daniel S Fernandes (20)

ETNOMETODOLOGIA.ppt
ETNOMETODOLOGIA.pptETNOMETODOLOGIA.ppt
ETNOMETODOLOGIA.ppt
 
JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...
JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...
JE N’AI PAS PEUR DE LA MORT_RITUEL IDENTITAIRE AUX FUNÉRAILLES AU PARÁ BRÉSIL...
 
Saberes tradicionais, memória e o cotidiano infantil
Saberes tradicionais, memória e o cotidiano infantilSaberes tradicionais, memória e o cotidiano infantil
Saberes tradicionais, memória e o cotidiano infantil
 
Argila, rio, pontes e narrativas gestalt1 social
Argila, rio, pontes e narrativas gestalt1 socialArgila, rio, pontes e narrativas gestalt1 social
Argila, rio, pontes e narrativas gestalt1 social
 
O jantar do santo rituais de visitação da comitiva de
O jantar do santo   rituais de visitação da comitiva deO jantar do santo   rituais de visitação da comitiva de
O jantar do santo rituais de visitação da comitiva de
 
Devoções no jurussaca: da louvação aos caminhos
Devoções no jurussaca: da louvação aos caminhosDevoções no jurussaca: da louvação aos caminhos
Devoções no jurussaca: da louvação aos caminhos
 
Memória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristas
Memória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristasMemória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristas
Memória imagética da uhe belo monte (pa) narrada por mulheres arpilleristas
 
MINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidade
MINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidadeMINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidade
MINH-HA, TRINT T. Olho mecânico, ouvido eletrônico, e a atração da autenticidade
 
Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos. a experi...
Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos.  a experi...Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos.  a experi...
Fernandes, josé guilherme dos santos; fernandes, daniel dos santos. a experi...
 
Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...
Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...
Fernandes, daniel dos santos fernandes.em busca do desenvolvimento sustentáve...
 
Fernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche relações interpesca
Fernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche   relações interpescaFernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche   relações interpesca
Fernandes, daniel dos santos. do mar ao trapiche relações interpesca
 
Fernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico - Domingo no Trapichão
Fernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico -  Domingo no TrapichãoFernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico -  Domingo no Trapichão
Fernandes, Daniel dos Santos. Ensaio Fotoetnográfico - Domingo no Trapichão
 
Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...
Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...
Entre trapiches, trilhas e vilas organização comunitária e práticas sustentáv...
 
Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...
Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...
Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da vi...
 
O mangal fica muito batido visão da utilização do manguezal pelo pescador e...
O mangal fica muito batido   visão da utilização do manguezal pelo pescador e...O mangal fica muito batido   visão da utilização do manguezal pelo pescador e...
O mangal fica muito batido visão da utilização do manguezal pelo pescador e...
 
Canonautas do rio pratiquara no rasto do pusal. revista iluminuras 35
Canonautas do rio pratiquara   no rasto do pusal. revista iluminuras 35Canonautas do rio pratiquara   no rasto do pusal. revista iluminuras 35
Canonautas do rio pratiquara no rasto do pusal. revista iluminuras 35
 
Iakuruarú na trilha da terra fértil
Iakuruarú na trilha da terra fértilIakuruarú na trilha da terra fértil
Iakuruarú na trilha da terra fértil
 
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid...
 Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid... Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid...
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunid...
 
Bourdieu, pierre. você disse popular
Bourdieu, pierre. você disse popularBourdieu, pierre. você disse popular
Bourdieu, pierre. você disse popular
 
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...
Conservação do ecossistema manguezal, a partir dos modos de uso pela comunida...
 

“Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense.

  • 1.
  • 2.
  • 3. Daniel dos Santos Fernandes Luis Junior Costa Saraiva Jéssica do Socorro Leite Corrêa Organizadores “CÂMERAS SUBJETIVAS” imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense AUTORES Alexandra Castro Conceição Christóvam Pamplona Neto Daniel dos Santos Fernandes Danilo Gustavo Silveira Asp Emanuele Nazaré da Silva Gabriella Bianca Miuta Cavalli Jéssica do Socorro Leite Corrêa Jocenilda Pires de Sousa do Rosário Luis Junior Costa Saraiva Pedro Olaia Samuel Antonio Silva do Rosário Pedro & João Editores São Carlos 2017
  • 4. AUTORES Alexandra Castro Conceição Christóvam Pamplona Neto Daniel dos Santos Fernandes Danilo Gustavo Silveira Asp Emanuele Nazaré da Silva Gabriella Bianca Miuta Cavalli Jéssica do Socorro Leite Corrêa Jocenilda Pires de Sousa do Rosário Luis Junior Costa Saraiva Pedro Olaia Samuel Antonio Silva do Rosário Pinimha Universidade Federal do Pará Laboratório de Estudo Linguagem, Programa de Pós-Graduação em Linguagens Edições Imagem e Memórias (LELIM) e Saberes na Amazônia (PPLSA/UFPA)
  • 5. Copyright 2017 © dos autores Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levado em conta os direitos dos autores. CAPA: Jéssica do Socorro Leite Corrêa e Daniel dos Santos Fernandes EDITORES: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Fernando Alves da Silva Júnior REVISÃO: Daniel dos Santos Fernandes e Luis Júnior Costa Saraiva CONSELHO CIENTÍFICO: Augusto Ponzio (Bari/Itália) João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil) Nair F. Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil) Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil) Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil) Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil) Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica produzida pelo editor F363 Fernandes, Daniel dos Santos. 1960- “Câmeras subjetivas”: imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense. Daniel dos Santos Fernandes; Luis Júnior Costa Saraiva; Jéssica do Socorro Leite Corrêa. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017. 148p. : Il., Quadros. 1a ed. ISBN 978-85-7993-449-0 1. Ensaio Etnofotográfico. 2. Fotografia. 3. Tradição. 4. Amazônia. 5. Nordeste paraense. 6. Saberes. I. Título. 390 CDD 39 CDU Pedro & João Editores www.pedroejoaoeditores.com.br 13568-878 – São Carlos – SP 2017
  • 6.
  • 7. S U M Á R I O PREFÁCIO Cornelia Eckert 9 APRESENTAÇÃO Daniel dos Santos Fernandes Luís Junior Costa Saraiva Jéssico do Socorro Leite Corrêa 11 15 TRADIÇÃO, MATEMÁTICA E FÍSICA: algumas reflexões sobre os saberes etnomate- máticos e etnofísicos e suas aplicabilidades na construção da cerâmica caeteuara Samuel Antonio Silva do Rosário Jocenilda Pires de Sousa do Rosário Luis Junior Costa Saraiva PARTEI OObservador,aLuzeaSombra 27 AÇAÍ: tradição, identidade e saberes Gabriella Bianca Miuta Cavalli Luis Junior Costa Saraiva 39 SOPHIA E PALHAÇO: dos reencontros e outras performances Alexandra Castro Conceição Pedro Olaia 61 PESCANDO INFÂNCIAS: espaços de aprendizagem e interação de crianças no contexto da pesca artesanal, Vila Tucum / Bragança-PA Jéssica do Socorro Leite Corrêa Daniel dos Santos Fernandes 75 O CINEMA E A PRODUÇÃO AUDIOVISUAL EM BRAGANÇA-PA: um panorama da cena Danilo Gustavo Silveira Asp Christóvam Pamplona Neto PARTEII Olhares,FocoeCaptura A PERPETUAÇÃO DO IMAGINÁRIO MEDIEVAL nas narrativas orais dos moradores da Vila Que Era Jocenilda Pires de Sousa do Rosário Daniel dos Santos Fernandes 97 A MATEMÁTICA DA ARGILA: um estudo sobre a etnomatemática presente no processo de construção da cerâmica caeteuara Samuel Antonio Silva do Rosario Daniel dos Santos Fernandes 109 ARARA VERMELHA: a morte do pássaro e o (re)nascimento de uma tradição na comunidade Vila Que Era em Bragança-PA Luis Junior Costa Saraiva Samuel Antonio Silva do Rosário Jéssica do Socorro Leite Corrêa 121 DO HE’ENALU AO SURFE: empoderamento e participação feminina no surfe em Salinópolis Emanuele Nazaré da Silva Daniel dos Santos Fernandes 133
  • 8.
  • 9. PREFÁCIO Cornelia Eckert1 O que as cidades brasileiras de Bragança no Pará e Porto Alegre no Rio Grande do Sul têm em comum? Certamente muitos aspectos, mas um deles eu revelo: nestas cidades moram antropólogos que se dedicam de forma aficionada à pesquisa social com imagens, em antropologia para ser mais precisa. Estas duas pessoas são Daniel dos Santos Fernandes, professor em Bragança e eu, Cornelia Eckert, professora em Porto Alegre. Esta informação pode não ter nenhuma importância não fosse o fato de que ambos professores coordenam núcleos de pesquisa em antropologia com imagens, respectivamente o Laboratório de Estudo de Linguagem, Imagem e Memórias (LELIM) e o Núcleo de Antropologia Visual (NAVISUAL), e ambos objetivam formar novas gerações no aprendizado da antropologia audiovisual. Estes são projetos acadêmicos que envolvem o ensino, a orientação, bem como a parceria com colegas na pesquisa sobre abordagens plurais atendendo aos diversos temas que compõem os programa de pós-graduação a que nos vinculamos. No que tange à linha de pesquisa, mais uma vez, nossos projetos acadêmicos tem interesses em comum, o estudo temático da memória coletiva, das formas sociais, das expressões identitárias, das experiências vividas nas trajetórias biográficas e narradas pelos sujeitos interlocutores das pesquisas. O livro organizado por Daniel Fernandes, Luís Saraiva e Jéssica Corrêa intitulado Câmeras Subjetivas, imagens em trânsito sobre o Nordeste paraense, tem por proposta divulgar os resultados de pesquisa de colegas e alunos dedicados a tratar de saberes, fazeres, habilidades, práticas e narrativas de habitantes de Bragança e de outros lugares singulares como Vila Cuéra (ou Qui-Era), Vila Tucum, Vila Castelo e também em Viseu, entre ruas, roçados, plantações, beira rios, oficinas de argilas, etc. Os estudos trazidos apoiam-se em campos de conhecimento diferenciados como 1 É doutora em Antropologia Social, com a tese Une ville autrefois minière: La Grand-Combe. Etude d’Anthropologie Sociale. Tome I, II, III. Tem pós-doutorado no Laboratoire d’Anthropologie Visuelle et Sonore du Monde Contemporaine, Université Paris VII, França, 2001 e no Lateinamerika-Institut, Freie Universität Berlin, Alemanha, 2013. No PPGAS atua nas seguintes linhas de pesquisa: antropologia visual e da imagem, urbanização, sociedade e cultura No Brasil e meio ambiente e territorialidade. É pesquisadora CNPq. Coordena, juntamente com Ana Luiza Carvalho da Rocha, o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais, (Biev com sede no Ilea, UFRGS), coordena o Núcleo de Antropologia Visual (Navisual) e participa do Núcleo de Pesquisa em Estudos Contemporâneos (Nupecs), PPGAS, UFRGS.
  • 10. 10 etnomatemática, história, nutrição, cinema, fotografia, sociologia ou antropologia. Neste campo multidisciplinar, o que está colocado em alto relevo é a vida cotidiana de pessoas simples, em suas experiências ordinárias, o cultivo, o lazer, a festa, o ritual, a pesca, de crianças ou adultos. Mas também a produção cinematográfica ou o teatro na performance de atores da vida social. São produções imagéticas que revelam o ethos e o estilo de ser, de viver, de situarem-se em contextos na relação com a ambiência urbana ou rural, como já o sugeria Gregory Bateson em seus estudos pioneiros de etnofotografia no contexto balinês. As imagens testemunham estas formas de viver, configuram as experiências de pesquisa que tecem rastros de memórias, tons de práticas, cenários de experiências, narrativas de saberes e produções locais, atos de resistência e mesmo de contestação por injustiças. Alguns anos se passaram desde que conheci Daniel em uma Reunião Brasileira de Antropologia em 2014 (Natal, Rio Grande do Norte) quando conversamos sobre nossas vocações de ensino e pesquisa em antropologia visual. É muito gratificante conhecer o trabalho da equipe do LELIM nesta forma de livro (publicado em 2017). Entre observar a luz e a sombra de ceramistas, de coletores de açaí, de crianças que pescam, de Sophia em sua performance (Parte I) e entre ajustar nosso olhar no foco e na captura de cineastas em seus dizeres, de surfitas mulheres ou brincantes do cordão do Pássaro Arara Vermelha em suas práticas (Parte II), podemos conhecer um mundo sensível que revela pessoas comuns, mas que constroem cotidianamente um mundo pleno de significados, de conhecimentos, de tradições e de invenções, tornando Bragança uma cidade povoada de imagens que vibram na memória de seus habitantes, testemunhadas pela pesquisa realizada por uma equipe de etnógrafos e aqui divulgadas na forma de artigos e ensaios fotográficos que compõem este livro.
  • 11. APRESENTAÇÃO Daniel dos Santos Fernandes Luis Junior Costa Saraiva Jéssica do Socorro Leite Corrêa Este é um livro para pensar sobre o olhar, a câmera subjetiva, e o “eu olho” na captura do instante fugidio em ser múltiplo de significados. Imagens de pássaros encantados, de performances inquietantes, de sujeitos em movimento. Uma obra que nasce do trabalho coletivo do Laboratório de Estudo de Linguagem, Imagem e Memória (LELIM), em um esforço conjunto para captar elementos imagéticos das várias realidades aqui analisadas. O livro reúne cinco artigos e quatro ensaio etnofotográficos de autores com diferentes olhares teóricos e metodológicos, o que torna possível na presente obra um conjunto diverso que mesmo abordando temáticas diferentes, confluem para um ponto em comum, a busca de utilizar a imagem como ferramenta fundamental para a reflexão sobre a realidade social. Na primeira parte da obra, “O Observador, a luz e a sombra” um conjunto de cinco artigo que abordam saberes e práticas compartilhadas e formadoras de identidades, são os saberes presentes na produção da cerâmica caeteuara, e as marcas de uma tradição que luta para se manter, e que guarda conhecimentos complexos que merecem a atenção do pesquisador. Nas panelas de barro são feitos os alimentos de muitos dos sujeitos que ainda hoje utilizam esses utensílios, os quais agora ganham espaço nos restaurantes de cidades como Bragança, ou mesmo de capitais como Belém. Saindo da panela de barro, e caindo, não na frigideira, mas no alguidar, essa peça na qual o açaí era tradicionalmente amassado com as próprias mãos, pois como expressado em um dos artigos, “açaí de verdade, era o açaí amassado no alguidar e com as mãos”. E mais uma vez temos todo um campo de saberes ligados ao preparo do um dos alimentos bons para comer, mas como dizia o mestre Lévi-Strauss, melhor ainda para pensar, pois o açaí surge enquanto elemento culinário marcador de identidades. Deixando de lado os objetos de barro, e o fruto do açaí, nos deparamos então com Sophia em sua performance contestadora de uma sociedade marcada pela violência contra corpos que não se enquadram em modelos estabelecidos, e em meio a risos e escárnios, Sophia e O Palhaço entram em um duelo no qual não se busca vencer, mas sim definir territorialidades nômades. Mas além de adultos, temos crianças em suas
  • 12. 12 relações no universo da pesca, saberes do mar, saberes que surgem na relação com as águas, com os peixes e com o brincar em sua seriedade. Por fim, um panorama de produções cinematográficas locais, e as tensões vividas por diferentes formas de fazer cinema na Amazônia, diferentes olhares sobre uma variedade de temas que ainda esperam por novos olhares subjetivos. Mas o livro não se encerra aí, na segunda parte “Olhares, foco e captura” temos um varal fotográfico no qual se pode ver surfistas, pedras encantadas, araras vermelhas, peças de barro, objetos e pessoas em movimento, formando um imenso mural social no qual é possível visualizar relações de sociabilidades que marcam a formação de identidades. Um livro nômade, aberto aos vários olhares dos autores, mas também aos olhares dos leitores, olhares subjetivos, objetivados pelas lentes e pelas palavras dos autores.
  • 13. PARTE I O observador, a luz e a sombra
  • 14.
  • 15. TRADIÇÃO, MATEMÁTICA E FÍSICA: algumas reflexões sobre os saberes etnomatemáticos e etnofísicos e suas aplicabilidades na construção da cerâmica caeteuara1 Samuel Antonio Silva do Rosário Jocenilda Pires de Sousa do Rosário Luis Junior Costa Saraiva ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS A utilização dos saberes etnomatemáticos e etnofísicos presentes no cotidiano das comunidades se tornou a motivação para muitos pesquisadores estudarem os contextos histórico-culturais destas ciências; entre eles, Ubiratan D’Ambrosio (1998, 2005, 2010, 2011), Alexandrina Monteiro (2001) Paulus Gerdes (2007) e William Berlinghoff (2010) na área da Etnomatemática e Renato Santos (2002), Bárbara Anacleto (2007), Thaise Prudente (2010) e Ednilson Sousa (2013) na área da Etnofísica. Nessa perspectiva, o dia a dia nas comunidades tradicionais2 são repletos de saberes-fazeres, que servem de orientação para o surgimento de novas formas de compreender noções particulares de pensar e representar a própria existência nesses locais, bem como contribui para a compreensão de como essas comunidades se organizam em sociedade, suas relações com o meio ambiente e suas práticas do cotidiano. Ao estabelecer relações entre os saberes locais presentes em comunidades de características tradicionais da Amazônia com conteúdos estudados na Matemática e na Física, novas possibilidades surgem e um novo ambiente é criado a partir de novas 1 Nos estudos histórico-sociológicos da região amazônica brasileira na percepção dos ciclos extrativos da economia, a sociedade CAETEUARA compõe um dos cinco mundos aquáticos (Tapajônico, Marajoara, Tocantino e Guajarino), (...) (Contente e Contente, 2015). 2 Diegues (2008) destaca as seguintes característica sobre comunidades tradicionais: a) Dependência e até simbiose com a natureza(...); b) Conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos(...); c) Noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente; d) Moradia e ocupação do território por várias gerações(...); e) Importância das atividades de subsistência(...); f) Reduzida acumulação de capital; g) Importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal(...); h) Importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, pesca e atividades extrativistas; i) A tecnologia utilizada é relativamente simples(...); j) Fraco poder político(...); l) Auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras.
  • 16. 16 perspectivas que buscam reaproximar a concretude da vida real, afastando o abstracionismo presente nessas ciências. Nas comunidades tradicionais os conhecimentos que permeiam entre os variados saberes são passados de maneira empírica pela oralidade e através da vivência dos agentes sociais envolvidos, respeitando uma escala de gerações, assim uma geração mais experiente (mestre) troca conhecimentos com a geração mais nova (aprendiz). Assim, o diálogo entre o mestre e o aprendiz leva os sujeitos a estabelecer relações e a mobilizar processos cognitivos para definir suas concepções de mundo e de processos necessários para existência da comunidade. Discutir sobre a Matemática e a Física, em uma perspectiva cultural, é buscar a valorização dos saberes dos diferentes sujeitos, nos diversos cenários. Diante disso, é oportuno definirmos nossas concepções, pois são muitos os escritos e teorias que falam sobre o que é cultura. Geertz (2008) define cultura como uma teia simbólica, tecida na relação entre o ethos e a visão de mundo de um povo, que ao tecê-la estabelece vínculos e a ela se prende, produz, socializa e atualiza seus conhecimentos. Nessa perspectiva, Monteiro (2001) afirma que ela é entendida como o conjunto de valores, condutas, crenças, saberes que permitem aos homens orientar e explicar seu modo de sentir e atuar no mundo. No mesmo ponto de vista, D’Ambrosio (2011) conceitua cultura como o conjunto de mitos, valores, normas de comportamento e estilos de conhecimento compartilhados por indivíduos vivendo num determinado tempo e espaço. Assim, toda atividade humana é motivada pela realidade na qual os sujeitos estão inseridos, seja por situações ou problemas impostos por esta realidade, segundo Ferreira (1994), as habilidades cognitivas de um sujeito não podem ser avaliadas fora do espaço cultural, uma vez que a cultura pode desenvolver certos potenciais na mente humana. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ETNOMATEMÁTICA Ao pensar em Matemática sempre se imagina algum conteúdo estudado no espaço escolar, algo complexo e difícil, mas a matemática está em toda a parte, inclusive no nosso corpo, basta olhar para o número dos dedos das mãos e as inúmeras vezes que são utilizados para somar ou diminuir pequenas quantidades. Esse recuso é uma ferramenta de extrema importância nas comunidades de características tradicionais, pois a relação estabelecida entre o corpo (concreto) e quantidade (abstrata) estão diretamente relacionadas e interligadas, ajudando a racionalizar necessidades específicas de cada grupo social. Levando em consideração que a matemática surge a partir das necessidades de cada povo, cada grupo social desenvolve sua própria linguagem matemática que como qualquer outra forma de linguagem, carrega consigo uma visão de mundo, que determina a maneira de perceber e conceber a realidade, ajudando a concretizar o abstracionismo
  • 17. 17 presente no modo de sentir o mundo (Fiorin, 1998). Para D’Ambrosio (2010) a etnomatemática busca entender ao longo da história da humanidade o saber-fazer. Nessa ideia há também em sua concepção histórica ciclos dos quais são necessários ao conhecimento, onde tais ciclos são os da geração, organização intelectual, organização social e difusão de conhecimento. D’Ambrosio propõe o Programa Etnomatemática3 o qual “tem como referências categorias próprias de cada cultura, reconhecendo que é próprio da espécie humana a satisfação de pulsões de sobrevivência e transcendência, absolutamente integrados, como numa relação de simbiose” (2010, p. 45). Segundo o autor: etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e portanto, inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender; e tica vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz de arte e de técnica. Assim, poderíamos dizer que etnomatemática é a arte ou a técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais (D’Ambrosio, 1998, p. 5). A partir das definições da Etnomatemática é possível criar uma relação dos saberes tradicionais presentes em cada comunidade com um determinado conceito da matemática, conhecendo seus códigos e costumes, podemos atribuir relações de uma comunidade local com outras mais distantes, criando pontes entre elas e suas origens étnicas, ambientais, sociais e culturais. Nessa abordagem, pautando nosso olhar pelas concepções Etnomatemáticas de D’Ambrosio (2005) e Gerdes (2007) conseguimos estabelecer relações e interconexões entre ideias matemáticas e outros elementos constituintes culturais, presentes na vida cotidiana das pessoas, pois o cotidiano está impregnado de modos próprios de pensar, organizar e expressar saberes da cultura, os quais expressam ideias matemáticas nas suas mais variadas formas e adquirem validade quando se integram localmente em um grupo se tornando parte do diálogo que as pessoas desenvolvem com o meio, pois nas comunidades tradicionais o conhecimento e a tradição caminham juntos. Dentro dessa perspectiva, cada povo desenvolve diferentes formas de expressar a matemática com características próprias, impregnadas de necessidades e de intencionalidade, resultado da busca de soluções das primícias cotidianas. Desse modo, “a matemática é um produto cultural, criada por pessoas em momentos e lugares distintos, a partir de uma necessidade, frequentemente afetados por esse contexto”.(Berlinghoff, 2010, p. 15) 3 O Programa Etnomatemática é um programa de pesquisa em história e filosofia da Matemática, com implicações pedagógicas, que se situa num quadro muito amplo. Seu objetivo maior é dar sentido a modos de saber e de fazer das várias culturas e reconhecer como e por que grupos de indivíduos, organizados como famílias, comunidades, profissões, tribos, nações e povos, executam suas práticas de natureza Matemática, tais como contar, medir, comparar, classificar (D’Ambrosio, 2008).
  • 18. 18 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ETNOFÍSICA Cada cultura tem características específicas de sua formação, exemplo disso é o comportamento cotidiano de seus membros, as suas filosofias de vida, suas formas de gerar e transmitir os saberes-fazeres que fazem parte do dia a dia. Esses processos são formados diferentemente em cada sociedade e ditam comportamentos ao longo do tempo para sua população. Utilizando-se do programa denominado Etnomatemática, é possível estabelecer relações dos saberes-fazeres de cada comunidade com conteúdos estudados na ciência Matemática, porém, mesmo tendo em seu nome o eixo da matemática, sua essência é a análise de diversas formas do conhecimento. O mesmo não está restrito apenas a estudos matemáticos, mas a toda cultura que cerca o ambiente das Ciências. D’Ambrósio (2005, p. 102) introduz a ideia de que o Programa Etnomatemática parte dos estudos das ciências, das artes, da história, das religiões e das culturas locais, para demonstrar como as Ciências Exatas foram desenvolvidas dentro de um contexto sociocultural. Uma vez instituído o Programa, este com o passar dos anos serviu como subsídio para estudo de novas áreas ligadas a Etnociência. Nessa linha de pensamento a Etnofísica apropria-se da Etnomatemática para discutir a possibilidade de uma análise dos saberes-fazeres em ambientes diversos, fundamentada na contextualização (pelo grupo social que a compõe) do fenômeno físico estudado sob um paradigma inclusivo, buscando revalorizar os significados dos saberes- fazeres observados em cada comunidade em um movimento harmônico com a física científica. Nesse sentido, a Etnofísica torna-se um campo de estudo, que surgiu amparada, num primeiro momento, nas contribuições da Etnomatemática. Por se tratar de um campo da ciência relativamente novo em âmbito nacional4, o conceito de Etnofísica ainda está em construção; entretanto, podemos nos apropriar da concepção de Etnomatemática para apontar pistas que nos ajude a pensar o que viria ser Etnofísica. Diante dos conceitos sobre a Etnomatemática já expostos nesse trabalho, é possível perceber que, a partir das definições do termo, podemos criar uma relação dos saberes tradicionais presentes em cada comunidade com as diversas racionalidades matemáticas, e se tratando de Etnofísica, tais relações não são diferentes; nessa perspectiva, Sousa (2013) conceitua que “um olhar etnofísico significa considerar ontologicamente o modo de ver, de interpretar, de compreender, de explicar, de compartilhar, de trabalhar, de lidar, de sentir os fenômenos físicos”. Sendo assim, trabalhar com a Etnofísica requer a apropriação da memória cultural do sujeito pesquisado, de seus códigos e símbolos, de seu universo histórico-social. Nessa mesma linha de pensamento podemos entender Etnofísica como referência 4 Destacando como alguns de seus primeiros autores em escala nacional Santos (2002) e Anacleto (2007).
  • 19. 19 aos saberes populares acerca do conhecimento físico (Prudente, 2010). Considerando ontologicamente o modo de compartilhar os fenômenos naturais de cada comunidade e por parte de cada indivíduo pertencente a um grupo específico. Na prática, parecem usar e conhecer muitos princípios utilizados pela Física, para a explicação da realidade, mas não são conhecedores do jargão científico ou acadêmico próprio desta Ciência, ora por não ter tido suficiente tempo de escolarização, ora por não ter encontrado ligações necessárias para que, tanto a Física quanto a Matemática, pudessem ser reveladas como parte integrante de suas vivências (Anacleto, 2007, p. 80). O conhecimento humano evoluiu conforme a necessidade e as situações em que desafiavam o modelo mental já existente. Sendo assim, cada povo teve sua evolução conforme sua realidade natural, social e cultural. E, o registro desses conhecimentos, possibilita à cada sociedade a transmissão de seus saberes e de suas culturas para futuras gerações. Nessas comunidades o conhecimento está diretamente ligado ao processo cognitivo dos agentes sociais. Para Kastrup (2007, p. 152) a cognição é o ato de construir conhecimento, de conhecer o mundo e “está enraizada na ação, na vida prática”. Implica na mobilização de distintos processos cognitivos como a atenção, a percepção, a memória, a emoção, o raciocínio e a linguagem. Esses processos têm grande importância no contexto das comunidades tradicionais, pois o conhecimento gerado nesses locais é passado de maneira empírica através da vivência dos agentes sociais envolvidos e, nesse sentido, as operações de cognição configuram-se como formas do sujeito captar as informações do meio, processá-las e registrá-las de algum modo em sua mente. TRADIÇÃO, ETNOMATEMÁTICA E ETNOFÍSICA: TUDO NA MESMA PANELA DE BARRO Diante das abordagens conceituais supracitadas sobre a Etnomatemática e Etnofísica e para compor a tessitura desse trabalho, foram observados os ambientes que compõem a conjuntura do processo de construção da cerâmica caeteuara, através de uma pesquisa participante no cotidiano de uma comunidade com características tradicionais no município de Bragança-PA, mais especificamente, a comunidade “Vila Cuéra5”, localizada no espaço rural do município de Bragança-Pa, às margens do rio Caeté, aproximadamente 8 km do centro da cidade, à esquerda da BR 308 (Figura 1). A comunidade faz parte da história da construção do município, pois segundo a história 5 Para desenvolver a Capitania, Álvaro de Souza instalou sua sede na margem direita do rio Caeté, fundando o povoado denominado de vila Souza do Caeté, atualmente conhecida como vila Cuéra ou Qui-Era. Com uma população quase que exclusivamente indígena, pouco prosperou. Transformado em freguesia, ressurge com o nome de Nossa Senhora do Rosário de Bragança (Tavares, 1998).
  • 20. 20 oficial contada nos livros e pelos próprios moradores locais, foi neste espaço que iniciou anos atrás o que hoje conhecemos como município de Bragança, por este motivo a comunidade e conhecida também como “Vila Qui-Era” Bragança. Fig. 1- Mapa de localização da “Vila Cuéra” Fonte – Quaresma (1998) E para estabelecer essa relação entre tradição, matemática e física, foram selecionadas algumas narrativas construídas durante os diálogos estabelecidos na pesquisa de campo realizada em 2017, no ambiente da oficina de cerâmica da comunidade, com o ceramista que será chamado nesse trabalho de “Furtado”, seguindo os seguintes critérios: A primeira narrativa descreve o ofício da construção da cerâmica caeteuara, a segunda narrativa apresentará a forma pela qual o ceramista se relaciona com os fenômenos naturais envolvidos no processo de construção da cerâmica caeteuara, se utilizando de uma física própria para determinar o tempo de queima de cada peça e de como o simples fato de aprender a controlar o fogo, troca de calor e temperatura lhe proporcionou melhorias no processo de construção de suas peças. Na segunda, narrativa “Furtado” explica com ajuda da Etnomatemática o processo de fabricação da cerâmica caeteuara conduzindo um processo harmônico entre a peça visualizada em sua mente (abstrato) e o objeto final que terá em suas mãos (concreto), se utilizando de maneira empírica de conceitos da Matemática. A narrativa exposta por “Furtado” é iniciada pela descrição de seu ofício, minha mãe já trabalha e arrumou um pessoal ai, cerca de 16 pessoas, aí eu ainda não tava lá, só que dessas 16 pessoas, nós tinha dificuldade nessa queima, porque a gente não dominava o fogo do forno, queimava as panelas só na fogueira, aí era muito pai de família e não teve como manter esses caras, ai foi desmontando todo o grupo e acabou ficando só eu. Aí eu consegui ajustar esse tempo de queima, essa secagem, que era
  • 21. 21 nossa dificuldade, então é isso, conseguimo chegar a quase 100%, né. Porque antigamente nós perdia na secagem e na queima e era só prejuízo. Em seguida, menciona alguns processos relacionados à queima da peça, (...)Para a queima eu deixo o forno esquentar do final da tarde, a noite toda e queimo no outro dia, porque aí, ele fica quente por completo e ar quente passa por todas as peças. O tempo no forno é de acordo com a peça, olho a grossura dela e já tenho uma noção de quanto tempo ela vai ficar lá, porque o fogo vem de baixo pra cima e, aí o fogo começa a entrar em contato com as peças, vai esquentando o material que está mais perto do fogo, aí depois vai passando a quentura pras outras peças que estão em cima, até o ponto que as peças ficam na mesma temperatura. Observando a explicação do ceramista sobre o processo de queima é perceptível que “Furtado” expõe saberes que podem ser facilmente relacionados aos conhecimentos científicos pertencentes à Física: Noções de tempo, temperatura, equilíbrio térmico e troca de calor são apenas alguns exemplos dos saberes Etnofísicos que Furtado detém. Na Física, sabe-se que todo corpo possui uma temperatura e que quando aproximado a outro corpo com temperatura diferente, ocorre o trânsito de calor, em busca de um equilíbrio térmico e que a transferência de calor, ocorre por três modos: condução, convecção e radiação. Em cada processo de troca de calor são exigidos tempos diferentes, e com seus saberes e sentidos o ceramista sabe o tempo de queima de cada peça e com o tempo descobriu a maneira mais eficiente de utilizar o fogo ao seu favor. Segundo Hewitt (2011) “condução” é a “transferência de energia térmica pelas colisões eletrônicas e moleculares no interior da substância” (especialmente se for sólida). O autor ainda conceitua que “convecção” é a “transferência de energia térmica em um líquido ou gás por meio de correntes no interior do fluido aquecido” e que “radiação” é a “transferência de energia por meio de ondas eletromagnéticas”. Mostrando que a explicação dada por “Furtado” tem seu valor científico ao exemplificar todos esses fenômenos no processo de fabricação da cerâmica caeteuara, onde é possível perceber a transferência de energia térmica entre as peças dentro do mesmo forno, assim como a forma na qual essas peças são colocadas para que o ar quente possa passar entre elas e a necessidade de gerar uma fonte de calor, para o cozimento das peças, podendo ser observados os raios luminosos que incidem das chamas por todo o interior do forno, na forma de ondas eletromagnéticas. Em relação à criação das peças o ceramista diz, tudo começa na escolha da argila, a argila é tirada aqui da margem do rio caeté, a gente vai de canoa até o barreiro e traz pra cá, ai depois a gente vamo pegar essa argila e vamo usar os materiais que vão ser acrescentadas nessa mistura que é pra ela se tornar uma panela retratada, porque se não tiver essas misturas ela não vai segurar o fogo e vai rachar.(...) Aí a gente usa o caripé que é a casca de uma árvore, que nós estamos tendo dificuldade de encontrar hoje em dia, pelo desmatamento e a taicica que é a lagrima da árvore, nós usa só um tanto de uma árvore e deixa, pra não morrer. Eu mesmo tiro o barro, mesmo que eu peça pro cara cavar, eu mesmo tenho que tá lá presente pra saber, é uma questão visual, eu escolho a argila, primeiro olhando, se a cor agradar, eu provo também, porque se tiver com muito sal não presta, aí tem outra técnica de pedir pra mãe do barro, aí é só deixar
  • 22. 22 uma peça pra ela lá no rio que as todas as peças ficam boa. (...)Às vezes eu sonho e quando acordo vou cedinho pra oficina, pego o barro e faço a peça, algumas dificuldades que aparecem na peça as vezes eu tiro no sonho, mas elas sempre saem certinho, o tamanho que é de um lado, também é do outro. (...) Na hora de modelar eu gosto de trabalhar com círculos e quadrados, pois são mais fácil de modelar, mas agora estou fazendo com outros formatos, de peixe, de barco e até de bicho, ai eu uso outras figuras, algumas eu nem conheço, mas vi em algum lugar. (...) a quantidade de barro que leva cada peça, eu já sei de cabeça, só de pensar já consigo ver ela pronta, ai vou só montando com as minhas mãos, ai olhando eu sei se ela tá torta ou certinha. Fig. 2 – Algumas peças de formatos variados Fonte: Arquivo pessoal 2016 É perceptível na fala de “Furtado” que conceitos da Matemática estão muito presentes em seu cotidiano como ceramista, mesmo de maneira empírica, ele consegue determinar figuras geométricas planas como triângulos, quadrados e círculos e espaciais como pirâmides, cilindros e esferas, assim como construir objetos com simetrias quase perfeitas. Mesmo desconhecendo conceitos e termos próprios da Matemática científica suas peças possuem formas extremamente bem elaboradas (figura 2).
  • 23. 23 Segundo Gaspar e Mauro (2003, p. 11) a palavra simetria possui o seguinte significado: Harmonia resultante de certas combinações e proporções regulares. Alguma coisa bem proporcional, harmônica, balanceada. (...) Disposição de duas figuras que se correspondem ponto por ponto de tal sorte que dois pontos correspondentes de uma e da outra estejam em igual distância de um ponto, uma reta ou de um plano dado. De acordo com a definição acima, as explicações de “Furtado” sobre suas peças, mostram que o ceramista busca essa harmonia própria da simetria, afim de construir uma peça que tenha a mesma distância do centro para as laterais, se preocupando com as combinações perfeitas tanto de largura como de altura. O ceramista ainda expressa noções de proporção, e cálculos mentais bem elaborados, pois apenas se utilizando da visão e do tato consegue determinar a quantidade de argila que cada peça necessita, assim como a quantidade de peças que uma porção de argila pode se transformar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas comunidades tradicionais os conhecimentos que permeiam entre os variados saberes são passados de maneira empírica pela oralidade e através da vivência dos agentes sociais envolvidos, respeitando uma escala de gerações, assim uma geração mais experiente (mãe) troca conhecimentos com a geração mais nova (filho). Nessa perspectiva, o diálogo entre o mestre do saber e o aprendiz leva os sujeitos a estabelecer relações e a mobilizar processos cognitivos para definir suas concepções de mundo e de processos necessários para existência da comunidade. Nessa perspectiva, se faz necessário refutar a dissociação entre o saber popular e o conhecimento científico, dando sentido e significado para muitas coisas que ocorrem em nosso cotidiano (D’Ambrosio, 2011). As relações entre as teorias (saber) e práticas (fazer) devem estar sempre juntas, levando em consideração a visão de todos sobre o uso da Matemática e da Física em seu cotidiano e de que forma praticam e desenvolvem os saberes Etnomatemáticos e Etnofísicos no seu dia a dia. Segundo Furtado as peças são criadas primeiro eu sua mente, no abstracionismo que permeia o cognitivo, para posteriormente serem concretizadas no barro, e o mesmo se utiliza de uma matemática própria para determinar quantidade, formas geométricas, simetria, ângulos trigonométricos, assim como outros saberes Etnomatemáticos para que sua peça possa ser construída o mais próximo do que foi visto em sua mente. Furtado ainda se apropria de conceitos sobre o tempo, temperatura, equilíbrio térmico e troca de calor oriundos da Física científica, mas que na sua forma de construir a peça de barro, são apenas perceptíveis ao tato, visão e paladar. Mostrando assim, que mesmo sem o
  • 24. 24 conhecimento científico, é possível construir saberes Etnomatemáticos e Etnofísicos que servem de material teórico científico, reaproximando a ciência das práticas do cotidiano. REFERÊNCIAS ANACLETO, Bárbara da Silva. Etnofísica na lavoura de arroz. 2007. 101 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) - Universidade Luterana do Brasil. Canoas, 2007. BERLINGHOFF, William P; GOUVEA, Fernando Q. A matemática através dos tempos. 2ª ed. São Paulo: Blucher, 2010. CONTENTE, Flavio. CONTENTE, Ariadne. O legado histórico na produção da cerâmica caeteuara. Revista Visagem, v. 1, n. 01, p. 43-48, 2015. D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Editora Ática, 1998. ______. Sociedade, cultura, matemática e seu ensino. São Paulo: Educação e Pesquisa, 2005. ______. Etnomatemática e Educação. In: KNIJNIK, Gelsa. et all (orgs). Etnomatemática: currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2010. ______. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. DIEGUES, Antônio Carlos. O Mito moderno da natureza intocada. 6ª edição. São Paulo: HUCITEC, 2008. FERREIRA, Mariana Kawall Leal. Com quantos paus se faz uma canoa!. A matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena. Brasília: MEC, 1994. FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. 6º Edição, São Paulo: Editora Ática, 1998. GASPAR, M. T.; MAURO, S. Explorando a geometria através da história da matemática e da etnomatemática. Rio Claro, SP: [s.n.], abr. 2003. (Coleção História da Matemática para Professores). GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. 1ª ed., reimpr. Rio de Janeiro - LTC, 2008. GERDES, Paulus. Etnomatemática: reflexões sobre Matemática e diversidade cultural. Ribeirão: Edição Húmus, 2007. HEWIIT, Paul G. Física conceitual. Tradução: Trieste Freire Ricci; revisão: Maria Helena Gravina. -11. Ed. Porto Alegre: Bookmam, 2011. KASTRUP, V. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição. São Paulo: Autêntica, 2007. MONTEIRO, Alexandrina; JUNIOR, Geraldo Pompeu. A Matemática e os Temas Transversais. São Paulo: Editora Moderna, 2001. PRUDENTE, Thaise Cristiane de Abreu. Etnofísica: uma estratégia de ação pedagógica possível para o ensino de física em turmas de EJA. Centro Científico Conhecer, Goiânia, v. 06, n. 10, p. 01-13, 2010. QUARESMA, JOÃO BITENCOURT. Estudo e Proposta para Tratamento dos Resíduos Sólidos. Cidade de Bragança. Estado do Pará: CPRM/ PRIMAZ, SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE BELÉM, 1998.
  • 25. 25 SANTOS, Renato P. dos. A Parábola no Oriente: Etnofísica, Psicogénese e Multiculturalidade. In: Atas do 1º Colóquio Intercultural – “A Comunicação entre Culturas", Almada, Portugal. Almada, Portugal: ADECI – Associação Portuguesa para a Formação e a Investigação em Comunicação Intercultural, 2002. SOUZA, E. S. R. Etnofísica, modelagem matemática, geometria...tudo no mesmo manzuá. Amazônia Revista de Educação em Ciências e Matemática, v. 9, n. 18, p. 99-112, 2013. TAVARES, Margarida M. R. et al. Diagnóstico do Potencial Turístico. Municípios de Bragança, Augusto Corrêa e Tracuateua. Estado do Pará: CPRM/ Primaz, Seicom, 1998.
  • 26.
  • 27. AÇAÍ: tradição, identidade e saberes Gabriella Bianca Miuta Cavalli1 Luis Junior Costa Saraiva2 CARACTERÍSTICAS VEGETAIS, NUTRICIONAIS E SOCIAIS DO AÇAÍ O fruto do açaí, encontra-se em dois tipos de palmeiras: a Euterpe oleracea típica do estado do Pará e a Euterpe precatória, também conhecida como açaí solteiro, nativa da zona do Acre. A diferença entre as duas palmeiras está essencialmente na estrutura: a Euterpe oleracea alcança mais de 25 metros com troncos de 9 a 16 centímetros de diâmetro, possuindo em média de 4 a 9 filhos; a Euterpe precatória chega numa altura de 23 metros e se caracteriza para ser um açaí solteiro, que possui apenas 1 estipe (tronco) (Cymerys e Shanley, 2005). O açaizeiro é originaria da Amazônia Oriental, com maior ocorrência no estuário do rio Amazonas onde ocupa aproximadamente 10.000km2, conforme apresentado Cymerys e Shanley (2005), tem incidências também no Amapá, Amazonas, Maranhão, Guiana e Venezuela. Os frutos florescem o ano todo, mas será no período mais quente que a safra é mais abundante. O Pará é o maior produtor de “vinho” de açaí; só em 1997 produziu mais de 1 milhão de litros. Um açaizeiro produz 4 a 8 cachos por anos. Cada cacho pesa 4 quilos de fruto, e 1 trouceira produz cerca de 120 quilos de fruto por safra. Na ilha das Onças, onde ribeirinhos manejam açaí para os mercados de Belém, a produção média é de 1.158 quilos por hectare por ano. Em açaizais manejados com capina e poda dos filhos, a produção por hectare pode chegar a 10.000 ou 12.000 quilos por ano, na terra firme, e até 15.000 quilos na várzea, Mas cuidado com o açaí “parau”, ele não rende muito porque muitos frutos ainda estão verdes. (Cymerys; Shanley, 2005, p. 164) 1 Mestranda do programa de Pós-graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia. Correio eletrônico: gabriella.cavalli85@gmail.com 2 Doutor em Antropologia. Correio eletrônicol: luisjsaraiva@gmail.com
  • 28. 28 A partir das contribuições das autoras já conseguimos verificar a alta produtividade na região paraense que também é uma das maiores exportadoras do fruto. Além do interesse externo, o fruto é muito apreciado pelos moradores da região e sua alta produtividade também é uma das muitas opções de fonte de renda dos paraenses, que além do “vinho” também podem comercializar o palmito, utilizar as palhas, os cachos e os caroços para artesanatos e adubo ou seus derivados como: os sorvetes, geleias, bombons. Imagem 1- Euterpe olaracea. Imagem 2 – Ilustração Euterpe olaracea ‘ Fonte: autores / 2017 Fonte: Cymerys e Shanley (2005, p. 163)
  • 29. 29 Imagem 3 – Euterpe precatoria. Imagem 4 – Ilustração Euterpe precatoria. Fonte: autores / 2017 Fonte: Ferreira (2005, p. 171) A diferença entre as duas espécies de açaizeiro, além das características visíveis e sua incidência também é válido destacar o que Ferreira (2005) aponta que a espécie dificilmente se desenvolve em áreas desmatadas e é menos resistente ao fogo. Apresentam uma sazonalidade diferenciada também sua floração não acontece durante o ano todo, apenas nos meses de fevereiro e março e junho e julho, sua produção também é inferior. O açaí é um fruto consumido constantemente pelas famílias paraenses, em qualquer hora do dia, durante as refeições principais (almoço e janta), é geralmente acompanhado com peixe frito, charque ou camarões segundo o gosto e o lugar. Além de ser uma comida de sabor atraente e essencial na mesa dos paraenses, o açaí apresenta fatores nutricionais surpreendentes: é considerado com uma das maiores quantidades de antioxidantes do
  • 30. 30 mundo, devido à presença elevada de vitamina A, junto com cálcio, fósforo e vitamina B1. O açaí (Euterpe Oleracea Mart.), fruto da região amazônica é um alimento funcional cuja polpa apresenta elevado valor energético por conter alto teor de lipídeos como Omegas 6 e 9, além de carboidratos, fibras, vitamina E, proteínas, minerais (Mn, Fe, Zn, Cu, Cr) e grande quantidade de antioxidantes. Antocianinas, proantocianidina e outros flavonóides são os fitoquímicos predominantes, mas as antocianinas são os compostos que contribuem com a maior capacidade antioxidante da polpa do açaí. (Portinho; Zimmermann; Bruck, 2012, p. 15) Com o crescimento do mercado consumidor e com o conhecimento de seus benefícios o fruto é comercializado em várias regiões do país e também para outros países, mas fora da região amazônica é consumido em forma de energético, sucos ou com misturas particulares. O que difere do estilo de consumo dos maiores produtores, que é considerado como essencial na alimentação de alguns grupos sociais da região amazônica, considerado até mesmo o prato principal das refeições. AÇAÍ: SINÔNIMO DE PARÁ “Chegando em qualquer aeroporto do Brasil, podemos perceber a presença de um paraense não pelo sotaque, mas sim pelo isopor que está no nastro das bagagens”, essa é uma das frases que mais ouvi da boca dos paraenses, uma boa descrição que alguns paraenses pesquisados dizem de si mesmos. Com isso, é possível entender a importância que os paraenses dão a essa comida, identificando-se com ela e atribuindo-lhe a máxima importância, e se torna uma forte referência tanto na tradição culinária, como no sentimento de pertencimento às raízes indígenas. Para alguém externo a esse costume culinário e alimentício, a primeira vez que experimentam o “vinho”, a reação na maioria das vezes é de estranhamento: a cor e a consistência do fruto batido podem lembrar vários outros alimentos, até mesmo um chocolate quente, devido sua coloração e cor. Mas é no primeiro momento, no contato direto com o paladar de quem experimenta pela primeira vez, é possível conhecer e entender que não existe outro sabor que pudesse ser comparado com essa bebida de combinações tão pertinentes e variadas. Se forçarmos uma interpretação e/ou comparação mais próxima de sabor que se percebe, alguém que não está acostumado a esse gosto, poderá responder que inusitadamente poderia ter um sabor de terra. E metaforicamente poderíamos considerar a resposta pertinente por se tratar da identificação da terra paraense, das terras da Amazônia a grande protagonista da existência de tal fruto.
  • 31. 31 O poder do açaí na cultura paraense não se limita simplesmente as propriedades e características benéficas do fruto elencadas anteriormente, na realidade quotidiana o fruto e seus derivados são o símbolo de pertinência, de cultura e identidade de uma população inteira. A surpreendente descoberta etnogastronômica de uns dos alimentos chave da cozinha paraense abrange um inteiro mundo, que culmina na preparação do “vinho”. O que esse alimento representa é a herança de tradições indígenas e a característica particular de pertencer a um lugar e uma terra de riquezas, na Amazônia paraense.
  • 32. 32 Para alguém que não conhece de perto a produção de açaí e seu ciclo desde a colheita talvez não perceba o que é necessário para que seus derivados cheguem ao mercado consumidor. Coletar e bater o açaí requer uma grande força física e toda uma organização social de trabalho. Subir no açaizeiro com os pés apoiados em uma peconha, que trata-se de um círculo feito de saco amarrado, impulsionando o corpo para cima com a força dos braços e com o apoio das pernas é uma prática muita das vezes aprendida na infância, sendo mais comum na fase da adolescência. Ao chegar embaixo do cacho de açaí, o apanhador pega a faca que levou e corta a ligação entre o cacho e a árvores, assim ele desce do açaizeiro com o cacho na mão, a exemplo dos jovens catadores de açaí na comunidade do Japim∕Viseu-PA. Mas esse subir e descer com o cacho, embora fundamental ação, apenas inicia o processo, é somente a primeira parte. Após a coleta é o momento em que começa aquela dinâmica de tradição ligada á cultura de organização social do trabalho dos povos da Amazônia. O mecanismo de organização e preparação acaba sendo um “trabalho” de equipe, onde os participantes colaboram para poder ao final também compartilhar e usufruir do “vinho”. Nas comunidades tradicionais, e geralmente nos lugares onde a energia elétrica chegou há pouco tempo e poucas pessoas possuem a máquina para bater açaí, é ainda muito forte a preparação do “vinho” de mão, momento em que os moradores machucam o fruto com algum objeto um pouco mais pesado. Após ter tirado os caroços do cacho, coloca-se a fruta na água morna. Esse processo serve para que a água possa matar e tirar eventuais insetos no meio dos frutos, além de amolecer os caroços. O momento torna-se mais enriquecedor ainda quando durante o processor de fazer o “vinho” Dona Graça resolve contar a lenda do açaí na comunidade do Japim / Viseu-PA. Ela fazendo o “vinho” do açaí e narrando que a origem do fruto deriva de uma tribo indígena paraense que ficou sem comida e que para suprir a essa falta o cacique mandou matar as crianças da aldeia, inclusive a neta dele, filha de sua filha Iaça. A filha do cacique ficou muito triste com toda aquela situação, e um dia andando no mato viu a imagem da filha perto de uma palmeira, a índia abraçou a planta, e quando o pai dela chegou viu-a chorando, abraçada a essa palmeira que tinha pequenos frutos pretos. Então o cacique decidiu cortar esse fruto e fazer um suco para dar ao seu povo para que não morressem de fome. E para homenagear a filha decidiu colocar o nome da palmeira de açaí, invertendo as letras do nome de Iaça, que achou a palmeira, permitindo a sobrevivência do grupo. O conto que foi repassado durante a atividade de bater açaí, se encaixa perfeitamente em que Fernandes e Fernandes (2015, p. 141 e 142) chamam de modus operandi do repasse do saber: Exemplo de que existe uma sistematização implícita no saber-fazer do praticante do saber tradicional é a tendência que este apresenta de construir textos “explicativos”, de sua realidade e expectativas, mediante o uso de gêneros narrativos, tais como os relatos de experiência, os contos e causos e os mitos, que conferem relação mimética e verossímil entre o sujeito-narrador e a realidade focada. [...] Ao observarmos a natureza privilegiada
  • 33. 33 da narrativa como modus operandi de repasse do saber, pode-se concluir que o uso da linguagem entre os povos tradicionais, além de sistêmica, contém elementos da concepção de mundo destas na mesma proporção que nos diz muito acerca da complexidade dessa concepção. (Fernandes; Fernandes, 2015, p. 141-142) A vida quotidiana vê-se construída e classificada dentro de um conjunto de aprendizagens, de saberes que são parte constituinte da realidade totalitária. Focando a atenção no modus operandi, das comunidades tradicionais, o que mais chama a atenção do observador consiste na capacidade de interação entre os sujeitos que cumprem a tarefa de bater os frutos para a retida do “vinho” e o objeto (o açaí), o envolvimento é semelhante a prática de uma atividade rotineira ou cotidiana, como se fosse o que mais sabem fazer. O que Sena, Santos e Barros (2014) chamam de axé dos componentes naturais da vida, interação total entre a prática quotidiana e a narrativa, destacamos que o açaí é parte constituinte da formação, da cultura e da sobrevivência de uma grande região, não apenas de um grupo social, mas de vários grupos que compartilham do mesmo interesse gastronômico. Realmente, ao perguntarmos o que o açaí representa na vida de um
  • 34. 34 paraense, além da resposta óbvia de um fruto, a maioria das pessoas identifica o açaí como umas das principais fontes de autossubsistência dentro de um sistema sociocultural que está em constante mudança. A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DO SABOR Tantos os índios como os negros eram, de fato, realidades tão amplas e diversificadas que muito se perdeu ou deixou de lado na construção da imagem culinária nacional. Como exemplo, vejamos o caso do tão apreciado tucupi de nossos dias, segundo informações que nos chegam por intermédio de conde Ermano Strandelli, uma das principais fontes de Câmara Cascudo para a culinária amazônica. Sua variedade no século XIX era bem maior que hoje. Havia vários tucupis: o tycupy curado ao sol e aquele que resultava da cocção do sumo da mandioca ralada; o isátaia, temperado com formigas e pimenta; e o tycupy pixuna, apurado ao fogo até alcançar a cor de mel de cana. O que nos chega hoje é apenas o tucupi que resulta da cocção do caldo da mandioca-brava, ao qual se acresce pimenta de cheiro; as demais formas se perderam pelo caminho e, mesmo na Amazônia, não parece existir memória delas. Assim, está claro que a construção do que se chama de identidade nacional é algo que além de reunir, suprimi muita coisa. (Dória, 2009, p. 67) Em referência aos aspectos pontuados pelo autor podemos constatar que muita coisa se perde ao longo dos anos, principalmente nas influencias e contribuições culinárias, permanece aqueles aspectos mais usáveis e atualmente os economicamente mais viáveis. O açaí sofreu alterações históricas e culturais, principalmente em outras regiões que na atualidade consomem, entretanto é válido destacar que o fruto do açaí é um elemento que insiste em permanecer na prática culinária amazônica, o que nos faz refletir sobre o grau de sua importância. Pois trata-se de uma planta de fácil cultivo e com um curto período de amadurecimento, além de outros motivos que exigiriam um mergulho mais profundo na construção da identidade gastronômica de uma população. Existem ainda relações simbólicas que insistem em permanecer na pratica do cultivo e do processo de elaboração do vinho, por exemplo, algumas pessoas não consomem o açaí batido em máquina, pois justificam que este perde seu sabor. O açaí pode ainda estar no centro da organização familiar e/ou comunitária, em que todos contribuem com as atividades que envolvem o ritual de produção do vinho.
  • 35. 35
  • 36. 36 De acordo com Freyre (2007, p. 56-57) “No extremo Norte do país, as doceiras tradicionais se considerariam indignas se sua arte se fossem obrigadas a usar na feitura de açaí, por exemplo, outras vasilhas que não fossem a panela ou o alguidar de barro”, a ligação aos objetos interligados a feitura do açaí e seus derivados também modifica-se com o passar do tempo, na verdade, acreditamos que essas ligações readéquam-se, adquirem uma nova roupagem e novos significados. Não são mais os alguidares de barro que compõe o cenário da preparação do açaí, mas panela de alumínio e baldes de plástico, novos objetos e novos e velhos sentidos para o fruto tão presente no cotidiano de muitas comunidades tradicionais amazônicas, mas não só, pois o açaí ganhou espaço nas grandes capitais, se reconfigurando em novos usos e novos sentidos sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em conclusão podemos dizer que o açaí é o rastro de uma cultura indígena viva e ativa no Pará. A tradição ligada a este fruto é forte, e muitas comunidades ainda aproveitam da forma mais natural, apesar de que os tempos tenham mudado muitos costumes. As relações simbólicas do homem com a natureza permanecem forte dentro das comunidades a quais através desse “rito” conseguem fortalecer a própria cultura e os ligações familiares, dando continuidade àquele “axe” que pode ser vivido na experiência quotidiana das comunidades tradicionais, depositarias de saberes preservado como tradição e imagem das raízes de um povo. Segundo Castells (1999), A construção de identidade vale-se de matéria prima fornecida pela história, geografia, biologia instituições produtiva e reprodutiva pela memória coletiva e fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social bem como em sua visão de tempo/espaço. (p. 23) Se por um lado o açaí ganhou espaço em outras partes do Brasil, como Rio de Janeiro e São Paulo, em locais especializados em bebidas energéticas que visam suprir demandas oriundas de frequentadores de academias, o fruto ainda marca a identidade de muitas comunidades tradicionais amazônicas, pois continua por ser o principal alimento, mas também o símbolo culinário que marca não só um modo de se alimentar, mas um modo de estar em sociedade, o modo amazônico de vida.
  • 37. 37 REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Vol. II. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CYMERYS, Margaret; SHANLEY, Patrícia. Açaí: Euterpe oleracea Mart. In: SHANLEY, Patrícia. Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, 2005. DÓRIA, Carlos Alberto. A culinária materialista: construção racional do alimento e do prazer gastronômico. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009. FERNANDES, Daniel dos Santos; FERNANDES, Guilherme dos Santos, “A experiência próxima”: saber e conhecimento em povos tradicionais”. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 127-150, jan./jun. 2015. FERREIRA, Evandro. Açaí: Euterpe precatoria Mart. In: SHANLEY, Patrícia. Frutíferas e Plantas Úteis na Vida Amazônica. Belém: CIFOR, Imazon, 2005. FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Global, 2007. PORTINHO. José Alexandre; ZIMMERMANN, Livia Maria; BRUCK, Mirian Rotnes. Efeitos Benéficos do Açaí. International Journal of Nutrology, v. 5, n. 1, p. 15-20, jan./abr. 2012. SENA Cleve; SANTO, Rita de Cassia S. Azavedo; BARROS, Flávio Bezerra. A biodiversidade tem axé? Sobre apropriações de animais e plantas no candomblé. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 24, n. 2, p. 221-222, abr./jun. 2014.
  • 38.
  • 39. SOPHIA E PALHAÇO: dos Reencontros e Outras Performances Alexandra Castro Conceição1 Pedro Olaia2 INTRODUÇÃO Este artigo, como afirma Clifford Geertz (1989, p. 19) é “piscadelas de piscadelas de piscadelas...”. Explicações das explicações, instantes em que se propõem análises da obra em áudio e vídeo, que é resultado do registro da ação artística do Poeta Palhaço, que antes era público da cena de Sophia, e posteriormente “roubou” a cena com uma rima de improviso, logo passando de espectador a artista. Pretende-se também, neste texto, perceber fusões e fissuras da obra quanto objeto artístico no meio social em que Sophia se insere, é inserida e também rejeitada. As performances de Sophia são obras em criação, como descritas por Cecília Salles, em seu livro sobre a construção da obra de arte. A obra em criação como um sistema aberto que troca informações com seu meio ambiente. Nesse sentido, as interações envolvem também as relações entre espaço e tempo social e individual, em outras palavras, envolvem as relações do artista com a cultura, na qual está inserido e com aquelas que ele sai em busca. A criação alimenta-se e troca informações com seu entorno em sentido bastante amplo. (Salles, 2016, p. 32) E é exatamente isto o que aconteceu com Sophia, durante sua performance, ao estar aberta à interação com o meio, foi surpreendida pelo outro, permitindo a troca de informações e transformando a sua obra, e a resignificando ao relacionar-se com o meio e com a cultura. Considera-se que uma obra, quanto objeto artístico, é feita de desdobramentos de outras dobraduras do espaço e do tempo, que fogem do criador e tem vida própria. Isto pode ser percebido nas obras de Sophia. 1 Mestra em Artes pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará (PPGARTES/UFPA). Correio eletrônico: alexandracastro_ac@yahoo.com.br 2 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Linguagens e Saberes na Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPLSA/UFPA - Campus Bragança). Correio eletrônico: pedrolaia@gmail.com.
  • 40. 40 Imagem 1: Detalhe de Sophia na rua no dia do evento “Égua de 4”
  • 41. 41 Sophia é a identidade adotada por Pedro Olaia, ou seja, Pedro se “monta” de Sophia, constrói um corpo, identidade, ações e reações que não são próprias dele, mas dela para ações poético-políticas em performances que Sophia “desce causando”, como projeto estético não-binárix subversivx de resistência. Como afirma Stuart Hall: Argumenta-se, entretanto, que são exatamente estas coisas que agora estão “mudando”. O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas (…) O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. (Hall, 2005, p. 12) Sophia, outra identidade de Olaia, é principalmente utilizada em ações performáticas na rua, e para isto, Sophia se apropria, como diz Renato Cohen, “do espaço urbano, dos contextos cotidianos, a partir do efeito da espetacularidade do mundo e do espalhamento da artisticidade enquanto olhar estetizante” (Cohen, 2004, p. 101). Neste artigo descrevemos e analisamos a ação imersiva na rua realizada por Sophia ex amigx Byxa do Mato, durante o evento “Égua de 4” nas ruas da cidade de Bragança- PA, sendo que no meio desta ação Sophia encontra outro artista que no improviso entra no jogo da performance e faz uma rima, e Sophia com uma câmera de celular registra a ação performática do intérprete e Olaia edita o vídeo e disponibiliza online. Desta forma, situamos a performance como obra artística no contexto social e histórico-social, relacionando-a com teóricos da performance e performatividade de gênero; posteriormente apresentamos a interação entre artistas e público, que se confundem na ação performativa; e por fim, apresentamos a obra em áudio e vídeo como reverberação das obras anteriores. Além disso, cabe ressaltar que neste artigo o uso da letra “x”, ao final de algumas palavras tem como objetivo a não definição binária de gênero na linguagem escrita a fim de não determinar entre masculino e feminino a identidade fluida de corpos não-binárixs. A CELEBRAÇÃO, OU O CORTEJO FÚNEBRE, OU O “NÃO QUERO CHORO NEM VELA” A performance cujas imagens (registros fotográficos) são vistas ao longo desta narrativa, foi realizada por Sophia, com a participação de Byxa do Mato, que é a identidade adotada por Wellington Romário, nas redes sociais e na vida para ações performativas do cotidiano dx artistx.
  • 42. 42 Imagem 2: Byxa do Mato na ação imersiva na rua durante o evento “Égua de 4”.
  • 43. 43 Esta performance foi realizada no “Égua: Sarau do Corpo Poelytico”, evento que dialoga sobre o corpo amazônico e as suas possíveis práticas de resistência política através da arte. A “Égua: Sarau!” em sua quarta edição, ou “Égua de 4”, como os artistas que participaram preferem chamar, aconteceu no dia 04 de agosto de 2017, na cidade de Bragança, no Estado do Pará, pelas ruas da cidade e no bar “Viúva Negra”, que é um espaço cultural de resistência com festas destinadas ao publico LGBT e afins, e com programações abertas a propostas de encontros e eventos organizados por artistas independentes. Imagem3: Sophia e Byxa do Mato, pelas ruas de Bragança, carregando a amiga travesti assassinada dentro da rede de dormir de estampa camuflada.
  • 44. 44 Esta performance nasceu da vontade de Sophia e Byxa falarem sobre a violência e os crimes de homofobia e transfobia que corpos não-binárixs sofrem, e para isto xs artistxs propuseram um cortejo fúnebre-festivo, um ritual de “passagem” de uma amiga travesti assassinada, que não fosse carregado de tristeza e dor, mas festivo e alegre. No dia 04 de agosto de 2017, Sophia e Byxa saíram às ruas de Bragança no cortejo com um percurso que se iniciou na esquina da rua do Colégio Bordallo com a rua do Colégio Yolanda Chaves, desceu até a Praça da Aldeia, e foi em direção ao Cruzeiro, atravessando as ruas laterais da Feira, subindo até a Orla e continuando até o bar “Viúva Negra”. Para esta celebração, Byxa vestiu um maiô e short curtinho, enquanto que sophia propôs sair às ruas com o corpo seminu em uma calcinha e um cinturão com terços de silicone que caem sobre o sexo não identificado e a bunda. Sophia e Byxa do Mato durante o percurso da celebração carregaram uma rede de dormir e dentro colocaram outras roupas que iam utilizar no bar “Viúva Negra”. Ao carregarem a rede, tinha-se a impressão que estavam carregando um corpo, e afirmavam que este corpo era de umx travesti assassinadx, morta por violência transfóbica nas ruas. A estampa camuflada da rede de dormir remete à camuflagem usada por militares em suas fardas e corpos, e além do mais esta rede de dormir é o objeto que carrega um corpo que sofreu crime de intolerância. Estas mensagens transmitidas durante a performance, através de signos, textos e imagens, são reinterpretadas pelo outro, possibilitando o surgimento de diferentes narrativas e resignificações dos objetos. Como Cohen afirma: Na cena contemporânea, os procedimentos que operam com o uso da relativística, de narrativas superpostas e simultâneas, a incorporação de texto/imagens e signagem subliminar, a possibilidade de legibilidade do fragmento estão consonantes com os encadeamentos mentais de nossa época e com aquilo que Beckett nomeia como uma nova consciência contemporânea. Estamos diante de uma nova epistemia, em que “harmonia, balanço e proporção dão lugar a desarmonia e narrativas sem significado fechado” (Cohen, p. 22) Durante o cortejo uma caixa de som portátil tocava músicas agitadas e elxs cantavam, dançavam, carregando x mortx, bebendo x mortx, e em alguns lugares, que determinaram como estações, estabeleciam uma relação com o local e as pessoas que estavam presentes e ritualizavam uma despedida fúnebre com velas, flores, cachaça e frases escritas em papel branco, algumas eram largadas ao chão, outras lidas e enfatizadas. Estas frases eram mensagens linguísticas, para reforçar o discurso de combate às violências e crimes sofridos diariamente por corpos não-binárixs, e que de acordo com Barthes (1990, p. 32) essas mensagens escritas são para “combater o terror dos signos incertos”, uma descrição denotada da conotação imagética, ou seja, a “amarra” no texto do que se quer dizer com a imagem. São exemplos de mensagens escritas e deixadas no
  • 45. 45 meio do caminho: “…uma amiga travesti que foi assassinada”; “teu corpo tuas regras, meu corpo minhas regras”. Imagem 4: Frase deixada na rua no trajeto do cortejo “não quero choro nem vela” Segundo Carlson (2010, p. 163) e Goldberg (2007, p. 268), no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, as performances em sua maioria abordam temáticas sociais e políticas com discussões que envolvem os excluídos por raça, classe e gênero. A performance politicamente engajada possibilita grupos silenciados gritarem por seus direitos e incômodos cotidianos através de uma guerrilha estética, que é apresentada por Carlson (2010, p. 187 a 210) como performance de resistência. Cada um desses performers e comunidades representando posições diferentes das dominantes na cultura é forçado de alguma maneira, a negociar a mesma tensão que vemos na performance feminista entre o desejo de fornecer uma base para a ação política efetiva, afirmando uma identidade específica e uma posição de sujeito, e o desejo de destruir as
  • 46. 46 certezas essencialistas de todas as construções culturais. Esse é o dilema no centro da obra de Butler – o problema de que o self em ação vem à tona apenas por meio de construções culturais opressivas e preexistentes. A intervenção nas operações dos sistemas simbólicos dominantes – linguistico, teatral, político, psicológico, performático – parece exigir, nas palavras de Elin Diamond (1989, p. 58-72) “que se assuma uma posição de sujeito, mesmo que provisória, e que se façam afirmações da verdade que, apesar de flexíveis, se preocupem com suas próprias representações” (Carlson, 2010, p. 206) Imagem 5: Mensagem escrita deixada no caminho durante a performance. Judith Butler em seu livro “Problemas de Gênero” (Butler, 2003) escreve para além da performance como linguagem artística em direção à performatividade do cotidiano, onde o gênero é construção social, e que a partir de novas identidades fragmentadas o corpo é reconfigurado em citações, arremedos, repetições de performances de gênero que nunca repetem exatamente o original ausente. Como Geertz (1989, p. 21) afirma: “a
  • 47. 47 cultura é composta de estruturas psicológicas por meio das quais os indivíduos ou grupos de indivíduos guiam seu comportamento”; e Butler concorda. Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de o corpo gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico separado dos vários atos que constituem sua realidade. Isso também sugere que se a realidade é fabricada como uma essência interna, essa própria interioridade e efeito e função de um discurso decididamente social e público, da regulação pública da fantasia pela política de superfície do corpo, do controle da fronteira do gênero que diferencia interno de externo e, assim, institui a “integridade” do sujeito. Em outra palavra os atos e gestos, os desejos articulados e postos em ato criam a ilusão mantida discursivamente com o propósito de regular a sexualidade nos termos da estrutura obrigatória da heterossexualidade reprodutora (…), a antropóloga Esther Newton sugere que a estrutura do travestimento revela um dos principais mecanismos de fabricação através dos quais se dá a construção social do gênero. Eu sugeriria, igualmente que o travesti subverte inteiramente a distinção entre os espaços psíquicos interno e externo, e zomba efetivamente do modelo expressivo do gênero e da ideia de uma verdadeira identidade de gênero. (Butler, 2003, p. 194-195) Imagem 6: Parada durante o percurso para a celebração ritual dx amigx travesti mortx.
  • 48. 48 Sophia propõe um gênero “não-binárix”, fora do padrão heteronormativo e traz para a performance o corpo com questões do dia a dia de travestis, transexuais, gays e lésbicas que são agredidas, violentadas e muitas vezes mortas devido à intolerância fundamentada em discursos de regulação e controle do corpo. Ela usa o corpo, na performance, como meio de resistência ao controle hegemônico realizado sobre os corpos. Também interage com as relações de poder e discurso através da transgressão do imaginário depreciativo que se tem sobre os corpos, que fogem dos “padrões normais” socialmente estabelecidos. Para isto, Sophia busca o “lugar da interação”, a “instância da interlocução”, (Orlandi, 1996, p. 150), entre locutor e ouvinte, performer e platéia, artista e público, rua e rua, onde tudo se mistura e resulta na polissemia aberta, e em que a interação social é próxima do discurso lúdico, pois o “lúdico é o que “vaza”, é a ruptura”. (Orlandi, 1996, p. 154). Para Carlson: O movimento de performance lésbica e gay, separado das audiências identificadas com essas subculturas em situações de recepção mais heterogêneas, colocou questões muito mais concretas sobre como negociar a apropriação, a exibição e a representação social e politicamente responsáveis. A atividade do performer não é mais a preocupação central da especulação sobre esse fenômeno. E sim a interação entre performer e público. (Carlson, 2010, p. 210) Pois, não se deve levar em consideração apenas a atividade performática, mas também a troca entre o performer e o meio, a mensagem que este passa ao espectador, a forma como é recebido pelo outro, pois como afirma Salles (2016, p. 24), os artistas estão “preocupados com as interações, tanto internas como externas aos processos, responsáveis pela construção de obras, pois são sistemas abertos que interagem também com o meio ambiente” e assim, constroem uma obra em constante movimento. Um exemplo dessa interação e receptividade do outro a uma performance, no caso a de Sophia e Byxa, é o relato de Fernanda Luz, colhido por Arthur Leandro, no dia seguinte ao evento: “A princípio eu fiquei assustada, né, e aí os meninos, os meus filhos começaram a rir: - mãe olha ele dançando, mãe olha ele dançando. O Miguel pequenininho, né: - mãe, por que ele tá dançando? mãe pra que serve essas velas? Por que que eles tão aí? mãe e o que é isso, o que que está escrito nesse negócio que tem na mão deles? E a população assim toda parada, filmando, rindo na verdade, né, impressionada… Eles estavam dançando, os dois rapazes, não sei quem são, um de short meio curtinho e o outro de maiô, de maiô com maquiagem e tudo mais, e eles acendiam umas velas, e ai o pessoal dizia: Ei esse pessoal tá fazendo macumba aí no meio da rua (risos)… Entendeu? E assim eles dois muito bem obrigada dançando lá.” (Leandro, 2017)3 3Transcrição do registro em áudio do depoimento de Fernanda Luz feito por Arthur Leandro, em Bragança, no dia 05/08/2017. Disponível em: <https://soundcloud.com/egua-sarau/relato-de-fernanda-sobre-a-ega-de-4>.
  • 49. 49 Para Barthes: as possibilidades de leitura de uma mesma lexia (uma imagem) é variável segundo os indivíduos. (…) A diversidade das leituras não é, no entanto, anárquica, depende do saber investido na imagem (saber prático, nacional, cultural, estético) (…) A imagem em sua conotação, seria, assim, constituída por uma arquitetura de signos provindos de uma profundidade variável de léxicos (de idioletos) (Barthes, 1990, p. 38) E por a cultura ser pública, como explicita Geertz (1989, p. 20), deve-se indagar qual a importância das performances de Sophia, “o que está sendo transmitido com a sua ocorrência e através da sua agência, seja ela um ridículo ou um desafio, uma ironia ou má zanga, um deboche ou um orgulho.” (Ibdem, p. 20-21). No entanto, mesmo que o público a recepcione como algo engraçado e ria da performance, no presente caso, é importante perceber, que as crianças do relato, por exemplo, não compreendiam o que estava acontecendo e perguntavam a mãe o que era aquilo e ela era a intermediária entre a performance e elas, que daria a elas uma resposta plausível ou não, mas que estava dentro do seu campo de compreensão do mundo. Para Salles (2016, p. 33), a interação com o meio, leva o artista a “criar um sistema a partir de determinadas características que vai atribuindo em um processo de apropriações, transformações e ajustes; que vai ganhando complexidade à medida que novas relações vão sendo estabelecidas”. E assim, constrói uma obra que dialoga com a cultura local, criando múltiplas conexões com o outro. “Égua Sarau” é um evento em que o artista e público se misturam em um diálogo aberto, jogo cênico imperceptível ao outro, onde pode ocorrer a inferência de qualquer ato, gesto ou palavra na direção do performer que ao mesmo instante, de improviso, responde com outra ação ou palavra, logo um jogo é estabelecido e é essencial para o trabalho em processo, coletivo, que acontece na rua. Neste jogo cênico, como Orlandi afirma: Há tensão entre interlocutores: tomar a palavra é um ato social com todas suas implicações (…), mas gostaríamos de incorporar a essa visão da linguagem como modo de ação o fato de que esse modo é interacional e a ação, ou então a interação de que se fala, é social e, logo, com características próprias mas que se relacionam com as ações sociais em geral. (Orlandi, 1996, p. 151)
  • 50. 50 Imagem 7: Sophia tirando de dentro do “corpo” fragmentos de texto
  • 51. 51 Além disso, Turner esclarece, estas interações que provocam experiências: Essas experiências que interrompem o comportamento rotinizado e repetitivo – do qual elas irrompem –, iniciam-se com choques de dor ou prazer. Tais choques são evocativos: eles invocam precedentes e semelhanças de um passado consciente ou inconsciente – porque o incomum tem suas tradições, assim como o comum. Então, as emoções de experiências passadas dão cor às imagens e esboços revividos pelo choque no presente. Em seguida ocorre uma necessidade ansiosa de encontrar significado naquilo que se apresentou de modo desconcertante, seja através da dor ou do prazer, e que converteu a mera experiência em uma experiência. Tudo isso acontece quando tentamos juntar passado e presente. (Turner, 2005, p. 179) A performance de Sophia e Byxa nas ruas de Bragança, em um ritual fúnebre- festivo que remete aos grupos marginalizados e à violência que estes sofrem, provocam experiências no outro, no espectador. É o jogo lúdico em que o outro, em um instante se torna espectador, e em outro, já está tão envolvido com a ação que passa de público para ator, artista, intérprete. Para que as interações com o outro se estabeleçam da melhor forma Augusto Boal (1982) em seu livro “Jogos Teatrais para Atores e não atores” argumenta que o jogo cênico de improviso é estudado e teorizado, porém este jogo está intrinsicamente em nós quando agimos nas nossas interações sociais cotidianas. E Marcelo Lazzaratto, ator, diretor e pesquisador teatral, afirma ser impossível descrever um método de improvisação, pois o método por si acaba, e a improvisação está em processo. Assim, nunca se falou e nem é possível falar em um método de Improvisação, pois traria em si uma contradição incontornável. Um método traz em sua essência uma ideia de finitude, acabada, uma fórmula pela qual se chega a um resultado já comprovado e verificado. Ora, a Improvisação é exatamente o oposto. Ela nunca será um fim e sim um meio. Não é possível dizer que se você fizer de tal e tal maneira num improviso você chegará a tal resultado, pois ela abre, durante seu acontecer, inúmeras possibilidades, que uma vez desenvolvidas, podem chegar a resultados diversos, tantas vezes quantas for realizada. Nunca se saberá ao certo qual será o fim de um Improviso. Ele dependerá de inúmeras variantes subjetivas que dizem respeito somente aos artistas que o executam. (Lazzaratto, 2012, p. 33-34) Logo, dos choques de dor e prazer, do jogo cênico invisível e de improviso, das interações na rua com o outro, no dia da “Égua de 4”, Sophia, que até então era a artista, intérprete, se tornou público-artista e conheceu o Artista Intérprete e sua Obra.
  • 52. 52 O PASSISTA OU O INTÉRPRETE OU O CURINGA Imagem 8: O Poeta Palhaço na primeira interação com a performance de Sophia e Byxa
  • 53. 53 Durante a performance fúnebre-festiva, da Égua de 4, ao chegarem próximo ao ponto da feira em que à noite se vende cigarros e que normalmente tem uma concentração de pessoas, Sophia e Byxa foram surpreendidas com um senhor que sem perceberem já estava lá ao lado delxs. Primeiro aproximou-se meio agressivo querendo chutar x mortx (o bolo de bolsas e figurinos que estavam dentro da rede, junto com as flores, que representavam uma pessoa morta), e depois fez um gesto carinhoso, deitou sua cabeça sobre o “corpo”. Era perceptível que ele já estava um pouco embriagado, e incentivado pela turba entrou em ação, de forma que Sophia, como projeto artístico ficou em segundo plano para o discurso do artista, que apresentou-se em rima e ações simbólicas, e alterou a relação de jogo, tempo e espaço proposta por sophia e Byxa, pois como afirma Bauman (2003, p. 132): “a relação entre tempo e espaço deveria ser de agora em diante processual, mutável e dinâmica, não predeterminada e estagnada”. Para Salles o artista tem que estar aberto ao imprevisto, e aquilo que poderia ser colocado como um “erro” passa a fazer parte da obra. Ele deve permitir-se o jogar com o outro, aceitar a interferência deste e estabelecer redes para a sua criação, e quantas mais relações são estabelecidas, seu processo se torna mais complexo. De acordo com Salles (2016, p. 144) para muitos artistas “o erro, ao ser avaliado, é recebido como acaso criador que leva a descobertas”. E “o acaso é, algumas vezes, associado pelos artistas aos acontecimentos sobre os quais eles não sentem seu total controle consciente”. Rapidamente, ao indício do poeta iniciar a declamação de seus versos, Sophia tirou seu celular e filmou o instante único de inspiração efêmera em que o curinga da caminhada lê e interpreta a partir de suas experiências “formativas e transformativas” (Turner, 2005, p. 179) a tradução, a performance, feita por Sophia e Byxa, das agressões e violências sofridas por corpos trans e/ou fora dos padrões heteronormativos. Neste exato momento, Sophia diante do impreciso, do novo jogo proposto, aceita a inferência do outro como parte de sua performance, pois, “o artista aciona determinados princípios que balizam essa avaliação e faz cortes, adições, substituições, deslocamentos, ou seja, qualquer tipo de modificação” em sua obra. (Salles, 2016, p. 133). E como Renato Cohen concorda: “A inserção do ‘erro’, do elemento de risco, do fugidio – no momento da apresentação é premissa da cena do work in process”. Além disso, o senhor que era público tornou-se artista em um instante imperceptível de interação, pois para Turner: O pensador tem seu momento estético quando suas idéias deixam de ser meras idéias e transformam-se em significados corporificados, em objetos. O artista tem seus problemas e pensa enquanto trabalha. Mas seu pensamento é mais imediatamente incorporado no objeto. Por conta do distanciamento comparativo de seu fim, o cientista opera com símbolos, palavras e signos matemáticos. O artista realiza seu pensamento nos próprios meios qualitativos com quais ele trabalha, e os termos situam-se tão próximos ao objeto que ele está produzindo que se fundem diretamente neste. (Turner, 2005, p. 181)
  • 54. 54 Quando mostrado o vídeo4 do Palhaço para um amigo, morador de Bragança, este reconheceu o artista que se apresenta rimando no registro de áudio e vídeo, e afirmou que o artista é conhecido, na feira, como Palhaço, é natural de Viseu-PA e não gosta do apelido de palhaço. Em conversa com outro bragantino, este me confirmou que o senhor de apelido palhaço é o Poeta Palhaço e é publicitário das ruas, com ações midiáticas em bocas de ferro e bike som. A partir da conceituação dos tipos de discurso definidos por Orlandi (1996), pode- se dizer que tanto o discurso de Sophia e Byxa do Mato, quanto o discurso do Palhaço permanecem na classificação de discurso lúdico, pois a função poética é próxima do non sense, “o dizer lúdico diz: isto é um jogo” (Orlandi, 1996, p. 155). É um jogo cênico de improviso, que é invisível ao transeunte que se torna público e artista, pois sem perceber as teorias que fundamentam a construção deste jogo cênico, o publico-artista já está envolvido nele. O Poeta Palhaço sente, aceita e participa do jogo, reinterpretando a cena, interage com o meio e traduz em uma outra performance a performance que está acontecendo, pois de acordo com Claudia de Lima Costa: A virada tradutória, por assim dizer, mostra que a tradução excede o processo linguístico de transferências de significados de uma linguagem para outra e busca abarcar o próprio ato de enunciação – quando falamos estamos sempre já engajadas na tradução, tanto para nós mesmas/os quanto para a/o outra/o. Se falar já implica traduzir e se a tradução é um processo de abertura à/ao outra/o, nele a identidade e a alteridade se misturam, tornando o ato tradutório um processo de des-locamento. (Costa, 2012, p. 44) E a partir de Lukács, pode-se confirmar que em toda a contextualização da performance de resistência que Sophia desenvolve em seu trabalho coletivo, em processo, desenvolvido na rua: Não existe uma "maestria" separada e independente de condições históricas, sociais e pessoais que sejam adversas a uma rica, vívida e ampla reprodução da realidade objetiva. A inclemência social dos pressupostos e condições exteriores da criação artística exerce necessariamente uma ação deformadora sobre as próprias formas essenciais da representação. (Lukács, 1965, p. 59) O Intérprete Palhaço em sua ação transforma a obra de Sophia e Byxa do Mato – que fala sobre a violência sofrida por travestis, transexuais e homossexuais –, pois ele aceita o jogo e interage, provocando o desdobramento e a mudança de interpretes da ação, ou seja, as interações de sophia e Byxa na feira provocam a reação das pessoas que consequentemente reinterpretam o que está sendo interpretado por sophia e Byxa, e desta forma surge outra obra, como objeto artístico, a partir da primeira performance proposta. 4O resultado em vídeo ao qual me refiro neste artigo está disponível no canal do youtube da Égua Sarau: https://youtu.be/0RvadDRowZY. Segue também em anexo a este artigo um dvd contendo o vídeo.
  • 55. 55 A OBRA DA OBRA DA OBRA OU AS PISCADELAS O registro em áudio e vídeo da performance do Poeta Palhaço é o terceiro desdobramento da ação proposta por sophia e Byxa do Mato, pois primeiramente apresentou-se uma performance nas ruas de Bragança; mas que ao chegar na feira, foi visivelmente alterada para uma outra obra, uma outra performance, cujo intérprete é o Poeta Palhaço; e quando esta performance foi registrada em áudio e vídeo, surgiu outra “obra de arte”, que será “lida” e reinterpretada (retraduzida) novamente por quem acessá- la, como Geertz sustenta: estamos “explicando explicações” (1989, p. 19). Imagem 9: Poeta Palhaço e Sophia interagindo com o público-artista na feira
  • 56. 56 Além disso, este registro apresenta-se como a fixação etnográfica do discurso social do Artista Palhaço, e é a documentação de sua tradução feita a partir de choques de dor e/ou prazer provocados pela performance de Sophia no evento “Égua de 4”, pois: Antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram – apascentando outros carneiros em outros vales – e assim, incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou. (Geertz, 1989, p. 41) Dizem que esse morto é de viado Garante que é legal com os outro pensando que a gente é abestado Todo mundo tá vendo que é só o filé Que isso é um monte de flor ou se ele for homem ou mulher Pensando que Deus tá lembrando do Caeté E mano eu gostei de ti tu é muito experiente Tu tem um bocado de coisa butado aqui na frente Tu não bate palma pro remo nem pro payssandu Eu não gostei disso aqui. Será que vale ao menos dez centavos teu cu? Meu irmão isso aí é muito bacana todo modo de pensar Essa cá a caixinha que tu bota pra tocar Aí bota esse papel na cabeça pro pessoal se intimidar Ai tem um bumbum buraco deste tamanho. Quem é que não quer enfiar? Todo mundo fica olhando, e tu não pode pensar pra minha vida bacana e não é conforto Todo mundo sabe pode pegar teu payssandu que tá morto Pra mim é muito bacana olhei pro céu tava azul Mas foi muito bacana eu não sou de sururu (ininteligível) … Todo mundo tá vendo que é original Ai calma devag… Calma Satanás Calma! Calma em nome dele Calma Satan.. E todo mundo tá vendo que o bicho é enjoado Todo trabalho de versar tem um rebolado Aí todo mundo tá vendo que tá tremendo
  • 57. 57 Eu sei o que ele tá merecendo Eu não vou botar Porque eu cherei e tá fedendo (Palhaço, 2017) Esta é a transcrição da rima feita de improviso por Palhaço, quando este encontra Sophia e Byxa durante a ritualização da morte de uma amiga travesti; provocado pelo público que se encontrava na feira, Palhaço cria uma cena de improviso em rimas versadas que remetem à cultura local e à sua visão de mundo. A decisão de transcrever o texto acima sem as pontuações de intenção e a descrição dos gestos do Poeta Palhaço ao recitar a rima, nem tão pouco as respostas da platéia animada, que correspondia eufórica a cada ação e/ou frase dada pelo jogo cênico de improviso, estabelecido, tem o objetivo de criar interesse, para que as pessoas assistam ao vídeo, registro desta performance, que se tornou a outra “obra de arte”; e também para valorizar a oralidade em rimas criada espontaneamente por Palhaço, e que também pode considerar como sendo uma obra artística, pois quando lida adentrará o imaginário das pessoas, que recriarão em sua imaginação os gestos, a fala, o sotaque, as sonoridades e entonações. O registro em vídeo é a outra obra onde se pode observar a performance com mais proximidade do espaço e do tempo únicos vividos naqueles instantes na rua. O video editado do registro tornou-se a própria obra, o outro desdobramento da performance- obra, que não pertence mais ao Palhaço, nem a Sophia, pertence às pessoas que tem acesso e estão conectadas digitalmente, e desta forma pode tornar-se um vídeo viral, ou um vídeo-obra-registro de ações performáticas na rua, ou até mesmo um video etnográfico, por mostrar registros de pessoas que permeiam a feira, e a cena artística e cultural de Bragança. Segundo Roland Barthes, o vídeo, assim como toda “arte imitativa”, comporta duas mensagens: uma analogia (mensagem denotada) e uma mensagem conotada através de uma “reserva de estereótipos” (Barthes, 1990, p. 13), de uma “teia de significados” (Geertz, 1989, p. 15), de “resultados cumulativos de experiências passadas (Turner, 2005, p. 179). Logo, o vídeo, registro da performance do Poeta Palhaço, é a “vivacidade” da performance contemporânea, a “suspensão do tempo” (Goldberg, 2007, p. 281), que poderia se perder no espaço e no tempo caso o jogo efêmero de improviso entre o poeta e Sophia não tivesse sido registrado. CONCLUSÃO As performances de Sophia são re(des)construções de percursos histórico- temporais em processo no imaginário coletivo (experiências) das pessoas que constróem conjuntamente a performance com Sophia. E é a partir deste imaginário que Sophia transforma o espaço e o tempo do local em que a performance acontece. Diferentes
  • 58. 58 corpos se conectam, interagem entre si, e realizam uma imersão em outros planos, outros mundos possíveis de imaginação e em outras propostas de jogo cênico invisível de improviso. A performance contemporânea característica do projeto Sophia possibilita reproduções, desdobramentos, retraduções em diferentes linguagens e contextos históricos-sociais específicos, que buscam a interrelação, a intersubjetividade entre corpos midiáticos, que resistem aos discursos polêmicos e autoritários e extravasam ludicidade e interação dialógica onde o discurso lúdico é reinterpretado para além do amarrado pela escrita, num jogo cênico onde “real” e “mítico” e “moral” e “amoral” se misturam, suplementam-se, liquefazem as durezas de espírito e acalentam a alma. Sophia, é corpo de resistência poética política, composta de derivações inefáveis das nossas tramas de significados, nossas redes de afetos, desejos e repulsas, trava rua conectada para além da teoria no corpo, onde a teoria está reescrita a ferro fogo, é Paz mundial, é desdobramentos de diversão e de conforto, de se sentir segura fazendo o que quiser. O encontro de Sophia com o Artista Palhaço prossegue desde outros mundos e conexões, pois as artes são fruição de sentidos, estão em nós, fluem vivas e pulsantes, liquefazendo corpos e discursos em uma alinearidade que foge à nossa percepção de espaço tempo real, são desconstruções de fronteiras por meio de um diálogo que interage, em que realmente se compartilham sensações. Por fim, Sophia é uma forma de empoderar-se de uma identidade fluida de gênero, é automaticamente estar de encontro às rochas, batendo firme, todo dia em volumosas ondas, perfurando pedras, e mudando praias de lugar, alterando o espaço e o tempo tradicionais, que estamos acostumados a carregar, e Sophia transmuta novos espaços e tempos em busca de outras interações possíveis em que obra de arte, artista e público se “com-fundem” (fundem confundindo, confundem fundindo com) em um trabalho em processo, que está fora do alcance das mãos e tem vida própria.
  • 59. 59 Imagem 10: Sophia ritualizando a morte de sua amiga na esquina do Bar Viuva Negra em Bragança-PA
  • 60. 60 REFERÊNCIAS Video Obra da rima do Poeta Palhaço. Disponível no canal do youtube da Égua Sarau: <https://youtu.be/0RvadDRowZY>. Áudio registro do Relato de Fernanda Sobre a Égua de 4 realizado por Arthur Leandro no dia 05/08/2017. Disponível no canal do soundcloud da "Égua de 4" <https://soundcloud.com/egua-sarau/relato-de-fernanda-sobre-a-ega-de-4>. BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso: ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BOAL, Augusto. 200 Exercícios e Jogos para o Ator e o Não-Ator Com Vontade de Dizer Algo Através do Teatro. ed. 4. Rio nde Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subverão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. CARLSON, Marvin. Performance: Uma Introdução Crítica. Trad. Maria Antonieta Pereira e Thais Flores Nogueira Diniz. Belo Horizonte: UFMG, 2010. COHEN, Renato. Work in Progress na Cena Contemporânea: criação, encenação e recepção. São Paulo: Perspectiva, 2004. COSTA, Claudia de Lima. Feminismo e Tradução Cultural: Sobre a Colonialidade do Gênero e a Descolonização do Saber. In: SANTOS, Emanuelle. SCHOR, P., eds. P: Portuguese Cultural Studies: Brazilian Postcolonialities, n. 4, Fall 2012, p. 41-65. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GOLDBERG, Roselee. A Arte da Performance: do futurismo ao presente. Trad. Jefferon Luiz Camargo. Liboa: Orfeu Negro, 2007. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. ed. 10. DP&A Editora, 2005. LAZZARATTO, Marcelo. Improvisação, uma necessidade. Pitágoras, 500 – vol. 2 – Abr. 2012. LUKÁCS, G. Narrar ou Descrever? In: Ensaios sobre Literatura. ed.2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. 43-94. ORLANDI, Eni Puccinelli. A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso. ed. 4. Campinas, SP: Pontes, 1996. SALLES, Cecilia Almeida. Redes da Criação - Construção da obra de arte. ed. 2. São Paulo: Editora Horizonte, 2016. TURNER, Victor. Dewey, Dilthey e Drama: um ensaio em Antropologia da Experiência In: Cadernos de Campo v. 13, n. 13. Trad. Herbert Rodrigues. Revista dos Alunos de Pós- Graduação em Antropologia Social da USP., 2005, p. 177-185.
  • 61. PESCANDO INFÂNCIAS: espaços de aprendizagem e interação de crianças no contexto da pesca artesanal, Vila Tucum / Bragança-PA Jéssica do Socorro Leite Corrêa1 Daniel dos Santos Fernandes2 A pesquisa realizada com crianças no contexto da pesca artesanal nos aproximou de aspectos sociais, culturais, ambientais e educacionais do contexto pesqueiro na Vila Tucum3, na cidade de Bragança-PA, mas especificamente da maneira como pescadores de camarão de forma intencional ou não aproximam seus filhos dos saberes que envolvem a pesca. Com relação ao espaço de pesquisa é válido destacar que o nome da Vila que apresentamos no decorrer desse artigo surge a partir da forma como os moradores envolvidos na pesquisa identificam o espaço em que vivem, que tem origem a partir da explicação do surgimento da vila ou para alguns do seu crescimento, pois a Vila Tucum originou-se com a expansão da Vila do Castelo. De acordo com Barraca4 (pescador), 39 anos, com o crescimento populacional não havia mais terreno para a construção de casas, foi quando doaram um terreno anterior a Vila do Castelo que tinha muitas árvores de tucumã, esse espaço foi ocupado principalmente por pessoas vindas de outros lugares, que é o caso da família de Barraca, que veio com os pais e os irmãos da extinta Praia do Picanço. Os principais enfoques da pesquisa foram as representatividades construídas pelas crianças dos espaços de convivência e também seus saberes no contexto da pesca artesanal. Quais os mecanismos e os espaços construídos à aproximação dessas crianças nos movimentos de pesca? Quais as maneiras que essas crianças constroem suas representatividades dos espaços em que vivem? Esses questionamentos nos direcionaram 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguagens e Saberes da Amazônia / UFPA. Membro do grupo de Pesquisa Laboratório de Estudo Linguagem, Imagem e Memórias (LELIM). Correio eletrônico: etieljessica@gmail.com 2 Professor Doutor em Antropologia, Coordenador do grupo de Pesquisa Laboratório de Estudo Linguagem, Imagem e Memórias (LELIM). Correio eletrônico: dasafe@msn.com 3 A Vila Tucum corresponde a área de extensão da Vila do Castelo, localizada a aproximadamente 15km do centro da cidade de Bragança-PA. 4 Barraca é um dos pescadores que acompanhamos na Vila Tucum, destacamos o nome Tucum, pois durante as primeiras pesquisas de campo, o pescador com 35 anos de profissão, nos apresentou a comunidade, sua história, expansão e principais características.